A Universalidade da Mensagem Cristã

                


Atos 10.1-11.18

 

A maioria de nós na igreja atual é de origem gentílica, mas fomos incluídos por causa do que se passou na casa de Cornélio em Cesareia. Nesta passagem vemos como Deus conduziu os gentios convertidos à comunhão dos santos (Gl 3.27,28; Ef 2.11–22), o Senhor preparou o coração de Cornélio e, simultaneamente, trabalhou em Pedro e através dele para pregar o evangelho na casa de Cornélio, um centurião romano, que se converte com sua família e amigos e recebe o Espírito Santo.

 

Este episódio divide-se em sete cenas, interligadas por muita repetição. A repetição demonstra a importância da história: Lucas descreve a visão de Cornélio quatro vezes (10.3-6, 22, 30-32; 11.13-14) e a visão de Pedro três vezes (10.9-16; 11:4-10), e Pedro relata todo o episódio para a igreja de Jerusalém (11.4-17). 

 

Lições a serem aprendidas sobre a conversão de Cornélio: 

1. Deus recruta pessoas para o seu reino de todos os lugares. Cornélio era um centurião romano, da coorte italiana, destacado em Cesareia (10.1), mas foi convertido num membro da família de Deus para ser um soldado de Cristo.

 

2. Deus recruta pessoas para o seu reino de todas as culturas. O livro de Atos descreve o progresso da igreja, inaugurada em Jerusalém, expandindo-se para a Judeia, para a Samaria, e então até aos confins da terra. Igualmente, o livro de Actos aborda quatro grupos distintos de pessoas: os judeus, os samaritanos, os gentios e os tementes a Deus. Os tementes a Deus eram aqueles gentios que haviam se convertido ao judaísmo em todos os aspectos, exceto um – eles não se submeteram à circuncisão. Eram chamados de tementes a Deus porque, embora fossem gentios, não acreditavam nos deuses e deusas de Roma, ou no panteão de divindades gregas, ou em qualquer religião oriental da época. Ao contrário, acreditavam no Deus Altíssimo e eram fiéis seguidores de Yahweh, o Deus de Israel. 


Cornélio era um homem piedoso, generoso e temente a Deus (10.2,3). De contínuo orava a Deus e dava muitas esmolas ao povo (10.2,4). Ele era um homem devoto nos moldes da religião judaica. 

 

3. O método de Deus para alcançar o mundo é a proclamação da mensagem do evangelho através da igreja. Aprendemos que esse homem temente a Deus e sincero ainda precisava ouvir o evangelho, arrepender-se e crer em Jesus (11.18; 15.7). Por volta das 3 horas da tarde (hora nona), enquanto estava a orar, Cornélio teve uma visão na qual um anjo veio e lhe deu ordens da parte de Deus, mas não lhe pregou o evangelho. 

 

Deus poderia ter ensinado Cornélio por meio do Seu Espírito ou de um anjo, sem o ministério de Pedro. No entanto, Ele recorre a Pedro, sobre quem o anjo afirma que: “Ele te dirá o que deves fazer” (At 10.6, RCF; 10.22; 11.14). Cornélio precisou enviar mensageiros ao apóstolo Pedro, na cidade de Jope, a 50 km de Cesareia, para que viesse pregar o evangelho a ele e sua família (10.4-8). Somente então Deus o salvou (11.14,18; 10.43; 10.45). Só então ele foi baptizado e recebido de forma pública na comunidade cristã.

 

4. Deus redimiu a alma de Cornélio e a mentalidade de Pedro (10.1-35). Deus preparou o coração de Cornélio e, simultaneamente, trabalhou em Pedro e através dele. Deus preparou o solo (Cornélio e sua família), trouxe o semeador (Pedro) e enviou a chuva (o Espírito Santo) para que houvesse uma colheita (conversão). Deus deu orientações específicas à Cornélio, não apenas para qual cidade ir, mas a que casa ir e onde se localizava – à beira-mar (10.5-8). 

 

5. A separação entre os judeus e os gentios era somente temporária. No dia seguinte, os mensageiros de Cornélio saíram a caminho de Jope para chamar Pedro. Nesse intervalo, Pedro subiu ao eirado da casa de Simão para orar na hora sexta, que é ao meio-dia. Nessa altura ele sentiu muita fome e queria comer, e assim os empregados da casa começaram a preparar uma refeição para Pedro. Enquanto preparavam, sobreveio-lhe um arrebatamento de sentidose nesse êxtase Pedro viu o céu aberto e algo parecido com um grande lençol. “Contendo toda sorte de quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. E ouviu-se uma voz que se dirigia a ele: Levanta-te, Pedro! Mata e come” (10.12–13). Em resposta ao que Pedro viu ele disse, “De modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa alguma comum e imunda” (10.14). Pedro era judeu de nascimento e nunca havia quebrado as leis dietéticas judaicas. 


No Velho Testamento, Deus declara certos animais ritualmente “impuros ou imundos” (Lv 11) e ordena aos judeus que não os comam. Pedro provavelmente pensou que essa visão era um teste de sua fidelidade e então recusa-se por três vezes a comer. Lucas informa que Deus ouviu os protestos de Pedro e disse, “Ao que Deus purificou não consideres comum” (10.15). Naquele momento, séculos de leis dietéticas e requisitos legais que Deus havia dado ao Seu povo através de Moisés foram revogados imediatamente.

 

A nação de Israel foi escolhida para ser um sacerdócio santo para o mundo. Deste modo, para manter sua pureza e identidade judaica, as leis dietéticas foram adicionadas por Deus à Velha Aliança até a vinda do Messias, o qual derrubou o muro de separação e começou a construir sua igreja, não só com os judeus, mas com samaritanos, gentios e os tementes a Deus.

 

O apóstolo Paulo escreve que este mistério - os gentios, através do ministério de Cristo, se tornaram parte do povo de Deus na Nova Aliança - estivera escondido há muito tempo (Cl 1.15-27). Até aquele momento, os gentios eram considerados fora do escopo da aliança que Deus fizera com Abraão e Moisés e consequentemente não tinham esperança. Quando Cristo inaugurou a nova aliança, a barreira entre judeus e gentios foi quebrada e a esperança foi estendida aos gentios.

 

Ao enviar um judeu para pregar aos gentios, Deus estava a derrubar as barreiras étnicas na igreja. Pedro interpreta sua visão quando vê a multidão de gentios reunida na casa de Cornélio e diz: Vocês mesmos sabem como é socialmente inaceitável para um judeu associar-se ou visitar um estrangeiro; mas Deus mostrou-me que ninguém deve chamar uma pessoa de impura ou contaminada (10.28). Portanto, a visão de Pedro não se tratava de alimentos ou animais, referia-se a pessoas. Deus revogou as leis dietéticas para demonstrar que os impuros estavam a ser acolhidos e purificados por Cristo. 

 

Pedro rejeita duas atitudes extremas e contrárias que os seres humanos têm adotado uns com os outros: Ele reconheceu que era totalmente inadequado tanto adorar uma pessoa como se fosse divina (o que Cornélio tentara fazer com ele, 10.25), como rejeitar alguém, considerando-a imunda (como teria feito anteriormente com Cornélio, 10.28). Pedro não aceitou que Cornélio o tratasse como Deus, e recusou-se a tratar Cornélio como um cão imundo.

 

6. Os elementos da mensagem do Evangelho (10.34-43). O evangelho, necessário ao mundo pagão que nos observa, é o que vemos no livro de Atos, sermão após sermão. É que vemos aqui em Atos 10, quando Pedro visita Cornélio e prega o evangelho. Nas definições do NT o evangelho é entendido em termos de um conteúdo definido, e esse conteúdo não está centrado em nós. O conteúdo foca na pessoa e obra de Jesus – quem Ele é e o que Ele fez – e sobre como podemos receber os benefícios de Sua Obra.

 

Pedro resumiu os principais eventos do ministério de Jesus conforme os Evangelhos registam: (1) a pregação de João Batista, (2) Jesus ungido com o Espírito em Seu batismo, (3) cura e exorcismos na Galiléia, (4) jornada através da Judéia para Jerusalém, (5) prisão e crucificação, (6) ressurreição no terceiro dia, (7) aparições de Cristo ressuscitado, (8) a Grande Comissão, e (9) futuro retorno de Jesus como Juiz de todos (10), e, consequentemente, a necessidade de se arrepender e crer para receber o perdão dos pecados por meio do Nome Jesus (10.34-43).

 

O conteúdo do evangelho pregado por Pedro apresenta alguns pontos de destaque (10.36–43):


(a) O evangelho está centrado na vida e nas obras de Cristo (10.38).  Precisamos dar o nosso testemunho, mas não devemos confundi-lo com evangelismo. Nosso testemunho é um pré-evangelismo. Nossa vida não é o evangelho; a vida de Cristo é o evangelho. O poder de Deus para salvação é o evangelho de Jesus Cristo.  Pedro proclamou a vida e o ministério de Jesus: Deus ungiu Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder para fazer o bem e curar todos os oprimidos do diabo. Jesus libertou os cativos, curou os enfermos e libertou os atormentados. Perdoou pecados, curou os cegos, limpou os leprosos e ressuscitou os mortos. 


(b) O evangelho está centrado na morte e ressurreição de Jesus Cristo (10.39-41). Pedro foi de imediato para a morte de Cristo, concentrando-se na cruz. Uma mensagem que não inclua a cruz não é evangelismo; não é o evangelho. Temos vida pela Sua morte. Sua morte foi em nosso lugar e em nosso favor. A mensagem da cruz é o grande equalizador: todos nós somos humilhados ao compreender a magnitude de nosso pecado e culpa; contudo, na cruz, a oferta de perdão é feita a todos sem distinção.

 

Mas na sequência, ele proclamou: “A este ressuscitou Deus no terceiro dia e concedeu que fosse manifesto” (10.40). Pedro fala como testemunha ocular e lembra que Jesus muitas vezes comeu e bebeu com os apóstolos depois de ter sido ressuscitado dos mortos (10.41). Ele fornece prova evidente de que o corpo físico de Jesus ressuscitou dentre os mortos e que o Senhor está vivo. 


Podemos dizer às pessoas coisas maravilhosas acerca de Deus e como Ele pode mudar suas vidas, e igualmente sobre Jesus, mas se a afirmação da ressurreição de Cristo está ausente desse testemunho, pode ser boas novas, mas não é o evangelho bíblico, porque a cruz de Cristo e Sua ressurreição são elementos indispensáveis ao evangelho.

  

(c) O evangelho está centrado no senhorio de Cristo (10.36,42). Jesus é o Senhor de todos (10.36) e o Juiz de vivos e de mortos (10.42). Todos comparecerão perante Ele para prestar contas da sua vida. Todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor para a glória de Deus Pai (Fl 2.10-11). 

 

Pedro afirma que logo após Jesus ter ressuscitado, Ele mandou que pregassem que Jesus é o Juiz de todos (10.42). Precisamos dizer às pessoas tudo o que a Bíblia realmente diz: Jesus é nosso Senhor e Juiz. Isso são más notícias, a menos que Ele seja também o nosso Redentor – a não ser que coloquemos nossa confiança somente Nele para nossa salvação. Então o Juiz dá remissão dos pecados; isto é, Ele apaga dos registos todas as acusações contra nós. Mas se não nos submetermos a Ele, o martelo do Juiz baterá, e não haverá misericórdia. Responderemos diante do Juiz com base na nossa justiça, ou na falta dela. Isso é o que Pedro, movido pelo Espírito Santo, expôs a Cornélio. 

 

(d) O evangelho oferece remissão de pecados para todo aquele que crê (10.43). A remissão e o perdão dos pecados, a salvação e a vida eterna são alcançados pela fé em Cristo (Jo 3.16). Deus não mostra parcialidade, mas recebe gratuitamente todos os que crêem em Seu Filho, Jesus Cristo.

 

8. O derramamento do Espírito mostrou a unidade de judeus e gentios na comunidade da Nova Aliança (11.15–17; 15.7–11; Ef 2.14). Enquanto Pedro ainda pregava, o Espírito de Deus foi repentinamente derramado sobre os gentios. Os que eram judeus reconheceram esse derramar porque ocorreu aqui a mesma manifestação que se dera em Jerusalém no dia de Pentecostes – os gentios convertidos começaram a falar em línguas. 


O “falar em línguas" também ocorreu no Pentecostes (2.4), mais tarde com o Efésios (19.6), e talvez também entre os samaritanos (8.18). Em todos os casos, falar em línguas confirmou a recepção deles como membros do povo de Deus na plenitude da nova aliança.

 

Esse foi o Pentecostes gentio em Cesareia, que correspondia ao Pentecostes judaico em Jerusalém. O que acontecera aos judeus, agora, também acontecia aos gentios. O batismo do Espírito Santo aqui é simultâneo com a salvação de Cornélio e sua família, e não uma bênção posterior.

 

Todos os crentes em Jerusalém receberam o Espírito; todos os crentes na casa de Cornélio receberam o Espírito. Entre os verdadeiros cristãos não existe tais coisas como uns “têm” e outros “não têm”. “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo” (1Co 12.13). Todo cristão é nascido do Espírito, habitado pelo Espírito, e foi batizado pelo Espírito. O batismo do Espírito Santo não é o mesmo que regeneração; regeneração não significa a mesma coisa que habitação do Espírito Santo. Podemos fazer distinções sobre a obra do Espírito Santo, mas a questão é que todas estas dádivas do Espírito são dadas na conversão (Rm 8.9). 

 

Os seis membros da delegação de Jope (11.12, 10.45) ouvem os gentios falando em línguas e louvando a Deus (10.46). Pedro, então, dá ordem aos seis cristãos judeus para batizarem os convertidos gentios (10.47-48). Assim, os gentios foram incluídos no corpo de Cristo (11.17-18). Eles receberam o sinal da aliança no batismo com água porque o que o batismo com água significa, em parte, é o batismo do Espírito. Se eles haviam recebido o batismo do Espírito, certamente podem ser membros plenos da igreja, por isso foram batizados com água (Atos 10.47-48).

 

Pedro informa a igreja de Jerusalém que o Espírito desceu sobre os gentios exatamente como o fizera com os apóstolos no Pentecoste (11.15) e que Deus dera aos gentios o mesmo dom que concedera aos judeus (11.17). Os crentes judeus agora veem que os gentios e judeus são iguais aos olhos de Deus (11.18). 

 

O Espírito Santo de Deus é derramado em cada um de nós, e se estamos em Cristo, temos o Espírito. Não obstante, o Espírito de Deus trabalha com a Palavra e através da Palavra, nunca contra a Palavra. Se você quiser saber qual é a direção do Espírito de Deus para sua vida, terá que dirigir-se ao livro do Espírito Santo. Na Palavra de Deus você pode confiar, não nos palpites interiores de um mero ser humano.

 

Palavra e Espírito caminham juntos. O Espírito caiu sobre todos os que ouviram a Palavra. Quando Cornélio, sua família, seus parentes, amigos e servos ouviram a mensagem de Pedro, seus corações foram abertos, se arrependeram e creram no Evangelho de Jesus. Pedro disse aquelas palavras, mas as pessoas sobre quem o Espírito caiu ouviram a Palavra.


As experiências espirituais só podem ser explicadas pela Palavra de Deus. Quando o Espírito Santo caiu sobre os gentios, Pedro se lembrou imediatamente lembrou-se da palavra do Senhor de que seus discípulos seriam batizados com o Espírito Santo (11.16). Pedro não apenas confiou em sua visão e nas experiências espirituais da casa de Cornélio, mas testou essas coisas pelos ensinamentos de Cristo (1.5; Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16).

  

Lições práticas:

  • Deus não mostra favoritismo baseado em diferenças étnicas ou sociais entre as pessoas (10.34; Rm 2.11). Os judeus não estavam em melhor situação do que os gentios, pois todos devem ser salvos somente pela graça de Deus (Rm 3.22–24; Atos 15).
  • Deus liberou Seu povo para comer todos os tipos de alimentos como os gentios faziam (10.14; 1 Tm 4.3-5), implicando no cumprimento das leis de pureza ritual do VT (At 10.15; Cl 2.16–17) e na unificação de judeus e gentios em Cristo (Ef 2.11-22). Em Marcos 7.15, Jesus deixou claro que leis dietéticas eram simbólicas e não tinham a inerente habilidade de tornar alguém justo, quando Ele disse que nada que entra no homem pode contaminá-lo. É o que sai de uma pessoa (maus pensamentos, palavras e outras expressões de um coração pecaminoso) que causa contaminação. Em 1 Timóteo 4.1-5, sobre a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, Paulo adverte que “toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada.”
  • Nenhum pecador é tão vil que não possa ser salvo por Deus. Todos nós começamos esta vida impuros, mas se já confessamos a Cristo e depositamos somente Nele a nossa esperança e confiança para salvação, fomos declarados limpos por Deus! Não há condenação para os que estão em Cristo (Rm 8.1), pois ele removeu nossos pecados (Sl 103.12; Is 1.18).
  • Aqueles que recebem o evangelho, esses recebem o Espírito Santo e devem ser integrados na igreja (10.44–48, 11.15-18).

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Referências: 

Beeke, J. R., Barrett, M. P. and Bilkes, G. M., eds. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1576. / Carson, D. A., Ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1971–1975. / Crossway Bibles. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2104-2105. / Esther, Chung-Kim., et al. Atos: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 186–190. / Holcomb, J. S. Gospel Transformation Bible: ESV. Wheaton, IL: Crossway, 2013, p. 1470–1471. / Kistemaker, S. Atos. 2a ed., vl. 1, Comentário do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 497–526. / Lopes, Hernandes Dias. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 205–225. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 363–365. / Parsons, Mikeal C. Acts, Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 140-163. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 156–175. / Stagg, Frank. Atos, a luta dos cristãos por uma igreja livre e sem fronteiras. 3ª Edição. RJ: JUERP, 1994, p. 115-122. / Stott, John. A mensagem de Atos: até os confiança terra. SP: ABU, 2008, p. 206-223.

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes

Justificados pela fé


 Romanos 5.1-11

A doutrina da justificação pela fé somente é o princípio material da reforma. A teologia da Reforma nasceu da luta pela doutrina da justificação pela fé. O reformador Martinho Lutero definia a justificação pela fé como “o artigo mediante o qual a igreja mantêm-se de pé ou cai”. Lutero insistia que o homem recebe a justiça salvadora de Deus quando apropria-se da graça de Deus pela fé somente. Ele viu a doutrina da justificação, “pela graça somente, através da fé somente, por causa de Cristo somente”, como o âmago do Evangelho.

 

“O Evangelho como Justiça de Deus para todo o que crê” é o tema central da Carta aos Romanos (Rm 1.17). Inicialmente, Lutero entendia essa justiça como o atributo da imparcialidade de Deus no julgamento dos pecadores. Mas tarde, porém, ele compreendeu que Paulo estava a falar da justiça de Deus como dádiva para a justificação dos pecadores pela fé em Cristo. Por outras palavras, Paulo esta a falar das boas novas da justificação pela graça de Deus.


O nosso texto nesta manhã está estruturado em torno de uma secção quiástica (Rm 5.1-8.39). O tema da secção é: “se justificados, então certos da salvação final”, que é expresso no início (Rm 5.1-11) e no final (Rm 8.18-39) desta secção.


A 5.1-11 - Certeza da glória futura (esperança e sofrimento).

     B 5.12-21 - Base para essa certeza na obra de Cristo.

          C 6.1-23 - Liberto do poder do pecado.

          C’ 7.1-25 - Liberto do poder da lei. 

     B’ 8.1-17 - Base para essa certeza na obra de Cristo, mediada pelo Espírito.

A’ 8.18-39, Certeza da glória futura (esperança e sofrimento).


inclusio desta secção é confirmado pelos “temas gémeos de esperança e sofrimento, que foram justapostos em Romanos 5.3,4, tornam-se os temas dominantes de Romanos 8.18-39”. No centro da secção, Paulo trata de dois “poderes” que podem ameaçar essa libertação futura do fiel justificado, a saber, o pecado (Rm 6) e a lei (Rm 7), mostrando em cada um desses casos que os cristãos tinham sido libertos do domínio desses poderes. 


O apóstolo Paulo já havia deixado claro que a justificação é um ato exclusivo de Deus (3.21-31). Também argumentou que a justificação pela fé não é uma novidade, mas uma verdade já presente no VT, e demonstrada na vida de Abraão, o progenitor da nação Israelita e pai de todos os que crêem, tanto judeus como gentios (Rm 4). Agora, Paulo mostrará os benefícios que decorrem da justificação (Rm 5.1-11). Sua ênfase é a glória futura (Rm 5.2) e a salvação final (Rm 5.9,10) por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele explica santos em Roma que todos os que foram justificados em Cristo estão livres da ira de Deus (Rm 5), livres do poder do pecado (Rm 6), livres da condenação da lei (Rm 7) e livres do domínio da morte (Rm 8). 


A necessidade da justificação (Rm 1-3). Deus é santo, o homem é pecador, logo nenhum homem pode ser justo aos olhos de Deus. Pode o pecador justificar-se diante de Deus? Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? (Jr 13.23).


O padrão para entrar no céu é a perfeição e todo o homem é imperfeito, logo é impossível ao homem entrar no céu por seus esforços. Quem obedecer a lei, pela lei viverá (Rm 10.5; Gl 3.12). Mas todos pecaram. Não há justo, nem um sequer (Rm 3.10-23). Logo, ninguém jamais poderá entrar no céu por seus próprios méritos.


Para o homem entrar no céu é preciso que Deus o justifique e para Deus justificá-lo precisa ainda continuar justo (Rm 3.24-28). Como Deus pode ser justo e ainda justificar o pecador? Como Deus pode justificar o pecador sem abrir mão da sua justiça? “A misericórdia de Deus não é uma paixão ou emoção que possa sobrepujar a Sua justiça. Se fosse assim, essa misericórdia seria um defeito de Deus que o tornaria fraco e inconsistente consigo mesmo, e inadequado para ser um juiz.” (Jonathan Edwards).


A justiça violada precisa ser satisfeita. Deus é santo e não pode reagir favoravelmente ao pecado. Deus não pode fazer vistas grossas ao pecado. A Bíblia diz que “o Senhor é tardio em irar-se, mas grande em poder, e ao culpado não tem por inocente ...” (Naum 1.3). “Ele tão puro de olhos que não pode ver o mal” (Hc 1.13). "A alma que pecar, essa morrerá." (Ez 18.4). 


Enfim, precisamos ser justificados pela graça de Deus pois (1) todos somos pecadores (Rm 3.23; Sl 51.5), (2) e todos vamos ter que comparecer diante do tribunal de Deus (Rm 3.23; Sl 51.5). Seremos julgados por Deus (Rm 14.10; 2Co 5.10) por nossas palavras (Mt 12.36); por nossas obras (Ap 20.12); por nossas omissões (Tg 4.17); e por nossos pensamentos, desejos e propósitos (Mt 5.28; At 8.22).


O que é justificação? A justificação é um ato gracioso de Deus no qual Ele declara, sobre a base da justiça perfeita de Cristo, que todas as demandas da lei estão satisfeitas com respeito ao pecador. No Novo Testamento, o sentido mais comum do verbo justificar (dikaiou) é “declarar justo” (p. ex. Rm 4.5). É um termo legal que foi tomado emprestado dos tribunais. É exatamente o oposto de “condenação”. Condenar é declarar uma pessoa culpada; “justificar” é declará-la inocente ou justa (Rm 8.1).


A base dessa declaração legal é a imputação da justiça de Cristo a nosso favor (Rm 4.5). Somos justificados por fé nas obras executadas a nosso favor por Cristo. Logo, a justificação não é algo que Deus faz em nós, mas por nós. A justificação envolve uma mudança de status, não de uma mudança de natureza. Somos declarados justos não com base num processo futuro e gradual de cura, mas com base na obra concluída de Cristo. A justificação é um ato e acontece uma única vez. Não há graus na justificação. O homem é justificado por completo ou, então, não é justificado. 


O novo status dos crentes resulta de sua real identificação com Cristo nos eventos redentores de sua crucificação, sepultamento e ressurreição. Não se trata de uma ficção legal, mas de um relacionamento real. Somos salvos pela fé em Cristo (ele morreu por nós) e vivemos pela fé em Cristo (ele vive em nós). A cruz de Cristo foi real e o castigo que ele recebeu a nosso favor foi também igualmente real.


A justificação é mais do que perdão (Rm 5.6-8). Deus depositou os nossos pecados na conta do Seu Santo Filho. “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Co 5.21). O castigo que nos trás a paz estava sobre Ele. Jesus foi feito maldição por nós. Ele sofreu o castigo da lei que deveríamos sofrer. Ele carregou no seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro. Quando os nossos pecados foram lançados sobre ele, Ele deu um grande brado na cruz: “está consumado - está pago!” (Jo 19.30). Já nenhuma condenação há sobre aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Isso é justificação!


Deus não só pagou a nossa dívida. Ele nos tornou-nos ricos. Como escreveu Paulo: “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis.” (2 Co 8.9). Deus não só perdoou os nossos pecados, mas depositou a infinita justiça de Cristo em nossa conta. Agora, Deus olha para você e não vê o seu pecado, mas a infinita justiça do Seu Filho depositada em sua conta (Fl 3.9). 


A base da justificação não são nossas obras, nem nossa fé, nem mesmo nosso exemplo, mas a obra expiatória de Cristo na cruz em nosso lugar e favor. Por meio da sua perfeita obediência, Cristo satisfez as exigências da Lei de Deus. Por sua submissão à morte expiatória na cruz, ele satisfez as exigências de Deus contra os transgressores da Lei (2 Co 5.21). Assim, a justiça pela qual somos salvos pertence a outro. Como diz a Escritura: “foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4.25 NVI, v. tb. 1.4).


A pessoa justificada “não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio” (4.5). Se os ímpios chegam a ser justificados, não pode ser por obras ou fé como obra. É a justificação por Jesus Cristo somente. 


A igreja romana ensina que somos salvos pelas obras que vêm da graça. Ou seja, não é a graça e sim as obras que vêm dela que salva. Se uma pessoa crê que a graça a salva, ela é protestante e está do nosso lado. A justiça de Cristo que os romanistas afirmam que justifica não é a justiça pessoal de Cristo imputada aos crentes. Os papistas referem-se não à justiça pessoal de Cristo e sim a justiça pessoal de crente, que ele realiza pela graça de Deus. É uma justiça imputada versus uma justiça infundida. É a realização de Cristo versus a realização do cristão. É uma dádiva de Deus versus uma realização do homem. Enfim, é a salvação pela fé versus a salvação pelas obras. 


O protestante confia em Cristo para salvá-lo e o papista confia em Cristo para ajudá-lo a salvar-se. Mas, como o Espírito de Deus coloca em Romanos 4.16 (NIV): “… a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça …” Você não poderá ser salvo somente pela graça a não ser somente pela fé. Se é uma salvação baseada em obras que vêm da graça, não é baseada na graça; e sim nas obras cristãs que vêm pela graça. 


A fé é a causa instrumental da justificação. A fé salvadora é uma fé viva, operosa, que gera boas obras para a glória de Deus. Porém, Deus declara-nos justos aos seus olhos no momento em que a verdadeira fé está presente, antes que qualquer obra brote de nossa fé. A justificação com Deus é à parte do mérito das obras.


Nós não somos justificados com base na fé, mas com base no sacrifício perfeito, definitivo e eficaz de Cristo. Mas pela fé nós nos apropriamos da justificação. A fé é a união com Cristo que é nossa justiça (1 Coríntios 1.30). Nossa justiça não resulta da justiça Dele, ela é a justiça Dele (1 Coríntios 1.30). A nossa fé apenas recebe a Cristo e, com Ele, todos as suas dádivas.


Cristo é a condição necessária e suficiente da fé cristã (At 3.16; Hb 12.2; 2Pe 1.1). É justamente porque Cristo fez tudo que ele possibilita ao pecador a fé e uma resposta salvadora a Deus. Em suma, o meio objetivo da justificação é a obediência fiel de Cristo a caminho da cruz (1.4; 2.21; cf. tb.: Rm 5.15-20 e Fp 2.6-11). E a resposta humana subjetiva de apropriação é a confiança na fidelidade de Jesus Cristo, sua obra fiel ao Pai e em nosso lugar e favor.


Os frutos da justificação (Rm 5.1-2): (1) Paz com Deus - 5.1. Cristo morreu e pelo seu sangue reconciliou-nos com Deus. Agora não somos mais réus, nem inimigos de Deus. Estamos quites com as demandas da lei divina. (2) Graça – v. 2 - Por meio de Cristo temos acesso a esta graça na qual estamos firmes. Somos aceitos, somos apresentados como filhos, como herdeiros, como cidadãos do céu. (3) Glória – v. 2 - O fiel justificado gloria-se na esperança da glória de Deus. Ele está seguro de sua salvação (p. ex.: Paulo em 2Tm 4.6-8).


A justificação não apenas prepara-nos para o céu, mas também para enfrentarmos as pressões da vida (Rm 5.3-5).

(1) Nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que Deus está trabalhando em nós, esculpindo em nós a imagem do seu Filho (Rm 8.28). 


(2) Sabendo que a tribulação produz perseverança – v. 3. A tribulação é pedagógica. Ela produz paciência vitoriosa nas circunstâncias difíceis. As grandes lições da vida nós as aprendemos no vale da dor. Sl 119.71: “Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos.” Primeiro a prova, depois a lição. Primeiro a dor, depois o aprendizado.


(3) A perseverança produz experiência – v. 4. Neste contexto a palavra experiência provavelmente significa um caráter provado e aprovado como resultado de um teste. Não podemos ter uma fé de segunda mão. Precisamos ter a nossa própria experiência com a graça salvadora de Deus. A justificação deve ser uma realidade em nossa vida.  


(4) A experiência produz esperança – v. 5 - Está não é uma esperança vaga, vazia. É uma esperança segura. Como saber que esta esperança não é uma ficção? Porque o amor de Deus é derramado em nossos corações (Rm 5.5). Se nada sobrar, se tudo se perder. Ainda temos Deus. Gloriamo-nos Nele (5.11; cf. tb. Hc 3.17; Rm 8.31-39). 

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Referências: Hendriksen, William. Romanos. Comentário do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã, 2011, p. 212–221. / Kistler, Don, ed. Justificação pela Fé Somente: A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja. SP: Cultura Cristã, 2013. / Lopes, Hernandes Dias. Romanos: O Evangelho Segundo Paulo: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2010, 201–217. / Moo, Douglas J. The Epistle to the Romans: the new international commentary on the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing, 1996, p. 290-314. / Reeves, Michael e Chester, Tim. Por que a Reforma ainda é importante? São José dos Campos, SP: Fiel, 2017, p. 21-40. / Ridderbos, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. SP: Cultura Cristã, 2004. / Schreiner, Thomas R. Romans: Baker Exegetical Commentary on the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Baker Academic. Eerdmans Publishing, 2013, (Rm 5.1–11).

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes 

 

O ministério terapêutico e proclamativo de Pedro

        

 Actos 9.32-43 

 

Esta passagem revela o outro lado do ministério de Pedro, seu serviço pastoral efectivo. Pedro é apresentado empenhado num ministério de supervisão pastoral (At 8.14-25) aos cristãos que foram espalhados pelas diversas cidades da Judeia (9.32a). O objetivo de Pedro não era apenas pregar o evangelho, mas também visitar os santos (9.32b), a fim de ensiná-los e encorajá-los. Durante os "muitos dias" que Pedro ficou em Jope, procurou fundamentar a fé dos novos convertidos. Jesus havia encarregado Pedro de cuidar das ovelhas (Jo 21.15-17), e Pedro estava a cumprir essa missão.

 

Lucas informa que ao visitar as igrejas ao longo das fronteiras da Judeia, ocorreram dois milagres: (1) a restauração da saúde de um paralítico chamado Enéias (9.33); e (2) a ressurreição de uma discípula chamada Tabita. A narrativa contém os elementos essenciais de uma história de milagre pelo poder divino. Ambas atraiu a atenção do povo, e muitos creram em Jesus Cristo (9.42). Analisemos, pois, a obra de Cristo através dos atos do apóstolo Pedro nos episódios da cura de Enéias e da ressurreição de Tabita. 

A cura de Enéias (9.32-35). 

“E aconteceu que, passando Pedro por toda a parte, veio também aos santos que habitavam em Lida. E achou ali certo homem, chamado Enéias, jazendo numa cama havia oito anos, o qual era paralítico” (9.32, 33). O texto não diz se Enéias é crente, mas pode implicar isso, já que Pedro está a visitar os “santos” em Lida.

 

O caso de Enéias era irremediável, mas nenhum caso é irremediável para Jesus. A iniciativa de cura partiu do Apostolo Pedro. Mas ele não disse: "Eu te curo”, mas sim: "Jesus Cristo te cura." Jesus é destacado como o verdadeiro e  o único doador da cura. Pedro chama Enéias pelo nome e então anuncia que Jesus Cristo te cura (At 3.6). Pedro foi simplesmente o instrumento pelo qual Jesus trabalhou (9.34; 3.12-16). 

 

A cura de Eneias foi instantânea, total e constatável. Ele levantou-se e arrumou sua cama (9.34). Tornou-se um milagre ambulante, pois todos aqueles que viram esse facto extraordinário em Lida e Sarona converteram-se ao Senhor (9.35). 

Aplicações práticas:

1.   Nesta passagem Lucas chama os cristãos de “santos” (9.32 e 41). Esta é a palavra que Paulo usa sempre para descrever um membro da igreja, pois sempre dirige suas cartas aos santos que estão em determinado lugar (1Co 1.2). A palavra é hágios em grego, e descreve algo que é separado/distinto das coisas comuns. Por outras palavras, o cristão é um alguém separado e distinto das pessoas que pertencem ao sistema deste mundo.

2.   Não é porque Lucas escreve que Pedro curou esse paralítico em nome de Cristo que devemos concluir que ele precisa curar todos os paralíticos ou que aqueles que não são curados fisicamente em nome de Jesus são ímpios (Johannes Brenz). Na época de Elias existiam inúmeras viúvas pobres, mas embora muitas entre elas fossem piedosas, "Elias não foi enviado a nenhuma delas, senão a uma viúva de Sarepta de Sidom. Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro” (Lc 4.26, 27).

3.   ”Levanta-te e arruma o teu leito.” (9.34). Aqui Pedro disse duas coisas. Primeiro, ele disse ao homem para se levantar porque Jesus o curara. Segundo, ele disse ao homem para arrumar sua cama. Por que arrumamos nossas camas quando nos levantamos pela manhã? Parece um desperdício de tempo e energia, mas por razões de decoro fazemos assim, e também porque desde a hora em que acordamos de manhã, até descansarmos à noite novamente, não necessitamos de nossas camas. Durante um período de oito anos aquele homem esteve permanentemente em seu leito. Agora, porém, Pedro disse-lhe para arrumar a cama porque ele não mais necessitaria dela como morada permanente Todos os cristãos têm pontos de paralisia espiritual. No entanto, Pedro disse, “Jesus, o Cristo, vai curá-lo”. Qualquer que seja a sua condição atual, se você colocar sua fé em Jesus Cristo, ele vai curá-lo de tal modo que você possa arrumar sua cama e caminhar (Sproul, 2017). 

4.   Todo cristão está em processo de santificação. Dois de nós não começamos nossa caminhada cristã no mesmo ponto; cada um começa levando sua própria bagagem. Não há dois cristãos que cresçam no mesmo ritmo. Devemos ser uma comunidade de pessoas pacientes praticando um amor que cobre uma multidão de pecados, porque estamos todos juntos crescendo em Cristo. Ele já salvou-nos dos nossos pecados. Mas Ele não somente remove nossa culpa e leva-a sobre si mesmo, mas Ele também trabalha connosco e em nós, para mudar-nos e levar-nos da infância espiritual para a maturidade e plenitude. Nenhum de nós é totalmente completo. Todos temos deficiências em nosso caráter, em nossa obediência, em nossos corpos físicos e em todos os outros sentidos. Aguardamos ansiosos o dia de nossa glorificação, quando receberemos nossa plenitude final, onde o pecado e todos os seus efeitos e danos serão removidos de nós para sempre (Sproul, 2017).

A ressurreição de Dorcas (9.36-42). Havia em Jope uma discípula chamada Tabita, que traduzido se diz Dorcas. Tabita (aramaico) e Dorcas (grego) significam “gazela" (9.36). Esta senhora era uma verdadeira discípula de Jesus Cristo. Era conhecida por seu incansável trabalho entre os pobres e necessitados (9.39). Ela transbordava de boas obras e atos de caridade (9.36b). Dorcas tinha o dom de socorro (1 Co 12.28). Era uma mulher virtuosa (Pv 31.19-22). Integralmente dedicada à beneficência e à ajuda ao próximo, ela cuidava especialmente das viúvas. Ela fazia túnicas e vestes (roupas exteriores e intimas, 9.39). Isso traz-nos à mente a instrução de Tiago, que escreveu que a essência da verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas (Tg 1.27; At 9.39; 1 Tm 5.3-16; 6.1).

 

Ela era uma discípula de Cristo e, agora, diversas obras de caridade são atribuídas a ela. Portanto, as boas obras são aquelas que os cristãos realizam com fé. As boas obras de Dorcas eram uma evidencia da sua fé em Cristo. Os frutos das boas obras nascem a partir da fé. A fé genuína produz boas obras (Tg 2.14-26). Nenhum aspecto da salvação é alcançado pelo mérito de obras humanas (Tt 3.5-7), mas a verdadeira salvação, operada por Deus, não deixará de produzir as boas obras que são os seus frutos (Mt 7.17).

O conceito de “boas obras” é importante no Novo Testamento (Ef 2.10). A Bíblia ensina que devemos “… andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, crescendo no conhecimento de Deus … ” (Cl 1.10). Muitos, porém, diz Paulo: “afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam; são detestáveis, desobedientes e desqualificados para qualquer boa obra.” (Tt 1.16, 3.8). Muitos crêem sinceramente que estão salvos, todavia, são complemente estéreis e não se verifica fruto em suas vidas. As escrituras encoraja-nos a examinar a nós mesmos a fim de sabermos se estamos na fé (2 Co 13.5; 2 Pe 1.10). Portanto, é importante e necessário examinar nossas vidas e avaliar o fruto que temos produzido (Lc 6.44).

 

Justamente naqueles dias Dorcas adoece e morre (9.37). O falecimento desta serva de Deus, tão amada e competente, quando a igreja precisava tanto dela, foi um golpe extremamente duro. Sua morte criou um vazio na comunidade cristã (como na morte de Estevão, 8.2). O povo pobre de Jope sofrera a tremenda perda de sua benfeitora. É muito difícil quando isso acontece nas igrejas locais.

 

Os cristãos não estão livres das tragédias comuns que os seres humanos estão acostumados a sofrer. Não devemos ficar ofendidos com as adversidades pelas quais passamos, nem julgar aqueles que lutam contra as dificuldades e o sofrimento. Não devemos supor que aqueles que estão doentes ou aflitos estejam sendo castigados por seus próprios pecados. Muitas vezes Deus transforma esse sofrimento em oportunidades para mostrar Sua glória e graça (Rm 8.28).

 

Naquela época o corpo era ungido antes do sepultamento. Lucas menciona apenas que o corpo de Dorcas foi lavado. Então, em vez de enterrá-la, eles colocaram seu cadáver num quarto superior, talvez na esperança de sua ressuscitação. Será que os cristãos de Jope lembraram-se de Elias e Eliseu (1 Rs 17.19; 2Rs 4.10,21,32) e, a partir deles, do apóstolo Pedro? Não sabemos, mas Lucas informa que sabendo que Pedro estava por perto, os discípulos de Jope enviaram dois homens, rogando-lhe que não se demorasse em vir ter com eles (9.38). Pedro atendeu e foi com eles. 

 

Até então, não havia registo de que os apóstolos tivessem sido usados por Deus para a ressurreição de mortos. Isso mostra a fé dos crentes de Jope em mandar buscar Pedro em Lida (16 km de distância). 

 

Ouvir que Pedro estava lá reflete um entendimento de que um nível incomum de poder e autoridade estava presente no ministério dos apóstolos de Cristo (9.38). Outrossim, a busca urgente de Pedro indica que os milagres que ele realizava em Nome de Jesus não eram comuns mesmo na época do Novo Testamento.

 

Pedro chega e é conduzido ao cenáculo (9.39-42). As viúvas que estão de luto mostram a Pedro as roupas e casacos que Dorcas havia feito quando estava com elas (9.39). Muito possivelmente, elas estavam a usar as roupas. Então Pedro ordenou que as pessoas saíssem do quarto (9.37-40). Ele dedicou um tempo de oração. A oração acontece de joelhos. Então, voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te. E ela abriu os olhos, e, vendo a Pedro, assentou-se (9.40).

 

Pedro não tocou nela até que ela mostrasse estar viva. Pedro então apresenta Dorcas viva aos santos e viúvas (9.41). 

 

Este milagre, em resposta a oração de Pedro, foi somente um antegozo da verdade cristã que todo aquele que está em Cristo será apresentado vivo ao Noivo, para viver para sempre sem lágrimas, pecados ou morte. Essa amostra do céu que Pedro manifestou às pessoas nessa cidade espalhou-se por toda a região, de modo que muitos creram no Senhor (9.42).

 

As pessoas ouviram a palavra, viram os sinais, e creram no Senhor Jesus. A cura física e a ressurreição foram importantes para atrair a atenção dos habitantes daquelas cidades, mas “o maior milagre de todos é a salvação dos pecadores. Isso porque custou alto preço, produz os maiores resultados e traz mais glória a Deus.” (Stott, 2008). 

 

Pedro continua por “muitos dias” em Jope com um certo Simão, o Curtidor (9.43). O facto de Pedro se hospedar com Simão mostra que o apóstolo não estava mais preso a esse escrúpulo judaico. Os curtidores de couro tinham de lidar com as carcaças de animais mortos, uma prática proibida aos judeus (Lv 11.35-40). Deus guiava Pedro um passo de cada vez em sua passagem do legalismo judaico para a liberdade oferecida por sua maravilhosa graça.

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Referências: Beeke, J. R.; Barrett, M. P. V. and Bilkes, G. M., ed. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1573–1574. / Carson, D. A. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1970–1972. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2102. / Chung-Kim, Esther, et al., Atos: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 182–184. / Kistemaker, Simon. Atos, vol. 1, Comentário do Novo Testamento. 2ª Edição. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 453–462. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 205–207. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 362. / Parsons, Mikeal C. 2008. Acts, Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 136-140. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 151–155. / Stott, John R. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, p. 204-206. / Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: volume 1. Santo André, SP: Geográfica editora, 2006, p. 574-575

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes 

A chamada do apóstolo Paulo

 Atos 9.1-31 

Estamos sempre a discutir sobre quem é o melhor em muitas áreas. Quem é o maior jogador de futebol que já existiu? Quem é o melhor professor desta ou daquela disciplina? Quem é o melhor cozinheiro ou confeiteiro? Quem é o melhor cantor(a)? Etc. A resposta é clara, no entanto, quando perguntamos a identidade do maior teólogo que já existiu – o apóstolo Paulo. Ele foi também o maior missionário e líder da história do cristianismo. O que Deus operou em e através da vida desse homem supera a nossa imaginação (Sproul, 2017). 

A vida de Paulo mudou radicalmente depois de seu encontro com o Senhor Jesus na estrada de Damasco. Em menos de uma semana aquele que  respirava “ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (At 9.1) foi transformado naquele que “pregava, nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus” (At 9.20). 

A conversão de Paulo é relatada três vezes em Atos (9, 22, 26). Grande parte de Atos é uma descrição do seu perfil. Ele foi a maior expressão do judaísmo antes da sua conversão e tornou-se a maior expressão da igreja cristã após a sua conversão.  

A vida de Paulo antes de seu encontro com Jesus (Atos 7.58–8.3). Paulo nasceu na Ásia Menor, na cidade de Tarso; daí ele ser chamado Saulo de Tarso, sendo Paulo o nome que ele usava nos círculos gentios. Até Atos 13.9 o apóstolo Paulo (seu nome romano) é designado unicamente com seu nome hebraico, Saulo. Porque o pai de Paulo era um cidadão romano, Paulo nasceu livre, e herdou a cidadania do seu pai (At 22.28). Tarso estava no extremo sudeste da Ásia Menor, perto de Antioquia da Síria, apenas um pouco ao norte de Jerusalém. Tarso estava nas rotas comerciais, onde todas as mercadorias eram transportadas da Europa e sul da Ásia, através do Oriente Médio, descendo para a África e voltando. Na antiguidade Tarso era uma das cidades mais ricas da região. Tarso tinha uma das maiores universidades do mundo naquela época, comparadas aos centros académicos de Atenas e Alexandria. Tarso era uma cidade onde os mercadores, estudiosos, intelectuais e viajantes de todo o mundo interagiam. O jovem Paulo cresceu nesse ambiente. Inicialmente ele seguiu a tradição comum daquele tempo, que era aprender uma profissão sendo um aprendiz. Uma das profissões mais lucrativas naquela época na região era fazer tendas. Como um jovem rapaz, Paulo aprendeu o ofício de fazer tendas, que lhe serviu bem durante sua vida (Sproul, 2017).

Aos 13 anos de idade, foi mandado de Tarso para Jerusalém e encaminhado para receber instrução rabínica formal (Atos 5). Paulo estudou sob a orientação do Dr. Gamaliel (At 5) e recebeu a mais refinada educação cultural e religiosa (22.3). Assim como o seu orientador, tornou-se adepto da ala mais radical do judaísmo, a seita dos fariseus (22.3). Paulo recebeu formação completa e diversificada. Ele nasceu no berço do judaísmo: “Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei fariseu” (Fp 3.5; Gl 1.14). Por ter crescido em Tarso, era bastante familiarizado com a cultura, a retórica, a filosofia e a educação (Paideia) grega (At 17.22-31). 

Sproul (2017:137-138) observa que Paulo era bem conhecido dentro e fora dos círculos académicos de Jerusalém, onde o encontramos presente no apedrejamento de Estevão. “As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo” (7.58). Dois versos adiante Lucas nos diz, “E Saulo consentia na sua morte” (8.1). Esta é a primeira informação que recebemos de Paulo na história bíblica. 

Não era apenas a sua erudição conhecida por todos na comunidade, mas sua profunda hostilidade ao cristianismo também era bem conhecida. Lucas informa que Paulo não somente consentiu no assassinato de Estevão, mas ele causou grandes estragos na igreja primitiva. “Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (8.3). Ele estava determinado a banir da terra o cristianismo (9.1,21; 22.20; 26.11; 1Tm 1.13).  

Encontro com o Senhor Glorificado (9.3-5). Muitos cristãos para escapar da perseguição, foram para Damasco. E agora, munido de ordens de extradição do sumo sacerdote, Paulo dispõe-se a ir a Damasco para prender e arrastar presos para Jerusalém aqueles do Caminho - que confessavam o nome de Cristo (9.1,2; 13, 14;  22.5). “Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor” (9.3). Paulo estava quase chegando a Damasco. Baseado em alguns dos outros registos em Atos, sabemos que era perto do meio-dia, quando o sol brilha mais forte, que lhe apareceu uma luz do céu. Era tão resplandecente (como um raio) que praticamente obscureceu a luz do sol. O que Paulo experimentou era evidentemente de origem sobrenatural, e ele foi atirado ao chão. Imediatamente depois, ele ouviu estas palavras em hebraico: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (9.4; 26.14). 

Jesus já havia ascendido ao céu; sua perseguição havia terminado, mas o facto de ele afirmar estar sendo perseguido por Saulo mostra como ele se identifica com seu povo. Jesus estava a dizer, “Se você persegue ao meu povo, você persegue a mim”. Em todos os lugares do mundo, da primitiva igreja até os dias de hoje, os ataques contra o povo de Deus são de facto ataques contra Jesus. Então perguntou, “Quem és tu, Senhor?” (9.5). A resposta veio, “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. [Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões]” (9.5 - ARC).  

Este era um provérbio grego, em geral aplicado a todo esforço inútil (González, 2011:151). Esta referência aos aguilhões pode não significar muito para nós, mas “na antiguidade grande parte da produção era transportada através de carros de boi, e algumas vezes os bois, eram muito teimosos, então os condutores necessitavam chicoteá-los para conseguir que os mesmos se movessem. Por vezes o toque do chicote tornava os bois ainda mais obstinados e eles davam coices na carroça, o que poderia quebrá-la. Para prevenir isso, os condutores fixavam aguilhões na frente do carro de boi, e quando o boi coiceava contra o aguilhão, o desconforto que causava fazia com que se movesse. Algumas vezes quando isso acontecia, o aguilhão perfurava seu casco causando-lhe dor maior, o que tornava-o ainda mais irritado e coiceava o aguilhão novamente. Jesus estava dizendo, “Saulo, seu boi estúpido! Você não é diferente dos bois que dão coices nos seus aguilhões, ao ser hostil contra mim”. Resistir ao senhorio de Cristo não é somente pecaminoso, é estúpido, porque Deus levantou-o do túmulo, colocou-o à sua destra e deu-lhe toda autoridade no céu e na terra e chama a todos para dobrarem os joelhos diante Dele” (Sproul, 2017:140-142). 

A transformação de Paulo. Então Paulo, “tremendo e atónito, disse: Senhor, que queres que faça?” (9.6 - ARC, 26.14 - ARA). Existe alguma outra resposta possível quando somos convertidos a Cristo? Após a conversão, nossas prioridades mudam dramaticamente, e foi o que aconteceu com Paulo. A autossuficiência de Paulo acaba no caminho de Damasco. Ele reconhece que precisa ser guiado pelo Senhor (22.10). Então disse-lhe o Senhor: “Mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer. Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém. Então, se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco” (9.6–8). Cristo capturou Paulo antes que ele pudesse capturar qualquer crente em Damasco. Ele “esteve três dias sem ver, durante os quais nada comeu, nem bebeu” (9.9). Três dias para Paulo de Tarso meditar no que aconteceu com ele na estrada de Damasco.  

Princípios e Aplicações:

  • Paulo não se converteu, ele foi convertido (9.3–6). A salvação de Paulo não foi iniciativa dele; foi iniciativa de Jesus. Não foi Paulo quem clamou por Jesus; foi Jesus quem chamou pelo nome dele. No momento de sua conversão Paulo estava no caminho de Damasco, com a intenção de prender os cristãos. Se disséssemos a Paulo que antes de chegar a Damasco ele se tornaria cristão, ele teria considerado ridícula a ideia. Mas foi o que aconteceu (Stott, 2008:190-191). A causa da conversão de Paulo foi a graça soberana de Deus. O Novo Testamento ensina que a salvação é obra exclusiva de Deus (Lopes, 2012:200). Não é o homem que reconcilia-se com Deus; é Deus quem está em Cristo reconciliando consigo o mundo (2Co 5.18).
  • A conversão de Paulo no caminho de Damasco foi o clímax repentino de um longo processo (At 26.14). Gradualmente, Jesus picou a consciência de Paulo com os seus aguilhões. Além disso, a conversão de Paulo não foi compulsiva (9.4–8). Cristo jogou-o ao chão, mas não violentou sua personalidade. Sua conversão não foi um transe hipnótico. Jesus apelou para sua razão e para o seu entendimento. A resposta e a obediência de Paulo foram racionais, conscientes e livres. Jesus revelou-se a Paulo pela luz e pela voz, não para esmagá-lo, mas para salvá-lo. A graça de Deus não aprisiona; é o pecado que prende. A graça de Deus liberta-nos da escravidão do nosso orgulho, fazendo-nos capazes de nos arrepender e crer. 
  • Três coisas aconteceram a Paulo: ele viu uma luz, caiu ao chão e ouviu uma voz (9.3–6). Subitamente uma grande luz do céu brilhou ao seu redor (22.6,11). Ele ficou cego por causa do fulgor daquela luz (22.11), mas olhos espirituais de Paulo foram abertos. Não foi apenas uma luz que apareceu a Paulo, mas o próprio Jesus (9.17). Aquela luz era a glória do próprio Filho de Deus ressurrecto. Paulo caiu em terra (22.7). Aquele encerrava em prisão, foi dominado. O Senhor quebrou todas as suas resistências. O toiro furioso foi transformado numa ovelha dócil. Isso nos prova que a eleição de Deus é incondicional, que a graça de Deus é eficaz e sobrepuja qualquer resistência humana. Paulo ouviu uma voz (22.7; 26.14): “Eu sou Jesus” (9.5). Essas palavras transformaram o mundo de Paulo: ele reconhece que aquele cujos seguidores ele tem perseguido é o Messias, seu Senhor. A voz do Senhor é poderosa e irresistível! O mesmo Paulo que perseguia a Jesus (26.9), agora, chama Jesus de Senhor. Não há salvação sem que o pecador se renda aos pés do Senhor Jesus (22.8,10). 
  • Paulo precisou ser jogado ao chão e ficar cego para se converter. Até quando você resistirá à voz do Espírito de Deus? A Bíblia diz que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6). Paulo entrou em Damasco de uma maneira completamente diferente daquela que ele tinha imaginado: ao invés de arrastar homens e mulheres e conduzi-los à prisão, ele mesmo é conduzido, humilhado, afligido e cego, o prisioneiro de Jesus Cristo.

 

A Chamada do Apóstolo Paulo 

 

A transformação e a chamada de Paulo aconteceu entre o começo de sua missão e sua chegada em Damasco: ele encontrou o Sumo Sacerdote eterno, que cancelou as ordens do sumo sacerdote de Jerusalém, e deu-lhe uma missão totalmente nova. De acordo com seu próprio relato da conversão, foi na estrada de Damasco que Jesus chamou-o como "ministro e testemunha" e como apóstolo aos gentios (26.16ss.). Jesus, então, confirmou a Ananias que Paulo era seu "instrumento escolhido" (9.15), e Ananias comunicou a Paulo a comissão dada por Jesus: ser "sua testemunha a todos os homens", divulgando aquilo que vira e ouvira (22.15). Depois de ouvir as instruções de Jesus, Ananias, que momentos antes tinha respondido, “Eis-me aqui, Senhor” (9.10), disse, “Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome” (9.13–14). Jesus ouviu o argumento dado por Ananias, mas cortou-o e disse, “Vá. Faça o que eu lhe mando fazer” (9.15). Porque Ananias deve ir até Paulo? “Este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel. Pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome” (Atos 9.15-16).

Ananias explicou como o mesmo Jesus que lhe aparecera na estrada, o tinha enviado a ele para que pudesse recuperar sua vista e ficar cheio do Espírito Santo (6.17). Imediatamente lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. Depois disso, ele foi baptizado (9.18), provavelmente por Ananias. 

Evidências da conversão de Paulo 

(1) A primeira prova que Jesus deu a Ananias de que Paulo agora era um irmão, e não um perseguidor, é que Paulo estava orando (9.9, 11). Paulo é convertido e logo começa a orar. Matthew Henry diz que é mais fácil encontrar um homem vivo sem respirar do que um cristão vivo sem orar. 

(2) Paulo evidencia sua conversão pelo recebimento do Espírito Santo (9.17). Ananias impõe as mãos sobre Paulo, que fica cheio do Espírito Santo. Spurgeon disse: “Estou convencido de que é mais fácil um leão se tornar vegetariano do que alguém ser salvo sem o agir do Espírito Santo.” 

(3) Paulo evidencia sua conversão pelo recebimento do batismo (9.18). Não é o batismo que salva, mas o salvo deve ser batizado. O batismo é um testemunho da salvação. 

(4) Paulo tornou-se pregador do evangelho, imediatamente após sua conversão (9.20–22).  

Nota: Não sabemos quanto tempo Paulo ficou em Damasco em sua primeira visita. Gálatas 1.17-18 informa que ele deixou a cidade, passou três anos na Arábia e depois voltou. Onde a viagem à Arábia se encaixa no registro de Atos 9? Possivelmente, entre os versículos 21 e 23a. Paulo precisava de tempo para meditar. Foi na Arábia que Jesus  revelou a Paulo sobre a união dos judeus e gentios no corpo de Cristo, que ele depois chamaria de "o mistério" dado a conhecer através de “revelação"; e "o evangelho que recebi mediante revelação de Jesus Cristo”. 

Características notáveis do testemunho de Paulo

(1) Seu testemunho era cristocêntrico. Ele pregou nas sinagogas de Damasco afirmando que Jesus é o Filho de Deus (9.20) e, mais tarde, demonstrando que Jesus é o Cristo (9.22). “Testemunho não é sinónimo de autobiografia. Testemunhar é falar de Cristo. A nossa experiência pode ilustrar, mas nunca deve dominar o nosso testemunho” (Stott, 2006). 

Do momento em que Paulo começou a pregar nas sinagogas de Damasco, sua mensagem era sobre Jesus como o Cristo, e declarou ao povo judeu que Jesus era o Filho de Deus (9.20). 

No Evangelho de João, Jesus é descrito como o monogenes, o unigénito do Pai. O termo “unigénito” significa “um único gerado”. Cristo é o único exclusivamente gerado eternamente do Pai; ele é o verdadeiro Deus do Deus verdadeiro. Nunca houve um momento em que o Filho não existisse. Essa foi a mensagem proclamada imediatamente pelo apóstolo Paulo. Após sua conversão, ele compreendeu que o Messias de Israel era nada menos do que o Deus encarnado. Naturalmente, quando ele fez essa declaração, seus ouvintes ficaram atónitos (9.21). 

(2) Seu testemunho era corajoso. Duas vezes Lucas menciona a "ousadia" de sua pregação, primeiro em Damasco (9.27), e depois em Jerusalém (9.28). Ele também debateu com os judeus gregos ou helenistas (9.29), como Estêvão, talvez na mesma sinagoga (6.8 ss.). 

(3) Seu testemunho custou caro. Ele sofreu por causa de seu testemunho, como Jesus havia predito: "eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome" (9.16). Os judeus que moravam em Damasco resolveram matá-lo, e Paulo precisou fugir à noite (9.23-25). Os discípulos, o desceram, dentro de um cesto, pelo muro (25). É o próprio Paulo quem nos diz: “Em Damasco, o governador nomeado pelo rei Aretas montou guarda na cidade dos damascenos, para me prender, mas, num grande cesto, me desceram por uma janela da muralha, e assim me livrei das mãos dele” (2 Co 11.32-33). 

Paulo, então, sobe a Jerusalém para buscar abrigo na igreja, mas os discípulos não acreditam em sua conversão. Pensavam que ele estava apenas querendo infiltrar-se na igreja para sabotar a fé cristã (9.26). Barnabé, porém, investe em sua vida. Tomou  Paulo consigo, levou-o aos líderes da igreja e os convenceu de que Paulo era um cristão e também um apóstolo escolhido. Havia, de facto, visto o Cristo ressurreto no caminho de Damasco (1 Co 9.1). Só então Paulo foi aceito pela igreja de Jerusalém (9.27).  

Em Jerusalém, alguns helenistas tentaram matá-lo (9.29) e Jesus o persuadiu a deixar a cidade imediatamente (22.17-18). Só voltaremos a ver Saulo em Atos 11.25. Mais uma vez, Barnabé encontra-o e leva-o à igreja de Antioquia, onde ministram juntos. O trabalho em Antioquia deu-se sete anos depois que Saulo saiu de Jerusalém e cerca de dez anos depois de sua conversão. 

Os desafios da igreja e a responsabilidade do novo convertido

(1) Todo convertido torna-se uma pessoa transformada, e recebe novos títulos para provar esse facto: ele é um "discípulo" (9.26) ou "santo" (9.13) que tem uma nova relação com Deus, um "irmão" (9.17) ou “irmã” que tem uma nova relação com o mundo. Ananias foi enviado para falar a apenas um homem: Saulo de Tarso, que tornou-se o apóstolo Paulo, cuja vida e ministério influenciaram, desde então, povos e nações inteiras.

(2) O testemunho de um convertido deve ser as evidências de uma vida transformada (9.21-22). A transformação dramática na vida de Paulo causou espanto aos judeus de Damasco (At 26.20). Mas suas palavras foram respaldadas por sua mudança de vida. 

(3) O novo convertido não precisa esperar para testemunhar (9.20). Sem qualquer demora, Paulo começou a proclamar o Cristo que havia perseguido, declarando com toda ousadia que Jesus Cristo é o Filho de Deus (9.20-25). Embora um período de teste seja bom e necessário para os novos convertidos (8.18-24), devemos ter grandes expectativas do que Deus pode fazer por Sua graça. 

(4). Todo novo convertido precisa aprender a lidar com a perseguição (9.23-25, 29, 30). A vida cristã não é fácil. Paulo precisou fugir dentro de um cesto de junto para escapar com vida (9.25; 1 Co 11.32-33). A pior rejeição, porém, pode vir da própria igreja (9.26, 2Co 11.26). Inicialmente, a igreja não acreditou na conversão de Paulo. Eles achavam tratar-se de uma simulação. Mas Senhor esteve com ele e conduziu os seus passos. Que jamais nos esqueçamos das benditas promessas Deus para o Seu povo perseguido (Mt 5.10, 1Pe 4.12-16; Rm 8.35-39).  

(5) Todo novo convertido precisa de alguém que se responsabilize por ele (9.26-28). Precisamos crer que o evangelho é poderoso para transformar as pessoas. Os novos na fé precisam de encorajamento e ensino (9.27). Atitudes como de Ananias, que baptizou e apresentou Paulo à comunidade em Damasco, e a de Barnabé, que fez o mesmo em Jerusalém, promovem o crescimento da igreja.  

Não sabemos os nomes dos bravos homens que conduziram Paulo para fora de Damasco (9.25), mas segurar as cordas foi um trabalho importante! 

Quando a igreja em Jerusalém temeu dar as boas-vindas a Paulo em sua comunhão, Barnabé construiu a ponte. Barnabé mais tarde convidou Paulo para servir na igreja de Antioquia (11.25–26) e viajou com ele no ministério evangelístico entre os gentios (13.1-3). 

(6) Todo novo convertido tem características que ficam para o resto de suas vidas (9.29). Mesmo novo convertido, Paulo era ousado em nome de Jesus, era provocador de controvérsias. Os novos convertidos são diferentes uns dos outros.  

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Referências: Arndt, William, et al. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian literature. Chicago: University of Chicago Press, 2000. / Carson, D. A, ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1969–1970. / Chapell, B. & Dane Ortlund, D., ed. Gospel Transformation Bible: ESV. Wheaton, IL: Crossway, 2013, p. 1466–1467. / González, Justo L. Atos, o evangelho do Espírito Santo. SP: Hagnos, 2011,  p. 149-159. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 183–203. / Louw, Johannes P. and Nida, Eugene Albert. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains. New York: United Bible Societies, 1996. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 361. / Parsons, Mikeal C. Acts - Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 125-128. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 111–149. / Stott, John R. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, p. 185-202. / Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: volume 1. Santo André, SP: Geográfica editora, 2006, p. 568-578. 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes