A PROVIDÊNCIA DIVINA

A doutrina da Providência divina está intimamente ligada a da Criação. Ela procura enfatizar a questão da sustentabilidade de tudo o que foi criado por Deus. Por outras palavras, a doutrina da providência ensina que o Universo não só teve a sua origem em Deus, mas também depende dele para a continuação da sua existência.
A providência significa que Deus governa a Sua criação “com absoluta soberania e autoridade”.
Segundo o ensino das Escrituras, os conceitos de fortuna, destino ou sorte não são sustentáveis, visto que a fortuna é cega, o destino é impessoal e a sorte é muda. Não existem forças cegas e impessoais a operar na história humana. Tudo funciona por meio da mão invisível da providência de Deus. Isso significa que num mundo governado por Deus não existem eventos casuais. O acaso não existe.
Esta doutrina da Providência divina é das mais relevantes numa sociedade como a nossa, dominada por uma filosofia marcadamente naturalista. Ela tem sido a pedra de tropeço para muitas pessoas que não possuem a fé cristã. Duvidam da existência de um Deus de amor e Todo-poderoso, num mundo confuso, cheio de maldade e de desequilíbrios profundos.
O panteísmo (a crença de tudo o que existe é parte de Deus) e o deísmo negam a doutrina da providência divina, visto que para o primeiro, Deus não está fora do que existe e para o segundo, Deus não intervém, actualmente, na Sua própria criação. Permanece inactivo perante o desenrolar dos acontecimentos, ao longo dos séculos.
Contudo, a Bíblia afirma e assevera que Deus está no controle de todas as coisas (Salmo 104; Salmo 103:19). Tal como o piloto de um navio (e não como um relojoeiro), Deus sustenta e coordena o funcionamento de tudo o que acontece no Universo.
A Bíblia apresenta evidências inegáveis da providência divina:
- As profecias que predizem o que vai acontecer, o modo como será feito e a garantia da sua concretização, são provas da actividade e da intervenção divinas;
- As Orações feitas, na esperança de que serão atendidas pelo Criador, não fariam qualquer sentido se a doutrina da providência divina não fosse verdadeira;
- Os milagres são, de certa forma, alguns dos aspectos da evidência da intervenção de Deus na Sua própria criação;
A Providência pode ser definida como “o exercício contínuo da energia divina, por meio da qual o Criador sustente todas as Suas criaturas, é operante em tudo o que ocorre no mundo, e dirige todas as coisas ao seu destinado fim”. (Martin Lloyd-Jones). Ou, como a Confissão de Fé de Westminster (séc. XVII), diz: “Pela mui sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as acções delas e todas as coisas, desde a maior até ao menor” (Cap. VI, cit. de R.C. Sproul).

A Providência divina envolve três aspectos importantes:
1º - Preservação – a continuidade da “obra de Deus por meio da qual sustenta as coisas que criou, em conjunto com as propriedades e energias com que Ele as dotou”; significa que Ele conserva tudo na sua existência (Salmo 104: 28-30; Actos 17:28; Colossenses 1:17; Hebreus 1:3).

2º - Governo – a “actividade contínua de Deus por meio da qual Ele conduz todas as coisas para um fim e um objectivo definidos,...a fim de assegurar a consumação do Seu próprio propósito divino” (Salmo 97:1; 103:19; Isaías 40:15; Daniel 4: 34,35).

3º - Concorrência - quer dizer “a cooperação de Deus e Seu divino poder com todos os poderes subordinados segundo as leis preestabelecidas da sua operação, levando-as a agir precisamente como fazem”. Aqui encontra-se a totalidade da ideia da relação das causas secundárias com a suprema ordenança de Deus. Ele opera nas e através das causas secundárias, usando-as, ordenando-as e manipulando-as como quer (Jó 12:24; Salmo 104:20, 21 e 30; Amós 3: 6; Mateus 5:45; 6:26; 10:29; Gálatas 1:15,16).

Textos de apoio: Jó 38: 1-41:34; Daniel 4: 34,35; Actos 2: 22-24; Romanos 11: 33-36

(bases: Verdades Essenciais da Fé Cristã de R.C.Sproul, Grandes Doutrinas Bíblicas de Dr. Martyn Lloyd-Jones, Teologia Sistemática de George Eldon Ladd, Teologia Sistemática de Wayne Gruden, Comentário de Génesis de Derek Kidner e A Terra…De Onde Veio de John C. Whitcomb).
Pastor Samuel Quimputo

A criação do Mundo

Já vimos, num dos estudos, que o ensino da Bíblia, relativamente ao que existe hoje, é que tudo foi criado por Deus (Hebreus 11:3), a partir do nada ou seja, tudo veio à existência pela Palavra criadora de Deus (João 1:3; Colossenses 1: 16) e continua a ser sustentado por Ele (Colossenses 1: 17).
A Criação divina pode ser definida como “aquele acto soberano de Deus por meio do qual Ele... no princípio trouxe à existência o universo visível e invisível, sem o uso de materiais preexistentes, e assim imprimir-lhe uma existência distinta da Sua (de Deus) e, contudo, sempre dependente dEle” (L. Berkhof). Esta é uma definição interessante do que significa criação ex nihilo, isto é, do nada, visto que “a partir do nada, nada procede” (do lat. ex nihilo nihil fit).
A Bíblia não fornece uma razão para a criação. Deus não criou o mundo por sentir uma necessidade de o fazer. Simplesmente decidiu criar tudo de acordo com a Sua soberana vontade e para a Sua glória. O que sabemos é que, toda a complexidade e a beleza da Criação de Deus, apontam para a grandeza e para a incomparável sabedoria do Criador.
Há quem creia que a matéria é inerentemente eterna; outros há, porém, que crêem numa geração espontânea da matéria, bem como em seu desenvolvimento espontâneo. Há, ainda, os que pensam que Deus simplesmente deu forma à matéria já existente, ou que a matéria é apenas uma emanação da substância divina. O panteísmo ensina que a matéria é apenas uma forma de Deus, isto é, que ela é Deus. Existe também o dualismo que afirma que Deus e a matéria são ambos eternos.
A primeira questão que surge com frequência, quanto ao relato bíblico de Génesis, é se existem dois relatos da criação na Bíblia – um em Génesis 1 e outro em Génesis 2:4. A resposta deve ser negativa. Em Génesis 2:4 o relato não é da criação. Este é um estilo próprio do hebraico que especifica e desenvolve o relato inicial da criação do homem, num típico hebraísmo, como o encontrado em Génesis 5:1: “Este é o livro das gerações...”
A criação é obra do Deus Triuno (Génesis 1:2; Isaías 40:13; João 1:3; I Coríntios 8:6; Colossenses 1:16).
A segunda questão é a seguinte: se tudo começou “no princípio”, isto é, envolvendo tempo, o que é que houve antes desse princípio?
Para uma boa compreensão, é preciso ter em conta as palavras que são usadas na Bíblia com referência à Criação. Embora possam ser intercambiáveis, a sua diferenciação pode ajudar-nos a distinguir os seus vários signifiados.
1ª “bará” – esta palavra significa chamar à existência sem o uso de material preexistente. É usada apenas três vezes em Génesis, capítulo 1, e somente em relação à actividade de Deus no Velho Testamento. Bará jamais é usada em conexão com material existente e descreve sempre a actividade divina (Génesis 1: 1, 21, 27).
2ª “asah” – esta palavra significa dispor do material existente, usada para descrever a obra da maioria dos dias da Criação (Génesis 1:7, 16,25, 26, 31).
3ª “yatsar” – que significa modelar o material já existente. Ela é usada em Génesis 2:7.

Qual é, então, a relação existente entre o 1º e o 2º versículos de Génesis? Qual é a interpretação deles? Tem havido duas respostas principais. Uma delas é que esses versículos descrevem dois estágios de um longo processo; enquanto que a outra diz que houve um intervalo entre os dois versículos. O segundo ponto de vista afirma que o versículo 1 fala da criação original do céu e da terra, provavelmente com Satanás e anjos habitando nele. Depois veio uma calamidade e uma destruição, em consequência da queda dos anjos; portanto, o versículo 2 descreve a obra da reconstituição e da reconstrução do caos provocado.
Há, subjectivamente, dois pontos de vantagem quanto à 2ª interpretação, visto que as palavras “sem forma e vazia” pressupõem devastação e destruição. Esse é o significado em Isaías 24:1 e em Jeremias 4:23.
Contudo, quanto ao que realmente ocorreu, devemos restringir-nos ao que está relatado na Bíblia. Ainda mais porque as expressões usadas em Génesis (sem forma e vazia, do heb. towú wabohú) não exigem, necessariamente, um estado de caos e de destruição, como no caso de Isaías e Jeremias.
A luz do primeiro dia deve ser entendido como sendo o “éter” luminoso ou a “electricidade”, já que o sol é o condutor da luz.
No segundo dia, a palavra “sobre” refere-se às nuvens; enquanto que o “firmamento”, significa expansão.
No terceiro dia, houve separação entre o mar e a terra seca, e o reino vegetal de plantas e árvores veio a existir, em três tipos: relva, ervas, vegetais e grãos. Árvores frutíferas – todas “segundo a sua espécie”.
O versículo 12 mostra que as espécies são distintas e não se evoluem umas das outras.
A doutrina da Criação é de extrema importância quanto ao fundamento da fé cristã. Ela prepara o “terreno” para a compreensão da realidade em que vivemos e nos movemos, e responde às inúmeras questões da nossa existência e da forma como nos relacionamos, como sociedade. Explica a causa das nossas crises existenciais e dos nossos conflitos no que diz respeito ao propósito da nossa presença neste mundo.
O relato bíblico da história da criação, na sua forma condensada e bem elaborada, procura, em termos gerais, servir de guia e baluarte contra a sucessão de erros, tais como: o politeísmo, o dualismo, a eternidade da matéria, a inerência do mal na matéria, a astrologia. Também, serve de protecção contra toda a tendência (cada vez mais popular) de esvaziar de sentido da verdadeira História do Homem.
Uma das questões que tem suscitado calorosas discussões, mesmo entre aqueles que crêem na Bíblia como Palavra de Deus, é a que diz respeito ao significado dos dias da criação, mencionados no relato de Génesis 1.
À parte das posições intermédias, dois pontos de vista têm sido defendidas. O primeiro defende que o termo “dia” significa um dia de 24 horas. O segundo afirma que “dia” significa um extenso período de tempo. Dos dois lados existem defensores piedosos que tudo fazem para entender, com honestidade, o verdadeiro significado da mensagem.
A favor do segundo ponto de vista está o facto de que, na Bíblia, a palavra traduzida, em Génesis 1, por “dia” nem sempre significa um dia de 24 horas. Nos versículos 5, 16 e 18, de Génesis 1, o termo refere-se às horas diurnas, enquanto que nos versículos 5, 8 e 13, significa luz e trevas. Em Génesis 2: 4, significa o sexto dia da criação.
Há passagens na Bíblia onde a palavra “dia” significa um período de tempo, tais como: Salmo 90: 4; Isaías 4:2; 13: 6; Jeremias 51: 2; Joel 3:14. Em 2 Pedro 3: 8 a ideia não é de enfatizar o “dia” em si, mas a de contrastar o tempo com a eternidade. A ênfase recai na aparente demora da parte de Deus em executar as suas promessas.
Por outro lado, a favor do dia de 24 está, antes de tudo, o facto de que este é o primeiro significado da palavra hebraica. Em segundo lugar, há expressão sequencial “tarde e manhã” ao longo de todo o capítulo 1. É difícil a explicação de tal expressão, caso o “dia” fosse algo indeterminado. Ainda, com base na interpretação do “dia” como sendo um “estágio”, como classificar o longo período de “tardes” e “manhãs”? O que estaria a acontecer nesse período de milhões de anos? Como poderia (mesmo em termos científicos) existir vida (vegetal e animal) durante esse período extenso de milhões de anos de trevas e de ausência de luz? Ou ainda, se os últimos três “dias” foram determinados pelo sol (que separa dia e noite), como dilatar o período entre ambos? Isso só seria possível se crêssemos que os 3 primeiros dias significam longos períodos de tempo, e que os 3 últimos significam dias de 24 horas. Mesmo assim, esta conclusão não encontra apoio no contexto da passagem em causa.
Uma outra dificuldade encontra-se na aplicação feita em Êxodo 20: 8, 11; cf. 31:17, onde o sábado a ser gozado pelo homem encontra a sua base e exemplo no “dia” em que o Senhor descansou da Sua obra inicial (Génesis 2:3). Como se pode aplicar um período de tempo de milhões de anos a pessoas que só vivem, no máximo, cerca de cem anos?
Embora “sábado” (cessação; descanso) não seja um conceito limitado pelo dia (de 24 h, ex. Levítico 25:4), quando ligado ao “dia” resume-se ao descanso diário de 24h.
Embora a nossa tendência, nos dias actuais, seja a de aceitar, cegamente, todas as propostas que nos são feitas, em nome da Ciência, sem análise crítica, convém afirmar, nesta altura, que “todo esforço para modificar a subitaneidade e sobrenaturalidade dos eventos da criação, a fim de torná-los mais aceitáveis para a ‘mentalidade moderna’, acabam por resultar somente na minimização e obscurecimento dos verdadeiros atributos do Deus da criação” (John C. Whitcomb).
Concluímos, assim, que não há provas bíblicas, na passagem de Génesis 1, que nos leve (em nome da ciência) a descartar a interpretação dos “dias” do capítulo 1 como compostos, cada um, de 24 horas. A Bíblia não é um livro escrito com um propósito científico. Contudo, ela não é anti-científica. A sua linguagem simples e de observação dos fenómenos é coerente, contendo, mesmo, elementos da mais avançada ciência (Jó 26:7; Actos 17:26).



(bases: Verdades Essenciais da Fé Cristã de R.C.Sproul, Grandes Doutrinas Bíblicas de Dr. Martyn Lloyd-Jones, Teologia Sistemática de George Eldon Ladd, Teologia Sistemática de Wayne Gruden, Comentário de Génesis de Derek Kidner e A Terra…De Onde Veio de John C. Whitcomb).