LEITURAS BÍBLICAS NA SEMANA SANTA (“Maçãs de ouro em salvas de prata”) | Quarta-feira da Semana da Paixão

 


João 16:1-33: A missão do Consolador, e palavras finais de despedida

O Espírito Santo é mencionado quatro vezes neste Evangelho como “o Consolador” (14:16, 26; 15:26; e 16:7). É referido também como “o Espírito da Verdade” no versículo 13 deste mesmo capítulo. Ele não só convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (16:1-11), como também revela a Verdade, nos guia a toda a verdade e continuará a glorificar o Filho no anúncio do evangelho que ele incarnou e consumou na Cruz (16:12-15). De sorte que todo o verdadeiro crente ama a Verdade, ama a Palavra de Deus; ama, tanto a Palavra viva, o Verbo que se fez carne e deu a sua vida por nós, como a Palavra escrita que o Espírito Santo confirma, valida e anuncia em nós e através de nós.

Perante as dúvidas e interrogações dos discípulos, o Senhor Jesus, a seguir, tranquiliza-lhes o espírito. O seu completo amor por eles e o desprendimento total de Si mesmo levaram o Senhor Jesus a dedicar-lhes os momentos finais da sua última noite com eles, e a dirigir-lhes palavras de grande conforto e alento. Primeiro, garantiu-lhes que a tristeza deles seria passageira e bem cedo o voltariam a ver e estar com Ele. Segundo, como a perplexidade e tristeza deles persistissem, Jesus ilustrou a sua promessa com uma parábola: a da analogia da tristeza e dor da mulher que está para dar à luz, mas que logo a seguir se encanta “pela alegria de ter trazido um ser humano ao mundo” (16:16-24).

O Senhor Jesus termina esta sua última conversa com os discípulos no Cenáculo, dando especial relevo a três virtudes fundamentais da vida cristã (16:25-33): amor, fé e esperança. (1) Amor (27): “Pois o próprio Pai vos ama, visto que me amastes e crestes que vim de Deus”. Fé (30): “Agora reconhecemos que sabes todas as coisas e não necessitas de que alguém te interrogue. Por isso cremos que vieste de Deus”. Esperança (33): “Eu tenho-vos dito estas coisas para que tenhais paz em mim. No mundo tereis tribulações; mas não vos desanimeis (tende esperança). Eu venci o mundo”.

É impressionante: as últimas palavras de Jesus aos seus discípulos, antes de partir para o Getsémani, foram palavras de amor, fé e esperança. Só lhe restava então falar com o Pai e orar a favor deles, sabendo que só Deus, e ninguém mais do que Ele, podia olhar pelos seus discípulos, cuidar deles, os proteger e guardar do Mal que a seguir tinham de enfrentar.


Pastor Manuel Alexandre Júnior

LEITURAS BÍBLICAS NA SEMANA SANTA (“Maçãs de ouro em salvas de prata”) | Terça-feira da Semana da Paixão


LEITURAS BÍBLICAS NA SEMANA SANTA

(“Maçãs de ouro em salvas de prata”)


Terça-feira da Semana da Paixão

João 15:1-27: União da videira com seus ramos

Na segunda unidade do seu discurso de despedida, ainda no Cenáculo e prestes a sair para o Monte das Oliveiras, o Senhor Jesus parte da analogia de “a Videira e os ramos” para demonstrar a necessidade imperativa da força da união dos seus discípulos com Ele e uns com os outros; força tanto maior quanto mais eles permanecerem limpos e unidos ao seu Senhor e Mestre. Pois só unidos, unidos a Ele, unidos em amor e obedientes à sua palavra, os seus discípulos se mostrariam amigos d’Ele, realmente produtivos, e capazes de honrarem a sua vocação (15:1-16). 


Este capítulo começa com uma das quinze grandes afirmações de Jesus neste Evangelho: “EU SOU” (6:35; 8;12, 24, 28, 58; 10:7,9,11,14; 11.25; 13:19; 14:6; 15:1; 18:5,6); quase todas elas a afirmar a sua divindade. Termina com uma nova referência explícita ao Espírito Santo nos seguintes termos: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade que d’Ele procede, esse dará testemunho de mim”. E a sua palavra final, “e vós também [de mim] testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio”, é para cada um de nós igualmente um desafio. E que bênção é sermos anunciadores desta Boa Nova!O Senhor Jesus mostra aos discípulos com singular clareza que, se a união destes com Cristo for a união de uma verdadeira comunhão de amor entre si, eles não só terão poder para afrontar o mundo que os odeia (15:17-25), mas serão também investidos do poder do Espírito Santo, para d’Ele testemunharem com a eficácia que vem do Céu (15:26-27).

Pastor Manuel Alexandre Jr.


 

LEITURAS BÍBLICAS NA SEMANA SANTA | “Maçãs de ouro em salvas de prata” | Segunda-feira da Semana da Paixão

 


Segunda-feira da Semana da Paixão

João 14:1-31: Jesus conforta os seus discípulos e promete outro Consolador

Este capítulo do Evangelho comporta três partes.

1. O Senhor Jesus conforta os corações atribulados dos seus discípulos (14:1-14);

 

2. O Senhor Jesus prometeu aos seus discípulos, e a nós que também o somos, cinco fontes permanentes de poder e consolação (14:15-26): a presença em nós do Espírito Santo, o “outro Consolador” (16-17); a presença do Filho (18-20); a presença do Pai (21-24); a presença do Consolador que nos ensina e guia em toda a verdade (25-26); a Paz sobrenatural de Jesus (27).

3. Jesus prepara os discípulos para a sua morte, e para a compreensão da razão última da sua morte (14:28-31): A razão do seu ministério seria verificada e confirmada (28-29); a sua missão seria vitoriosamente cumprida (30-31).

Embora a separação do Pai e a cruz estivessem iminentes, mais preocupado com os seus discípulos do que consigo próprio, o Senhor Jesus centrou o seu cuidado nos discípulos. Sabia que eles estavam confusos e ansiosos, que temiam perder o seu Mestre amado, e pressentiam que tudo isso estava para acontecer. Pensando acima de tudo neles, procurou assim confortá-los e prepará-los para o grande final da sua missão aqui na Terra. E, passados estes dois milhares de anos, também a nós eleva, anima e fortalece na esperança. A soma de tudo o que a morte de Jesus significou para ele foi a alegria da missão cumprida para nossa eterna salvação. Como lemos em Hebreus 12:2: “Em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia”. Sejamos a Ele eternamente agradecidos, pois “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder e riqueza e sabedoria e força e honra e glória e louvor” (Apocalipse 5:12).


Pastor Manuel Alexandre Jr.


Entrada Triunfal do Messias em Jerusalém

 

 

A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém marca o começo da narrativa da semana da paixão (Mc 11–15). Cristo estava prestes a fazer algo que nunca fizera antes: permitiu que seus seguidores realizassem uma manifestação pública em sua homenagem. O Senhor Jesus, de propósito, tornou público um dos últimos actos de sua vida. Isto desencadeou a conspiração oficial que levou a sua prisão, seu julgamento e sua crucificação.

 

Ele sabia que o mais maravilhoso evento que jamais ocorrera no mundo estava prestes a acontecer. O eterno Filho de Deus estava às vésperas de sofrer no lugar de homens pecadores; o grande sacrifício pelos pecados estava prestes a ser oferecido; o grande Cordeiro pascal estava prestes a ser imolado; o grande acto redentor estava prestes a ser consumado. Por conseguinte, o Senhor cuidou para que sua morte sacrificial fosse uma morte pública, na presença de muitas testemunhas.

 

Jesus planeou o modo em que entraria na cidade de Jerusalém (Mc 11.1–6). Ele instruiu seus discípulos, quando questionados por estarem a levar o jumentinho, a responder: "O Senhor precisa dele e o devolverá em breve” (v. 3). Os discípulos cumpriram as ordens de Jesus ao pé da letra (v. 4-6). Eles encontraram o jumentinho amarrado num cruzamento principal na vila e, quando interpelados, os discípulos responderam como Jesus havia-lhes ordenado. Ninguém fez oposição aos discípulos levarem o jumentinho (Mc 11.6). Vemos aqui uma demonstração da omnisciência de Jesus, por meio da qual ele sabia onde o jumentinho poderia ser encontrado. Nenhuma menção é feita por Marcos sobre os donos do jumentinho estarem presentes, mas a frase "algumas pessoas ali" (v. 5) pode ser equivalente aos "seus donos”, que Lucas menciona (Lc 19.33). 

 

Jesus tinha muitos outros discípulos, homens e mulheres que estavam prontos para servi-lo de várias maneiras. Um lugar para pousar, um jumentinho, uma sala para celebrar a Páscoa, ou até mesmo, por fim, o túmulo. Enfim, tudo o que era necessário esses amigos estavam prontos a fornecer. Uma única palavra, “o Senhor precisa disso”, era tudo o que era necessário. O termo ‘Senhor’, no versículo 3, refere-se à identidade divina de Jesus (Hendriksen, 2014). 

 

Não era costume um peregrino que estivesse entrando em Jerusalém estar montado num jumento. Apesar disso, Jesus cuidou de acertar que sua entrada na cidade fosse realizada assim. Os preparativos lembram a importância da grande profecia messiânica que encontra-se no livro de Zacarias, no Velho Testamento: “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta” (Zc 9.9).

 

Jesus deu instruções para que o animal fosse um jumentinho novo sobre o qual ninguém tivesse montado. Essas duas especificações sugerem duas diferentes considerações do Antigo Testamento (Sproul, 2004). 

 

A primeira é uma referência à bênção patriarcal que Jacó dera ao seu filho Judá. A promessa do trono fora dada à tribo de Judá: “O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos. Ele amarrará o seu jumentinho à vide e o filho da sua jumenta, à videira mais excelente; lavará as suas vestes no vinho e a sua capa, em sangue de uvas. Os seus olhos serão cintilantes de vinho, e os dentes, brancos de leite” (Gn 49.10–12). Que este jumento nunca tivesse sido montado baseia-se na lei do AT que determinava que os animais dedicados a tarefas sagradas fossem separados do uso comum (p. ex.: Nm 19.1,2).

 

Depois que o jumento foi trazido a Jesus, foi coberto com roupas dos discípulos, e Ele montou nele (Lucas 19.35 diz que o povo colocou Jesus nele). Embora o jumentinho não tenha sido domado, não empacou ao carregar seu Criador até Jerusalém. O Senhor cavalgou até a cidade num tapete de vestes e ramos de palmeiras (Mc 11.7,8).

 

Cobrir o animal com suas próprias vestes foi um acto de homenagem que os discípulos prestaram a Jesus. O povo pelo caminho juntou-se a eles espontaneamente nesta homenagem, estendendo os mantos no caminho de Jesus (Wessel, 1984). 

 

A multidão que acompanhava Jesus, quando ele saiu de Betânia, não é a única participante nas actividades da entrada triunfal. Uma caravana de peregrinos já estava em Jerusalém antes da chegada de Jesus. Tendo ouvido que Jesus tinha ressuscitado Lázaro dos mortos e que agora estava dirigindo-se à cidade, essas pessoas vieram em grande número para encontrar-se com ele. A multidão que veio de Betânia continua a seguir. Isto explica a menção de Marcos de duas multidões: Os que iam à frente, e os que o seguiam (v. 9).

 

No relato que João fez da entrada triunfal, ele menciona que houve ramos de palmeiras na aclamação que Jesus recebeu do povo (Jo 12.12,13). Marcos não especifica o uso de palmeiras, mas diz que as pessoas cortaram ramos nos campos e espalharam os ramos na estrada (Mc 11.9,10).

 

Marcos também regista o conteúdo dos clamores e gritos de louvor do povo na entrada de Jesus em Jerusalém (Mc 11.9,10): Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai! Hosana, nas maiores alturas! 

 

A linguagem desses louvores vem de uma série de salmos que eram usados na liturgia dos judeus, aplicados especificamente à Páscoa e à Festa dos Tabernáculos (Sproul, 2004). O Salmo 118 contém as seguintes palavras: “Oh! Salva-nos, Senhor, nós te pedimos; oh! Senhor, concede-nos prosperidade! Bendito o que vem em nome do Senhor. A vós outros da Casa do Senhor, nós vos abençoamos” (Sl 118.25,26).

 

Jesus é aclamado, na linguagem do salmo, como “Aquele que é Bendito”, que vem em nome do Senhor. “Aquele que há de vir” é o esperado, prometido no Antigo Testamento. A referência é ao Messias Soberano que vem restabelecer o trono de Davi. Chegar “no nome do Senhor” não é apenas vir por autoridade de Deus; é chegar como revelação divina pela qual o Senhor torna-se conhecido.

 

A multidão repete a exclamação “Hosana” e acrescenta “nas alturas”. Aquele que vem é da “Casa do Senhor”. A ele os louvores deverão ser cantados, não apenas pelas multidões na terra como pelos exércitos celestiais. “Hosana nas alturas” reflete o júbilo do Salmo 148: Aleluia! Louvai ao Senhor do alto dos céus, louvai-o nas alturas. Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todas as suas legiões celestes. Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes. Louvai-o, céus dos céus e as águas que estão acima do firmamento” (Sl 148.1–4).

 

Ao lermos o Evangelho de Lucas, descobrimos que nem todas as pessoas que estavam presentes na celebração da entrada em Jerusalém juntaram-se aos festejos (Sproul, 2004). Lucas informa que “Alguns dos fariseus lhe disseram em meio à multidão: Mestre, repreende os teus discípulos!” (Lc 19.39). Jesus recusou-se a obedecer àquela ordem: “Mas ele lhes respondeu: Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão” (Lc 19.40). Nem mesmo a criação inanimada pode negar aquilo que os fariseus estão dispostos a negar: “a messianidade de Jesus”. O Messias de Israel não é um mero rei terreno. Ele é um rei cósmico. Seu domínio é toda a ordem de sua criação. Nas palavras Abraham Kuyper, “não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: “É meu!” 

 

Lucas diz-nos que enquanto Jesus entrava na cidade ao som das boas-vindas do povo, seu próprio espírito não era de festa. Quando viu a Cidade de Jerusalém, ele chorou sobre ela e pronunciou um oráculo profético de condenação: Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação (Lc 19.41–44).

 

No momento exato em que as multidões o aclamavam como aquele que vem de Deus, Jesus estava ciente de que eles não perceberam na realidade quem Ele era, nem o que sua missão compreendia. O choro de Jesus foi um presságio daquilo que logo aconteceria. Depressa aproximava-se a Páscoa e o Cordeiro Pascal estava sendo preparado para ser morto. Assim, o palco estava montado para os acontecimentos de sua última semana de vida, que o conduziria ao sofrimento, à crucificação, à morte e à ressurreição.

 

Ao entrar na cidade, Jesus foi ao templo (11.11). Ele é o Senhor do templo voltando para sua casa (Carson, 2018), como escreveu Malaquias 3.1: “e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos”. Marcos informa que “Ele olhou em volta para tudo”, como o Senhor soberano examinando a instituição para ver se ela estava cumprindo sua missão divinamente designada. O exame era uma preparação para o acto profético de purificação do Templo (11.15-18). O facto de Jesus não ficar e partir sugere que sua cidade e casa não estavam preparadas para Ele.

 

Lições práticas que podemos extrair desta passagem, para o bem de nossas almas (Hendriksen, 2014; Sproul, 2017; Wessel, 1984 e  Ryle, 2018):

 

Embora fosse rico, por amor a nós, Ele tornou-se pobre. Jesus não entrou em Jerusalém numa carruagem real, cercado de cavalos, soldados e de um cortejo real, à semelhança dos monarcas deste mundo. Pelo contrário, lemos que ele tomou emprestado um jumentinho para, naquela ocasião, assentar-se sobre vestes de seus próprios discípulos, por faltar-lhe uma sela. 

 

Quem, dentre os leitores dos evangelhos, poderia deixar de notar que aquele que, algumas vezes, experimentou fome era capaz de alimentar milhares de pessoas com apenas alguns pães? Que aquele que, algumas vezes, sentiu-se exausto podia curar os doentes e enfermos? Que aquele que expelia demónios foi ele mesmo tentado algumas vezes? E que aquele que era poderoso para ressuscitar os mortos haveria de submeter-se, ele mesmo, à morte? 

 

Não devemos esquecer-nos da união das naturezas divina e humana na pessoa de nosso Senhor. Se pudéssemos ver apenas seus actos divinos, talvez nos esquecêssemos do facto de que ele era um homem; se olharmos somente para os momentos em que ele experimentou a pobreza e a debilidade, talvez nos esquecêssemos de que ele era Deus. O propósito de Deus é que vejamos em Jesus o poder divino e a fraqueza humana unidos numa única pessoa. Não somos capazes de explicar esse mistério, mas podemos consolar-nos com o seguinte pensamento: Este é o nosso Salvador, este é o nosso Cristo, alguém capaz de simpatizar connosco, por ser homem, mas também alguém Todo-poderoso para salvar, pois é Deus (C. Ryle, 2018). O Salvador dos pecadores sabe muito bem o que significa ser pobre.

 

Ele veio para morrer a fim de resgatar o Seu povo dos seus pecados. O reino messiânico de Jesus era bastante diferente do esperado pela maioria dos judeus. As pessoas que celebravam sua chegada em Jerusalém tinham uma compreensão equivocada de quem Ele era. Elas queriam um rei que expulsasse os ocupantes romanos. Elas queriam um rei que as libertasse de questões políticas, não do pecado. Em suma, não estavam essencialmente interessadas num Rei que trouxesse salvação.

 

Ao montar um jumentinho, Jesus estava dizendo que sua missão era de paz e que seu reino era espiritual. Estava cumprindo a profecia de Zacarias: “eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta” (Zc 9.9).

 

Jesus veio tratar da necessidade fundamental da humanidade, que não era a libertação de Roma, mas a libertação do pecado, da culpa e do diabo (10,45; 14,24). O Deus Pai enviou Jesus (8.31; 9.31; 10.33-34) para morrer como resgate pelo pecado (10.45; 15.2, 9, 12, 18, 26, 32). Ele era o Rei ungido de Deus e o Salvador, mas sua conquista seria espiritual, não militar. Ele não seria um guerreiro a vir com a pompa e a circunstância de um conquistador. Ele viria em humildade, montado num jumento, trazendo salvação.

 

No clamor da multidão havia uma expressão da esperança de restauração nacional, do renascimento do reino de David concebido num sentido terreno, político e militar. Mas enquanto a multidão antecipa a derrota de Roma pelo Messias, as pessoas não têm ideia de que Jesus, ao abraçar o papel de servo sofredor de Isaías, não veio para implementar um reino político-militar. Ele veio para morrer a fim de resgatar o Seu povo dos seus pecados. 

 

Visto pelo aspeto de muitos daqueles que clamavam, o Domingo de Ramos foi uma tragédia. Da perspetiva de Jesus, entretanto, e de todos aqueles que, pela graça soberana, o adoram por quem Ele realmente é, o Domingo de Ramos foi um triunfo. 

 

O "triunfo" de Cristo seria a vitória do amor sobre o ódio, da verdade sobre o erro, da vida sobre a morte. Talvez seja por isso que as mesmas pessoas que estavam gritando “Hosana” e acenando com ramos de palmeiras e outros galhos, recusaram identificar-se com Ele, pouco mais tarde, no Gólgota.

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Referências: Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1797-1798. / Hendriksen, W. 2014. Marcos: comentário do Novo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã, p. 463–475. / Lopes, H. D. 2012. Marcos: O Evangelho dos Milagres. Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 514–516. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, p. 135–136. / Ryle, J. C. 2018. Meditações no Evangelho de Marcos. SP: Editora FIEL, p. 192–195. / Sproul, R. C. 2004. A Glória de Cristo: Conheça a Majestade do Senhor dos Senhores. SP: Editora Cultura Cristã, p. 115–125. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã, p. 532–536. / Wessel, W. W. 1984. Mark: The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke, vl. 8. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 723–725.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes


A Proporção Generosa - Uma Abordagem Bíblico-teológica do Dízimo

 

ESPERANÇA VITALÍCIA

 

Salmos 71 

A velhice representa uma nova época de conflitos e temores: medo do abandono, medo de tornar-se um peso para os familiares, medo da invalidez ou de perder a sanidade mental e medo de que as pessoas tentem tirar vantagem. Não se trata de temores novos. 

No salmo 71, encontramos a oração de uma pessoa idosa (71. 9, 18), cuja devoção a Deus é vitalícia (vv. 5, 6, 17), ele havia sido sustentado pelo Senhor (v. 6) e, em sua juventude, havia sido instruído por Ele (v. 17). O salmo apresenta-nos um servo de Deus preocupado com as dificuldades da velhice (vv. 9, 18). Ele descreve um idoso piedoso que precisava da proteção e do livramento do Senhor (vv. 4, 10, 13, 24).

Mesmo em sua velhice, o salmista vê-se cercado por homens perversos, de cujas garras ele busca livrar-se (v. 4). Ele anuncia sua confiança no Senhor (v. 1) e ora para que nunca seja [...] confundido, mas liberto pela justiça do Senhor e capacitado a escapar da maldade das pessoas impiedosas (v. 2). Ele pede para que o Senhor seja a sua habitação forte, a rocha e fortaleza à qual possa recorrer continuamente Ele sabe que pode dirigir-se a Deus em qualquer circunstância (v. 3), louvá-lo em qualquer ocasião (v.v. 6, 8, 15, 24) e esperar sempre nele (v. 14). Ele sabe que o Senhor é uma “rocha de habitação”, um lugar de habitação segura para o seu povo (Sl 90.1). Ele aprendeu a confiar em Deus desde o nascimento não ficará desamparado durante a velhice e sempre terá motivos para louvar, ao reconhecer a graça de Deus operando em sua vida desde o nascimento (v. 5, 6).

Temos aqui o belo quadro de alguém, já avançado em idade, que pode olhar para a sua vida passada com a convicção alegre de que viveu na comunhão e na dependência de Deus; e que, apesar das dificuldades, Deus esteve com ele, sustentando-o em todos os momentos (v. 5, 17). O Senhor que o havia acompanhado desde o útero de sua mãe, não iria abandoná-lo agora em sua velhice (vv. 5, 15). Deus não deixará seus servos desamparados quando faltar-lhes o vigor. Como diz a Escritura: “Serei o seu Deus por toda a sua vida, até que seus cabelos fiquem brancos. Eu os criei e cuidarei de vocês, eu os carregarei e os salvarei” (Isaías 46.4).

A confiança que o salmista põe no Senhor não é uma confiança recém-encontrada, mas uma que recua aos próprios primórdios de sua vida (vs. 5, 6). O salmista tornou-se um portento ou um poderoso sinal de Deus para muitos, em virtude da profundidade de seu sofrimento e rejeição e, muito provavelmente, por causa das libertações milagrosas de Deus em sua vida. As pessoas estavam admiradas com a vida deste idoso. Talvez alguns entendiam que sua resiliência nas tribulações demonstrava o cuidado de Deus; outros, por sua vez, desconfiavam que tais tribulações representavam o castigo divino. 

Apesar dos altos e baixos de sua vida, Deus sempre foi um forte refúgio; por isso, o salmista deseja louvar e falar continuamente sobre a glória do Senhor (v. 7-8). A glória de Deus era o que ele queria proclamar constantemente (v. 8).

A velhice, com sua força debilitante (v. 9), havia sido erroneamente entendida pelos seus inimigos (v. 10) como uma indicação de que Deus o havia desamparado (v. 11) e que não haveria ninguém para livrá-lo. No entanto, este não é o caso, e o salmista ora pela proximidade do seu Deus (v. 12) e para que os seus adversários sejam confundidos (v. 13) - envergonhados e humilhados (vv. 13, 24).

Mesmo neste estágio de sua peregrinação terrena, havia pessoas perversas que tramavam contra ele (v. 10). Seus acusadores queriam prejudicá-lo, isso pode incluir qualquer coisa, desde prejudicar sua reputação até confiscar sua propriedade ou o homicídio. 

Apesar das pressões de fora e de dentro, o salmista não desistirá de ter esperança (v. 14) - “quanto a mim, esperarei sempre” - e, sim, louvará o Senhor cada vez mais, relatando as bênçãos da sua justiça e da sua salvação todo o dia (v. 15). A expressão: posto que não conheça o seu número mostra que as misericórdias de Deus são incontáveis - “nunca poderemos contá-las na sua totalidade”. Embora suas forças estejam debilitadas, ele sairá na força do Senhor Deus (v. 16). 

Seu apelo, portanto, baseia-se tão somente em sua confiança no poder de Deus e a prontidão em livrá-lo. Seu apelo é para que Deus o defenda, e ele espera ver o juízo divino sobre seus inimigos. O seu louvor é centrado na justiça divina (“no endireitar das coisas"), que é explicado posteriormente como sua salvação e seus atos poderosos. 

Quando confiamos em Deus, as tribulações da vida trabalham a nosso favor, não contra nós, e nos conduzem à glória - “a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente… (2 Co 4.17-18). “… nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5.2-5).

O versículo 17 ilustra o compromisso pessoal que cada parte tem no relacionamento: Ensinaste-me, ó Deus, desde a minha mocidade, e eu anuncio seus feitos maravilhosos. Ao avistar o fim da vida, ele ainda deseja declarar à geração vindoura as grandes coisas que Deus tem feito. O salmista sabe que é fundamental que a fé seja transmitida de geração em geração (Dt 6.7; Dt 5.2-3; 29.14-15; Js 24.25–27).

A pergunta retórica “quem é semelhante a ti?”, no versículo 19, “ensina-nos a lição de que devemos abrir caminho através de todo impedimento pela fé e considerar o poder de Deus como superior a todos os obstáculos. A maioria das pessoas confessam com a boca que ninguém é como Deus; mas dificilmente há uma entre cem que esteja verdadeira e totalmente convencida de que somente Ele é suficiente para salvar-nos”(Calvino).

O salmista fez uma retrospetiva de sua vida de tribulações; olhou ao redor e viu seus inimigos; viu a velhice e seus problemas (v. 20). Porém, quando olhou para o alto e percebeu que a justiça de Deus "eleva-se até aos céus" (v. 19), encheu-se de confiança e deixou as preocupações com o Senhor. Ele reconhece que seus problemas estavam sob o controlo de Deus.

Somos ensinados que as tribulações em si não sinalizam o abandono de Deus - ao contrário, são um tempo para buscar refúgio Nele (v. 20, v. 1). Deus não conduz o seu povo neste mundo num equilíbrio estável, mas numa vida de provações e restaurações. Deus não nos poupa do sofrimento, mas caminha connosco pelo sofrimento – "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo …” (Sl 23.4). A vida cristã não é indolor. Os cristãos não estão imunes aos sofrimentos desta vida. O Filho de Deus sofreu e aqueles que seguem o Filho de Deus irão sofrer (1Pe 4.12).

A Escritura exorta os servos de Deus a permanecerem firmes “na fé, pois que por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22; v. tb. 2 Tm 3.12). Jesus advertiu-nos: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” (Jo 16.33). A Escritura ensina-nos, entretanto, que Deus transforma as circunstâncias adversas em benefício para nós (Rm 8.28).

Assim, por meio da lira, o salmista celebrará a verdade de Deus e, tocando a harpa, louvará o Santo de Israel (v. 22). A fidelidade e a santidade de Deus formam o tema do louvor (v. 22). A santidade de Deus é vista no modo como ele redime seu povo (v. 23).

Por fim, o salmista falará da justiça de Deus todo o dia (24): justiça no sentido do seu ato salvador de libertação. Do mesmo modo, a igreja deve proclamar a justiça de Deus, e ensinar a toda a sua posteridade não apenas em tempos de paz, mas todos os dias, mesmo nos tempos mais perigosos, quando tiranos exigirem nosso silêncio com ameaças cruéis.  

 

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Referências: Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 957–959. / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, p. 1023–1024. / Fee, G. D. e Robert L. Hubbard, R. L, ed. 2011. The Eerdmans Companion to the Bible. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, p. 336-337. / Gasque, W. W.; Hubbard, R. L. and Johnston, R. K, ed. 2012. Understanding the Bible Commentary Series. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2012, p. 290-294. / Geoffrey W. Grogan, G. W. 2008. Psalms, The Two Horizons Old Testament Commentary. Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, p. 130–131. / Harman, A. 2011. Salmos: comentários do Antigo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã, p. 266–269. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Antigo Testamento. SP: Mundo Cristão, p. 443–444. / Motyer, J. A. 2009. Os Salmos. (Em Carson, D. A, ed. Comentário Bíblico Vida Nova. SP: Vida Nova).  / Selderhuis, H. J., George, T. F. e Manetsch, S. M. 2018. Salmos 1–72: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes 


A natureza da fé justificadora

        

  Romanos 4.1-5


Como a justiça de Cristo torna-se nossa? O evangelho bíblico afirma que somos justos baseados na justiça de Jesus que é transferida para nossa conta. É a justiça de Cristo que justifica-nos. Tudo o que podemos apresentar é a nossa confiança nele e em sua justiça. 


A vida eterna depende de Cristo somente. A vida eterna é união com Jesus Cristo. E o nome desta união com Jesus Cristo é fé. A fé é o instrumento pelo qual somos ligados a Jesus. Somente a justiça de Cristo é a base de nossa justificação. Quando Deus declara o seu julgamento de nossa posição diante dele, quando ele vê fé, ele declara-nos justos; mesmo quando ainda somos pecadores.


Em Romanos 4, Paulo volta ao Antigo Testamento, e descreve Abraão como o supremo exemplo de como uma pessoa é justificada pela fé, e não pelas obras. “A única diferença entre a nossa justificação e a de Abraão é que ele olhava para frente, para o que era prometido. Ele confiava na promessa do redentor, enquanto nós olhamos para trás, para a obra de Jesus” (Sproul, 2011). Contudo, o fundamento da justificação de Abraão era exatamente o mesmo que o nosso, isto é, a pessoa e a obra de Jesus.


Abraão não poderia gloriar-se porque não foi justificado pelas obras, assim como nós também não (Romanos 4.1-2). Abraão foi avaliado ou considerado por Deus como justo, não em razão de qualquer atitude de justiça que Abraão tenha praticado, mas simplesmente porque ele creu na promessa de Deus. No momento em que Abraão creu, Deus o declarou justo (Romanos 4.3-4; Génesis 15.6).


A fé salvadora significa confiar em Jesus Cristo. É lançar sobre Ele todos os seus cuidados. Nenhum texto da Escritura Sagrada diz isso tão bem quanto Romanos 4.5: “Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça”.


Observe as diferentes maneiras que este versículo ensina a justificação pela fé somente (Gerstner, 2013): “(1) O justificado “não trabalha”. (2) O justificado “crê”. (3) O justificado crê não em si mesmo, e sim em outro – em “Deus”. (4) O justificado confessa ser “ímpio”. (5) O justificado não tem fé em sua fé. (6) O justificado vê sua fé só como “creditada” a ele.  (7) O justificado vê sua fé creditada como “justiça”.


Note que esta fé é um acto, mas não uma obra meritória. A igreja romana ensina que somos salvos pelas obras, que vêm da graça. Ou seja, não é a graça e sim as obras que vêm dela que salva. Se uma pessoa crê que a graça a salva, ela é protestante e está do nosso lado.


A pessoa justificada “não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio”. Se os ímpios chegam a ser justificados, não pode ser por obras ou fé como obra. É a justificação por Jesus Cristo somente. É a justiça dele, que é alcançada para seu povo pelo cumprimento de toda a justiça, que torna-se deles pela união deles com Cristo por intermédio fé somente.


Alguns romanistas dirão que eles também ensinam a justificação pela graça. Mas a justiça de Cristo que eles afirmam que justifica não é a justiça pessoal de Cristo imputada aos crentes. Os romanistas  referem-se não à justiça pessoal de Cristo e sim a justiça pessoal de crente, que ele realiza pela graça de Deus. É a justiça de Cristo versus a justiça do próprio crente. É a realização de Cristo versus a realização do cristão. É uma justiça imputada versus uma justiça infundida. É uma dádiva de Deus versus uma realização do homem. Enfim, é a salvação pela fé versus a salvação pelas obras. 


O protestante confia em Cristo para salvá-lo e o papista confia em Cristo para ajudá-lo a se salvar. Mas, como o Espírito de Deus coloca em Romanos 4.16 (NIV): “… a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça …” Você não poderá ser salvo somente pela graça a não ser somente pela fé. Se é uma salvação baseada em obras que vêm da graça, não é baseada na graça; e sim nas obras cristãs que vêm pela graça. As obras que vêm da graça devem evidenciar a graça, mas não podem ser graça. Poderão vir de; ser derivadas de; uma consequência natural de; mas não poderão ser identificadas com ela. A fé é a união com Cristo que é nossa justiça, nossa graça, nossa salvação (1 Coríntios 1.30). Nossa justiça não resulta da justiça Dele, ela é a justiça Dele (1 Coríntios 1.30). 


A justificação com Deus é à parte do mérito das obras. Isso não significa que a justificação é à parte da existência de obras. A fé sem a existência de obras é morta. A fé salvadora é uma fé vive, operosa, que gera boas obras para a glória de Deus. 


Se um crente não estiver transformado, ele não é um crente. Ninguém pode ter Cristo como Salvador por um momento que seja, se ele não for também Senhor. Contudo, a afirmação do evangelho é que as obras que fluem da fé não são, de modo nenhum, a base da justificação. Deus declara-nos justos aos seus olhos no momento em que a verdadeira fé está presente, antes que qualquer obra brote de nossa fé. 


O céu cristão é ganho de maneira absolutamente justa. Jesus Cristo foi punido em lugar do seu povo. A ira total de Deus merecida pelo pecador foi derramada no Substituto do pecador. Assim, o pecador foi punido. Cumprindo toda a justiça, assim Ele justificou o seu povo diante de Deus (2 Coríntios 5.21) Jesus fez por merecer e pagou por tudo com seu sangue. A justificação é, no fim das contas, por obras – as obras de Jesus Cristo! Ele justificou seu povo pelas obras Dele como sendo obras deles, obras feitas por eles em seu representante, substituto e mediador. Ele “foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Romanos 4.25 NVI, v. tb. 1.4).


Obras imperfeitas nunca poderiam perdoar pecados ou ganhar a absolvição de um culpado no tribunal divino. Mas obras imperfeitas podem merecer no céu as recompensas que o Senhor Jesus Cristo diz que vão receber (Lucas 6.23). Toda obra pós-justificatória que o crente fizer em qualquer tempo irá receber sua recompensa no céu. A culpa do pecado foi removida dos crentes em Cristo, tornando suas boas obras aceitáveis e dignas de recompensas celestiais. Mesmo um copo de água fresca dado em nome de Jesus terá sua recompensa eterna (Mateus 10.42). 


Lembra-se, porém, que não há nenhuma bênção maior debaixo do céu do que o ter Deus, em sua misericórdia e graça, transferindo a justiça de Jesus para a nossa vida (Romanos 4.7,8). "Quando Deus olha para nós inerentemente, tudo o que vê são trapos sujos; entretanto, essa não é a maneira como Deus olha para os que estão unidos a Cristo pela fé. Ele olha para os crentes e vê a Cristo. Vê a cobertura de justiça de Cristo" (Sproul, 2011). Cristo é a justificação dos crentes. A única justiça que possuímos é a justiça de Cristo, e nós a possuímos por transferência, por imputação. A possuímos exclusivamente pela fé na pessoa e na obra fiel do Senhor Jesus Cristo. 

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Referências: Gerstner, J. H. 2013. A Justificação pela fé somente. (In Kistler, D. ed. Justificação pela Fé: a marca da vitalidade espiritual da igreja. SP: Cultura Cristã, p. 83–92). Moo, D. 1996. The Epistle to the Romans: the new international commentary on the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Co. / Sproul, R.C. 2011. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. SP: Editora Cultura Cristã.


Pr. Leonardo Cosme de Moraes 


O FRUTO DO ESPÍRITO

Gálatas 5.16-26

 

Nesta secção da carta aos Gálatas, Paulo explica que em Cristo somos livres para amar e servir uns aos outros, e não para ‘devorar’ e ‘destruir’ uns aos outros, como se fossemos animais selvagens (5.13-15). Fomos salvos e libertos pela obra de Cristo para vivermos em santidade; e não para vivermos na prática deliberada de actos carnais impulsionados pela natureza pecaminosa (5.19-22). 

O principal alvo do Espírito Santo é aplicar os frutos do evangelho de Cristo para cumprirmos o mandato de Deus: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4.3). Quando cremos em Cristo, o Espírito passa a habitar dentro de nós (3.2). Somos “nascidos segundo o Espírito” (4.29). É o Espírito no coração que dá-nos a certeza da salvação (4.6); e é o Espírito que capacita-nos a viver para Cristo e a obedecer à vontade de Deus (3.2; 5.16,18,25; Ez 36.27; Rm 8.4, 13-14). 

Paulo discute o fruto do Espírito em sua Epístola aos Gálatas e começa sua discussão desta maneira: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne” (Gl 5.16). Este é um mandato divino. Como cristãos, somos chamados a andar no Espírito. 

Paulo continua: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei” (Gl 5.16–18). Aqui Paulo oferece um contraste entre carne e espírito. 

A alternativa para a vida “sob a lei” não é uma vida de manifestações carnais sem restrição, mas de uma vida dirigida e capacitada pelo Espírito de Deus. Somente aqueles que são "guiados pelo Espírito" (Gl 5.18) podem exibir o amor que é o supremo objetivo de todos os mandamentos da lei de Deus (Rm 8.4; 13.8–10).

A palavra grega traduzida por “carne” é sarx, e a palavra traduzida por “espírito” é pneuma. Em geral, em qualquer ocasião em que vemos sarx, ou “carne”, discutida em contraste com pneuma, ou “espírito”, o que está sendo discutido não é a diferença entre o corpo físico e o espírito, e sim a diferença entre a natureza corrupta, caída, e o novo homem, regenerado (que inclui não apenas nosso corpo, mas também nossa mente, nossa vontade e nosso coração). Este é evidentemente o caso em Gálatas 5 (cf. tb. Jo 3.6). 

Antes de Paulo explicar o que significa ser guiado pelo Espírito e detalhar o fruto do Espírito, ele mostra-nos o que o fruto do Espírito não é: “Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl 5.19–21). A frase “coisas semelhantes a estas” indica que esta lista de vícios é parcial e não representa uma lista exaustiva de pecados.

Paulo não está a dizer que, se alguém embriaga-se uma vez, não irá para o céu. Ele está a dizer que, “se estas coisas nos definem, se constituem nosso estilo de vida, isso é uma clara indicação de que estamos na carne e não no Espírito. Por outras palavras, indica que ainda não somos regenerados e ainda não estamos incluídos no reino de Deus” (Sproul, 2017). Porquanto “nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus” (Ef. 5.5; cf. tb.: 1 Co 6.9-11 e Rm 8.13).

Não há nada de subjetivo aqui. Se alguém é guiado pela carne ou pelo Espírito é algo que pode ser distinguido objetivamente (cf. 5.19-23). A nossa velha natureza é secreta e invisível; mas as suas obras se manifestam de forma pública e evidente. Portanto, estas listas de vícios e virtudes fornecem um critério objetivo para avaliarmos a vida no Espírito ou na carne. 

Deste modo, Paulo opõe-se ao entusiasmo espiritual que afirma viver pelo Espírito, enquanto a vida de uma pessoa é marcada pelas "obras da carne". Onde há pecado sexual, egocentrismo, idolatria, contendas e brigas e vidas dissolutas sob o controlo de drogas e álcool, a carne está no controlo. Onde há amor, harmonia, alegria, perdão e bondade, vemos o poder do Espírito.

Isto contradiz o evangelho da graça barata, o qual afirma que pessoas podem ser regeneradas e nunca evidenciar qualquer progresso na vida cristã. Os antinomianos precisam ler esta porção de Gálatas, a fim de perceberem a solene advertência de Paulo. Se esses ou pecados semelhantes são sua prática regular, deliberada e impenitente, você não herdará o reino de Deus.

Em contraste com as obras da carne, Paulo apresenta o fruto do Espírito: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros” (vv. 22–26).

Em contraste com os desejos da natureza pecaminosa, o "fruto do Espírito" é um resultado natural da união do crente com Cristo. O “fruto” no singular sugere que essas qualidades são uma unidade, todas presentes em algum grau na vida de cada crente.

Paulo está a admoestar os crentes a não caírem nas obras da carne e a manifestarem o fruto do Espírito. Isto diz-nos que os cristãos têm de batalhar contra a velha natureza. Há um elemento da carne que permanece no cristão e que precisa estar sob escrutínio constante da Palavra de Deus e sob a disciplina do Espírito Santo, para que sejamos convencidos de pecado, fujamos dele e procuremos cultivar o tipo oposto de prática (Mt 7.20).

Não devemos ficar desanimados e pensar que não somos cristãos se estivermos empenhados numa luta contra o pecado. A oposição entre a carne e o Espírito é a vida cristã normal. A guerra contra o mundo, a carne e o diabo continuam até o dia da nossa morte ou da nossa glorificação final por ocasião da Segunda Vinda de Cristo.

Não devemos pensar, no entanto, que a perspetiva bíblica da vida cristã é fundamentalmente pessimista. Esta passagem ensina que os crentes que vivem pelo Espírito não irão realizar os desejos da carne. Os crentes desfrutam de uma vitória substancial, significativa e observável em sua nova vida em Cristo. A presença fortalecedora do Espírito concede aos crentes a habilidade de vencer os desejos pecaminosos.

Pelo facto de vivermos no intervalo entre o já e o ainda não, a perfeição não é nossa porção em nossa peregrinação nesta vida. Mesmo assim, os crentes possuem as primícias do Espírito e são uma nova criação (2 Co 5.17) e, portanto, podemos ser otimistas sobre a nova vida que é possível para os salvos em Cristo.

Paulo acrescenta que os crentes não receberam o Espírito através das obras da lei, mas quando responderam a mensagem do evangelho com fé (3.2, 5). A lei pode prescrever certas formas de conduta e proibir outras, mas amor, alegria, paz e o resto não podem ser cumpridos sem a capacitação do Espírito Santo. 

Portanto, a resposta ao domínio do pecado não é a lei, mas a cruz de Cristo e a dádiva do Espírito Santo. Se seguirmos a direção do Espírito, não viveremos sob a tirania do pecado e da consequente condenação da lei.

Considere agora como deveriam ser alguns aspetos do fruto do Espírito na vida dos crentes.

a. O amor é a marca da nova vida em Cristo (cf. 1 Cor 13). Na verdade, o amor dos crentes pelos outros está enraizado no amor de Deus derramado em seus corações pelo Espírito Santo (Rm 5.5). O amor é o coração e a alma da ética cristã, pois é o amor que cumpre a lei (Rm 13.8-10; Gl 5:14). O amor é a qualidade que deve governar os nossos relacionamentos pessoais. O amor reflete a maneira pela qual Deus escolheu lidar com a humanidade pecadora na pessoa, palavra e obra do Senhor Jesus Cristo. 

b. A alegria também é uma obra do Espírito Santo (cf. Rm 14.17) e não pode ser atribuída à capacidade humana. Como cristãos que andam no Espírito de Deus, não devemos ser rabugentos.  Entretanto, a alegria do Espírito não impede a tristeza ou a experiência de sofrimento e aflição. O facto é, como Paulo ensina noutra epístola, que devemos aprender a alegrar-nos em todas as coisas (Fp 4.4). A razão básica para nossa alegria é nosso relacionamento com Deus.  

c. A paz é o resultado da obra do Espírito (Rm 14.17). O termo "paz" indica integridade nos relacionamentos, sobretudo do relacionamento de uma pessoa com Deus. Os crentes em Cristo recebem esta paz, que protege a mente (Fp 4.7) e os relacionamentos (Cl 3.15) e deve ser a principal dinâmica relacional no lar (1 Co 7.15) e na igreja de Cristo (1 Co 14.33). 

d. A longanimidade ou paciência é uma obra do Espírito de Deus quando alguém enfrenta situações e pessoas difíceis sem perder a serenidade. Todos os frutos que somos chamados a produzir imitam o próprio caráter de Deus. E, se podemos dizer que alguém é longânimo (paciente), este alguém é Deus. Ele é tardio para se irar. Ele é paciente e dá a seu povo tempo para que se volte para ele. Devemos imitar a Deus em sua longanimidade (Ef 5.1). 

e. Benignidade e a bondade são atributos do próprio Deus (cf. Sl 34.8; Lc 6.35; 1 Pe 2.3) e deve ser praticada pelo crente por meio de refletir a bondade de Deus ao relacionar-se com os outros (Ef 4.32). Ser bondoso é ser amoroso e atencioso para outros. Estas virtudes também devem caracterizar todo crente. Os crentes imitam a Deus e a Cristo sempre que são generosos e amorosos com os outros, mas especialmente ao estender a benevolência àqueles que não retribuem com amor (Gl 6.9). 

f. A palavra traduzida como "fidelidade" (πίστις) muitas vezes significa "fé", mas numa lista de virtudes como esta quase certamente significa “fidelidade" ou “lealdade” (como em Tt 2.10). Fidelidade sugeri constância em face da perseguição ou das perdas pessoais. Aqueles que são guiados pelo Espírito são leais e confiáveis, e pode-se contar com eles para cumprir suas responsabilidades. 

g. “Mansidão” ou “gentileza” indica uma brandura que não é facilmente provocada (2Co 10.1) e inclui a noção de mostrar consideração pelos outros (Ef 4.2; Cl 3.12). Aqueles que pecam devem ser reprovados gentilmente (6.1), com a mesma gentileza que caracterizou o Senhor Jesus Cristo (2 Co 10.1). Uma pessoa mansa sabe moderar o uso da sua força menos do que possível em determinada situação. Esta é a maneira como manifestamos o fruto espiritual da mansidão (Mt 5.5; 11.29). 

h. O “domínio próprio” ou o “autocontrolo” é a virtude para exercer domínio sobre seus próprios impulsos e faculdades. Aqueles que têm autocontrole são capazes de conter-se na hora da tentação.

Enfim, estas virtudes são agradáveis a Deus, são benéficas aos outros e boas para nós. Este fruto do Espírito é produzido quando os cristãos vivem em comunhão com o Senhor. O Espírito Santo transforma-nos para sermos semelhantes a Cristo (2Co 3.18). Isto é o que Deus quer de nós. Não é tanto o que fazemos, é o que somos que agrada ou entristece o Espírito Santo.

Por outro lado, há uma diferença entre “ser guiado pelo Espírito” (5.18) e “andar pelo Espírito” (5.16,25), pois a primeira expressão está na voz passiva, e a segunda, na ativa. É o Espírito quem guia, mas quem anda somos nós. 

 

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Referências: Lopes, H.D. 2011. Gálatas: A Carta da Liberdade Cristã. SP: Hagnos. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Moo, D.J. 2018. The Letters and Revelation. (In Carson, D. A, ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2109–2110). / Rapa, R.K. 2008. Galatians. In T. Longman III & Garland, D. E., ed. The Expositor’s Bible Commentary: Romans–Galatians (Revised Edition). Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 631–632. / Shreiner, T. R. 2010. Galatians, Grand Rapids, MI: Zondervan. / Sproul, R.C. 2017. Somos Todos Teólogos: Uma Introdução à Teologia Sistemática. São José dos Campos, SP: Editora FIEL.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes