O CUSTO DO DISCÍPULADO

            


A salvação é uma questão individual. Todos quantos desejam ser salvos precisam entrar em questões particulares, com Cristo, acerca de suas próprias almas.


Este texto do evangelho detalha um diálogo entre o Senhor Jesus e um jovem que aproximou-se dele, a fim indagar-lhe sobre o caminho da salvação (Mt 19.16-30). O jovem veio até Jesus, mesmo antes que este fizesse o que quer que fosse. Ele veio a Jesus para consultar sobre sua própria alma, mas retirou-se triste, e sem converter-se.


Neste relato aprendemos que uma pessoa pode ter o desejo de ser salva, e mesmo assim não vir a ser salva. Aprendemos que bons sentimentos, bom comportamento e anseios religiosos não são suficientes para salvar.


A este jovem não era preciso explicar sobre a existência de Deus, pois via-se que era um homem religioso e muito devotado. Não era preciso ensinar-lhe a Bíblia, pois ele já conhecia e praticava os mandamentos de Deus. Era rico, possuía muitas propriedades e, muito provavelmente, seria um bom elemento em qualquer comunidade.Ele era preeminente (Lc 18.18) e de elevada reputação. Além disso, era um homem de excelente conduta externa, um indivíduo virtuoso (Mt 19.20) e reverente   publicamenteajoelhou-se diante de” Jesus (Marcos 10.17). É surpreendente que um homem como Ele fosse a procura de Jesus (Mt 19.16). Toda a sua religiosidade e riqueza não lhe tinham dado confiança, paz, alegria ou mesmo uma esperança duradoura.


Ele sabia que não tinha a vida eterna e desejava obtê-la. Ele veio consultar a Jesus sobre sua alma. Ele estava interessado na salvação da sua alma. Ele foi a Jesus por causa da necessidade que sentia profundamente. Ele próprio identifica sua carência: vida eterna. Quanto a isto Ele foi perspicaz. Sem qualquer rodeio ou introdução ele perguntou: O que farei eu de bom para alcançar a vida eterna? 


Ele veio a Jesus a fonte da vida eterna (At 4.12, Jo 14.5). Em 1João 5.11 lemos: “E o testemunho é este, que Deus nos deu a vida Eterna; e esta vida esta em seu filho”. De Jesus, diz o versículo 20: “Este é o verdadeiro Deus e vida eterna” (1 Jo 5.11, 20). Logo, Jesus não é apenas a fonte da vida eterna: Ele é a própria vida eterna! O jovem rico, portanto, estava procurando salvação no lugar certo.


Ele Fez a pergunta certa. Tratava-se de uma pergunta honesta e simples, feita por alguém que estava à procura da verdade. “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?" Afinal de contas, há algo que temos de fazer para herdar a vida eterna: Temos de crer em Cristo. Em João 6.29, o Senhor Jesus disse: A obra de Deus é esta, que creiais naquele que ele enviou”. Isto é, o acto de ter fé em Jesus Cristo, de confiar Nele, é uma obra divina nos crentes.


O Senhor Jesus exige amor supremo de todos os que desejam segui-Lo.Jesus sabia que havia algo de errado com este jovem rico e importante. Suas possessões materiais o haviam escravizado (Mt 19.22,23). Ele não estava realmente disposto a seguir todo o caminho para onde Deus, pela voz de Jesus Cristo, o dirigisse. Por isso, Jesus indagou-lhe: “Se queres entrar na vida guarda os mandamentos” (Mt 19.17).É aqui que a história toma um rumo extraordinário. Jesus desafiou o interesse daquele jovem.


O Senhor Jesus nada falou sobre si mesmo e nem mesmo convidou o homem a crer. Se alguém conseguisse guardar a lei a vida inteira, sem nunca violar um til ou jota, seria perfeito, sem pecado. Mas ninguém é assim, a não ser Jesus, pois os homens nascem em pecado (SI 51.5). Sugerir que a lei é um meio para alguém ser salvo obscurece a questão da fé. Por que, então, Jesus falou dessa forma com o rapaz? Por que Jesus simplesmente não apontou-lhe o caminho da salvação?


Ele estava dominado pelo orgulho. Faltava-lhe um senso de sua própria pecaminosidade. É por isso que Jesus confrontou o seu pecado com a lei. O reconhecimento do pecado é elemento necessário para que se compreenda a verdade da salvaçãoA salvação é para aqueles que odeiam o seu pecado e dão as costas às coisas desta vidaA lei sempre precede a graça (Jo 1.17): ela é como um tutor que leva-nos a Cristo (Gl 3.24). Sem uma compreensão da realidade e gravidade do pecado, não pode haver redenção. A Lei serve-nos como espelho, para mostrar a nossa pecaminosamente diante de Deus (Tg 1.24). A lei mostra-nos quem Deus é, e quem nós somos. Mostra-nos que Deus é santíssimo, mas que nós somos imperfeitos e transgressores.


A Escritura diz que ninguém será justificado diante de Deus pela prática das obras da lei (pela obediência a soma total dos mandamentos de Deus), em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado (Rm 3.20). A Escritura também afirma com clareza que somos salvos exclusivamente pela graça de Deus mediante a fé em Cristo (Ef 2.8), e não pela prática das obras da lei (Gl 2.16). Somos salvos para as boas obras e não por intermédio das obras (Ef 2.9-10). A fé em Cristo é a causa instrumental, e as boas obras são a evidência da genuinidade fé; porquanto a fé salvadora é uma fé que produz obras. 


Por conseguinte, não devemos pregar a graça a pessoas que ainda não compreenderam as implicações da lei. Se ainda não perceberam nossa culpa pessoal diante de Deus. O jovem perguntou a Jesus quais os mandamentos ele deveria guardar. Então Jesus pregou a lei para ele, apresentando a segunda metade dos 10 mandamentos, e o dever de amar o próximo.


Ele não confessou sua culpa. Replicou-lhe o Jovem: Tudo isso tenho observado; que me falta ainda (Mt 19.20)? Ele achava que não tinha nenhum pecado real. Ele pensava que era justo, que obedecia integralmente a lei de Deus. Embora o Senhor Jesus amasse aquele jovem (Mc 10.21), Ele não aceita os pecadores sob as condições que eles mesmos impõem. 


Ele não quis submeter-se ao Senhorio de Cristo. Então Jesus submeteu-o ao último teste: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem, e segue-me” (Vs. 21).Isso desafiou a afirmação daquele jovem de que guardava a lei. Se ele realmente amava o seu próximo como dissera, não seria difícil obedecer a Jesus. 


Jesus sabia que o rapaz amava as riquezas. Ao lhe pedir que desse tudo aos pobres, Jesus obrigou-o a examinar seu coração e estabelecer suas prioridades. No entanto, o coração daquele jovem estava nas suas riquezas materiais. Ele teria de escolher qual seria o seu Senhor. É impossível amar e servir a dois senhores ao mesmo tempo (Mt 6.24). O teste de Jesus ao jovem demonstrou que ele violava o primeiro mandamento - “Não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20.3) - pois ele não pode suportar separar-se de suas riqueza mesmo por causa da vida eterna no reino de Deus. 


Jesus apresentou a este jovem o custo do discipulado. Como ele havia feito com os seus discípulos quando disse: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me; Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mt 16.24-26).


Esta passagem não ensina salvação pela filantropia ou boas obras, mas que Jesus exigi o primeiro lugar em nossas vidas.O custo de seguir a Jesus é estar debaixo da Sua soberania. É tê-lo como o único Senhor absoluto da nossa vida. É amá-lo mais que qualquer outra coisa.O Senhor Jesus exigiu dele plena confiança e total rendição a Ele como seu Senhor. A ordem de Jesus, portanto, foi um teste. 


Este jovem precisava compreender que o “Senhor não salva aqueles em quem Ele não pode mandar” (Tozer). Precisava compreender o discipulado é um compromisso de seguir a Cristo, custe o que custar. Como escreveu Paulo: “Não sois de vós mesmos […] fostes comprados por um preço” (1Co 6.19,20).  Jesus não é apenas o nosso Salvador, Ele também é o nosso Senhor.


O jovem não foi aprovado no teste (Mt 19.22). Suas riquezas materiais eram mais importantes do que Jesus Cristo. Ele não estava disposto a reconhecer o seu pecado, e submeter-se ao senhorio de Cristo. 


O pecado arraigado no coração desse jovem, que ele não queria largar era o amor pelas riquezas materiais. Jesus não poderia ser o Senhor deste jovem enquanto as riquezas deste mundo ainda estivessem entronizadas em seu coração. Este era o ponto fraco deste jovem, algo que ele amava mais do que a sua própria alma, as riquezas materiais. 


Jesus sabia que ele apreciava excessivamente o dinheiro, que a riqueza era o seu ídolo secreto. A Escritura diz que “o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (1Tm 6.10). 


Outrossim, Jesus disse: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37). Temos desistido de todos os ídolos deste mundo por amor a Cristo?Há algo ou alguém que estejamos a amar mais do que a Cristo? A resposta fundamental ao amor radical de Deus por nós é que nós o amemos de forma radical (Mark Dever).


Notas teológicas:

Jesus não exigia que todos os seus seguidores se privassem de seus recursos. Em parte alguma da Bíblia somos ensinados que um pecador é salvo ao vender seus bens e doá-los aos pobres. Jesus nunca disse a Nicodemos para fazer isso, nem a qualquer outro pecador cuja história se encontre registada nos Evangelhos. Contudo, “o facto de Jesus não ter exigido que todos os seus seguidores vendessem todos os seus bens, só serve de consolo para o tipo de pessoa de quem Ele de facto faria tal exigência” (Gundry).


- A imagem divertida do camelo tentando passar pelo fundo de uma agulha significa que não é simplesmente difícil, mas impossível para uma pessoa rica alcançar salvação (Mt 19.23-26). A resposta está em reconhecer que a impossibilidade humana é possível para Deus. Aqui, portanto, vemos o poder soberano da graça de Deus sobre a alma humana. Salvação não é algo que conquista-se, quer pela riqueza quer pela pobreza. A salvação é uma dádiva da livre graça de Deus. 



Ninguém será um real perdedor seguindo a Cristo (Mt 19.27-30). Pedro não tardou em perceber o contraste entre o jovem rico e os discípulos pobres: " Eis que nós tudo deixamos e te seguimos; que será, pois, de nós? " (Mt 19:27).  Jesus dá-lhes uma promessa maravilhosa de recompensas tanto nesta vida quanto na próxima. Os discípulos teriam até mesmo tronos no estabelecimento do reino de Cristo. Seriam recompensados cem vezes mais com tudo de bom que tivessem renunciado por amor a ele (Lc 18.30). Em outras palavras, não estavam fazendo um sacrifício, mas sim um investimento. Entretanto, nem tudo seria recebido nesta vida.


Um gracioso galardão é concedido a todos quantos sacrificam -se por amor a Cristo. Esta promessa é para todos os que nesta vida escolheram a Cristo acima de todos e de tudo mais, mesmo acima de seus mais íntimos parentes e mais preciosas possessões. Pela causa de Cristo, fez-se necessário que seus seguidores deixem seus parentes mais próximos? Novos “parentes” agora serão seus (Mt 12.46–50; Rm 16.13; 1Co 4.15), pois agora pertencem à “família de Deus” (Efésios 3.15). Conforme a promessa de Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, com perseguições; e no século futuro a vida eterna (Mc 10.29-30).


Os discípulos, porém, devem precaver-se contra o espírito mercantil para que o mesmo não os domine, porque “muitos primeiros serão últimos, e [muitos] últimos, primeiros” (Mt 19.30). Os “primeiros” são aqueles que, em virtude de sua riqueza, educação, posição, prestígio, talentos, etc. são altamente considerados pelos homens em geral, às vezes até mesmo pelos filhos de Deus. Visto que “Deus vê e conhece o coração, muitas destas mesmas pessoas são por Ele destinadas a uma posição de retaguarda em relação aos demais” (Hendriksen).


CONCLUSÃO

Não devemos confundir adesão com conversão! Precisamos passar dos sentimentos à ação, pois este é o resultado das afeições santas, um sentimento que conduz a mudança. Existem os que estão perdidos fazendo coisas erradas enquanto ninguém vê, mas existe outra classe de perdidos: aqueles que cumprem aparentemente tudo que a igreja pede mas estão igualmente perdidos.


Este jovem era religioso, mas não havia nascido de novo (Jo 1.11-13; Jo 3.3-8; 1 Jo 5.1; Ez 36.26,27).O homem, por causa de sua natureza pecaminosa, é incapaz de converter-se sem a obra regeneradora do Espírito Santo (Jo 6.44). Com a queda, as pessoas tornaram-se prisioneiras da lei do pecado (Rm 7.23) e, por natureza, desobedientes (Ef 2.3). A Escritura diz que “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus […] e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14). Diz também que “o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2 Co 4.4). O Novo Testamento ensina que o ser humano sem Cristo está morto espiritualmente (Ef 2.1). 


Portanto, em cada ponto, princípio, meio e fim, o homem é completamente dependente de Deus para sua salvação. Por si só o homem nada pode fazer. Se ele tem de ser salvo, antes tem de nascer de novo (Jo 3.3,5). Ainda quando pela fé – fé dada por Deus! (Ef 2.8) – ele aproxima-se de Deus, mesmo assim para fazer isso ele tem de ser capacitado e sustentado a cada dia, hora, minuto e segundo pela omnipotente graça de Deus.


Os discípulos perguntaram: Quem pois poderá salvar-se? E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível (Mt 19.26).



_____________

Referências:

Barnes, A. 1884–1885. Notes on the New Testament: Matthew & Mark (Frew, R. ed.). London: Blackie & Son (Matthew 19.16-30). 


Carson, D.A. 1984. Matthew. (In F. E. Gaebelein, F. E., ed. The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 420-435).


Gundry, R. H. 1998. Panorama do Novo Testamento. 2º Edição. São Paulo: Vida Nova, p. 192. 


Hendriksen, W. 2010. Mateus. SP: Editora Cultura Cristã (Mateus 19.16-30).


MacArthur, J. 1999. O Evangelho Segundo Jesus. São José dos Campos, SP: Fiel, p. 87-99. 


Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Mateus. São José dos Campos, SP: Fiel, p. 157-162.

 

O USO CORRETO DA LÍNGUA





A língua desenfreada pode causar danos irreparáveis. A Escritura diz que a “morte e a vida estão no poder da língua” (Pv 18.21). As palavras têm o poder de encorajar e abater as pessoas. Elas despertam alegria ou geram angústias. As palavras podem edificar ou derrubar. Elas constroem e destroem. As palavras podem tanto aproximar as pessoas, como afastá-las umas das outras. O sábio Salomão disse que “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” (Pv 15.1). É melhor ficar calado do que ofender alguém, pois as palavras uma vez proferidas, jamais podem ser recolhidas.

Por causa desta tendência de pecar com a língua, a palavra de Deus exorta a todo o ser humano a ser “pronto para ouvir e tardio para falar” (Tg 1.19). O Senhor Jesus disse: “que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem" (Mt 15.11).

Ademais, a Escritura diz que “se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã” (Tg 1.26). O uso da língua, portanto, é uma das formas em que o compromisso de uma pessoa com Cristo é testado. 

Por meio de um argumento longo e detalhado, Tiago sublinha que a língua é uma ferramenta extremamente poderosa, sobretudo, para o mal (Tg 3.1-12). É por isso que os mestres podem pecar com muita facilidade, levando outros ao erro ao mesmo tempo. A autodisciplina da fala, conteúdo, é um dever moral de todo o ser humano (Tg 3.2-12). Jesus disse que mesmo as nossas palavras mais despretensiosas serão julgadas (Mt 12.36).

A língua é a ferramenta principal de um mestre cristão (Tg 3.1-2). No mundo cristão, o ensino não é tanto um privilégio, mas uma responsabilidade pela qual devemos prestar contas. Avaliação e crítica são ocorrências diárias na visa de um pastor-mestre ou de um professor cristão. Num sentido eclesial, a língua de um mestre guia e controla todo o corpo da igreja. Tiago destaca a responsabilidade dos professores pela saúde de suas congregações.

O Senhor Jesus ensinou que as pessoas são responsáveis pelo que dizem (Mt 12.36-37) e sabem (Lc 12.47-48). O mestre afirma saber e ser exemplo para a igreja. Na época do NT o mestre ensinava por sua vida e exemplo mais do que pela palavra. Muitos querem ser líderes e mestres na comunidade cristã. Mesmo que o desejo de se tornar mestre seja motivado pela melhor razão possível, o mestre há de receber maior juízo ("seremos julgados com maior rigor", NVI). Tiago inclui-se entre os mestres aqui.

No versículo 2 Tiago amplia o escopo sobre os mestres para considerar todos. Tiago diz que todas as pessoas tropeçam (e pecam), e o lugar mais fácil de tropeçar é no uso da língua. Portanto, se uma pessoa realmente tem a sua língua completamente sob controlo, de forma que não peque nesta área, ela de facto é tão autocontrolada como se fosse perfeita, visto que a língua é a última parte do corpo que se consegue controlar.

A língua tem um poder totalmente desproporcional ao seu tamanho em relação a outras partes do corpo humano (Tg 3.3-5). Tiago apresenta uma série de exemplos que ilustram a importância da disciplina da fala. Um cavalo, que era o principal meio de transporte terrestre da época de Tiago, é controlado por um freio na boca. Com o freio guiamos o animal e atingimos o propósito ou o curso desejado. Um navio, o maior veículo de transporte daqueles dias, era controlado por um leme. Com o leme das naus o piloto guiava o navio de maneira segura. Tiago, entretanto, muda a direção da sua argumentação e compara a língua a uma fagulha que pode pôr fogo numa floresta inteira. A fagulha ilustra os resultados trágicos e devastadores do falar incontrolado.

Há três razões pelas quais o dano que a língua pode causar é como o de um fogo: (1) O fogo alastra-se. “Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia” (Tg 3.5). (2) É de vasto alcance. O perigoso da língua é que pode causar danos a grande distância. (3) É difícil de dominar. Nos ressecados bosques e matagais da Palestina, um incêndio ficava imediatamente fora de controlo. Assim também, ninguém é capaz de controlar o mal que a língua pode causar. 

A língua, assim como o fogo, pode transformar a vida de uma pessoa num verdadeiro inferno de aflições. Tiago explica que é o próprio inferno (do grego γέεννα / geenna) que ateia fogo à língua. Tiago não está a falar da língua como ferramenta da linguagem dada por Deus - o dom da comunicação oral. Ele está a pensar na língua como algo corrompido pela Queda. Muitos pecados, se não todos, começam com uma palavra. Às vezes é pronunciada, outras é silenciosamente "falada" no íntimo, na mente. Nossas línguas revelam o que está em nossos corações (Mt 15.18), então elas manifestam todo o mundanismo que caracteriza os humanos - “o curso (a roda) da nossa existência”. 

A língua é indomável (3.7-8). Domar significa dominar, fazer útil e benéfico; mas como diz Tiago, é o que ninguém, por si só, pôde fazer jamais com sua língua. Apesar da habilidade dos seres humanos para domar os animais, não há ser humano que consiga controlar a sua própria língua. A língua é inquieta e desassossegada. A língua sempre quer dizer alguma coisa; com frequência é veneno que produz morte. “Mesmo os santos mais perfeitos passam por momentos em que gostavam de poder engolir o que acabaram de dizer” (Douglas Moo).

Os seres humanos, por seus próprios recursos, não podem domar a língua; é uma tarefa tão difícil que requer ajuda divina. Tiago, porém, ensina que a sabedoria que vem do céu” (Tg 3.17) capacita os crentes a domar a língua e evitar brigas (Tg 3.13-4.3) e desunião dentro da igreja (Tg 4.1-3). A sabedoria de Deus manifesta-se em virtudes que promovem a paz ao invés da divisão (Tg 3.18). A lista de virtudes que caracteriza a verdadeira sabedoria é semelhante (Tg 3.17–18) à lista do “fruto do Espírito” em Gl 5.22. Em última análise, o Espírito produz essas virtudesamor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança.” (Gl 5.22).

Outrora os cristãos eram escravos do pecado e do mundo, eram filhos da ira, mas agora, salvos pela graça de Deus em Cristo, são livres para viver e andar no Espírito (Ef 2, 4; Rm 6; 8; Gl 5.24,25). Portanto, guiados pela sabedoria do céu, andando no Espírito (Gl 5.16), e levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo (2Co 10.5), os cristãos são agora capazes de domar a língua. Aliás, como o próprio contexto de Tiago 3 indica, o domínio da língua é uma das formas em que o compromisso de uma pessoa com Cristo é testado. 

A língua de um cristão deve ser coerente com a fé que ele diz professar (Tg 3.9-12). Tiago está a escrever a crentes. Na igreja, os crentes usam a língua para louvar a Deus. Imagine que em seguida estes mesmos crentes põem-se a falar mal ou a proferir palavras malditas contra alguém. Contra pessoas que foram feitas à imagem de Deus (Gn 1.26,27; 9.6). Esta dualidade, duas palavras diferentes e contraditórias saindo da mesma boca, é um tipo de hipocrisia (v. 9).

Na época de Tiago, o rei ou imperador erigia a sua estátua nas cidades do seu domínio. Se alguém insultasse ou amaldiçoasse a estátua, era tratado como se tivesse amaldiçoado o imperador em pessoa, cara a cara, pois a estátua era a imagem do imperador. Por isso, o insulto a uma pessoa, feita à imagem de Deus, é como um insulto ao próprio Deus. 

A mesma língua não deve ser capaz de abençoar e amaldiçoar (v.10). É tão incongruente para um cristão, cujo coração o Espírito de Deus transformou, pronunciar palavras falsas e malignas quanto para uma figueira dar azeitonas; uma videira, figos; ou uma fonte salgada, água doce. Por está causa admoestou Paulo: “Mas agora, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca.” (Cl 3.8).

Infelizmente há pessoas que vivem amaldiçoando. A Escritura, porém, adverte: “Se amarmos a maldição ela nos sobrevirá, se não desejarmos a bênção ela se afasta de nós” (Sl 109.17). Mas aos seus servos o Senhor, a Escritura diz: “Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda.” (Salmos 91.10). O povo de Deus não deve ser supersticioso, pois nenhuma alcança aqueles que estão em Cristo (Nm 22.6; 23.8,20,23). Além do mais, é Deus quem administra estas coisas: tanto a bênção quanto a maldição (Dt 28). 

Que nossas palavras sejam sempre palavras de bênção para aqueles que nos ouvem! Abençoar é invocar a bênção divina em favor de uma pessoa (Lucas 10.5). Abençoar é um ato de fé - “Pela fé, Isaque abençoou Jacó e Esaú, no tocante às coisas futuras. Pela fé, Jacó, próximo da morte, abençoou cada um dos filhos de José e adorou encostado à ponta do seu bordão” (Hb 11.20-21).

Pelas palavras se conhece uma pessoa (Tg 3.11,12; Mt 7.16-20). As palavras expressam os pensamentos do homem e as intenções do seu coração. A árvore boa é conhecida pelos bons frutos, a qualidade de uma fonte é provada pela água que flui do seu interior. A implicação deste argumento é que se estamos proferindo insultos ou maldições, esta é a nossa natureza. O nosso louvor é um disfarce, um tipo de hipocrisia.

Portanto, uma pessoa torna-se conhecida por suas próprias palavras e actos. Você acredita naquilo que faz, e não no que diz. Há pessoas que dizem: Eu amo Jesus, mais não guarda os seus mandamentos (Jo 14.15; 15.10). Outros dizem: Deus esta em primeiro lugar em minha vida, mas sempre deixa as coisas de Deus para mais tarde, e ocupa-se com os cuidados desta vida (Mt 6.33). A contradição moral é dizer uma coisa e fazer outra. É quando nossos actos desmentem as nossas palavras. 

Advertências bíblicas solenes: 
1. A Escritura adverte-nos contra uma séria de pecados que são cometidos com a língua: A calúnia e a difamação (Sl 101.5; Lv 19.16; Tg 4.11); o boato e a mentira (Pv 26.20; Ap 21.27; 22.15); a murmuração = falar em voz baixa, reclamando ou desacreditando (Fp 2.14 Êx 16.8); as palavras torpes (Ef 4.29; Cl 3.8); semear contenda entre os irmãos (Pv 6.16, 19), uma prática que Deus abomina. 

2. A Escritura adverte-nos que mesmo as nossas palavras mais despretensiosas serão julgadas por Deus. Quando falamos, em qualquer ocasião, Deus presta atenção (Malaquias 3.16). Ele ouve e avalia a qualidade da palavra, sua origem e motivações. O Senhor Jesus disse “que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado” (Mt 12.36-37).

3. A Escritura adverte-nos que o mau uso da língua atrai infelicidade e sofrimento. Como escreveu o apóstolo Pedro: “… quem quer amar a vida e ver os dias bons, refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem engano” (1 Pedro 3.10).

4. A Escritura adverte-nos que guiados pela sabedoria de Deus, andando no Espírito (Gl 5.16), e levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo (2Co 10.5), os cristãos são agora capazes de domar a língua. Portanto, controlar a própria língua é uma tarefa tão difícil que requer ajuda divina (Fl 2.13). Precisamos fazer a mesma oração de Davi no Sl 141.3: “Põe, ó SENHOR, uma guarda à minha boca; guarda a porta dos meus lábios”. 
__________
Referências bibliográficas:
Barry, J.D., et al. 2016. Faithlife Study Bible. Bellingham, WA: Lexham Press (James 3.1-18)
Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles (James 3.1-12).
Davids, P. H. 2009. Tiago (In Carson, D. A. ed., et al. Comentário Bíblico Vida Nova. SP: Edições Vida Nova, p. 2042-2044).
Dibelius, M. & Greeven, H. 1976. James: a commentary on the Epistle of James. Philadelphia: Fortress Press (James 3.1-4.3)
Grünzweig, F., 2008. Comentário Esperança: Carta de Tiago. Curitiba: Editora Evangélica Esperança.
Jeremias, J. 2013. Géenna. (In G. Kittel, G. Friedrich, & G. W. Bromiley, ed. Dicionário Teológico do Novo Testamento, vl. 1, SP: Cultura Cristã, p. 124). 
Kistemaker, S.J. 2006. Tiago e Epístolas de João. SP: Editora Cultura Cristã (Tiago 3.1-12).
Lopes, H. D. 2006. Tiago: transformando provas em triunfos. SP: Hagnos, 57-69.
Louw, J.P. & Nida, E.A. 1996. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains, vl. 1, p.5.
Moo, D.J. 2018. The Letters and Revelation (In D. A. Carson, D. A. ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2230).



Pastor Leonardo Cosme de Moraes

O CAMINHO DAS TREVAS PARA A LUZ



A cura do cego Bartimeu está registada nos três evangelhos sinóticos: Mateus, Marcos e Lucas (Mt 20.29-34; Mc 10.46-52; Lc 18.35-43). Porém, existem nuances diferentes nos registos e cada um faz uma contribuição distinta. Mateus fala de dois cegos e não apenas de um (Mt 20.30) e Lucas fala que Jesus estava chegando em Jericó (Lc 18.35-43) - podendo significar “nas redondezas” - e não que estava a sair de Jericó como informa-nos Marcos (10.46). Como explicar estas aparentes contradições? 

Em primeiro lugar, nem Marcos nem Lucas afirmam que havia apenas um cego. Mateus disse que foram dois (Mt 20.30), e onde há dois, sempre há um, sem exceção! Talvez Bartimeu fosse o principal interlocutor, ou quem sabe ele tenha se distinguido subsequentemente no discipulado. Ademais, o facto de Marcos mencionar o nome do Pai de um dos cegos, Bartimeu (10.46), pode indicar que ele concentrou-se naquele que conhecia pessoalmente ou que era alguém conhecido de forma mais ampla pela comunidade cristã. No entanto, não sabemos precisamente a razão de Marcos te escrito a respeito de Bartimeu e de não ter mencionado nada em relação ao outro cego.

Em segundo lugar, havia duas cidades de Jericó no primeiro século: a velha Jericó, quase toda em ruínas; e a nova Jericó, construída por Herodes, logo ao sul da cidade velha, onde ficava seu palácio de inverno. Aparentemente, o milagre aconteceu na demarcação entre a cidade nova e a velha, enquanto Jesus saía de uma e entrava na outra. Nesta percepção, Mateus e Marcos, sob influência judaica, mencionam que Jesus estava saindo da cidade antiga; Lucas, o helenista, refere-se à nova, na qual Jesus está entrando. Também é possível que os acontecimentos tenham sido agrupados para nós, como se Cristo tivesse primeiramente encontrado os cegos na chegada à cidade, mas a cura tendo acontecido quando ele estava saindo. 

Agora, porém, nosso foco será à história como Marcos a conta. Isto significa que não vamos falar sobre os dois cegos, mas somente sobre Bartimeu. A jornada desde Cesaréia de Felipe está prestes a acabar, pois Jesus e os discípulos chegam a Jericó, o acesso leste para Jerusalém, Eles estão no caminho para Jerusalém, onde Jesus será crucificado. 

Aquele era o tempo da festa da Páscoa, a mais importante festa judaica. A Lei estabelecia que todo homem maior de doze anos, que vivesse dentro de um raio de vinte e cinco quilómetros, estava obrigado a assistir a festa da Páscoa. Jericó era o único povoado grande pelo qual um viajante passaria ao subir do Vale do Jordão a Jerusalém. A cidade, além de ser um posto de fronteira e alfândega (Lucas 19.2), também era a última oportunidade de abastecimento de provisões. Por essa razão, Jericó que, ficava a vinte e cinco quilómetros de Jerusalém tinha suas ruas superlotadas de peregrinos. Na grande multidão que acompanhava Jesus, espanto e curiosidade misturavam-se com a grande expectativa dos peregrinos a caminho para a festa em Jerusalém. 
A condição de Bartimeu antes de seu encontro com Cristo
Bartimeu era cego e mendigo (10.46). Não era somente cego, mas era mendigo, duas circunstâncias que geralmente andavam juntas. Um cego não sabe para onde vai, um mendigo não tem para onde ir. Ele vivia a esmolar à beira da estrada, dependendo totalmente da benevolência dos outros. 
Não há nenhuma cura de cego no Antigo Testamento. Os judeus acreditavam que tal milagre era um sinal de que a era messiânica havia chegado (Isaías 35.5).
O cego Bartimeu, cujo o nome é desconhecido, estava à beira do caminho (10.46). Bartimeu em aramaica significa filho de Timeu. Bartimeu não é nome próprio, significa apenas filho de Timeu. O texto informa que ele estava sentado à beira da estrada durante todo o dia, não vendo ninguém, mas para ouvir os passos das pessoas que aproximavam-se para que ele pudesse pedir-lhes esmola. A multidão ia para a festa da Páscoa, mas ele não podia. A multidão celebrava e cantava, ele só podia clamar por misericórdia. Ao tomar tempo para atender a esse homem humilde, Jesus estabeleceu um poderoso exemplo para seus discípulos.
A busca de Bartimeu por Cristo 
A cura de Bartimeu foi o evento final antes da Semana da Paixão. Jesus estava indo para Jerusalém. Era a festa da páscoa. Naquela mesma semana Jesus seria preso, julgado, condenado e pregado na cruz. Embora Bartimeu não pudesse ver Jesus, ele pode ouvir o barulho da multidão. Depois de perguntar, ele é informado de que Jesus de Nazaré estava passando por ali. Era a última vez que Jesus passaria por Jericó. Aquela era a última oportunidade de Bartimeu. Se ele não buscasse a Jesus, ficaria para sempre cativo de sua cegueira.

Mesmo cego, Bartimeu viu mais do que os sacerdotes, escribas e fariseus. Estes tinham olhos, mas não discernimento espiritual. Bartimeu chamou Jesus de “Filho de Davi”, seu título messiânico (10.48; veja: Is 11.1-3; Jr 23.5, 6; Ez 34.23, 24). O facto deste cego mendigo chamar Jesus de “Filho de Davi” revela que ele reconhecia Jesus como o Messias - o rei tão esperado de Israel, aquele maior do que o próprio Davi (12.35-37). Todavia, muitos que haviam testemunhado o ensino e os milagres de Jesus estavam cegos a respeito da sua identidade, recusando-se a abrir seus olhos para a verdade. Jesus não faz nada para silenciá-lo, sugerindo que Jesus está agora pronto para que sua identidade seja amplamente conhecida (comp. com Marcos 1.34).

Bartimeu chamou Jesus de Mestre (10.52). A palavra rabboni também é traduzida por Senhor. Bartimeu tinha usado duas vezes o título messiânico de Jesus, mas rabboni era uma expressão de fé pessoal. Ele recebe sua visão crendo que Jesus é o Senhor e Messias - ao contrário da geração cega espiritualmente que na sequência rejeitará Jesus.

Nada nem ninguém pode deter o seu clamor. A multidão tentou abafar sua voz, mas ele clamava ainda mais alto: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim” (10.48). Alguns daqueles que tentam silenciar a voz do mendigo faziam-no porque estavam com pressa de chegar a Jerusalém e não queriam que Jesus fosse parado por este mendigo cego. Ademais, eles ainda não estavam preparados para ouvir Jesus publicamente proclamado como “O Filho de Davi”; pois sabiam que os seus líderes religiosos não apreciariam isso. Mas Bartimeu não intimidou-se nem desistiu de clamar pelo Filho de Davi diante da repreensão da multidão. Ele creu que Jesus, o Messias, era o único que poderia libertá-lo de sua cegueira e dos seus pecados. Ele creu Jesus era o misericordioso Messias Divino. Ele não pede justiça, mas misericórdia. Ele não pede justiça, mas apela apenas para a misericórdia do Messias de Deus.

Logo que Jesus mandou chamá-lo, ele lançou de si a capa e num salto foi ter com Jesus. Sem hesitação ele joga para o lado a capa que o atrapalhava a andar, para não retardar a sua caminhada até Jesus (10.50).

Sua capa era sua roupa, sua proteção, sua cama. Era tudo o que ele possuía para protegê-lo da poeira do deserto durante o dia e o de seu frio à noite. Mas, ele desfez-se de imediato de tudo que o poderia constituir-se um obstáculo. Ele levantou-se de um salto para ir a Jesus. Esse salto fala da prontidão com que devemos correr para Jesus. Em resposta a chamada de Jesus e deixando tudo para trás, o mendigo imita os discípulos (10.28) e faz o que o homem rico não poderia fazer (10.22-23).

Quando Bartimeu chegou à presença de Jesus, ele fez-lhe uma pergunta pessoal: “Que queres que eu te faça?” Com certeza, Jesus já sabia o que Bartimeu queria, mas ele queria que ele lhe dissesse. Da mesma maneira, é verdade que embora o Pai celestial saiba das necessidades de seus filhos, ele, não obstante, os manda “pedir em oração” (Mt 7.7). Jesus não queria somente curá-lo, mas também de entrar em comunhão pessoal com ele. Bartimeu podia pedir uma esmola, uma ajuda, mas ele foi direto ao ponto principal: “Mestre, que eu torne a ver”. Literalmente, “Rabôni, que eu possa recuperar minha visão” (10.51). 

A nova vida de Bartimeu em Cristo
Jesus disse para Bartimeu: “Vai, a tua fé te salvou”. Ele creu nas palavras de Jesus e foi curado e salvo. Ele foi buscar a cura para seus olhos, e encontrou a salvação da sua alma. Aquele que é “a Luz do mundo” (Jesus) é poderoso para curar a cegueira espiritual e física. O texto diz que imediatamente ele recobrou a sua visão (10.52). Ele saiu de uma cegueira completa para uma visão completa. Sua cura foi total, imediata e definitiva. 

Logo em seguida Bartimeu “seguiu a Jesus pelo caminho” (10.52). Ele torna-se um seguidor de Jesus Cristo, demonstrando gratidão e provas de conversão. Sua ação é um exemplo do que significa ser cristão. Como Simão e André, ele segue Jesus (cf. 10.52 e 1.18) no caminho da cruz (8.34). Ele segue Jesus no caminho para Jerusalém: a cidade onde Jesus foi pregado na cruz pelos pecados do seu povo. 

Bartimeu trilhou o caminho do discipulado. Sua fé é o início de uma nova vida, e não simplesmente o fim de uma vida velha. O Dr France observa que o uso da palavra para olhos em Mt 20.34 e a afirmação de que eles os seguiram sugere que esta história ensina a cura da cegueira espiritual que leva ao dissimulado. Bartimeu seguiu a Jesus, louvando a Deus. Está é a natureza essencial da nova vida originada pela fé em Cristo. É uma vida dedicada a seguir Jesus e a louvar a Deus (Lc 18.43) 
______________
Referências:
Barry, J.D. et al. 2016. Faithlife Study Bible, Bellingham, WA: Lexham Press.
Carson, D. A. 2018. The Gospels and Acts (In D. A. Carson, org. Biblical Theology Study Bible NIV. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1796-1797).
Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles.
France, R.T., 2002. The Gospel of Mark: a commentary on the Greek text. Grand Rapids, MI; Carlisle: W.B. Eerdmans; Paternoster Press.
Hendriksen, W. 2014. Marcos. SP: Editora Cultura Cristã.
Lopes, H. 2005. Marcos: o evangelho dos milagres. SP: Hagnos. 
Mulholland, D. M. 1999. Marcos: introdução e comentário. SP: Vida Nova.
Pohl, A., 1998. Comentário Esperança: Evangelho de Marcos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança.
Sproul, R.C., ed. 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition), Orlando, FL: Reformation Trust.
Wiersbe, W. W.  2006. Comentário Bíblico Expositivo, vl. 2. Santo André, SP: Geográfica editora. 

O AMOR DO MUNDO



 O amor ao mundo e o amor ao Pai não podem coexistir lado a lado. O cristão amará um deles e odiará o outro, mas não pode amar os dois ao mesmo tempo (Mt 6.24; Lc 16.13). Não existe neutralidade! Quem ama o Senhor deve aborrecer o mal (Sl 97.10) e apegar-se ao bem (Rm 12.9). 

O cristão deve amar a Deus (1 Jo 2.5) e a seu irmão (1 Jo 2.10), mas não deve amar o mundo (1 Jo 2.15); porquanto o amor ao mundo exclui o amor a Deus. Vemos aqui um paralelo entre as palavras de João e as de Tiago: “Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus” (em Tiago 4.4). 

O Dr. Warren Wiersbe (2006:631-638) observa que um cristão não pode amar o mundo por causa do que o mundo é (v. 15), por causa do que o mundo faz (v. 15-16), por causa de quem o cristão é (12-14); e por causa do destino final do mundo (v. 17).

A palavra mundo é usada com diferentes significados no Novo Testamento: o mundo físico (At 17.24); o mundo humano (João 3.16); e o mundo como um sistema dominado por Satanás que opõe-se à obra de Deus na terra (1 Jo 2.15). A Escritura diz que “O mundo inteiro jaz no maligno” (1Jo 5.19). Jesus chamou o diabo de “príncipe deste mundo” (Jo 12.31). Existe uma organização de espíritos maus influenciando as coisas deste mundo (Ef 6.11-12). Assim como o Espírito de Deus influencia-nos para fazermos a vontade de Deus, as pessoas não regeneradas são regidas pelo diabo para cumprir seus planos (Ef 2.2). Os perdidos pertencem a este sistema do mundo. Eles são filhos do mundo (Lc 16.8). Este mundo não conheceu a Cristo nem conhece a nós (1Jo 3.1). Este sistema primeiramente odiou a Cristo e odeia a igreja (Jo 15.18). É tudo o que não é de Deus, de Cristo, da verdade e da luz. É tudo o que está em rebelião contra Deus. Portanto, quando apóstolo João proibiu os cristãos de amar o mundo, ele quer dizer não participar de seus caminhos e valores.

Os seguidores de Cristo foram chamados para fora do sistema do mundo (João 15.19; 17.6). Embora ainda devam viver na esfera onde o maligno tem poder, seus impulsos de como viver vêm do Pai que os gerou, e não do mundo. Sua cidadania está no céu (Fp 3.20).

João descreve seus leitores originais em três categorias que correspondem a diferentes fases da vida: filhos, pais e jovens (1 Jo 2.12-14). Aqui, o apóstolo quer reassegurá-los de que sabe que seus pecados foram perdoados, que eles conhecem o Pai e que venceram o maligno. Eles são filhos porque com o perdão dos pecados foram recebidos na família de Deus, seu Pai. Eles são pais porque seu conhecimento de Deus em Jesus Cristo qualifica-os para transmitir este conhecimento às gerações futuras. Eles são jovens porque sua rejeição do maligno é uma vitória como a de Jesus, que quando jovem triunfou sobre Satanás no deserto (Mt 4.1-11).

A ordem para não amar o mundo baseia-se em dois argumentos: A incompatibilidade entre o amor pelo mundo e o amor pelo Pai (1 Jo 2.15-16); e a temporalidade do mundo contrastada com a eternidade daquele que faz a vontade do Pai (1 Jo 2.17). O que o mundo tem a oferecer é temporário; o que Deus tem a oferecer é eterno.

O amor ao mundo compromete o nosso amor e obediência ao Pai (1 Jo 2.15, 17). O amor pelo mundo e o amor pelo Pai são mutuamente exclusivos. Jesus disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15). Mas quando um crente perde a sua alegria no amor do Pai, fazer a vontade do Pai deixa de ser um prazer para ser um fardo.
O mundo é sobretudo uma atitude interior, do coração. Não há amor a Deus naquele que ama os desejos desenfreados da carne. Não há amor a Deus naquele que sente-se tão satisfeito consigo mesmo e seguro por causa de suas próprias riquezas e realizações, que e vive como se Deus fosse desnecessário. Os impulsos do homem pecaminoso, a concupiscência dos olhos e a arrogância quanto ao que ele é e faz – não vem do Pai, mas do mundo. Estes impulsos constituem a fonte de todo o mal no modo de vida do mundo, onde a luz de Cristo ainda não brilhou, um modo de vida que não sobreviverá até a eternidade (1 Jo 2.16-17).

O sistema do mundo é marcado pela busca em satisfazer os desejos da carne (Gl 5.19-21). A concupiscência da carne é o desejo pelas coisas que pertencem meramente a esta vida. É viver dominado pelo prazer imediato. Uma vida egocêntrica, gasta em coisas que não têm valor duradouro (Jo 6.63). 

A carne é nossa natureza caída. São os impulsos e desejos que gritam por satisfação. Esses desejos estão dentro do coração (Mt 15.19). Até as coisas que são boas em si mesmas podem ser pervertidas quando passam a controlar-nos. A fome não é um mal, mas a glutonaria sim. O sexo não é um mal, mas a imoralidade sim. O sono não é um mal, mas a preguiça sim!

O sistema deste mundo também é notado pela concupiscência dos olhos. A Escritura ensina que os olhos são a lâmpada do corpo e as janelas da alma (Mt 6.22,23). Por eles entram os desejos. Eva viu o fruto (Gn 3.6). Ló viu as campinas do Jordão e foi armando suas tendas paras as bandas de Sodoma (Gn 13.10,12). A mulher de Potifar viu José e tentou seduzi-lo (Gn 39.7). Acã viu a capa Babilónia e arruinou-se (Js 7.21). Davi viu Bate Seba e a espada não apartou-se da sua casa (2Sm 11.2). 

O Senhor Jesus disse (Mt 5.29): “se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno.”. Jesus, porém, não estava a promover a prática da auto-mutilação. A luxuria não esta nos olhos mas no coração. Ele usa essa figura de linguagem para demonstrar a seriedade do pecado, e que por causa de seus efeitos deve ser tratado de modo drástico para evita-lo. Trata-se, portanto, de um “princípio da amputação radical”, como escreveu o Dr. Jay Adams. O ato de afastar radicalmente de nossas vidas qualquer coisa que leva-nos a pecar contra Deus.  

Para além da concupiscência da carne e dos olhos, o sistema deste mundo é visivelmente caracterizado pela soberba da vida. A concupiscência da carne e dos olhos referem-se a desejos pecaminosos, mas a soberba é um comportamento pecaminoso. A palavra grega traduzida como “soberba” está no domínio semântico do orgulho, da arrogância e jactância, e é frequentemente usada em contextos que expressam excesso de confiança nos próprios recursos, riquezas e realizações. É a vanglória com coisas externas como riqueza, posição, inteligência, poder, beleza. É qualquer ostentação. Portanto, o soberbo é aquele que tenta impressionar as pessoas com sua importância: poder, riqueza, dinheiro ou beleza. 

O mundo, porém, não é permanente (1 Jo 2.17). Os seus prazeres passarão. O mundano vive para as coisas que pode ver; mas cristão vive para as realidades invisíveis de Deus (2Co 4.16-18). Um verdadeiro cristão considera-se estrangeiro e peregrino na terra (Hb 11.13). Ele não tem aqui cidade permanente, mas busca a futura (Hb 13.14). O homem que apega-se ao mundo não têm futuro, pois este mundo passará (Mt 24.34). 

Portanto, não podemos sentir-nos em casa neste mundo. A vontade de Deus deve controlar nossas vidas. (Ef 5.17). Precisamos experimentar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus para a nossa vida (Rm 12.2). Mesmo depois que este mundo acabar, os salvos em Cristo permanecerão eternamente reflectindo a glória de Deus.

Os valores das sociedades humanas não devem definir os cristãos. Em vez disso, eles devem ser moldados pelos valores de Jesus. A Escritura fala de uma “santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Não é aquele que simplesmente diz: Senhor, Senhor! que entrará no reino celestial, mas é aquele que faz a vontade de Deus que permanece para sempre (Mt 7.21; 1 Jo 2.17). E a vontade de Deus não é como num restaurante ou bufete no qual apanha-se o que gosta e deixa de lado o que não gosta. “Se você somente crê naquilo que gosta no evangelho e rejeita o que não gosta, não no evangelho que você crê, mas, sim, em si mesmo” (Agostinho de Hipona). 

Por último, é preciso ter muito cuidado com o sistema deste mundo! O mundo entre pela porta do coração - “NÃO AMEIS MUNDO …” (1 João 2.15). A pessoa torna-se amiga do mundo (Tg 4.4); depois é contaminada pelo mundo (Tg 1.27); passa a conformar-se com o mundo (Rm 12.2); e, finalmente, é condenada com o mundo (1Co 11.32).

_____________
Referências:
Augustine of Hippo. 1844–1845. Sermons on Selected Lessons of the New Testament. Oxford/ London: John Henry Parker; J. G. F. and J. Rivington; J. and F. Rivington.
Boor, W. 2008. Comentário Esperança: Cartas de João. Curitiba: Editora Evangélica Esperança.
Jobes, K.H., 2014. 1, 2, 3 John. Grand Rapids, MI: Zondervan.
Kistemaker, S.J. 2006. Tiago e Epístolas de João. SP: Editora Cultura Cristã.
Lopes, H. H. 2010. 1, 2, 3 João: como ter a garantia da salvação. SP: Hagnos, p. 113-132. 
MacArthur, J. 2010. Bíblia MacArthur. São Paulo: SBB, p. 1757-1760.
Wiersbe, W. W.  2006. Comentário Bíblico Expositivo, vl. 2. Santo André, SP: Geográfica editora, p. 631-638. 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes