A Descoberta do Verdadeiro "Eu"

"Então Jó respondeu ao Senhor, dizendo: Eis que sou vil; que te responderia eu? A minha mão ponho à boca"

O livro de Jó, provavelmente o mais antigo registo histórico de toda a Bíblia, é uma das mais dramáticas peças de literatura inspirada, que nos conta a história de um homem, Jó, que de um modo profundamente intenso experimentou os extremos de uma vida com todos os seus paradoxos e tensões existenciais.
O nome Jó (uma transliteração do hebraico Iyyôbh) quer dizer “odiado” ou “perseguido”, o que, de certa forma, denuncia o desenrolar da história do agudo sofrimento relatada em todo o livro, que leva o seu próprio nome.
Os acontecimentos na vida de Jó, relatados no texto bíblico, sucedem-se, no espaço e no tempo, com uma frequência estonteante, envolvendo ainda aqueles que mais amava e procurava proteger, os seus filhos, por quem intercedia, com regularidade, diante de Deus (Jó 1: 5).
Convém chamar a atenção para o facto de que, enquanto este ancião experimentava as suas “agonias da alma” e era atingido pelas “setas impiedosas” da dor física e psíquica, não fazia a mínima ideia do diálogo travado entre Deus e Satanás, com desafios mútuos de ambos os lados da contenda.
Este homem, qualificado de íntegro e justo (ou recto), nutria um santo respeito e uma saudável reverência pelo seu Criador, de quem reconhecia a proveniência de tudo o que possuía.
A fé que fazia de Jó um patriarca reverente, apesar de muito rico, foi desafiada de uma forma brutal e quase insuportável. Acresce-se o facto de que, durante o duro teste, ele “provou o fel” da alma, uma das mais dolorosas e antinaturais experiências da vida humana, que consiste no facto dos pais terem de enterrar os seus próprios filhos.
Depois de uma longa, intensa e inquietante conversa (diga-se discussão) com os seus amigos, dominada por argumentos e contra-argumentos teológicos e existenciais, Deus resolve entrar em cena. Primeiro, fala com Jó, e depois, desafia a sabedoria dos seus amigos, refutando os seus argumentos falaciosos, exigindo que se retratassem diante do sofredor Jó. A intervenção de Deus revelar-se-á restauradora para Jó, e o diálogo com o Todo-poderoso levá-lo-á a uma descoberta sem precedentes.
Como resultado do desafio e dos argumentos divinos (nos capítulos 38 e 39), a auto-justiça de Jó cai por terra, levando-o a fazer uma das descobertas psicológicas (de psyché - alma) e espirituais mais importantes da vida..
A lição, clara, que aprendemos da experiência de Jó é que, só quando se conhece, de facto, a majestade, a soberania e o senhorio de Deus sobre toda a Sua criação é que começamos a entender algo sobre nós, a nossa pequenez e insignificância.
Pela primeira vez, Jó sentiu-se desarmado, sem argumentos a favor da sua justiça própria, reconhecendo que até aí não possuía um correcto conhecimento do Altíssimo (Jó 42: 5). Embora diante dos amigos tenha tentado (com firmeza e lógica) provar a sua rectidão e pureza de vida, agora, ele se prostra diante daquele que é três vezes santo e reconhece que é vil, isto é, não digno, cuja boca deve ficar em silêncio.
Com o sinal de “tapar a boca com a mão”, Jó compreende a sua humanidade, a sua limitação; aprende a conhecer-se  e reconhece o seu lugar.
Que a graça divina nos alcance, trazendo-nos um conhecimento mais profundo da pessoa e do carácter do grande “Eu Sou”. Que todos aprendamos, com o exemplo da humildade de Jó, a reconhecer a nossa fragilidade e parcialidade na compreensão dos mistérios divinos e de certas realidades que nos cercam e nos atingem. Que o Senhor nos dê a graça de descobrirmos, por meio da confrontação com a Sua Palavra inspirada, o nosso verdadeiro “eu” e quanto dependemos da Sua graça e providência.

Soli Deo Gloria!                                  
Pr. Samuel Quimputo
in Boletim 117
31 Julho 2011