No nosso estudo anterior procurámos analisar, à luz da Bíblia, a doutrina do Homem, tal como foi criado por Deus, à Sua imagem e semelhança, e como foi colocado no Paraíso, numa relação de plena comunhão com o Senhor. Vimos que ele foi criado perfeito e em perfeito exercício das suas faculdades pessoais, e vivendo em pleno estado de felicidade, usufruindo da justiça, da rectidão, da moralidade e de um carácter correspondente ao de Deus. Tudo isso foi fruto da perfeita comunhão que partilhava com o Senhor, e da harmonia existente entre a vontade de Deus e a da Sua criação especial.
Contudo, quando contemplamos o Homem como ele é hoje, reconhecemos que algo difere do quadro traçado em Génesis, nos capítulos 1 e 2. Logo, surge uma pergunta inevitável: O que é que provocou tal mudança?
O estado e a condição moral e espiritual, juntamente com a sua degradação física e mental, são evidências claras de que algo inteiramente novo interferiu e afectou o estado e a condição iniciais.
Qual foi, então, o problema? O que é que aconteceu, de facto, para que o ser humano se tornasse tal e qual o conhecemos hoje?
A resposta bíblica é que, esse “algo” que mudou tudo é o Pecado. E sem a realidade do pecado é impossível compreendermos a profundidade das doutrinas tanto do Homem como da própria Salvação.
1. A Natureza do Pecado
O significado mais básico que a Bíblia atribui ao pecado é errar o alvo. Ainda, segundo a visão e o ensino bíblicos, o alvo que não foi atingido são as normas da Lei de Deus, que expressa a Sua justiça e representa o padrão supremo para o nosso comportamento. Quando falhamos em alcançar (ou cumprir) esse padrão, pecamos; erramos o alvo e ultrapassamos os limites estabelecidos pelo próprio Criador.
A outra realidade sobre a natureza do pecado é que, ele envolve uma atitude positiva de desobediência às orientações dadas e à vontade de Deus, assim como de desrespeito e de rebeldia em relação a própria pessoa de Deus.
No conceito do pecado existem duas dimensões cruciais:
A primeira é a dimensão da omissão, isto é, pecar é deixar de fazer o que Deus ordena, por livre e espontânea vontade ou da falta de conformidade com as normas justas de Deus.
A segunda é a dimensão da comissão, isto é, pecar é transgredir a lei estabelecida. Nesta dimensão, o pecador ultrapassa os limites estabelecidos e vai além. Pode-se dizer que, nesta dimensão, pecar é cometer a ilegalidade; é violar a lei estabelecida.
Várias teorias têm sido elaboradas na tentativa de explicar a incontornável situação do estado actual do homem e do mundo, em que nos encontramos. Entre elas destacam-se a teoria do dualismo. Esta teoria que remonta ao tempo antes da era cristã, afirma que existem dois princípios de vida igualmente grandes: o do bem e o do mal. Atesta esta teoria que o bem e o mal são de igual essência e são controlados por um deus que controla o bem, e pelo outro que controla o mal. Existem, porém, ramificações dentro dessa teoria.
A outra é a teoria da evolução, que afirma que afirma que o homem não passa de um animal que deu um “salto” no processo evolutivo, de tal modo que, o que testemunhamos na vida e no mundo nada mais é senão uma manifestação de certas qualidades e características que trazemos, como animais, que com “maturidade” intelectual e racional temos vindo a abandonar, tornando-nos mais humanos e menos irracionais.
Alguns são da opinião que o que a Bíblia chama de pecado não passa de uma espécie de resistência, isto é, de uma parte essencial da natureza humana, posta ali por Deus, a fim de que tenhamos “algo” que superar e que, ao superá-lo, possamos evoluir e nos desenvolvermos.
Outros, ainda, afirmam que o pecado é simplesmente a ausência de algumas qualidades positivas tais como: conhecimento e discernimento (por exemplo, em vez de dizermos que uma pessoa é má, temos que dizer que ela não é boa”).
Como podemos verificar, quando homens e mulheres são confrontados com a realidade do mal, há uma clara tendência para se evitar o conceito bíblico de pecado, como força activa e em profusa operação em cada aspecto da nossa vida.
O que nos convém fazer é, sem receio, voltarmos para o ensino das Escrituras e buscarmos o Seu ensino sobre a causa ou a origem da presente situação em o homem e o mundo se encontram. E para isso, o capítulo 3 de Génesis é fundamental.
A doutrina ensinada nas Escrituras acerca da origem do pecado, encontra a sua base do capítulo 3 de Génesis, e nos é apresentado como sendo um relato histórico, sem qualquer insinuação de uma pretensa alegoria. O relato deve ser aceite como um facto histórico, confirmado pelo Senhor Jesus e pelos inspirados apóstolos, cujo ensino serve de fundamento para a edificação da Igreja cristã (Efésios 2: 20).
A confirmação histórica do relato de Génesis encontra-se espalhada em todas as partes da Bíblia. Vejamos as seguintes passagens: Jó 31: 33; Oséias 6:7; Romanos 5: 12-21; 2 Coríntios 11:3; I Timóteo 2: 14, etc.
A tentativa subtil de considerar os primeiros 11 capítulos de Génesis como não históricos, mas como um conjunto de mitos, ou de considerar partes do seu relato não são históricos, é um confronto à autoridade das próprias Escrituras, que afirmam a historicidade desses relatos.
Fazer “jogos” de interpretação para tentar encaixar “verdades” científicas nos relatos bíblicos, leva, invariavelmente, à confusão exegética e à deturpação hermenêutica. O procedimento sábio é aquele que encara a Bíblia como um Livro que aborda questões de âmbito natural e sobrenatural.
Se o Deus em que cremos é Aquele que a Bíblia nos apresenta, se cremos na existência de seres sobrenaturais e espirituais, como Satanás e seus anjos, então, temos que esperar realidades sobrenaturais, que escapam a nossa capacidade de raciocínio e de compreensão.
Dito isto, podemos perguntar: quais são as verdades ensinadas no capítulo 3 de Génesis?
1º O mal, o pecado e a tentação vieram de fora; vieram de (e com) Satanás, fazendo uso da serpente. Isto quer dizer que, antes da queda, nada houve no próprio homem que tivesse produzido a queda; não houve nenhuma causa física ou mental. Ele possuía um perfeito livre arbítrio para decidir o que fazer com ele. O homem era perfeitamente equilibrado e todos os aspectos do seu ser.
Os passos foram os seguintes: a serpente atacou a mulher, e não o homem; ela começou por dar ouvidos às calúnias do diabo contra Deus; começou a ter dúvidas das palavras e do amor de Deus. Em seguida, começou a olhar aquilo que Deus havia proibido ao ponto de desejá-lo. Esse passo levou-a a um definitivo acto de desobediência. Deliberadamente ela quebrou o mandamento dado por Deus a ambos. Depois, partilhou o fruto com Adão e ambos caíram em transgressão, errando o alvo.
Diante disto, somos levados a fazer a seguinte pergunta: o que é que os fez agir dessa maneira? Honestamente, devemos afirmar que não sabemos. Contudo, podemos supor que “a constituição moral do homem – o ter sido feito à imagem de Deus e possuir livre arbítrio – de qualquer forma reteve a possibilidade da sua desobediência”. Para além desta possibilidade, é difícil encontrarmos uma resposta final.
2º O diabo insinuou dúvidas acerca do amor de Deus. Foi a recusa por parte de Adão e Eva de se submeterem à vontade de Deus e de O deixarem determinar o curso da sua vida. A sua escolha demonstrou o seu desejo de afastar Deus de suas vidas. Enfim, foi o desejo de se tornarem independentes do Criador. Foi o amor à criação (criatura) em substituição do amor ao Criador que os levou à ruína e ao desastre. A suposta liberdade transformou-se em escravidão e humilhação (I João 2: 15, 16). Aquele que se tinha apresentado como o melhor amigo de Adão e Eva, não passava do seu pior inimigo, determinado em destruir a harmonia que existia entre Deus e os pais da raça humana.
Concluímos, pois, que “o pecado só foi possível ao homem, no princípio, visto que ele possuía uma personalidade espiritual livre”. O pecado só se tornou possível, por causa da sua personalidade livre ou seja, por ser capaz de exercer o seu livre arbítrio.
Como resultado da queda:
1. Adão e Eva tomaram consciência da sua nudez (Génesis 3:7 vs. 2:25);
2. Tiveram sentimento de culpa (Génesis 3:8); perderam a sua comunhão com Deus;
3. Experimentaram a morte espiritual (Génesis 3:24);
4. Passaram a viver numa relação inteiramente nova com a natureza (Génesis 3: 17 -19);
5. Experimentaram uma perversão da sua natureza moral;
6. Experimentaram a morte física. A morte já não era uma possibilidade, mas sim, uma
realidade (Génesis 3:19 cf. Romanos 5:12).
Textos de apoio: Génesis 3: 1-21; Jeremias 17:9; Romanos 3:10 – 26; 5: 12-19; Tito 1: 15
(bases: Verdades Essenciais da Fé Cristã de R.C.Sproul, Grandes Doutrinas Bíblicas de Dr. Martyn Lloyd-Jones, Teologia Sistemática de George Eldon Ladd, Teologia Sistemática de Wayne Gruden, Comentário de Génesis de Derek Kidner e A Terra…De Onde Veio de John C. Whitcomb).