O Período Patrístico (100 - 451 A.D)
A lei de Cristo
Pr. João Ribeiro, convidado da ieb@7Rios e representante do Seminário Teologico Baptista junto da nossa igreja, no dia da Educação Teologica
CRISTO, O MÉDICO MISERICORDIOSO
Nos capítulos 8 e 9 são alistados nove milagres que mostram o poder de Jesus sobre as enfermidades (8.1–17), a natureza (8.23–27), os demónios (8.28–34), a morte (9.18–26), a cegueira (9.27–31) e a mudez (9.32–34). A conversão de Mateus aparece entre esses milagres (9.9-13), logo após um milagre espetacular que objectivou demonstrar o poder de Jesus sobre o pecado (9.1–8).
O relato de Mateus é simples e direto. Ele estava exercendo sua vocação na coletoria, como fazia todos os dias, quando Jesus passou ali. Cristo olhou para ele e disse: “Segue-me!” Com isso, Mateus levantou-se e seguiu-o (Mt 9.9). Este foi um momento que mudou a vida de Mateus para sempre. Lucas 5.28 acrescenta uma expressão significativa: “e, deixando tudo, o seguiu”. Mateus abandonou tudo para seguir Jesus. Mateus não contou este detalhe de si mesmo, mas Lucas o fez — e isto fala muito sobre a natureza da conversão de Mateus.
Quando Jesus disse a Mateus para segui-lo, ele estava dizendo: “Eu quero que você seja meu discípulo. Quero que venha após mim, pois eu o instruirei e prepararei para uma missão espiritual. Mateus sabia que se abandonasse o seu posto, no dia seguinte, Roma já nomearia alguém para tomar o seu lugar. Portanto, Mateus compreendeu que, quando Jesus disse “Segue-me”, seria preciso abrir mão de tudo e entregar sua vida a Jesus. Mas o chamado de Jesus foi tão irresistível que Mateus se levantou e, deixando tudo, o seguiu. Ele perdeu um emprego seguro, mas encontrou um destino. Ele tornou-se um dos doze apóstolos de Cristo e teve a honra de escrever o evangelho que leva seu nome.
Mateus, em seguida, ofereceu o banquete em sua própria casa, sendo Jesus o convidado de honra (Mt 9.10; Lc 5.29). Muitos “publicanos e pecadores” atenderam o convite e se reclinaram à mesa com Jesus e com aqueles discípulos que nessa ocasião já se haviam convertido em seus seguidores permanentes.
Esta associação representava um escândalo para os fariseus. Os publicanos eram considerados colaboradores do invasor inimigo. Estes homens eram tão desprezados, que não podiam ter participação na sinagoga. Eles tinham uma reputação tão má, que não eram autorizados a testemunhar nos tribunais da época. Eram considerados animais imundos e tratados como porcos. Eram tidos como grandes mentirosos e contados junto aos ladrões e assassinos. Por este motivo, a expressão “publicanos e pecadores” havia se tornado um título para a escória da sociedade. É por isso que quando os fariseus viram Jesus associar-se desse modo com os proscritos da sociedade, foram aos discípulos perguntando-lhes: “Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores?” (Mt 9.11).
Tendo ouvido a conversa, Jesus respondeu: “Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e, sim, pecadores” (Mt 9.12,13). Jesus compara os pecadores a enfermos que precisam de um médico. A analogia é simples: espera-se que um médico vá visitar o doente (pelo menos esse era o caso nos dias de Jesus); da mesma forma, é de se esperar que um salvador visitasse os pecadores. Assim, Jesus desmascarou os fariseus, mostrando que eles eram capazes de taxar as pessoas de pecadoras, mas que viviam em total indiferença à condição delas.
Jesus veio para salvar os perdidos. Mateus compreendeu isso. Os escribas e fariseus, não. Na opinião deles Jesus estava associando-se com os “pervertidos”. Os fariseus consideravam-se a si mesmos saudáveis e não estavam dispostos a confessarem-se necessitados de Jesus. Os publicanos e pecadores, em contrapartida, estavam mais dispostos a reconhecer sua verdadeira condição e procurar a graça salvadora de Cristo.
Aos olhos dos fariseus, os publicanos e pecadores eram por demais enfermos. Assim, é com base no próprio raciocínio deles que Jesus constrói o seu argumento. O ofício do médico é curar o sadio ou o doente? O doente, com certeza. Então Jesus prossegue: “Ide e aprendei” o que significa: Eu quero misericórdia, não sacrifício (Os 6.6). Ou seja, “Religião” sem bondade ou misericórdia é sem valor. A esta citação de Oseias, Jesus adiciona: Porque não vim chamar justos, e, sim, pecadores. “Em consonância com o que Deus diz em Oséias: como médico, Jesus veio para dar respostas às necessidades e demonstrar misericórdia, um tipo de misericórdia que os fariseus, deviam também demonstrar. O chamado ao qual se faz referência aqui é um chamado “ao arrependimento”, conforme o registo de Lucas (Lc 5.32), e se acha também implícito em Mateus e Marcos.
Esta passagem evidencia que não é aos que se consideram
dignos, mas, antes, aos que reconhecem que são pecadores que o convite da
salvação é estendido. Jesus veio salvar foi a pecadores, perdidos,
sobrecarregados, famintos, sedentos (Mateus 5.6; 11.28–30; João 7.37,38).
Lições que podemos extrair desta passagem:
(1) Esta passagem apresenta-nos Jesus como um médico, que
veio para dar saúde espiritual a almas enfermas pelo pecado.
Os versículos 12-13 conectam o ministério de cura de Jesus com sua “cura” de pecadores (Mt 8.17). Os enfermos precisam de um médico (v. 12), e Jesus os curou; da mesma forma, os pecadores precisam de misericórdia, perdão, restauração e Jesus os curou também (v. 13). Portanto, Jesus é o médico que cura as doenças tanto espirituais quanto físicas.
Jesus ia até os pecadores porque eram pecadores, assim como um médico vai aos enfermos porque eles estão enfermos. Assim como os médicos que atendem aos mais enfermos, Jesus ministrava aos mais injustos.
Os fariseus não haviam compreendido o evangelho que Cristo veio anunciar: que para Deus a “misericórdia era mais importante que os sacrifícios cerimoniais” (Os 6.6). Os fariseus se consideravam “saudáveis” diante de Deus por causa da observância da lei e, portanto, estavam cegos para sua doença espiritual. O ponto de Jesus é que apenas aqueles que percebem sua necessidade vêm a ele para receber a ajuda de que precisam.
Os fariseus, entretanto, não eram tão saudáveis quanto pensavam (Mt 7.1-5). Aliás, Jesus já havia dito no sermão do monte: “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.20). Portanto, os "saudáveis" são aqueles que pensam que são justos, como os fariseus, e os "doentes" são aqueles que percebem que são pecadores e precisam do remédio de Jesus. Consequentemente, Jesus não pode curar os orgulhosos, os que se consideram justos e não se arrependem — assim como os fariseus.
(2) O Senhor Jesus pode mudar qualquer coração humano e fazer novas todas as coisas.
Cristo pode tomar um coletor de impostos e transformá-lo em apóstolo. Quando Jesus chama alguém – não apenas externamente, mas internamente – a vida da pessoa nunca mais permanece a mesma.
Não existem pecados tão inumeráveis e tão corruptos que não possam ser perdoados por Cristo. Nenhum coração é tão perverso para ser transformado. Aquele que chamou Mateus continua a ser o mesmo. Com Cristo, nada é impossível. Continuemos a orar e a testemunhar para o bem das almas dos piores homens. “A voz do Senhor é poderosa; a voz do Senhor é cheia de majestade” (Sl 29.4). Quando o Senhor diz, pelo poder do Espírito, “segue-me”, pode fazer os maiores pecadores e os mais pecaminosos obedecerem.
(3) A conversão é motivo de alegria para o crente.
Quando Mateus se converteu, ofereceu a Jesus “um grande banquete em sua casa”. Um banquete é uma ocasião de regozijo e alegria (Ec 10.19). Mateus considerou a mudança ocorrida em sua vida uma ocasião de regozijo e desejou que os outros se alegrassem com ele (cf.: Lc 15.32).
(4) Os convertidos desejam promover a conversão de
outros.
Após se converter, Mateus ofereceu um banquete e convidou “outros publicanos”. Ele conhecia bem a necessidade das almas daquelas pessoas, pois havia sido uma delas. Desejou fazê-las conhecer o Salvador, que havia sido misericordioso para com ele. Um verdadeiro crente sempre demonstrará esse mesmo sentimento de Mateus. Tendo recebido misericórdia, não devemos ficar quietos.
É verdade que a associação com os incrédulos deve ser tratada com sabedoria para que o compromisso ético seja evitado, mas o receio de tal comprometimento não pode se tornar uma desculpa para o isolamento daqueles que mais precisam da mensagem de salvação (cf.: 1 Co 5.9-10).
(5) Jesus só abre as portas da graça aos que se reconhecem pecadores (9.10–13).
O evangelho segundo Jesus é, antes de mais nada, uma ordem ao arrependimento. Desde o início do ministério de Jesus, quando o Senhor começou a pregar, a primeira palavra de sua mensagem foi “arrependei-vos” (Mt 4.17). Esta foi, também a primeira palavra da pregação de João Batista (Mt 3.2), e foi a própria base do evangelho pregado pelos apóstolos (At 3.19; 20.21; 26.20). Qualquer que negligenciar a chamada dos pecadores ao arrependimento não estará pregando o evangelho segundo Jesus.
Ao relatar o episódio da conversão de Mateus, Lucas inclui duas palavras: “Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento” (Lc 5.32). Aqueles que vêem a si mesmos como pessoas boas, e aqueles que não percebem o peso do seu pecado e deseja livrar-se dele, o Senhor não lhe concede a salvação.
Em suma, se nos consideramos justos, o Senhor Jesus nada tem a dizer a nós. Se nos consideramos pecadores, Cristo nos chama ao arrependimento. Então, qual será a sua resposta a chamada de Jesus Cristo?
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Referências: Carson, D.A. 2018. The Gospels and Acts. (In Carson, D. A., Ed. NIV Biblical
Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1716–1717). / Crossway
Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. Ryle, J.C.
2018. Meditações no Evangelho de Lucas.
São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Hendriksen, W. 2014. Lucas. SP: Editora
Cultura Cristã. / Lopes, H.D. 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis.
SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2008. O Evangelho Segundo Jesus.
São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo
Testamento. SP: Mundo Cristão. / Ryle, J. C. 2018. Meditações no Evangelho de Mateus. São José
dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em
Mateus. SP: Editora Cultura Cristã.
Pastor Leonardo Cosme de Moraes
O QUE É A FÉ?
O capítulo 11 de Hebreus apresenta-nos diversos modelos de fé do
AT. Concluindo essa lista de honra da fé está o retrato de Jesus como o “Autor
e Consumador da fé” (12.2,3). Somos encorajados neste texto a olharmos para
essa grande "nuvem de testemunhas”, e particularmente para Jesus, a fim de
suportarmos a oposição e as provações desta vida (12.1-13).
A natureza da fé (1.1): o que ela é, e o que ela faz?
A palavra fé (pistis), que ocorre 24 vezes somente neste
capítulo, é primeiramente definida (11.1-2), não de forma abrangente, mas de
maneira tal que prepara o argumento da secção como um todo. A doutrina de que o
universo foi formado pela palavra de Deus é apresentada como fundamental para o
tipo de fé que o autor está encorajando (11.3).
As principais palavras no versículo 1 são usadas em diferentes
sentidos na literatura grega. A palavra traduzida como ‘certeza’ (ARA) ou
‘fundamento’ (ARC) é hypóstasis. A palavra traduzida como
‘convicção’ (ARA) é élenchos que significa evidência,
demonstração, prova, e até documento de propriedade ou escritura. Os estudiosos
traduzem Hebreus 11.1 de várias formas. A razão disto é que a palavra-chave na
oração de abertura, hypóstasis, traz consigo pelo menos quatro
nuances de significado que se enquadram perfeitamente no contexto da carta aos
Hebreus.
A primeira maneira de considerarmos hypóstasis é
como a substância. Como lemos na versão King James para Hebreus 11.1: “Ora, a
fé é a substância das coisas esperadas”. O ponto é que a “fé
lança mão daquilo que é prometido e então espera por isso, como algo real e
sólido, apesar de ainda invisível”. Pela fé estas coisas são reais em nossa
experiência. Esta é a ideia de fé enfatizada na segunda metade do versículo 1,
em que lemos que a fé é a “convicção de factos que se não veem”. Assim, fé é a
“substância das coisas esperadas, a prova das coisas não vistas”.
Em Hebreus 11 a esperança é sempre relacionada com a fé (como
enfatizaram Crisóstomo e Calvino). Na medida em que os objetos da esperança
parecem não substanciais, a fé dá-lhes substancialidade, ou melhor, não a dá,
mas é ela mesma sua substância. Por exemplo, a nossa redenção final ainda não
veio, o nosso corpo glorificado ainda não existe substancialmente, mas a
esperança a traz à existência substancial em nossa alma. Paulo fala da
expectativa de fé em Romanos 8: “Porque, na esperança, fomos salvos. Ora,
esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas,
se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos” (Rm 8.24–25).
Neste sentido, a fé pode ser vista como uma capacidade concedida
por Deus para transcendermos a percepção natural dos sentidos físicos e
percebermos o que é invisível. A fé torna real para nós coisas que de outra
forma são irreais para a nossa experiência; ela apresenta para o nosso coração
coisas que não podem ser vistas com os nossos olhos.
A segunda maneira de considerarmos hypóstasis é
como um fundamento. A construção da palavra adapta-se a este uso - pela união de
dois termos gregos hypo (debaixo) e thesis (tese).
Uma hipóstasis é algo que fica debaixo de outra coisa, como a
fundação de um edifício. É desta maneira que Agostinho compreendeu Hebreus
11.1, que a fé é o ponto de partida que contém a certeza do fim. Pela fé
começamos o que por fim concluímos possuir e ver. A fé, neste sentido, é um
alicerce firme ou uma confiança firme ou bem fundamentada.
Na terceira possibilidade, hypóstasis pode ser
traduzida como ‘confiança’ ou ‘certeza’, que é como a
maioria das versões a traduz. Esta tradição trata do que é
a fé, a saber, uma confiança ou certeza nas coisas esperadas, mas ainda não
vistas. Não é certeza do desconhecido, mas do invisível.
Como Paulo escreveu: “visto que andamos por fé e não pelo que vemos” (2Co
5.7).
Por fé vivemos como se as coisas fossem diferentes de como
aparecem, por causa do que Deus disse. Noé acreditou que haveria um dilúvio
tendo como evidência nada mais do que a Palavra de Deus. Isto é fé. Pense em
Abraão vivendo como um peregrino por anos a fio, porque ele tinha a cidadania
da cidade futura. Ou pense em Moisés descendo ao Egito em total fraqueza – da
perspetiva do mundo – para exigir que as tribos de Israel fossem libertadas.
Estes crentes nos mostram modelos autênticos de fé. Eles mostram uma confiança
que se traduz em ação apesar de todo o testemunho contrário do mundo. Esta é a
ideia enfatizada no versículo 2, que indica aonde o autor de Hebreus está nos
levando neste capítulo: “Pois pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho”. O
que se segue neste capítulo é o registo daqueles homens e mulheres de quem Deus
testifica na Escritura. A fé (pistis) é apresentada aqui como uma
confiança perseverante em Deus que envolve obediência activa (3.18-19); com um
forte sentido de “fidelidade” ou “lealdade” (cf. 10.36-39).
Finalmente, esta palavra pode ser traduzida como garantia ou testemunho. Fé,
neste sentido, é a garantia das realidades celestiais pelas quais esperamos. A
fé é o título de propriedade de coisas que se esperam. É a garantia que nos
assegura a posse das coisas invisíveis e futuras agora mesmo. É um testemunho
interior que provê um antegozo das bênçãos espirituais que por fim iremos
desfrutar plenamente.
Podemos, portanto, parafrasear este versículo nas seguintes
palavras: A fé, por meio de seu caráter activo, dá substância, isto é, expressa
a realidade das coisas que se esperam; demonstra a verdade de coisas ainda não
vistas; reconhece a realidade do invisível e se deixa governar por essa
realidade (2 Coríntios 4.18, 2 Coríntios 5.7).
Duas ressalvas sobre fé, evidência e racionalidade
A Escritura apresenta-nos um sentido, muito particular, em que o
ver e o crer não estão em oposição. RC Sproul (2015) observa que
"o Novo Testamento chama-nos a colocar nossa confiança no evangelho com
base nas afirmações de testemunhas oculares, que relataram nas Escrituras o que
elas viram” (2 Pe 1.16; Lc 1.3). Por exemplo, quando Paulo
defende sua confiança na ressurreição de Cristo, em 1 Coríntios 15, ele apela
para testemunhas que viram pessoalmente Cristo ressuscitado: Cefas, os doze, os
quinhentos, Tiago e todos os apóstolos (vv. 5–7). Em seguida, ele escreve:
“Afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de
tempo” (1 Co 15.8). Paulo está dizendo: “Creio na ressurreição porque muitas
testemunhas oculares viram Cristo ressuscitado, e eu mesmo o vi”. Portanto, no
Novo Testamento existe sim uma ligação entre fé e ver, por outro lado, em
Hebreus 11, vemos que a natureza essencial da fé é descrita como a convicção de
coisas não vistas.
Fé e razão são coisas distintas, mas não são opostas. A Bíblia
fala de um conhecimento do Deus invisível é-nos revelado por intermédio do que
é visível (Rm 1.20). A própria criação proclama a realidade do Criador (Sl
19.1). Em Hebreus 11.3 diz que “as coisas que são vistas não procedem de coisas
que são vistas”. Deus falou, e a matéria foi criada. Se Deus houvesse trazido o
mundo à existência a partir de matéria preexistente, essa matéria teria exigido
uma causa material, e esse próprio material teria exigido uma causa
material, e assim por diante, em todo o processo regressivo até à eternidade, o
que é um absurdo. Mas a Bíblia diz que o Deus eterno e autoexistente foi a
causa eficaz do universo.
Hebreus 11.3 responde uma antiga questão filosófica: “Por que
existe algo, ao invés de nada?” Pela lógica sabemos que “do nada, nada vem”. O
nada não pode produzir algo. Algo tem de ser autoexistente; algo precisa ter em
si mesmo o poder de Ser para que alguma coisa exista realmente. Quando a Bíblia
diz que Deus criou o cosmos do nada, isso não é o mesmo que dizer que, uma vez
havia nada e, então, a partir do nada, algo surgiu. O ensino bíblico é “No
princípio, Deus…” - autoexistente e eterno em seu ser, e que somente ele tem a
capacidade de criar coisas a partir de nada. Deus, pelo poder de sua palavra,
trouxe à existência o universo (Sproul, 2017).
Implicações práticas
(1) A salvação depende da fé. A fé é o canal pelo
qual recebemos os benefícios da obra salvadora de Cristo. É por meio da fé que
somos salvos, e por falta da fé é que estamos perdidos (Hb 10.36–39). A fé é o
meio pelo qual o crente apodera-se de Cristo e das bênçãos do tempo do fim que
Ele traz. A fé não confia em si mesma, mas no seu objeto. Cristo, o objeto de
nossa fé, é, quem nos salva; e isto Ele faz pela graça mediante a fé. A fé é a
nossa resposta ao que Deus diz em sua Palavra. O que Deus nos diz em Sua
palavra é que confiemos no evangelho de seu Filho e assim sejamos salvos (ver
Rm 5.1).
(2) A fé cristã diz respeito a crer no próprio Deus. Quando
Deus foi a Abraão, que é conhecido como “o pai dos que creem” (Rm 4.11–16), ele
lhe falou sobre o futuro. Ele disse: “Sai da tua terra, da tua parentela e da
casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei …” (Gn 12.1–3). Abraão creu
em Deus. Ele saiu, não sabendo para onde iria, e partiu para uma terra e um
futuro que nunca tinha visto. O Novo Testamento nos diz que ele “aguardava a
cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hb
11.10). Abraão procurava um lugar porque Deus lhe havia dito que lhe mostraria
o lugar. Ele confiou em Deus. Como Abraão, somos peregrinos e forasteiros neste
mundo, e procuramos uma pátria celestial, a cidade cujo arquiteto e edificador
é Deus. Ainda não vimos esta cidade, mas sabemos que ela existe, e a convicção
para isto é a confiança que temos naquele que promete que isto acontecerá. Em
essência, isto é a fé. Não é crer em algo sobre Deus. É crer no próprio Deus
(Sproul, 2013).
(3) A peregrinação da vida cristã é uma jornada de fé. No primeiro
estágio de nossa experiência cristã, recebemos a Cristo e cremos nele para a
nossa redenção, mas toda a peregrinação do cristão está alicerçada e
fundamentada nessa confiança. Essa é a razão por que Deus falou ao profeta
Habacuque: “O justo viverá pela sua fé”. Esta afirmação é citada três vezes no
Novo Testamento (Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38), enfatizando que Deus se agrada
quando seu povo vive por confiar nele. Esta expressão “o justo viverá pela sua
fé” é demonstrada por Jesus em seu conflito com Satanás, no deserto, quando
Jesus lembra ao Diabo que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que
procede da boca de Deus (Mt 4.4; Dt 8.3). Dizer que vivemos de todas as
palavras que Deus fala é o mesmo que dizer que vivemos pela fé. Encontramos a
Deus em sua Palavra. Confiamos nossa vida, alma e corpo a ele, ao seu sistema
de valores, à sua estrutura e à sua Palavra (Phillips, 2018).
(4) A fé torna-nos agradáveis a Deus e úteis aos outros nesta
vida. A fé é a raiz de um caráter cristão autêntico. Os nossos
antepassados creram em Deus, confiaram na Palavra de Deus e obtiveram de Deus
bom testemunho (11.2). Sem esta fé, o homem não pode agradar a Deus (11.6). Foi
a fé que colocou estes homens – Noé, Abraão, Moisés – na Bíblia. Nenhum deles
foi perfeito ou sem pecados, mas todos eles serviram ao Senhor pela fé.
Escrevendo sobre Moisés, J. C. Ryle disse: “Ao andar com Deus, um homem só vai
até onde ele acredita, e nada além. A vida dele sempre será proporcional à sua
fé. A sua paz, sua paciência e coragem, o seu zelo e suas obras – tudo será de
acordo com sua fé”. Aquele que crê não apenas será salvo, mas nunca terá sede,
irá superar, irá se estabelecer, andará firmemente sobre as águas deste mundo e
realizará grandes obras.
(5) A fé sustenta-nos em meio à provação e à dificuldade. A Fé
é apresentada em Hebreus 11 como uma perceção espiritual - uma visão do
invisível - como uma evidência de que Deus está agindo (Hb 11. 3, 27) apesar
dos obstáculos. Algumas coisas são invisíveis porque ainda não aconteceram
outras porque não podem ser vistas. Mas a confiança dos
crentes está fundamentada no Deus que se revelou em sua palavra e na pessoa de
Jesus Cristo, cujas promessas se provaram verdadeiras de geração em geração,
numa esperança segura de que Deus “nunca deixará nem abandonará” o seu povo (Hb
13.5). Somente pela fé o povo de Deus de facto encontra forças e coragem para
resistir ao mundo e às provações desta vida. Portanto, precisamos orar como os
discípulos em Lucas 17.5: “Aumenta-nos a fé”.
____________________
Referências: Calvino, J., 2012. Hebreus. São José dos Campos, SP: Editora
FIEL. / Chrysostom, J. 1877. Homilies of
St. John Chrysostom Archbishop of Constantinople in the Epistle of St. Paul,
the Apostle to the Hebrews. Oxford; London; Cambridge: James Parker and Co.;
Rivingtons. / Hagner, D.A. 2011. Hebreus. Grand Rapids, MI: Baker Books. / Louw,
J.P. & Nida, E. A. 1996. Greek-English lexicon of the New Testament: based
on semantic domains, 1, p.375–376. / Moo, D.J, 2018. The Letters and Revelation
(Em Carson, D. A. ed. Biblical Theology Study Bible NIV. Grand
Rapids, MI: Zondervan, p. 2217. Lopes, H.D. 2018. Hebreus: A Superioridade de Cristo. SP:
Hagnos. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento.
SP: Mundo Cristão. / Phillips, R.D. 2018. Estudos Bíblicos Expositivos em Hebreus: Como Enfrentar
os Desafios e Armadilhas do Mundo Confiando na Supremacia de Cristo.
SP: Cultura Cristã. / Olyott, S. 2012. A Carta aos Hebreus Bem Explicadinha: E Como Seu
Ensinamento Se Desenvolve na Prática. SP: Editora Cultura Cristã. /
Peterson, D. Hebreus. 2009. (Em Carson, D. A., ed.
Comentário Bíblico Vida Nova. SP: Vida Nova, p. 2012-2029). /
Sproul, R.C. 2013. O Que é Fé?. São José dos Campos, SP: Editora
FIEL. / Sproul, R.C. 2017. Somos Todos Teólogos: Uma Introdução à Teologia
Sistemática. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Taylor, W.C.
2011. Dicionário do Novo Testamento Grego. p. 233.
Pastor
Leonardo Cosme de Moraes
Não assassinarás
"Não assassinarás" (Êxodo 20.13)
Este é o sexto mandamento na íntegra. Em hebraico, ele é na realidade
ainda mais sucinto: לֹא (lō(ʾ)), a partícula de negação (“não”), e רָצַח (ratsakh), “assassinar”. Este mandamento ensina a santidade da vida humana. Ensina
que a vida humana, mais ainda do que outras formas de vida, tem valor único aos
olhos de Deus.
Deus criou-nos à sua imagem, e é
justamente esta doutrina que confere dignidade ao ser humano (Gn
1.26,27). Foi Deus quem deu-nos vida e atribuiu-nos valor (Sl 139.13; cf.
tb. Gn 2.7; At 17.25). O valor do ser humano não pode ser medido nem
limitado pelos padrões humanos. Todas as pessoas refletem a imagem de Deus e
devem ser valorizadas por isto.
A vida de um ser humano não pode ser
simplesmente extirpada, porquanto o ser humano foi criado à imagem de Deus (Êx
27.3); ou seja, uma vez que Deus é o doador de toda a vida, é ele quem pode
tirá-la no tempo que designou. A Bíblia ensina vida e a morte pertencem à
alçada de Deus (Fp 1.21-24). Em I Samuel 2.6, inequivocamente, a Escritura
afirma: “O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz
tornar a subir dela”. Em Eclesiastes 8.8a declara: “Nenhum homem há que
tenha domínio sobre o espírito, para retê-lo; nem tampouco tem ele poder sobre
o dia da morte”. No livro de Jó, lemos: “Visto que os seus dias estão
determinados, contigo está o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e
não passará deles” (Jó 14.5). É Deus, portanto, quem tem a palavra final sobre
a morte (veja I Co 15.26, 54-56; Hb 2.9, 14-15; Ap
21.4). Consequentemente, o roubo de vidas de bebés (Êx 21.22-25) ou de
nossa vida é um crime contra Deus. Como disse Jesus: “qualquer que matar será
réu de juízo” (Mt 5.21, Ap 21.8).
Estes são os mesmos princípios que
lemos no Breve Catecismo de Westminster, nas respostas 68 e 69: "o sexto
mandamento exige todos os esforços lícitos para conservar a nossa vida e a dos
nossos semelhantes" (Ref.: Sl 132.3-4; At 27.33-34; Rm 12.20-21; Lc 10.33-37)
[…] “o sexto mandamento proíbe o tirar a nossa própria vida, ou a do nosso
próximo injustamente, e tudo aquilo que para isso concorre" (At 16.28; Gn
9.6; Dt 24.6; Pv 24.11-12; 1Jo 3.15).
Finalmente, a Bíblia ensina que o sexto
mandamento não proíbe apenas o assassinato concreto, mas aquele cometido no
coração e exige que busquemos reconciliação (Mt 5.21-26, 1 Jo 3.15). No Sermão
do Monte, Jesus diz-nos para amarmos nossos inimigos e orarmos por aqueles que
nos perseguem. Ele diz que, se você é do tipo irado insensato, “nunca ficará
livre até pagar o último centavo”. Caso insista em derramar seu cálice de ira,
haverá mais ira para você.
Olhemos para o sacrifício vicário de
Cristo, que ao enfrentar a morte na cruz, orou: “Meu Pai, se for possível,
afasta de mim este cálice; todavia não seja como eu quero, mas como tu queres”
(Mt 26.39). Que cálice era esse? Era o cálice da Ira justa e perfeita dirigida
a pessoas como nós, que tantas vezes manifestaram uma ira ímpia e profana. Nós
merecemos esse cálice, mas ele tomou sobre si mesmo. Ele, o único que jamais
violou qualquer dos mandamentos. Os homens derramam o cálice da ira uns contra
os outros, mas somente Jesus bebeu daquele cálice em nosso lugar e em nosso
favor (DeYoung, 2020). Firmemos nossos olhos em Cristo e "no conceito
de vida no Deus Vivo e não em nós mesmos” (Kaiser, 2015).
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Referências: Beeke, J. R. & Ferguson, S.
B. 2006. Harmonia das confissões de Fé reformadas. SP:
Cultura Cristã. / DeYoung, Kevin. 2020. Os Dez Mandamentos (pp. 103-116). Vida
Nova. Edição do Kindle. / Geisler, N. L. 2010. Ética Cristã: opções e questões
contemporâneas. 2º Ed. SP: Vida Nova, p. 160-161. / Horn III,
Carl. 2009. Bioética. (Em Elwell, W. A.,
ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vl.
1. SP: Vida Nova, p. 190.). / Kaiser, W. C. 2015. O cristão e as
questões éticas da atualidade: um guia bíblico para pregação e ensino. SP: Vida
Nova, p. 137-150; 181-195. / Merrill, E.
H. 2009. Teologia do Antigo Testamento. SP:
Shedd. / Sharlemann, M. H. 2007. Aborto. (Em Henry, C. E. H., ed. Dicionário de
ética crista. SP: Cultura Cristã, p. 22-23).
Pr Leonardo Cosme de Morais