Reações do mundo ao Rei recém-nascido

 Mateus 2:1-12

Jesus e a sua mensagem tem provocado diferentes reações nas pessoas. Ele é amado e odiado. Atrai uns e incomoda outros. É adorado por uns e desprezado por outros. Mateus 2.1-12 fala-nos dos magos que levaram presentes generosos a Cristo porque acreditavam que ele era digno de sacrifício e honra. Eles viajaram uma grande distância e abriram os seus tesouros para honrar Jesus. Em contrapartida, vemos o desprezo dos eruditos da religião judaica e a nefasta perseguição do rei Herodes ao Rei recém-nascido (2.3, 7-8).

 

1. A visita dos magos do Oriente. As pessoas que foram visitar Jesus com tesouros generosos são identificadas por Mateus como magos. Este título aplicava-se a pessoas cujas práticas incluíam astrologia, interpretação de sonhos, estudo de escritos sagrados e busca de sabedoria (muito comum na Pérsia e na Babilônia, Dn 5.11).

Mateus sabia que o Antigo Testamento censura os astrólogos (Is 47.13-15; Dn 1.20; 2.2; 2.27; 4.7; 5.7) e proíbe a astrologia (Jr 10.1– 2). Aqui, porém, ele compara a ânsia dos magos em adorar Jesus, apesar de seu limitado conhecimento, com a apatia dos líderes judeus e a hostilidade da corte de Herodes - todos os quais tinham as Escrituras para informá-los.

O texto diz que que estes magos eram oriundos do Oriente (2.1). O relato bíblico não indica quantos magos vieram ver Jesus. Não diz se eram “reis”, nem informa seus nomes. A lenda diz: Gaspar, Melquior e Baltasar. O número das prendas contribuiu para a tradição de que eram três homens, mas o número real é desconhecido.

Eles chegaram quando havia Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes (2.1). A maioria das ilustrações retrata os magos e os pastores reunidos em torno do menino Jesus deitado numa manjedoura (Lc 2.7), mas o texto bíblico diz-nos que, quando os magos chegaram, Maria, José e o bebé estavam numa casa (2.11).

A viagem do oriente teria levado algum tempo. Portanto, os magos provavelmente chegaram alguns meses após o nascimento de Jesus. A razão para considerarmos até dois anos é porque Herodes ordenou o extermínio de todos os meninos com até dois anos de idade (2.16).

Mateus diz-nos que eles tinham visto a estrela no oriente e foram adorá-lo. Embora várias tentativas tenham sido feitas para equiparar a ‘estrela’ a um cometa, uma supernova, uma conjunção de planetas ou algum outro fenómeno natural, uma explicação sobrenatural é melhor, pois o movimento da estrela ao guiar os magos de Jerusalém a Belém (2.9) sugere que não é foi um fenómeno natural. Não poderia o Deus criador dos céus e da terra ter criado uma ‘estrela especial’ para sinalizar a chegada de seu Filho?

Como os magos perceberam que a estrela indicava o nascimento do Messias (Mt 2.2)? Pensemos em duas hipóteses plausíveis: (1ª) Eles eram judeus que haviam permanecido na Babilónia depois dos 70 anos do exílio e, portanto, conheciam às profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias (p. ex.: Dn 5.11). (2ª) Eram gentios sábios do Oriente, que estudavam manuscritos antigos do mundo todo. Por causa dos exílios Israel e de Judá, séculos antes, obtiveram cópias do Antigo Testamento. 

Balaão havia se referido a uma “estrela de Jacó” que apareceria (Nm 24.17). Este oráculo, falado por Balaão, que veio “das montanhas orientais” (Nm 23.7), era amplamente considerado messiânico. “Cristo” e “o rei dos judeus” eram títulos da mesma pessoa esperada (2.2, 4). Mateus acrescenta a linguagem pastoral de 2 Samuel 5.2, deixando claro que o governante em Miquéias 5.2 não é outro senão aquele que cumpre as promessas a Davi, e a esperança prometida de bênção para todas as nações (cf. Sl 68.28-35; Is 18.1-3, 7; 45.14; 60.6; Zc 3.10). 

Em todo o caso, Mateus informa que estes magos receberam uma mensagem especial e sobrenatural de Deus, que os guiaria até o Messias (Mt 2.9, 12).

Estes versículos ensinam preciosas verdades (Ryle, 2018; Wiersbe, 2009):


  • Pode haver verdadeiros servos de Deus nos lugares onde menos esperamos encontrá-los. A história deles é tão pouco conhecida quanto a história de Melquisedeque, de Jetro ou de Jó.

  • A atitude destes sábios prefigura a adoração de Jesus por todas as nações (Mt 28.19; Ap 7.9-10; 21.24). Embora Jesus fosse o Messias, nascido da linhagem de Davi para ser o rei de Israel, foram os gentios que vieram para adorá-lo. Eles creram em Cristo mesmo depois de os escribas e os fariseus terem demonstrado sua incredulidade. 

  • Nem sempre são aqueles que desfrutam os maiores privilégios religiosos que mais honram a Cristo. Enquanto os escribas, que conheciam com precisão as profecias sobre o nascimento do Messias e moravam em Jerusalém, muito próximo de Belém, não foram adorar o recém-nascido, rei dos judeus, os magos, que eram gentios, vieram de longe, com o propósito de adorá-lo. Com frequência as pessoas que vivem mais perto dos meios de graça são justamente aquelas que mais os negligenciam. Parece que a familiaridade com as realidades sagradas leva algumas pessoas a desprezarem-nas.

  • O conhecimento intelectual das Escrituras, por si só, não salva ninguém. Sem o acompanhamento da graça no coração, uma pessoa pode ser possuidora de um profundo conhecimento teológico, mas perecer para sempre. O rei Herodes indagou aos sacerdotes e escribas “onde o Cristo deveria nascer”. Eles responderam com precisão, mostrando que estavam perfeitamente familiarizados com o ensino bíblico. Entretanto, eles mesmos não foram a Belém para homenagear o Messias, o Rei prometido (2.8). Eles conheciam a Palavra, mas não agiam de acordo com ela. Os magos ouviam e seguiam a Palavra!

2. A atitude de Herodes em relação a Cristo. Em contraste com o desejo dos Magos de adorar o Rei dos Judeus, o rei Herodes e a cidade de Jerusalém ficaram alarmados ao saber que havia nascido o rei dos judeus (Mt 2.3). Herodes tinha obsessão pelo poder. Ele era um rei tirano, egoísta e assassino. A cidade de Jerusalém, conhecedora de suas atrocidades, temia outra onda de fúria do monarca cruel.

Herodes convoca os principais sacerdotes e escribas do povo para indagar onde o Cristo deveria nascer. A resposta destes especialistas foi Ele deveria nascer em Belém da Judeia, pois assim apontava a profecia de Miqueias 5.2. Em vez de o esclarecimento dos principais sacerdotes e escribas trazer sossego à alma de Herodes, agravou ainda mais seu tormento (Mt 2.4-6).

O motivo pelo qual Herodes queria saber, em seu encontro secreto com os Magos (Mt 2.7), a hora exata em que a estrela apareceu foi que ele já havia planejado matar os meninos pequenos de Belém (Mt 2.16). Ele enviou os magos a Belém com o propósito de que se informassem cuidadosamente acerca do menino. A falsa humildade de Herodes - "para que eu possa ir e adorá-lo" (Mt 2.8) - enganou os magos. Seu propósito não era adorar Jesus, mas o eliminar. Confiante de seu sucesso, Herodes não enviou escolta com eles. Ele não previa a intervenção de Deus (Mt 2.12). Aqueles magos estavam ali não para atender suas ordens, mas para cumprirem o plano eterno do Rei dos reis (Lopes, 2019).

3. A atitude dos magos em relação a Cristo. Os magos viajaram milhares de quilómetros para ver “o nascido Rei dos Judeus”. Quando finalmente o encontram, manifestaram alegria, adoração, e deram-lhe prendas (Mt 2.2, 11). Os magos trouxeram ouro, incenso e mirra. Esta atitude é muito diferente daquela que as pessoas frequentemente têm. Normalmente, as pessoas esperam que Deus venha ao nosso encontro para provar seu amor com dádivas e bênçãos. Mas os verdadeiros servos de Deus buscam e adoram Jesus não por aquilo que Ele pode dar, mas por quem Ele é.  

As prendas entregues a Jesus traziam uma mensagem profética. Mostra o cumprimento das passagens do AT, onde os gentios trazem suas riquezas para o rei de Israel (Sl 72.10; Is 60.6). Qual o significado destas prendas? 

O ouro é uma prenda adequada para ser dedicada ao Rei. Com este gesto, os magos reconheceram que Jesus é o Rei dos reis, a suprema autoridade no céu e na terra, aquele que está no trono do universo, que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. 

O incenso é uma prenda adequada para um sacerdote. O incenso era a única resina usada e permitida no altar (Êx 30.9, 34-38). No tabernáculo, e posteriormente do templo, o sacerdote queimava incenso sobre o altar. Os magos trazem incenso para aquele que seria o perfeito sacerdote. Até o tempo de Jesus os sacerdotes ofereciam sacrifícios por si mesmos e pelo povo. Estes sacrifícios precisavam ser repetidos, pois eram imperfeitos, oferecidos por homens imperfeitos. Jesus veio ao mundo como o supremo sacerdote, o sacerdote perfeito, sem pecado, para oferecer um sacrifício perfeito, a sua própria vida. Ele é ao mesmo tempo o Sacerdote e o sacrifício. Jesus é o único Mediador entre Deus e os homens, aquele que abriu para nós um novo e vivo caminho para Deus, dando-nos livre acesso à presença do Pai.

A mirra é uma prenda para simbolizar a morte. O principal emprego da mirra entre os povos antigos era a unção dos mortos durante o sepultamento. Foi usada para preparar o corpo de Jesus por José de Arimateia e Nicodemos (João 19.39). No dia do nascimento, uma prenda profética. O corpo de Jesus seria sacrificado pelos nossos pecados. Esta prenda indica que ele é supremo salvador dos homens. Isto não deveria surpreender-nos, uma vez que Maria e José receberam o seguinte anúncio quando levaram o Menino ao templo: “Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição (também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações” (Lc 2.34-35).

4. Invista no Reino de Deus. Os magos levaram presentes generosos a Cristo porque acreditavam que ele era digno de sacrifício e honra. Eles viajaram uma grande distância e derramaram sua riqueza para honrar Jesus. Ofereceram o melhor para o Rei Jesus. Os três presentes eram preciosos. A palavra “tesouros”, em Mateus 2.11, provavelmente significa “cofres” ou “caixas de tesouro”. Estes presentes provavelmente foram usados ​​providencialmente para sustentar a família em sua fuga para o Egito (Mt 2.13-15). 

A forma como lidamos o nosso dinheiro revela, com mais objetividade do que qualquer outra coisa, onde nosso coração está. Não há dúvida que somos abençoados quando investimos com amor e generosidade no reino de Deus - quando contribuímos para a causa de Jesus Cristo, para o sustento de sua santa Igreja. Contudo, não devemos incentivar as pessoas a dizimar para que enriqueçam; tampouco porque é uma obrigação. Deus não se agrada quando seguramos nosso dinheiro com força, relutando em entregá-lo, “porque Deus ama quem dá com alegria.” (2 Co 9.7).

A contribuição financeira para a igreja de Cristo é um assunto que incomoda muitas pessoas, sobretudo, aqueles que estão ao serviço de Mamon, a personificação diabólica do apego pelo dinheiro (Mt 6.24). Trata-se de um assunto perturbador aqueles que são ingratos a Deus, mordomos infiéis, avarentos (Cl 3.5). Nesta passagem, contudo, vemos qual deve ser a atitude dos cristãos para com Cristo e a sua obra neste mundo. Vemos como Deus cuidou de Jesus e de sua família, provendo recursos para fuga da perseguição do rei Herodes para o Egito (Mt 2.13).

Depois de terem homenageado a Jesus com presentes valiosos. Eles foram por divina revelação avisados num sonho para que não voltassem para junto de Herodes. Assim, eles voltaram por outro caminho à sua terra (Mt 2.12). Qualquer um que vai até Cristo volta para casa por outro caminho. Aqueles que têm um encontro com Cristo nunca mais andam pelas mesmas veredas, pois são "novas criaturas”, receberam novas vidas e trilham um novo caminho.

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Referências:
Carson, D. A. 1984. Matthew. (In F. E. Gaebelein, ed. The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 82–90). / Carson, D. A. 2018. The Gospels and Acts. (In D. A. Carson, org. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1700–1705). / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Lopes, H.D. 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis. SP: Hagnos. / Ryle, J. C. 2018. Meditações no Evangelho de Mateus. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã. / Wiersbe, W. 2009. Comentário Bíblico Wiersbe Novo Testamento. RJ: Geográfica. 

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes

 


O NASCIMENTO VIRGINAL DE JESUS

              

 

O NASCIMENTO VIRGINAL DE JESUS

Mateus 1.18–25


Em todo este capítulo, Mateus coloca o nascimento de Jesus no âmbito da história, e não da mitologia. Mateus passa da linhagem humana do Rei para sua linhagem divina, mostrando que o nascimento de Jesus foi diferente de todas as pessoas mencionadas na genealogia anterior, uma vez que ele nasceu não de um relacionamento físico entre José e Maria, mas foi concebido por obra do Espírito Santo no ventre de Maria. Sua conceção foi sobrenatural, e seu nascimento foi virginal. 


Os evangelhos de Mateus e Lucas afirmam que Jesus tornou-se carne através do Espírito Santo e da Virgem Maria (Mt 1.18-21; Lc 1.30-35). Mateus fala sobre José como pai adotivo, e Lucas fala sobre Maria como mãe real. Mateus e Lucas afirmam que Jesus não teve pai humano. Jesus foi sobrenaturalmente concebido pelo Espírito Santo. Esta é uma verdade que nenhuma mente humana é abrangente o bastante para compreender. Para nós, crentes, é suficiente saber que, para aquele que criou o mundo, nada é impossível (Lc 1.37). Antes, devemos satisfazer-nos com a declaração constante no Credo dos apóstolos: “Jesus Cristo foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu da virgem Maria”.


1. A gravidez sobrenatural (Mt 1.18, 20, 23). Maria tinha sido prometida em casamento a José, mas o casamento ainda não havia acontecido. Nos tempos do NT, o noivado era um compromisso bem mais sério que os noivados de hoje, e somente podia ser desmanchado pelo divórcio. Apesar de o casal de noivos não poderem morar juntos até que ocorresse a cerimônia matrimonial, a infidelidade por parte de um dos desposados era tratada como adultério. As expressões que dizem, no versículo 19, que Maria era “desposada com José” (ou seja, “prometida para casar-se com José”); e no versículo 20, Maria é a “mulher de José”; e no versículo 24, José recebeu “a sua mulher”, comprovam esta realidade.


Foi no intervalo do noivado à consumação do casamento que o anjo Gabriel visitou Maria em Nazaré. Nesta ocasião, Maria foi comunicada de que seria mãe do salvador, de que desceria sobre ela a sombra do altíssimo e que, pela ação do Espírito Santo, ela conceberia e daria à luz o filho de Deus (Lc 1.35) - o Salvador, que é o Cristo, o nosso Senhor. Nas palavras de Mateus, antes de Maria coabitar com José, “achou-se grávida pelo Espírito Santo”. Portanto, o pai da criança no ventre de Maria não era um amante ilícito, tampouco José. A conceção de Jesus foi realizada pela obra divina do Espírito, cujo resultado foi um bebé nascido de uma virgem (Mt 1.21). 


Ao citar Isaías 7.14 (Mt 1.21), com muita clareza, Mateus ensina que Jesus nasceu do ventre de uma mulher que nunca havia estado com um homem – uma virgem. A palavra grega que Mateus usa para “virgem” (parthenos) refere-se a uma mulher que nunca teve relações sexuais. Isaías disse: “[…] eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel” (Is 7.14). Aqui em Mateus, entretanto, o anjo diz que seu nome será “Jesus”. O termo Emanuel descreve o que Cristo faz. Descreve o acto da encarnação. Ele será chamado Emanuel porque será a presença encarnada de Deus connosco, mas seu nome próprio será Jesus, porque “salvará o seu povo dos pecados deles”.


Despertado José do sono, fez como ordenara-lhe o anjo de Deus e recebeu sua mulher. Contudo, não teve relações com ela até o menino nascer; e ele lhe deu-lhe o nome de Jesus (1.24, 25). José fez isto muito embora o nome da criança não tivesse sido escolhido por ele. No sentido máximo, Jesus recebeu seu nome de Deus, que é o pai supremo. No sentido imediato, Jesus recebeu seu nome de José, a quem foi concedido o privilégio de ser pai terreno do Senhor Jesus Cristo.


Além disso, Mateus deixa claro que José não coabitou com Maria até o nascimento de Jesus. Fica evidente que, após o nascimento de Jesus, José e Maria viveram a vida comum do lar e tiveram um relacionamento normal de marido e mulher (conforme o mandato de Deus na Lei, Gn 2.24). Portanto, a “perpétua virgindade de Maria" não tem amparo nas Escrituras (Mt 1.25). A expressão “enquanto não” sugere que “depois sim”. Ademais, o uso da palavra “primogénito” para descrever Jesus, em vez de “unigénito” (Lc 7.12; 9.38), reforça a ideia de que Maria teve outros filhos e filhas, e de que Jesus, obviamente, teve irmãos e irmãs, conforme se pode ver no registo dos evangelhos (Mc 6.3; Mt 13.55; Jo 2.12).


Qual é a importância doutrinária de Jesus ter nascido de uma virgem por obra do Espírito Santo? Se Cristo tivesse sido o filho de José e Maria por geração natural, ele teria herdado a culpa de Adão e, consequentemente, seria um pecador incapaz de salvar a si mesmo e outros de seus pecados. Para que pudesse nos salvar, o Redentor tinha de ser Deus e homem sem pecado numa só pessoa. A doutrina do nascimento virginal satisfaz estas exigências.


2. A conduta de José. Quando a gravidez de Maria foi descoberta, José, que era um homem justo, resolveu romper a união em segredo, pois não queria envergonhá-la com uma separação pública (1.19). José inicialmente não acredita na história de Maria de que ela está grávida sem que outro homem esteja envolvido. José queria cumprir a lei, mas também queria mostrar compaixão para com sua noiva.


O anjo Gabriel apareceu para Maria, mas não para José. Imediatamente depois da visita do anjo a Maria, ela foi ao encontro de sua prima Isabel, na Judeia, e ali ficou três meses, até o nascimento de João Batista. Ao retornar a Nazaré, sua gravidez era notória. 


O texto informa que enquanto José ponderava sobre estas coisas, um anjo do Senhor apareceu a ele, em sonhos, para convencer José de que Maria não foi infiel e que eles deveriam prosseguir com seus planos de casamento (1.20). José não deveria rejeitar o filho de Maria, mas conferir a ele uma linhagem real. Para que ele fosse filho de Davi na ordem judaica, seu pai também devia ser legalmente filho de Davi. Mateus sustenta que Jesus não era filho de José. O que estava no ventre de Maria não era fruto do pecado, mas obra do Espírito Santo.


Implicações práticas (Lopes, 2019): 

A conduta de José é um exemplo de consideração pelo próximo. Desde o começo, ele estava decidido a tratar a sua amada com dignidade, poupando-a de um escândalo público. A atitude José ensina-nos que devemos proteger as pessoas, em vez de expô-las a vergonha pública (1.19). Ensina-nos que devemos ser mais cautelosos e não avaliarmos as pessoas apenas pelas aparências.


A história de José ensina-nos que não devemos viver para agradar aos homens, mas, sim, a Deus. José estava a ponto de abandonar Maria e viver sozinho, renunciando ao seu amor e à sua amada. Se ele o fizesse, teria se privado do melhor de Deus para a sua vida. O medo da opinião dos outros pode levar-nos a fazer coisas inconvenientes (Pv 29.25). José estava com medo de Maria ter sido infiel, mas nela estava se cumprindo a profecia bíblica de que uma virgem daria à luz o Messias (Is 7.14). O que José pensou que era pecaminoso, na verdade era sagrado. Maria não era uma noiva infiel, mas uma serva fiel e obediente ao Deus vivo. Seu ventre hospedava não o fruto do pecado, mas a obra do Espírito Santo. Ela carregava no ventre não um filho ilegítimo, mas o filho de Deus, o salvador do mundo (Lopes, 2019) 


Muitas vezes não compreendemos os planos de Deus ou o trabalhar de Deus em nossa vida. José estava sofrendo por algo oposto à verdade dos factos. O que José pensou que poderia ser a ruína do nome de Maria, na verdade imortalizou o nome dela, pois nela cumpriu-se a profecia (1.23). Maria tornou-se a mãe do nosso Senhor e salvador. Ela teve o sublime privilégio de amamentar o criador do universo, de carregar nos braços aquele que sustenta os céus e a terra, de ensinar os primeiros passos àquele que é o único caminho para Deus. 


3. O propósito do primeiro advento de Cristo (1.21, 23). Há dois nomes atribuídos ao Filho de Deus nesta passagem. Um deles é Jesus (1.21); o outro, Emanuel (1.23). O primeiro destes nomes descreve seu ofício; o segundo, sua natureza.


Jesus é o Messias (o Cristo) que veio para salvar seu povo. O bebé será chamado “Jesus” porque é o Salvador. Ele foi enviado para salvar o seu povo das consequências do pecado. O povo de Cristo não está imune das tristezas, da cruz e dos conflitos. Porém, são salvos do pecado, para todo o sempre. Jesus salva-nos da culpa do pecado, do domínio do pecado, da presença do pecado e das consequências do pecado.


Ele veio porque todos pecaram (Rm 3.23; 6.23; Ef 2.1). Ele veio para salvar o seu povo de seus pecados (Lc 19.10; 1Tm 1.15; Jo 3.17; Mt 20.28). Ele veio para morrer como um sacrifício perfeito. Ele nasceu como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). Ele deu sua vida por suas ovelhas (Jo 10.11). A sua morte foi substitutiva e voluntária (2 Co 5.21). Ele entregou-se. Deu-se a si mesmo por nossos pecados (Gl 1.4). Ele é a demonstração definitiva do supremo amor de Deus (Jo 3.16; Rm 5.6).


O outro nome que aparece no versículo 23 é destaca a natureza do nosso Senhor, como “Deus que se manifestou em carne”. Ele é chamado Emanuel, ou seja, “Deus connosco”. Jesus é o “Deus connosco”. Ele assumiu a natureza humana igual à nossa, em todas as coisas, exceto apenas na tendência ao pecado. Mas, embora Jesus estivesse “connosco” em carne e sangue humanos, ao mesmo tempo ele nunca deixou de ser o verdadeiro Deus (Fl 2.5-11). Portanto, o Salvador é o próprio Deus connosco. É o Deus Filho manifesto em carne humana.

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Referências: Carson, D. A. 2018. The Gospels and Acts (Em D. A. Carson, ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1699). / Lopes, H.D. 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis. SP: Hagnos. MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Ryle, J.C., 2018. Meditações no Evangelho de Mateus. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C., 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã. / Woicik, L., 2020. Incarnation (Em J. D. Barry, ed. Dicionário Bíblico Lexham).

A ENCARNAÇÃO DE CRISTO

 

João 1.1-18


O prólogo do evangelho de João resume a forma como o Filho de Deus foi enviado ao mundo. Quando escreve que Jesus Cristo é o verbo (do grego ´Logos´ = ’palavra’), João está declarando que Jesus tanto expressa como reflete a mente de Deus (1.18). Jesus é a ‘Lógica de Deus’. Jesus Cristo é a verdade, a razão e a sabedoria de Deus encarnada (Jo 14.6; 1 Co 1.24,30; Co 2.3). Nas palavras de Paulo, Jesus é aquele em quem “todas as coisas subsistem” (Co 1.17), trazendo ordem e harmonia para o universo criado.


O Verbo já existia antes de todas as coisas (1.1). “No princípio era o Verbo” … Jesus, como Deus, não passou a existir depois que nasceu em Belém. Quando tudo começou (Gn 1.1), o Verbo já existia. Ele já existia antes que a matéria fosse criada e antes que o tempo começasse. 


O verbo é uma pessoa igual ao Pai em essência, mas distinto em personalidade (1.1b,2). “… e o Verbo estava com Deus” … “Ele estava no princípio com Deus”. Antes da criação do universo o Verbo desfrutava de plena comunhão com Deus (Jo 17.5) - o Deus filho estava “face a face com o Deus Pai”. O Verbo não é uma energia cósmica, mas uma pessoa. O Verbo é Jesus. O Verbo é distinto do Pai, mas participa da própria natureza de Deus.


O Verbo é Deus (1.1c). “…e o Verbo era Deus”. O Pai e o Filho são um único ser, mas distintos em termos de personalidade. Temos de ver um sentido em que Cristo é o mesmo que Deus, o Pai, mas, apesar disto, sermos capazes de distingui-Lo do Pai. A Bíblia revela-nos a existência de um único Deus verdadeiro (Dt 6.4; 1 Co 8.4). A Bíblia revela-nos que o único Deus verdadeiro é Pai, Filho e Espírito Santo (Mt 3.16; Mt 28.19; 2 Cor 13.14; Ef 3.1-5, 14-17; 4,4; 5,18-20; 1Co 12,4-6; 1Pe 1.2; Jo 14,26; 15,26; Jd 20). Vemos na Bíblia que o Pai testificou do Filho (Mt 3.17); e o Filho testificou do Pai (Jo 5.19). O Filho testificou do Espírito (Jo 14.26), e mais tarde o Espírito testificou do Filho” (Jo 15.26). Portanto, o Deus revelado nas Escrituras é um em essência, e três em personalidade. Por outras palavras, em Deus não há três indivíduos separados uns dos outros, mas somente auto-distinções pessoais dentro da essência divina, que é numericamente uma só. Contudo, as auto-distinções do Ser Divino implicam um “Eu”, “Tu”, e “Ele” no Ser de Deus, que assumem relações pessoais uns com os outros (Mt 3.16; 4.1; Jo 1.18; 3.16; 5.20-22; 14.26; 15.26; 16.13-15). 


O Verbo é o agente da criação (1.3). “Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez”. O Verbo não é uma parte do mundo que começou a existir no tempo. O Verbo estava com Deus na eternidade, antes do tempo. O Verbo é o agente divino na criação do universo. Foi ele quem trouxe à existência as coisas que não existiam, tanto as terrenas como as celestiais (Cl 1.16). Hebreus 1.2 fala a respeito do Filho de Deus por meio de quem também fez o universo. Nas duas obras de criação, na primeira (Gn 1.1) e na Nova Criação (Jo 1.1), o agente é a Palavra de Deus.


O Verbo tem vida em si mesmo (1.4). “A vida estava nele e era a luz dos homens.” Nenhuma criatura tem vida em si mesma. Só Deus tem vida em si mesmo. O Verbo é a vida, a luz dos homens. Ele é a fonte da vida eterna (3.15,16; 20.31), da vida abundante (10.10). 


O Verbo é a luz que prevalece (1.5, 9). “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela”. Jesus é a luz do mundo (8.12). A luz que faz desaparecer o caos (1.5). Jesus é a luz verdadeira que ilumina a toda humanidade (1.9). Ele é a luz que veio iluminar e esclarecer a humanidade. João Batista foi enviado por Deus para testemunhar de Jesus. Ele era o arauto da luz, e não a luz (1.6-9). João testemunhou a respeito dele, exclamando (1.15): “Este é aquele de quem eu dizia: Ele vem depois de mim, mas é mais importante do que eu, pois já existia antes de mim.”


O Verbo estava no mundo, e este foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. Quando ele veio, os judeus não o receberam (1.10, 11). Agora, pessoas de todos povos, que receberem a Cristo, receberão o poder de serem feitos filhos de Deus. Este poder é conferido aos que creem no seu nome (1.12). Portanto, a fé salvadora não opera pelos meios naturais, mas de forma sobrenatural (1.13). O nascimento na família de Deus não tem nada que ver com laços raciais, nacionais ou familiares. A filiação espiritual é recebida pela fé em Jesus Cristo.


O Verbo tem plenitude de graça (1.16, 17). A lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo (1.17). A lei é boa, santa, justa, porém nós somos pecadores (Rm 7). A lei é inflexivelmente exigente, e nunca conseguimos atender às suas exigências. Por isso, pela lei estamos condenados. Mas em sua vida, morte e ressurreição, Jesus Cristo cumpriu todos os requisitos da lei; agora, Deus pode partilhar a plenitude da graça com os que creem em Cristo.


O Verbo é o revelador do Pai (1.18). Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigénito, que está ao lado do Pai, foi quem o revelou. Jesus veio como a revelação suprema de Deus ao homem (João 1.1,14,18; Hb 1.1–3). Jesus é o único que pode trazer Deus às pessoas e levar as pessoas a Deus. Jesus revela o Pai a todo aquele que Nele crê (1.18; 14.7,9).


O Verbo tornou-se carne (1.14; cf. tb. Fp 2.5–11). A encarnação de Cristo é um mistério que surpreende os homens na terra e os anjos no céu (1Tm 3.16). Em Jesus Cristo, há a união do divino e do humano: ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Para nossa salvação, sua humanidade é tão importante quanto a divindade. Se Jesus fosse só um homem, ele estaria a uma distância infinita de Deus tanto quanto nós. Da mesma forma, se Jesus fosse apenas Deus, ele estaria a uma distância infinita de nós. Como mediador, todavia, ele preenche a lacuna entre o Deus infinito e o homem finito.


Muitas passagens da Escritura testemunham a divindade de Cristo (Mt 28.18). O apóstolo João o chama Alfa e Ômega (Ap 1.8,17; 22.13); sua pré-existência é assumida (1.1; 8.58; 17.5; 2Co 8.9); ele é aquele que sustenta todas as coisas (Jo 1.3; Cl 1.16,17; Hb 1.3) e que possui o domínio sobre todas as coisas (Mt 11.27; Ef 1.20–22; Cl 2.10); ele é designado “Deus” (Jo 1.1; 20.28; Rm 9.5; Hb 1.8,9; 2Pe 1.1). As evidências de sua humanidade são igualmente claras e convincentes. Mateus, por exemplo, regista com cuidado sua ascendência humana (Mt 1; v. tb. Rm 1.3). João nota que os cristãos confessam que Jesus veio em carne (1Jo 4.2). Todos os autores do Novo Testamento esforçam-se para provar que Jesus morreu na cruz e lemos que ele comeu (Mt 9.10), chorou (Jo 11.35) e teve sede (Jo 19.28). Mesmo assim, não vemos um conflito entre estas duas naturezas (Jones, 2018).


Na união, cada natureza preserva suas propriedades essenciais. Não há mistura ou confusão das duas naturezas. As duas naturezas são distintas, mas inseparáveis na pessoa de Cristo. A natureza divina possui infinito conhecimento, poder, domínio e assim por diante. A natureza humana obedeceu, morreu, ressuscitou e assim por diante. Assim, podemos dizer que a pessoa de Jesus, o Filho de Deus, age segundo ambas as naturezas. O que uma natureza faz, divina ou humana, é sempre atribuída a pessoa única de Cristo. Nele não há divisão, mistura ou confissão. Ele é uma só pessoa com duas naturezas unidas e inseparáveis. 


Por fim, a união das duas naturezas de Cristo é indissolúvel; ele ressuscitou como Filho de Deus em poder (Rm 1.4). O Verbo tornou-se carne! Ansiamos pelo dia quando o nosso corpo e alma serão transformados à semelhança do corpo glorioso de Cristo (“seremos semelhantes a Ele”, 1Jo 3.2; Fp 3.20,21; 1Co 15.49).

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Referências: Crampton, W.G. 2014. Cristo o Mediador: Uma Análise da Cristologia de Westminster. Brasília: Editora Monergismo./ Jones, M. 2018. O Conhecimento de Cristo. Brasília, DF: Editora Monergismo. / Lopes, H.D. 2015. João: As Glórias do Filho de Deus. SP: Hagnos (Jo 1.1-18).  

A Suficiência de Cristo



        


Colossenses 2.8-23


A carta de Paulo aos Colossenses é o texto bíblico mais definitivo sobre a suficiência e a plenitude de Cristo. Paulo o escreveu para crentes que eram fortes na fé e no amor (Cl 1.4), mas confundidos por uma heresia que negava a suficiência de Cristo. Não sabemos a exata natureza da heresia em Colossos. Paulo a refutou mostrando que baseava-se num conceito inadequado e erróneo a respeito da pessoa e da obra de Cristo. O máximo que se pode dizer é que era uma heresia que desvaloriza a suficiência de Cristo e que promovia experiências místicas, agentes espirituais adicionais e um regime de rituais ou observâncias ascéticas.


Paulo escreveu à igreja de Colossos uma epístola inteira focalizando a Cristo e sua suficiência para toda necessidade humana. O apóstolo Paulo ensinou aos Colossenses que em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (2.3), porque nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade (2.9). Cristo é a expressão visível de Deus. Na sua encarnação e agora na sua glorificação, Jesus é Deus encarnado (cf. 1.15-20). Ele é o Cabeça de todo principado e potestade (2.10). Não precisamos ter medo do reino demoníaco. Cristo tem autoridade sobre todos os seres angelicais e poderes cósmicos (2.9-15). “Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.16-17). Ele é a própria vida (3.4). 


Contudo, os hereges de Colossos alegavam que Cristo somente não era suficiente para elevar alguém ao nível espiritual mais alto. John MacArhur  (2007) observa que eles defendiam uma variedade de aditivos espirituais, incluindo a filosofia pagã (2.8-10), o legalismo (2.11-17), o misticismo (2.18-19) e o ascetismo (2.20-23). 


1. Cristo mais a filosofia pagã. Filosofia significa "o amor à sabedoria". Em seu sentido mais amplo, é a tentativa da parte do homem para explicar a natureza do universo, incluindo os fenómenos da existência, pensamento, ética, comportamento, estética e assim por diante. A ‘filosofia’ não é uma heresia cristã (2.8, 16-23). Paulo não descarta a importância do pensamento crítico e do aprendizado sólido na moderna disciplina de filosofia (2.8). Paulo não está fazendo uma condenação geral das escolas filosóficas gregas tradicionais (por exemplo, platonismo, estoicismo, aristotelismo, etc.). Seus comentários se concentram no ensino herético que está sendo disseminado em Colossos. Ele faz a afirmação incisiva de que este ensinamento não é apenas um engano vazio, mas que foi inspirado pelos espíritos elementares do mundo (do grego stoicheia). No mundo antigo, o termo stoicheia era amplamente usado para espíritos em textos religiosos persas, papiros mágicos, documentos astrológicos e alguns textos judaicos. É provável que Paulo o esteja usando aqui para referir-se a espíritos demoníacos; é o equivalente a “principados e potestades” (Cl 2.10, 15). Embora o falso ensino seja transmitido como tradição humana, ele pode, em última análise, ser atribuído à influência de forças demoníacas. Portanto, o problema fundamental com esta filosofia é que ela não está de acordo com Jesus Cristo e o evangelho proclamado por ele e o apóstolo Paulo.


Paulo rejeitava qualquer teoria filosófica, a respeito de Deus, que professasse mostrar a causa da existência do mundo e oferecer orientação moral à parte da revelação divina (Cl 2.8-10). O apóstolo retratou a falsa filosofia como uma predadora que procura escravizar cristãos sem discernimento, por meio de "vãs sutilezas" (2.8). "Vãs" significa algo vazio, destituído da verdade, fútil, infrutífero e sem efeito. A "tradição dos homens" refere-se às especulações humanas passadas de geração a geração. Mesmo a mais sofisticada filosofia humana nada pode oferecer para ampliar a verdade de Cristo. Em 1 Coríntios 1.18-21, Paulo diz: “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” Portanto, a melhor da sabedoria humana não é nada em comparação com a infinita sabedoria de Deus. A sabedoria humana não pode enriquecer a revelação dada por Deus (MacArthur, 2007). A perfeita sabedoria de Cristo revela-se a nós na Palavra de Deus pelo Espírito Santo (Sl 119.97-104). 


A nossa suficiência em Cristo fundamenta-se na completa salvação e no completo perdão, e na completa vitória que Paulo descreve nos versículos 11 a 14. A cruz de Cristo é a verdadeira circuncisão para os crentes (Cl 2.11). Os benefícios da morte de Cristo pertencem aos crentes, porque eles foram enterrados junto com Cristo no batismo. Em virtude da cruz e da ressurreição de Cristo, os crentes foram sepultados e ressuscitados com Cristo. Paulo acrescenta, no versículo 12, que a eficácia da obra de Cristo é acessada por meio da fé. Paulo não estabelece uma conexão entre circuncisão física e batismo, mas entre circuncisão espiritual e batismo. Pelo contrário, ele repudia enfaticamente qualquer eficácia salvífica da circuncisão física. O que é necessário para pertencer ao povo redimido de Deus é uma circuncisão espiritual do coração (Dt 30.6), que é prometida na nova obra da aliança de Deus (Jr 31.31-34). A circuncisão física tornava a pessoa membro de Israel como o povo teocrático de Deus, mas não garantia que seria regenerada. Daí a necessidade da circuncisão espiritual do coração. 


A obra graciosa de Deus é alegremente recebida por aqueles que confiam em Deus para o perdão dos pecados (Cl 2.13-14). Os que são batizados já morreram para si mesmos, estão vivos para Deus em Cristo e depositam sua fé em Jesus para salvação. O batismo retrata o que Deus fez por eles em Cristo. Eles morreram e foram sepultados com Cristo e, agora, se levantam para uma nova vida nele. O batismo funciona como uma representação ilustrativa disto, quando, então, os crentes são submersos nas águas e, em seguida, emergem delas (Schreiner, 2019).


2. Cristo mais o legalismo (2.16-17). Condenar as pessoas por não manterem regras humanas e rituais religiosos é legalismo. Jesus enfrentou isto frequentemente em seus conflitos com os fariseus (Mt 23). Paulo dirigia-se às pessoas legalistas que estavam nas igrejas que acreditavam que somente um relacionamento pessoal com Cristo é insuficiente para agradar a Deus. Eles haviam acrescentado regras e requisitos sobre o comer, o beber, o vestir e a aparência, rituais religiosos e assim por diante. 


Na economia Mosaica, Deus concedeu muitas leis externas com o propósito de proteger Israel da interação social com os povos pagãos corruptos. Tais leis também foram dadas para ilustrar verdades espirituais internas que se cumpririam em Cristo. Paulo contrasta aparência e realidade (2.17). Os escritores do NT viam o VT e suas leis como promessas pertencentes à velha era que culminou com a vinda de Cristo (Hb 10.1). Quando Cristo veio, os elementos cerimoniais da lei foram postos de lado, porque Ele era o cumprimento de tudo que eles prenunciavam. No entanto, os legalistas na igreja primitiva insistiam que todas as cerimónias — incluindo a circuncisão, a observância do sábado e leis dietéticas — deveriam ser mantidas como padrões de espiritualidade (Cl 2.16-17). 


O ensino destes legalistas estava em direto confronto com o ensino do próprio Cristo. Em Marcos 7.15, Jesus deixou claro que leis dietéticas eram simbólicas e não tinham a inerente habilidade de tornar alguém justo, quando Ele disse que nada que entra no homem pode contaminá-lo. É o que sai de uma pessoa (maus pensamentos, palavras e outras expressões de um coração pecaminoso) que causa contaminação. Em Atos 10, Pedro teve uma visão de vários tipos de animais impuros que Deus ordenara que ele matasse e comesse. Quando Pedro fez objeção, porque ele nunca havia comido "coisa alguma comum e imunda" (At 10.14), uma voz do céu disse: "Ao que Deus purificou não consideres comum" (At 10.15). Deus estava revelando a seu povo que as leis dietéticas não estavam mais em vigor no contexto da Nova Aliança. Paulo resume a questão em Romanos 14.17: "Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo".  Em 1 Timóteo 4.1-5, Paulo adverte contra aqueles que “dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demónios" e “pela hipocrisia de homens que falam mentiras” e que com “suas mentes cauterizadas” proibiam o casamento e ordenavam “a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças; porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada.”


O legalismo é tanto uma ameaça à igreja hoje como o foi em Colossos. Há muitas pessoas cuja certeza de salvação está baseada em suas atividades religiosas, ao invés de confiarem somente no Salvador todo-suficiente. Mas a Bíblia ensina que um evangelho de obras efetuadas pelo homem não é nenhum evangelho (Gálatas 1.6-7; 5.2). 


A Bíblia é suficiente para descobrirmos aquilo que Deus quer que pensemos e façamos (2Tm 3.15-16, 2 Tm 1.5). Não devemos acrescentar proibições àquelas já afirmadas nas Escrituras. Deus nada exige de nós que não esteja determinado explícita ou implicitamente nas Escrituras. Deus não exige que creiamos em nada sobre si mesmo ou sobre sua obra redentora que não se encontre na Bíblia. Portanto, “não intimide-se pelas expectativas legalistas e infundadas da parte de outras pessoas. Deixe que seu comportamento seja o resultado do seu amor a Cristo e das santas aspirações produzidas em você pela habitação do Espírito e pelo estudo diligente e continuo da Palavra de Deus” (MacArthur, 2007). 


3. Cristo e o misticismo (2.18-19). Muitas pessoas começam a buscar experiências emocionais profundas, fenómenos sobrenaturalistas e revelações especiais — como se nossos recursos em Cristo não fossem suficientes. Aquilo que eles pensam ser fé em Cristo é, de facto, dúvida em busca de provas. Deste modo, pessoas ingénuas são presas fáceis das falsas promessas do misticismo.


Os crentes em Colossos também estavam sendo pressionados por pessoas supersticiosas que declaravam ter uma mais elevada união com Deus do que aquela que somente Cristo pode conceder. Eles alegavam haver tido comunhão com seres angelicais através de visões e outras experiências místicas. Eles eram obcecados pelo êxtase religioso particular que servia apenas para inflar seus egos. Paulo disse sobre eles: “Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, e não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus" (Cl 2.18-19).


O misticismo é a ideia de que o conhecimento directo acerca de Deus ou da realidade última se consegue através da intuição ou da experiência pessoal e subjectiva, à parte da objetiva revelação divina — a Bíblia Sagrada (MacArthur, 2007). O misticismo pode torna-se num instrumento através do qual líderes inescrupulosos usam para a manipulação do rebanho de Deus, por meio de experiências falsas e fabricadas, tirando vantagem da ingenuidade das pessoas. Mas a ordem bíblica é clara: nós devemos ser apegados "à palavra fiel que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder, assim para exortar pelo reto ensino como para convencer os que contradizem" (Tt 1.9). Não existe plano mais alto - nenhuma experiência superior. Somente em Cristo somos completos!


4. Cristo mais o ascetismo (Cl 2.20-23). Um asceta é alguém que vive uma vida de rigorosa auto-abnegação como meio de adquirir o perdão de Deus. Este foi um dos heréticos aditivos sobre os quais Paulo advertira os cristãos em Colossos a evitarem: “Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne (Colossenses 2.20-23).


Falsos padrões de espiritualidade marcados pela severidade para com o corpo não têm valor para combater os desejos da carne. O ascetismo não pode restringir a carne. A santificação não é realizada pela força humana. Falsos padrões de espiritualidade servem apenas para satisfazer a carne. O ascetismo, que cria um padrão para si mesmo, exalta a carne e faz a pessoa orgulhar-se de seus sacrifícios e realizações espirituais. 


A natureza pecaminosa pode ser transformada somente quando é condenada à morte em Cristo (2.23). Nenhuma regra humana sobre pureza pode transformar a natureza humana caída. Só Cristo! Para ser transformado, o homem só precisa de Jesus Cristo. Temos acesso ao reino divino apenas por estar unido a Cristo, que ascendeu ao céu (Ef 4.8-10) e está assentado à direita de Deus (Cl 3.1; Rm 8.34; Ef 1.20).


5. Cristo somente. A divina “plenitude” está em Cristo (2.9-10), e os crentes são “perfeitos nele”. Portanto, eles têm tudo o que precisam em Cristo. Eles não devem recorrer a nada nem a ninguém para “completar” seu bem-estar espiritual. Os cristãos devem olhar apenas para Jesus, o Cristo. Deus revelou-se definitivamente em Cristo (1.15,19). Cristo é a plenitude de vida e de salvação para os crentes. Cristo é a única maneira pela qual os humanos podem encontrar satisfação. Toda sabedoria espiritual deve ser encontrada somente em Cristo. Nem Deus nem a vontade de Deus pode ser conhecida senão por meio de Cristo, ou quando Cristo é conhecido. Qualquer um que afirma oferecer o segredo para uma vida fora de Cristo apenas engana a si mesmo e aos outros.


“Cristo é o Cabeça de todos os crentes, os quais são o seu corpo e, sem ele, o corpo está morto” (Ulrich Zwingli)Sem Cristo, nada podemos fazer (Jo 15.5); Nele podemos todas as coisas (Fl 4.13). “Cristo, e somente Cristo, está apto a ser o mediador entre Deus e o homem. Ele é o profeta, sacerdote e rei da igreja de Deus” (CFB. 1689, cp. 8.9). Toda a plenitude da essência de Deus está concentrada em Cristo (Cl 2.9). Em Cristo nós possuímos a fonte da qual flui a corrente das bênçãos que podem satisfazer qualquer necessidade que tenhamos.


O Senhor Jesus não é alguém que podemos acrescentar a qualquer outra religião a qual já seguimos. O evangelho de Cristo exige o abandono do erro. O evangelho exige abraçar a Cristo como o único Senhor (1 Ts 1.9). Jesus mesmo disse: "Ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6.24). Você precisa desistir de todos os outros mestres para ganhar a Cristo, que é a pérola de grande valor (13.44-46). 


Devemos agarrar-nos à suficiência de Cristo — não acrescentando nada a ela, nem retirando nada dela. Todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos nele (Cl 2.3). Temos sido aperfeiçoados nele (2.10). Ele é “o nosso Rei eterno que nos governa por sua Palavra e Espírito, e que defende e preserva-nos no gozo da salvação que ele adquiriu para nós” (CH, P&R 31). Podemos crescer na vida cristã apenas se vivermos sob o domínio de Cristo e pelo seu poder. E nada jamais nos pode separar dele (Rm 8.35-39). Do que mais necessitamos? 


Ter Jesus é ter todo recurso espiritual. Tudo que necessitamos acha-se nele. Em vez de tentarmos acrescentar algo a Cristo, devemos simplesmente aprender a usar os recursos que já possuímos nele. Tudo que você necessita na dimensão espiritual, no presente e na eternidade, encontra-se nele. Arrependa-se de seu pecado e submeta a Ele a sua vida!

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Referências: Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Lopes, H.D., 2008. 1Coríntios: Como Resolver Conflitos na Igreja 1a edição., São Paulo: Hagnos. / Lopes, H.D., 2008. Colossenses: A Suprema Grandeza de Cristo, o Cabeça da Igreja. SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2007 Nossa Suficiência em Cristo. São José dos Campos, SP: Fiel (Cl 2). / Moo, D.J. 2018. The Letters and Revelation (In D. A. Carson, org. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2038-2045; 2071). / Tomlin, G. et al. 2015. Filipenses e Colossenses. SP: Editora Cultura Cristã. / Schreiner, T. R. 2019. Credobatismo: sinal da nova aliança em Cristo (p. 83-85). Edição do Kindle.


O CAMINHO DA SALVAÇÃO

           

 

O CAMINHO DA SALVAÇÃO 


Em Mateus 7.13, 14, o Senhor leva o Sermão do Monte ao seu clímax evangelístico com um apelo incisivo e urgente. O evangelho exige uma resposta. Cada um tem de fazer uma escolha - uma escolha que as Escrituras apresentam de diversas maneiras (veja Dt 30.19; Js 24.15; 1 Rs 18.21; Jr 21.8). O Evangelho de Jesus Cristo é algo que requer uma decisão e um compromisso. É uma decisão com implicações contínuas e consequências eternas. O próprio Jesus coloca-Se no centro do destino de cada pessoa e exige que se faça uma escolha deliberada entre vida ou morte, céu ou inferno. 


Se o seu interesse por Cristo for puramente intelectual, que nunca afecta a sua maneira de viver, então o Novo Testamento só terá a dizer-lhe que não ainda não é um salvo. Entrar por este caminho significa seguir nas pisadas do Senhor Jesus Cristo. Este é um convite para que vivamos conforme Ele viveu; é um convite para que nos tornemos cada vez mais parecidos com Ele; sobre cuja vida podemos ler nos Evangelhos.


Aqui, para concluir tudo o que disse no Sermão do Monte, o Senhor exige que cada um escolha entre seguir o mundo pela estrada fácil e bem trilhada, ou segui-Lo pelo caminho estreito. Têm-se duas portas, a estreita e a larga; dois caminhos, o espaçoso e o apertado; dois destinos, a vida e a destruição; e dois grupos, o minoritário e o majoritário. As opções são claras. Ele exige uma decisão. Estamos numa encruzilhada, e cada pessoa precisa escolher que caminho irá seguir (MacArthur, 2008).


DUAS PORTAS

A “porta” aponta para a escolha que uma pessoa faz nesta presente vida, seja ela boa ou má.  “Entrai pela porta estreita”, diz Jesus, usando um imperativo que denota um senso de urgência, a exigência de uma acção ou resposta agora. Não é suficiente que se fique a apreciar a porta — é preciso entrar.


É também importante que se entre pela porta certa. Só há uma porta que dá passagem para o caminho estreito. Jesus disse: “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo” (Jo 10.9) e “O que não entra pela porta… é ladrão e salteador” (Jo 10.1). “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”, disse, em João 14.6. “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). “Há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Tm 2.5). Cristo é a porta. Ele é o caminho. Não existem outros caminhos para o céu. 


Jesus ensinou-nos que é o único caminho para Deus, e, portanto, não podemos acreditar que há outros caminhos sem traí-lo (Sproul, 2017). A única outra escolha possível é a errada. Não há meio-termo, nenhuma terceira alternativa. As opções de escolha são simples e claras. Jesus barra o sincretismo complacente da nossa cultura humanista, relativista e pluralista (Stott). Não há várias religiões verdadeiras; há tão-somente uma. E, assim, existem apenas duas opções: a verdadeira e a falsa, a certa e a errada, a de Deus e a dos homens. 


Não entrar pela porta estreita significa que já nos encontramos no caminho espaçoso. A resistência passiva é resistência; e, se não estamos do lado de Cristo, então estamos contra Ele. Não há alternativa. Ou tomamos o caminho estreito, ou já estamos no caminho largo e espaçoso (Lloyd-Jones, 2017).


Todos nascemos naquele caminho largo e espaçoso. As Escrituras ensinam-nos claramente que todos nascemos neste mundo “mortos em delitos e pecados” (Ef 2.1). Nenhuma pessoa, através de suas próprias obras, é capaz de salvar a si mesmo; a sua retidão não passa de “… trapo da imundícia…” (Is 64.6). A salvação não é um sistema de méritos, onde homens e mulheres trabalham para conquistar o favor de Deus. Ninguém jamais poderia realizar suficientes boas obras para ser aceitável aos olhos de Deus (Rm 3.10–18). A lei de Moisés foi dada para mostrar-nos quão pecadores e desobedientes nós realmente somos (Rm 3.20). Mas Deus, por sua graça, declara justos os crentes ao imputar-lhes a justiça de Cristo (Rm 3.21–24). 


Portanto, não salvo a mim mesmo através do acto de entrar pela porta estreita; mas, ao fazê-lo, estou anunciando o facto que fui salvo. O único indivíduo que entra pela porta estreita é aquele que já foi salvo; as únicas pessoas que estão caminhando pelo caminho apertado são aquelas que já foram salvas. Doutra sorte, não estariam ali. “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus…” (I Co 2.14). “o pendor da carne é inimizade contra Deus…”, e, por isso mesmo, é contrário ao caminho estreito. Este pendor “… não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar” (Rm 8.7). Por conseguinte, nenhum ser humano, conforme ele é em si mesmo, haverá jamais de preferir entrar pela porta estreita, porquanto, para ele, isto parece loucura (Lloyd-Jones, 2017).


O Senhor Jesus diz que a porta certa é estreita. Ninguém entra no reino de Cristo como parte de um grupo. “Muitos judeus baseavam a sua esperança de entrar no céu em sua linhagem nacional, tal como muitos frequentadores de igreja em nossos dias baseiam sua esperança eterna no facto de estarem afiliados a uma denominação, ou pertencerem a uma família cristã, ou por serem membros de uma igreja local” (MacArthur, 2008). Aqui, Jesus refuta estas ideias. A salvação é intensamente pessoal. Não adianta ter nascido em lar cristão, ou pegar uma boleia na fé do cônjuge. Crer é um acto individual.


Não é fácil entrar pela porta estreita. Lucas 13 registra que, enquanto Jesus ensinava nas aldeias, alguém Lhe perguntou: “Senhor, são poucos os que são salvos?” (v. 23). A sua resposta contradiz a pregação da fé-fácil moderna: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão” (v. 24). “A palavra grega para ‘esforçai-vos’ é agōnízomai, que indica uma luta agonizante e intensa. Trata-se da mesma palavra usada em 1 Coríntios 9.25, referindo-se ao atleta que se esforça por alcançar a vitória. Também é usada em Colossenses 4.12, ao falar do labor intenso de Epafras, e em 1 Timóteo 6.12, referindo-se ao cristão que ‘combate o bom combate da fé’ (Louw & Nida, 1996:495; Stauffer, 2013:23-24). Trata-se de uma luta de esforço extremo. Jesus disse, em Mateus 11.12: “o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele” (Mt 11.12). Lucas 16.16 diz: “Vem sendo anunciado o evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele”. Pedro escreveu: “E, se é com dificuldade que o justo é salvo, onde vai comparecer o ímpio, sim, o pecador?” (1 Pe 4.18).


O caminho estreito envolve constrangimento e dificuldades (At 14.22). Portanto, a apresentação de uma imagem otimista da vida cristã, que minimiza que ela está cheia de dificuldades não segue a orientação de nosso Senhor ou de Seus apóstolos (Fp 1.29, 30)Não é possível encaixar isto no conceito moderno de que é fácil ser salvo. “Porque estreita é a porta… e são poucos os que o encontram” (Mt 7.14). A menos que a pessoa esteja procurando diligentemente pela porta, provavelmente não saberá que ela está lá (Jr 29.13). Não se pode acomodar a mensagem de Jesus a qualquer forma barateada de graça ou fé-fácil. O reino não é para pessoas que querem Jesus sem qualquer mudança de vida. É tão-somente para aqueles que o buscam com todo o coração, para os que agonizam por entrar. Muitos dos que se aproximam da porta acabam voltando ao considerarem o preço. 


Para que alguém não venha a dizer que isto é salvação por esforço humano, é bom lembrar que é somente a capacitação da graça divina que habilita a pessoa a passar pela porta (veja Fl 2.13). É no quebrantamento de um arrependimento concedido por Deus, na pobreza de um espírito humilde divinamente moldado, que o poder de Deus torna-se a fonte de recursos. As boas novas são que, apesar da porta ser estreita, é suficientemente larga para passar “o principal dos pecadores” (1 Tm 1.15).


Para aqueles que preferem o caminho das facilidades, a porta espaçosa deverá ser mais atraente. Qualquer um pode passar sem ter de se livrar da auto-justiça, do orgulho e até mesmo do pecado. Esta porta é tão ampla que uma multidão pode entrar toda de uma vez, e ainda restará muito espaço para outros. Todavia, não há salvação para os que escolhem esta porta.


A salvação requer transformação total: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Co 5.17). O pecado, o egoísmo e os prazeres do mundo são substituídos por coisas novas. Este é o detalhe principal da salvação; ela produz uma vida transformada. 


Para “o novo homem em Cristo” há alegria indizível e cheia de glória (1Pe 1.8; Fp 2.17; 3.1; 4.4). Os “poucos” que entraram pela porta estreita são “afligidos, porém não esmagados; perplexos, porém não desesperados” (2Co 4.8,9); “entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo todas as coisas” (2Co 6.10). E além dos tesouros que já possuem desde agora, eles sabem que riquezas maiores esperam por eles, “porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação” (2Co 4.17).



DOIS CAMINHOS

Os dois caminhos identificam-se intimamente com as duas portas. Um é largo e espaçoso; o outro, difícil e estreito (Mt 7.14). O caminho da perdição é a estrada das facilidades e liberdades sem limites (7.13,14). É o caminho da auto-indulgência. Por outro lado, o caminho da vida é a estrada da renúncia (7.13,14). Exige auto-negação, obediência e perseverança (Lopes, 2019; Hendriksen, 2010).


As opções são as mesmas de sempre: ou o caminho largo e cheio, do ímpio; ou o caminho estreito do justo. O caminho largo, com toda a certeza, é mais fácil. Quase não há limitações ou restrições. Este caminho não requer caráter. É o “caminho, que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos da morte.” (Pv 16.25). O caminho de Deus é apertado, mas é o caminho estreito é o que conduz à vida.


O Senhor não induzia pessoas a tomarem decisões precipitadas para segui-Lo sem antes calcularem o custo disto (Lucas 14.25–27,33). Em João 6.64, por exemplo, Jesus questionou a fé daqueles que a si mesmos se chamavam discípulos: “Há descrentes entre vós”. Diz o versículo 66: “A vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele”. Jesus voltou-se para os doze e perguntou-lhes: “Porventura quereis também vós outros retirar-vos?” (v. 67). É como se Ele os estimulasse, tentando induzi-los a se retirarem com a multidão. Ele não queria seguidores ocasionais, mas pessoas dispostas a darem suas vidas por Ele (MacArthur, 2008).


Os que seguem o caminho estreito devem também contar com perseguições. Como Jesus disse aos seus discípulos: “vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus” (Jo 16.2). Quando alguém se torna crente, declara guerra ao inferno. E o inferno contra-ataca. Seguir a Cristo pode custar a própria vida de uma pessoa — no sentido espiritual, com toda a certeza custará (Lc 9.23). Os medrosos, os covardes e os acomodados não precisam apresentar-se. Esta parece uma estrada horrível para se viajar, não é mesmo? Mas a Escritura ensina que Cristo em pessoa vai à frente e supre-nos as forças necessárias (Fp 4.12,13).


DOIS DESTINOS 

A escolha que se faz entre as duas portas e os dois caminhos é uma escolha eterna. O caminho largo, cujo início é tão fácil, curiosamente torna-se duro no final; ele acaba no inferno. O que parece tão convidativo deste lado de cá, leva unicamente à perdição. A porta estreita, no caminho apertado, pode não parecer muito atraente, mas é o caminho para a vida. O caminho que começa difícil abre-se para a eterna felicidade do céu (MacArthur, 2008).


O indivíduo que não medita sobre o seu destino final é um insensato. O indivíduo que faz da viagem da vida terrena uma finalidade em si mesma não é lógico, mas é incoerente. Este é o grande argumento das Escrituras do começo ao fim (Lloyd-Jones, 2017).


Consideremos o nosso fim; consideremos o nosso destino, e a que tipo de vida este destino nos está levando. Se ao menos pudéssemos persuadir o mundo a fazer esta pergunta, todo este quadro seria mudado, dentro de pouco tempo. Temos visto como o apóstolo Paulo informa-nos que o caminho espaçoso certamente conduz os homens à vergonha, à miséria e à perdição. “… o salário do pecado é a morte…” – morte espiritual, desgraça e separação de Deus – “… mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).


DOIS GRUPOS 

Há dois grupos de pessoas viajando por caminhos diferentes. Mateus 7.13 fala do grupo que passa pela porta larga: “São muitos os que entram por ela”. Quanto à porta estreita, “são poucos os que acertam com ela” (7.14, ARA). Mesmo no Velho Testamento, os verdadeiros crentes constituíam apenas um remanescente, nunca a maioria. Jesus disse, em Mateus 22.14: “Muitos são chamados, mas poucos escolhidos”. Em Lucas 12.32 Jesus olhou para os seus discípulos e disse-lhes: “Não temais, ó pequenino rebanho”. Jesus ensinou que aqueles que são contados entre os remidos são poucos. O remanescente fiel tem sido sempre um rebanho pequeno. A maioria da humanidade toma o caminho largo.


Do ponto de vista humano, o caminho largo é a escolha natural. É natural preferir o que é amplo e espaçoso, de fácil acesso, em lugar do que é estreito e apertado. Também é natural seguir a multidão em vez de seguir uns poucos (Hendriksen, 2010). Jesus disse que “os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más” (Jo 3.19). Em João 12.42-23 diz que “até muitos dos principais creram nele; mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da sinagoga. Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus.” É sempre mais fácil seguir a multidão. Você jamais tem de negar-se a si mesmo ou tomar a sua cruz. O único problema é que o caminho natural termina em desastre. Os que entraram pela porta larga e agora trilham o caminho espaçoso estão indo rumo à perdição eterna (cf.: Dn 12.2; Mt 3.12; 18.8; 25.41,46; Mc 9.43; Lc 3.17; 2Ts 1.9; Jd 6.7; Ap 14.9–11; 19.3; 20.10).


A mensagem evangelística popular em nossos dias promete um plano confortável para a vida. Anula o escândalo da cruz (cf. 1 Co 1.23; Gl 5.11). Ainda que apresente Cristo como o caminho, a verdade e a vida, nada fala da porta, nem do caminho estreito. Seu assunto principal é o amor de Deus, mas não há qualquer menção da ira de Deus. Vê os homens como seres privados e, não, depravados. Vê os homens como vítimas e, não como pecadores culpados. É cheia de amor e compreensão, mas em nada menciona o facto de que há um Deus santo e que odeia o pecado; não chama ao arrependimento, não alerta para o facto de que haverá um juízo final, não chama ao quebrantamento e não apresenta qualquer razão para haver tristeza profunda pelo pecado. Trata-se de uma mensagem de salvação barata, acompanhada em geral de falsas promessas de saúde, felicidade, realizações e bênçãos materiais. Este não é o evangelho segundo Jesus Cristo (MacArthur, 2008).  


“Estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela”. Como Jesus poderia ser mais claro? Este é o único caminho aceito pelo seu evangelho. Não se trata de um caminho fácil ou popular, mas é o único que conduz à glória eterna.


O crente deveria lembrar-se a cada manhã, ao despertar do sono, dos seguintes factos: “Sou um filho de Deus; eu pertenço à família de Deus. Jesus Cristo morreu por mim e transportou-me do reino das trevas para o Seu próprio reino. Estou indo para o céu, pois este é o meu destino final. Estou tão somente passando por este mundo. Sei quais são as tentações e provações deste mundo, e não desconheço as insinuações de Satanás. Entretanto, não pertenço ao diabo. Pelo contrário, sou um peregrino e um forasteiro; estou seguindo a Cristo ao longo deste caminho cristão”. O crente recorda-se destas realidades espirituais, consagra-se àquilo a que se propôs fazer, e assim vai prosseguindo. E o resultado disto é que ele vê-se a avançar por este caminho apertado (Lloyd-Jones, 2017). 

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Referências: Carson, D. A. 1984. Matthew. (In F. E. Gaebelein, ed. The Expositor’s Bible Commentary: Matthew,  Mark, Luke. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 189–190). /Hendriksen, W., 2010. Mateus. SP: Editora Cultura Cristã. / Louw, J.P. & Nida, E.A. 1996. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains, 1, p.495. / Lopes, H.D., 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis. São Paulo: Hagnos. / Lloyd-Jones, D.M., 2017. Estudos no Sermão do Monte. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / MacArthur, J., 2008. O Evangelho Segundo Jesus. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Stauffer, E., 2013. agṓn, agōnízomai, antagōnízomai, epagōnízomai, katagōnízomai, agōnía. (In G. Kittel, G; Friedrich, G. & Bromiley, G. W. ed. Dicionário Teológico do Novo Testamento, vl. 1. SP: Cultura Cristã, p. 23–24). / Sproul, R.C., ed. 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version. Orlando, FL: Reformation Trust. / Sproul, R.C., 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. São Paulo: Editora Cultura Cristã.