A substituição de um traidor


Depois da Ressurreição Jesus foi visto por mais de 500 irmãos de uma só vez (1Co 15.6). Esse aparecimento pode ter ocorrido na Galileia (Mt 28.10,16–20). No entanto, em Jerusalém, encontravam-se cerca de 120 crentes que, entre a Ascensão de Jesus e o Pentecostes, estavam reunidos com os 11 apóstolos (At 1.15). Os crentes de Jerusalém se reuniram não só para a oração, mas também para a reflexão a respeito da vaga deixada pela morte de Judas Iscariotes.  

O texto informa que o apóstolo Pedro “levanta-se no meio dos irmãos” e toma a palavra (At 1.15). Aqui algo muito grandioso torna-se visível: a realidade plena do perdão! Quem está a levantar-se no meio dos irmãos é aquele homem que negou o Senhor. Vemos aqui quem negou Jesus, relatando a história de quem o traiu. Será Pedro ainda “digno” de ser o dirigente em seu meio? A primeira igreja em Jerusalém teve a capacidade de lidar com as duas questões: (1) não dissimular a queda de Pedro, mas relatá-la com toda a clareza no próprio evangelho, e (2) ao mesmo tempo reconhecer sem restrições em Pedro o líder do grupo dos discípulos. A primeira igreja percebeu que o perdão que Jesus concedeu a Pedro havia apagado integralmente a culpa dele. Consequentemente, o próprio Pedro também não está diante deles inseguro, com sentimentos de inferioridade. Ele recebe o perdão de Deus e assume a tarefa que Jesus lhe deu (Mt 16.18s; Jo 21.15–17).  

Depois de ter traído Jesus, Judas procurou o suicídio, ao invés de procurar arrependido o perdão (Mt 27.5). Aquele que cai e continua caído deve se desesperar. Entretanto, se alguém cair, deve pedir misericórdia a Deus e levantar-se, como fizeram Pedro e Davi. É vergonhoso cair, mas é mais vergonhoso permanecer no chão e não querer levantar. A igreja de Jerusalém demonstrou a realidade do perdão.  

O relato da morte do apóstolo traidor (At 1.16-20) 

No relato de Mateus somos informados que após Judas receber as 30 moedas de prata, em troca de entregar Jesus aos oficiais, foi acometido de remorso, voltou e jogou as moedas para os líderes, retirou-se e foi se enforcar (Mt 27.5). Atos 1.18-19, entretanto, informa que Judas foi enterrado num campo comprado pelo dinheiro sujo de sangue que recebeu por trair Jesus. Tudo indica que as autoridades usaram o dinheiro que Judas atirou a seus pés para comprar sua sepultura num lugar que chamaram “Campo de Sangue”. Mateus disse que ele morreu por enforcamento, e Lucas dá aqui o detalhe de que as entranhas de Judas estouraram quando ele caiu. “A sugestão é que Judas se enforcou de uma forma tão violenta, que ele despencou com tal força que os seus órgãos internos se romperam” (Sproul, 2017). Temos, portanto, uma lembrança desagradável do final da vida de Judas.

Judas teve a honra de ser chamado por Cristo para ser um apóstolo. Ele, como tesoureiro, ocupou um cargo de confiança no colégio apostólico. Porém, mesmo tendo parte no ministério apostólico, liderou a turba que prendeu Jesus no Getsêmani. Ele teve muitas oportunidades para voltar atrás em seu intento, porém, tapou os ouvidos a todas as advertências e acabou vendendo a Jesus, traindo-o com um beijo mentiroso (Jo 17.12; At 1.25). 

Pedro cita e aplica dois Salmos a Judas (1.20; SI 69.25 e 109.8), o primeiro para explicar o que aconteceu (a traição de Judas e a sua morte) e o segundo, para indicar o que eles deviam fazer (substituí-lo). Concordo com o que escreveu Calvino: “Judas não pode ser justificado pelo facto de sua ação ter sido profetizada, já que ele caiu não por causa da compulsão da profecia, mas devido à iniquidade de seu próprio coração”  (Lopes, 2012).

 Um novo apóstolo no lugar do traidor (At 1.21–22, 23-26)

O círculo dos Doze foi quebrado e deve ser restaurado (1.15-17, 20). Esse número apostólico deve ser restaurado antes que o Espírito venha, visto que Is. 32.15 profetizou que o Espírito restauraria Israel, e os doze apóstolos representam as 12 tribos de Israel. Isso mostra que a restauração de Israel iria começar com o derramamento do Espírito e incluiria também os gentios (cf. At 10.44-47; 11,15,16, 2.28-32).

Por que doze? No relato que Lucas nos dá da última Ceia, Jesus se pôs à mesa com "os apóstolos” (Lc 22.3, 14). O Senhor diante deles estabelece a nova aliança, em contraste com a antiga feita com Israel (Lc 22.20), estabelece a ordenança da “Ceia” em substituição à Páscoa (Lc 22.19-20), confia a eles o Reino de Deus (Lc 22.29) e lhes promete o assentar-se em tronos para julgar as doze tribos de Israel no seu reino vindouro (Lc 22.30; Ap 21.12-14). Jesus traçou um paralelo entre os doze apóstolos e as doze tribos de Israel. Se a igreja primitiva deveria ser aceita e vista como continuação direta e expandida do Israel do Antigo Testamento, o número de seus fundadores não poderia ser alterado. Os doze apóstolos deveriam ser os líderes desta nação espiritual, agora composta de judeus e gentios de todas as partes do mundo, unidos pela fé no Messias. Havia mais de um que preenchia as condições apresentadas: José Barsabás, o Justo, e Matias. Todavia, apenas um era necessário para completar o número doze. Isto mostra que o número doze era simbólico e representativo (A. N. Lopes, 2014).

Embora os apóstolos fossem discípulos, nem todos os discípulos se tornaram apóstolos. Um apóstolo tinha um ofício especial na igreja do Novo Testamento. O termo apóstolo significa ‘aquele que é enviado’ para falar e representar Aquele que o enviou. O apóstolo supremo da Nova Aliança é o próprio Jesus (Hb 3.1). Ele foi enviado pelo Pai e falou com a autoridade Nele investida pelo Pai. Rejeitar Jesus era rejeitar o Pai, que O enviou (Sproul, 2017). Da mesma forma, os doze apóstolos foram chamados e comissionados diretamente por Cristo e falaram com Sua autoridade. Rejeitar a autoridade apostólica era rejeitar a autoridade de Cristo, que os enviou (Lc 10.16).

Após a morte de Judas, a igreja precisou encontrar um substituto para a vaga, conforme registros de Atos. Havia, entretanto, alguns critérios especiais e para apostolado. A principais qualificações para se tornar um dos Doze incluíam ser: (1) um discípulo de Jesus durante Seu ministério terreno, que começou com seu batismo por João até a sua Ascensão; (2) uma testemunha ocular da Ressurreição e (3) ser escolhido diretamente por Cristo. 

Dois homens preenchiam os dois primeiros requisitos: José […] cognominado Justo, e Matias. Embora não sabemos nada sobre eles, o Eusébio de Cesareia diz que ambos eram membros dos Setenta (Lc 10.1). Mas qual devia ser escolhido? Cristo tinha nomeado os outros com sua voz. Se Matias fosse escolhido pelos irmãos, sua autoridade teria sido menor que a dos outros discípulos. Por essa razão, Pedro e sua audiência apresentaram a questão ao Senhor, pedindo que Ele revelasse sua decisão. Pedro, com base nas Escrituras proféticas (Sl 109.8), apresentou toda a questão à congregação. A igreja reunida buscou a direção divina. Eles oraram ao Senhor, pedindo que Ele lhes mostrasse qual dos dois havia escolhido (At 1.24). Então, “lançando-lhes sortes, caiu a sorte sobre Matias” (At 1.26). Assim, ele foi indicado como o sucessor de Judas. 

O que dizer do homem que não foi escolhido: José, Barsabás, o Justo? Matias foi escolhido para ser uma testemunho oficial da ressurreição (1.22), representando a igreja como um todo. Mas José, o Justo, também era uma testemunha qualificada, pois estivera com Jesus desde o princípio. Ele, sem dúvida, deu testemunho de seu Senhor (At 2.1, 4). Alguns clamam para serem líderes oficiais. Lutam para fazer parte de um conselho, de um cargo ou ser consagrado; mas isso não acrescenta nada ao nosso direito de servir a Jesus ou testemunhar o seu amor e a sua graça. Se você é uma dessas pessoas que não obteve alguma posição oficial na igreja, lembra-se deste discípulo (Richards, 2012). O cristão não precisa de uma posição oficial na comunidade para trabalhar na obra do Senhor. Estar com Jesus é uma honra muito maior do que ser escolhido para um cargo na sua igreja.   

Quanto à questão de lançar sortes, este método de discernir a vontade de Deus era reconhecido pelo Antigo Testamento (1.26; Js 7.16-18; 1 Sm 10.20-21): “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão” (Provérbios 16.33). Provavelmente significava sacudir as pedras marcadas numa jarra até que uma caísse. O Deus de toda a providência está por trás de todas as probabilidades! Isto não significa que as pessoas devam lançar sortes para tomar suas decisões hoje, pois não existe tal mandamento no Novo Testamento. Podemos assumir que tornou-se uma prática obsoleta depois que o Espírito Santo veio, uma vez que Ele guia e dirige o povo de Deus. 

Além disso, a nomeação de um décimo segundo apóstolo foi uma situação única, entre a Ascensão de Cristo e a Vinda do Espírito Santo. A seleção de Matias ao apostolado completou os 12 (At 6.4), antes do estabelecimento da igreja cristã - o povo de Deus na Nova Aliança. Tiago foi martirizado pouco depois, mas não foi substituído (At 12.2).

Alguns afirmam que os apóstolos foram precipitados, pois deveriam ter esperado que Deus escolhesse Paulo como o décimo segundo apóstolo. Mas nada neste texto e no restante do Novo Testamento sugere isso: (1) Paulo era um apóstolo especial para os gentios e não um dos Doze, cujo ministério específico era para os judeus (Gl 2.8–9). (2) O Novo Testamento diz que Matias foi contado entre os doze (At 6.2) e que o próprio Paulo faz menção aos doze sem incluir-se entre eles (1Co 15.5). (3) Paulo não era um “ex-discípulo” (como os Doze, At 1.21-22), e sua visão do Cristo ressuscitado ocorreu após a ascensão de Jesus (At 9). Paulo não foi testemunha ocular da ressurreição da mesma forma que os outros apóstolos. 

No entanto, Paulo foi diretamente chamado para o cargo por Cristo. Paulo diz que ele foi o último a ver o Cristo ressurrecto (1 Coríntios 15.8-9), e esta é uma das qualificações essenciais para o apostolado (1 Coríntios 9.1; Atos 1.21-26). Sua chamada foi confirmada pelos outros apóstolos, cujo apostolado não estava em dúvida e foi autenticado pelos milagres que Deus realizou por meio dele (2 Co 12.12), atestando sua autoridade como agente apostólico de revelação (1 Co 9.1-2; 15.8-10; Gl 1.16-18; 2.2, 7-10).

 

Portanto, com a exceção dos Doze e Paulo, os outros líderes da igreja são escolhidos de acordo com as decisões feitas pela igreja, seja por um apóstolo ou por outros nas igrejas (ver At 6.3-6; 14.23; 15.22; 2 Co 8.19; cf. 1 Tm. 3.1-13; Tt 1.5-9).

 

Não há apóstolos oficiais vivos hoje, pois ninguém pode atender aos critérios bíblicos para o cargo ou ser confirmado pelos apóstolos originais, como Paulo foi. A Bíblia é a única autoridade apostólica para nós hoje. Após ter morrido o último apóstolo, havia ainda professores, ministros, pregadores e evangelistas, mas não havia mais apóstolos. No final do primeiro século, os pais pós-apostólicos reconheceram claramente que sua autoridade estava subordinada aos apóstolos originais.

 

A Escritura ensina que os apóstolos e profetas foram usados por Deus para o lançamento dos fundamentos da Igreja (Efésios 2.20, 3.5). Eles também foram inspirados por Deus para escrever e supervisionar a composição do Novo Testamento. Portanto, a verdadeira igreja apostólica é aquela que persevera “na doutrina dos apóstolos” (At 2.42); é aquela que "guarda o bom depósito" que recebeu (2 Tm 1.14; 2 Tm 3.16); e que "batalha pela fé que uma vez foi dada aos santos" (Judas versículo 3). Isto deveria estar constantemente diante de nós enquanto almejamos construir a igreja hoje. Como no início do livro de Atos, onde vemos a igreja primitiva em sua pureza – obediente, unificada, em orando, pesquisando as Escrituras e submissa à autoridade apostólica.

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Referências: Boor, W. 2002. Comentário Esperança, Atos dos Apóstolos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, p. 34–38. / Carson, D. A. ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1953–1954. / Chung-Kim, E., et al. 2016. Atos, Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã, p. 73–75. / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, p. 2081–2082. / Kistemaker, S. 2016. Atos, vl. 1: comentário do Novo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã, p. 86–98. / Lopes, A. N. 2014. Apóstolos: a verdade bíblica sobre o apostolado. São José dos Campos, SP: Fiel. / Lopes, H. D. 2012. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja. SP: Hagnos, p. 44–47. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, p. 333–335. / Parsons, M. C. 2008. Acts, Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, p. 31-34. / Richards, L. O. 2012. Comentário Devocional da Bíblia. Rio de Janeiro, CPAD, p. 715-716. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Editora Cultura Cristã, p. 23–29. / Sproul, R. C., ed, 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version. Orlando, FL: Reformation Trust, p. 1912–1913.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes


Pentecostes, a descida do Espírito Santo

 Atos 2.1-13

Dez dias após sua Ascensão, Jesus, o Filho, junto ao Pai, enviou o Espírito Santo, no Dia de Pentecostes. Esse foi o dia do cumprimento da promessa de Jesus aos apóstolos: “Vós sereis batizados com o Espírito Santo dentro de poucos dias” (At 1.5). O evento cumpre as profecias de Isaías 32.15 (“até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto”) e Jl 2.28-32, o derramamento do Espírito Santo, indicando a chegada dos últimos dias (cf. tb. Jr 31.33–34; Ez 36.26–27; 39.29). 

 

A partir de Pentecostes, o Espírito de Deus passou a habitar nos salvos em caráter permanente: Ele veio para ficar (Jo 14.16-17) e para capacitar a igreja para o testemunho eficaz (At 1.8). Embora o Espírito estivesse presente na velha aliança, os crentes da nova aliança possuem permanentemente o Espírito, que os capacita de maneira única para testemunhar. Agora, o Espírito estava vindo para as pessoas de uma maneira nova e mais poderosa.

 

No Velho Testamento a unção do Espírito foi restrita a certos indivíduos. Joel profetizou que virá o tempo em que Deus derramará seu Espírito sobre todo o povo de Deus. Pedro interpretou os eventos do Pentecostes como o cumprimento da profecia de Joel (2.14-18). O Pentecostes marcou uma nova época no plano divino de redenção.

 

Nenhum daqueles que viveu antes da Ascensão de Jesus, que está à mão direita do Pai, foi batizado com o Espírito Santo. Existem, portanto, duas grandes épocas distintas. É por essa razão que ninguém hoje pode provar aquela experiência das duas épocas como os apóstolos tiveram. Eles viveram na época antes do batismo com o Espírito Santo, antes do Pentecostes, e viveram também na época depois de Pentecostes, e receberam o batismo com o Espírito Santo (Robertson, 1999).

 

A descida do Espírito Santo pertence à história da salvação (At 1.5; Lc 3.16; At 2). Os eventos na história da salvação, diferentemente da aplicação contínua da obra de Cristo, referem-se a eventos que fazem parte da realização da obra de Cristo, feita de uma vez por todas (Gafin, 2003). O Natal, a Sexta-feira Santa, a Páscoa, a Ascensão e o dia de Pentecostes são celebrações anuais, mas o nascimento, a morte, a ressurreição, a ascensão e a dádiva do Espírito são actos redentores que aconteceram uma única vez (Stott; Fee). O dia de Pentecostes foi aquele momento da história da redenção quando Deus liberou o poder do Espírito Santo e o deu para sua igreja, não somente para aqueles que estavam reunidos lá, mas para a igreja de todas as épocas e para cada cristão através dos tempos (Sproul, 2017).

 

A estrutura histórica de transição, da Velha para a Nova Aliança, no livro de Atos dos Apóstolos não deve ser ignorada como fazem aqueles que pensam que Atos 2 estabelece paradigmas permanentes para a experiência cristã (Gafin 2003; Robertson, 1999). As experiências dos crentes no Pentecostes (At 2.1-13) e Samaria (At 8.16,17), geralmente citadas como experiências de duas fases, representam a vinda inaugural do Espírito Santo sobre diferentes grupos de crentes (judeus e samaritanos), que viveram durante a transição da Velha para a “Nova época do Espírito” no contexto da Nova Aliança. Estas experiências não são normativas para os crentes na era presente. Trata-se de “um pretendente histórico” (Fee, 2011).

 

A mesma experiência recebida pelos judeus foi dada igualmente aos samaritanos (At 8.16,17), aos tementes a Deus (At 10.44-45) e aos ‘gregos’ (At 19.6), promovendo a unidade e confirmando a universalidade da povo de Deus no contexto da Nova Aliança inaugurada pelo Senhor Jesus Cristo. Isto é, que na igreja não há distinções étnicas, culturais ou sociais que dividam as pessoas: Deus dá seu Espírito a todas as pessoas que vêm à fé, judeus ou gentios, homens ou mulheres escravos ou livres (Atos 2.16-21).

 

A Vinda do Espírito Santo e o nascimento da igreja cristã. A vinda do Espírito Santo em Pentecostes reuniu os cristãos no Corpo de Cristo, a Igreja (1Co 12.13). Desse momento em diante, judeus e gentios seriam uma nova humanidade em Cristo Jesus e membros do mesmo Corpo (Ef 2.11–22). A Bíblia diz: “em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (1 Co 12.13, ARA). 

 

“O Senhor Jesus Cristo é quem realiza esse baptismo. Os novos cristãos são baptizados. O elemento com o qual Jesus baptiza esses novos discípulos é o Espírito Santo. E o propósito desse baptismo é uni-los ao corpo de Cristo, a Igreja” (Alisson, 2021). Portanto, o Baptismo com o Espírito Santo não foi apenas um evento histórico no Dia de Pentecostes, mas também faz parte da experiência inicial de salvação de todos os crentes (1 Co 12.13). Trata-se de uma experiência cristã inicial, universal e permanente. 

 

O Baptismo com o Espírito Santo não ocorre como uma segunda bênção, subsequente a experiência inicial de salvação. No corpo de Cristo não há crentes de duas classes. A única pré-condição para receber o Baptismo do Espírito - ou ser incorporado no corpo de Cristo - é a fé em Cristo, que traz a salvação inicial (At 11.17; Gl 3.2, 13, 14; Jo 7.38,39). Pedro disse ao público em Jerusalém: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo” (2.38 – NVI).

 

Além disso, Cristo e o Espírito Santo não estão tão divididos que cada um deva, separadamente e em tempos apropriados, batizar um no outro. O batismo no corpo de Cristo não é uma coisa sem o Espírito, que mais tarde é melhorada por um batismo espiritual no Espírito Santo. Pois é um só Espírito que batiza no corpo de Cristo (1 Co 12.13a). No batismo em Cristo, o batismo no Espírito Santo ocorre (Bruner, 1986).

 

Depois do Pentecostes, os únicos dois mandamentos bíblicos em relação ao Espírito são viver/andar no Espírito (Gl 5,16,25) e deixar-se encher pelo Espírito (Ef 5.18). Estes mandamentos estão no tempo presente e sugerem o crescimento contínuo na vida do crente que já tem com o Espírito.

 

A descrição do evento do Pentecostes (2.1-13). No dia de Pentecostes, o Espírito de Deus veio sobre seu povo (Jo 7.37-39). Os crentes ficaram cheios do Espírito e experimentaram o Batismo com o Espírito Santo (1.5). Lucas emprega a expressão ficaram cheios para descrever a experiência. É importante observar, que aquilo que aqui se chama “ficar cheio” (especificamente nesta passagem), também é denominado de “batismo” (1.5 e 11.16), um “derramamento” (2.17-18; 10.45), e um “recebimento” (10.47); um ser “revestidos de poder” do alto (Lc 24.49).

 

Estavam todos reunidos no mesmo lugar. O termo todos do versículo 1, aparece mais uma vez no versículo 4, e deve ser entendido no sentido de que não só os doze estão presentes, mas também as mulheres e os outros discípulos mencionados em 1.13–15. Foi sobre todos esses, e não só sobre os doze, que o Espírito desceu. Não sabemos se a "casa" do versículo 2 ainda é o cenáculo (At 1.13; 2.46b), ou uma casa em algum lugar nas proximidades do templo (Lc 24.53, 2.46a). Por conseguinte, o contacto dos discípulos com a multidão indica que o cenário deve ser o terreno do templo, o único lugar em Jerusalém que poderia acomodar mais de 3.000 pessoas (2.41). 

 

Já o tempo da vinda do Espírito é indicado com precisão: foi no dia de Pentecostes (1.1). Este era o dia de Ação de Graças judaico. O povo reunia-se para o evento de Ação de Graças do Pentecostes no santuário em Jerusalém para agradecer a Deus pela colheita. Era chamada Festa da Colheita (Êx 23.16, 21), pois nela comemorava-se o fim da colheita dos cereais; ou Festa das Semanas ou Pentecostes, porque acontecia sete semanas ou cinquenta dias após a Páscoa, dia em que  iniciava-se a colheita dos cereais (Lv 23.15,16). Nesta data, os judeus lembravam-se da entrega total da lei no Monte Sinai, pois isso aconteceu cinquenta dias após o Êxodo (Êx 19.1).

 

A vinda do Espírito foi acompanhada por três sinais sobrenaturais (vento, fogo e línguas). O som não era vento, mas soava como vento; a visão não era fogo, mas lembrava o fogo; e falava-se em outras línguas como de fogo (2.3). 

 

O vento é um símbolo da presença do Espírito Santo (Ez 37.9; Jo 3.8), enquanto o fogo é um símbolo de Seu poder de purificação (Mt 3.11, 12). Quando Deus deu a lei ao povo no Monte Sinai, chamas foram vistas nas montanhas, simbolizando o poder transcendente da majestade de Deus (Êx 19.19).

 

O derramamento do Espírito Santo produziu o fenómeno das línguas. Os discípulos receberam o poder sobrenatural de falar línguas estrangeiras que nunca haviam estudado. Não eram palavras sem sentido ou declarações extáticas, mas línguas faladas em todas as partes da região oriental do Mediterrâneo, de Roma à Pérsia. Assim, Judeus e prosélitos de diversas partes do mundo puderam ouvir os discípulos falando em sua própria língua materna (At 2.11).

 

O que eles experimentaram foi mais do que sensorial; foi significativo. Essa ocorrência foi um sinal para indicar que o plano redentor de Deus deslocou-se da atividade centrada nos judeus, para uma atividade que abrange todas as nações (1Co 14.21-23; Is 28.11-12; Dt 28.49; At 2, 8, 10, 19). O falar em outras línguas simbolizou uma nova unidade no Espírito, transcendendo barreiras raciais, nacionais e linguísticas. 

 

Lucas procura enfatizar que estavam ali, representativamente, pessoas "de todas as nações debaixo do céu" (2.5). Atos 2 apresenta-nos uma lista das nações semelhante à de Génesis 10. Nada poderia ter demonstrado de forma mais clara a natureza multirracial, multinacional e multilíngue do reino de Cristo. Em Babel (Gn 11.1-9), as línguas humanas foram confundidas e as nações espalhadas; em Jerusalém, a barreira linguística foi vencida de forma sobrenatural, como sinal de que as nações agora seriam reunidas em Cristo, como um só povo de Deus a serviço do Seu reino.

 

Atos 2 é a única passagem em que o fenómeno das línguas é descrito e explicado. A glossalalia (‘o falar em línguas’) no dia de Pentecostes foi uma habilidade sobrenatural para falar em línguas reconhecíveis. Não foi, portanto, uma algaravia fervorosa ou uma livre vocalização emotiva, aprendida ou sugestionada.

 

Ademais, a ocorrência de línguas no dia de Pentecostes não deve ser usada como prova de que a dádiva do Espírito deve sempre ser acompanhada desse fenómeno. A com clareza diz que todos os coríntios haviam sido batizados com o Espírito Santo (1 Co 12.13), mas nem todos falavam em línguas (12.30). O Espírito não concede os mesmos dons a todos (12.7, 11; 14.17, 26). Portanto, não é verdade que falar em línguas é resultado inevitável do Batismo com o Espírito.

 

Por fim, Lucas descreve três reações ao milagre das línguas (2.7–13). Em primeiro lugar, o Preconceito (2.7). Os galileus eram recebidos em Jerusalém como pessoas de segunda classe. O sotaque arrastado dos galileus incomodava os judeus de Judéia. Por causa da pronúncia defeituosa do idioma falado, alguns judeus achavam que os galileus deveriam ser proibidos de ler a Torá publicamente nas sinagogas. Eles tinham medo de que o sotaque do Galileu ofendesse o criador. Portanto, ao escolher esses galileus, Jesus de Nazaré ensina-nos que o nosso local de nascimento não deve ser um empecilho para sermos usados na obra de Deus. 

 

Em segundo lugar, o Ceticismo (2.12). Todos, atônitos e perplexos, interpelavam uns aos outros: Que quer isto dizer? Mas depois da pregação de Pedro, se arrependem e creram quase 3000 pessoas, as quais foram baptizadas e unem-se à igreja (2.41).

 

Em terceiro lugar, a Zombaria (2.13). Um grupo dentre a multidão rotulou o fenómeno das línguas como resultado de embriaguez. Mas não era o excesso de vinho (2.15), pois durante as festas, os judeus jejuavam até o encerramento dos cultos matinais. Lucas descreve este evento acima de qualquer dúvida: eles "passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia" (2.4).

 

É o Espírito Santo quem capacita o povo de Deus para o cumprimento da grande comissão (1.8). A obra do Espírito Santo é tão importante como a obra de Cristo. É por isso que antes de enviar a igreja ao mundo, Jesus enviou o Espírito Santo à igreja. “Se os ministros não derem crédito à obra do Espírito Santo, darão pedra em vez de pão ao seu rebanho”, como escreveu Abraham Kuiper. Sobre isso também advertiu-nos E. M. Bounds, “Homens mortos pregam sermões mortos e sermões mortos matam”. Por outras palavras, a Palavra é ineficaz sem o Espírito. Temos uma doutrina maravilhosa, mas sem o Espírito, não poderá produzir vida.  

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Referências: Allisson. G. 2021. 50 verdades essenciais da fé cristã: um guia para compreender e ensinar doutrina. SP: Vida Nova. / Boor, W. 2002. Comentário Esperança, Atos dos Apóstolos. Curitiba: Evangélica Esperança, p. 39–46. / Bruner, D. 1986. Teologia do Espírito Santo. SP: Vida Nova. / Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1954–1955. / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, p. 2082–2083. / Gafin, R. B. 2003. O ponto de vista cessasionista. (Em Grudem, W. A., ed. Cessaram os Dons Espirituais? São Paulo: Vida, p. 23-90). / Gordon, Fee. 2011. Entendes Tu o que Lês?: Um guia para entender a Bíblia com o auxílio da exegese da hermenêutica. SP: Vida Nova., p. 131-152. / Kistemaker, S. 2016. Atos, Comentário do Novo Testamento, vl. 1. SP: Cultura Cristã, p. 103–108. / Lopes, H. D. 2012. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 49–60. / MacDonald, M. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011), 335–337. / Marshall, I. H. 1980. The Acts o f the Apostles, an Introduction and Commentary. London: Inter-Varsity Press. / Robertson, P. 1999. Você já foi Batizado com o Espírito Santo? Recife: Os Puritanos. / Sproul, R. C. 2017. Somos Todos Teólogos: Uma Introdução à Teologia Sistemática. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, p. 278–282. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Editora Cultura Cristã, p. 30–35.

 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes


Ascensão do Senhor

 

Atos 1.1-11

 

Embora o Evangelho de Lucas seja sobre "tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar", o livro de Atos relata o que Jesus continuou a fazer por meio de sua igreja no poder do Espírito. 

 

Antes da vinda do Espírito Santo para habitar na igreja, houve um tempo de espera; quarenta dias entre a ressurreição e a ascensão de Jesus ao Pai (1.3), e mais dez dias entre a ascensão e o Pentecostes (At 2.1-11). Lucas indica aquilo que o Senhor ensinou durante os quarenta dias em que, ressurrecto, "se apresentou" aos apóstolos, dando "muitas provas incontestáveis" de que estava vivo (1.3). 

 

Em primeiro lugar, Jesus falou-lhes do "reino de Deus" (v. 3). Em segundo lugar, ele ordenou-lhes que esperassem pela dádiva do batismo com o Espírito Santo, prometida por ele, por seu Pai e também por João Baptista, e que iriam receber "não muito depois destes dias" (1.4-5).

 

Esta não foi a primeira vez que os discípulos ouviram Jesus falar da promessa do Pai (Lc 24.49). Jesus reafirmou essa promessa várias vezes: “Mas, o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo 15.26). “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).

 

Os apóstolos sabiam que Ezequiel 36 e Joel 2 ligavam a vinda do Reino com o derramamento do Espírito prometido por Jesus. Assim, a pergunta que os apóstolos fizeram a Jesus quando estavam reunidos (Senhor, será esse o tempo em que restaures o reino a Israel? , v. 6 ) não era totalmente descabida. O erro que cometeram foi confundir a natureza do reino e a relação entre o reino e o Espírito. O verbo ‘restaures’ mostra que eles estavam a espera da restauração imediata de um reino político, territorial e nacional (de Israel). Em sua resposta (1.7-8), Jesus corrigiu essas noções equivocadas da natureza, extensão e chegada do reino (Stott, 2008).

 

Os apóstolos estava a confundir o reino de Deus com o reino de Israel. Os apóstolos estavam como àqueles dois discípulos a caminho de Emaús, que esperavam "que fosse ele (Jesus) quem havia de redimir a Israel", mas tinham ficado desiludidos devido à cruz (Lc 24.21). A esperança dos apóstolos, porém, reacendeu com a ressurreição de Jesus. Eles ainda estavam a sonhar com o domínio político do Israel étnico, o restabelecimento da monarquia, a libertação de Israel - sua independência nacional do jugo de Roma. 

 

A resposta de Jesus foi dupla (1.7-8). Em primeiro lugar, “não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade” (v. 7). "Tempos" (χρόνους - duração) ou "épocas" (καιρος - ocasião/data), juntos, formam o plano secreto e soberano de Deus. De modo que a transição do reino da graça para o reino da glória é da exclusiva economia do Pai. Nosso papel não é especular o futuro, mas agir no presente. Em segundo lugar, eles precisavam saber que receberiam poder para que, no período entre a vinda do Espírito e a segunda vinda do Filho, pudessem ser suas testemunhas, em círculos cada vez maiores (1.8).

 

Jesus descreveu esta vinda do Espírito sobre eles como um “revestimento de poder do alto" (Lc 24.49) para o testemunho eficaz (Atos 3.12; 4.7, 33). Eles deviam ser suas testemunhas "até aos confins da terra" (1:8) e "até a consumação do século”.

 

Os discípulos deveriam ser testemunhas não apenas no território de Israel, mas até aos confins da terra. Não apenas aos judeus, mas também aos gentios. O reino de Deus domina sobre uma comunidade internacional em que raça, nação, posição e sexo não são barreiras para a comunhão. A missão da igreja, portanto, é global. Devemos ir atrás da última tribo da terra.

Esta foi a essência do ensino de Jesus durante os quarenta dias entre a ressurreição e a ascensão: quando o Espírito viesse em poder, o tão prometido reino de Deus, que o próprio Jesus inaugurara e proclamara, começaria a expandir-se. No entanto, antes que o Espírito pudesse vir, o Filho precisava partir. Esse é o próximo assunto de Lucas.

 

Lucas narra a elevação de Jesus no final do Evangelho (Lucas 24.50–52) e no início de Atos (1.2, 9–11). A descrição que Lucas faz em Atos é mais completa que a do Evangelho. Todavia, Stott observa que “(1) ambos os relatos dizem que a ascensão de Jesus seguiu-se ao comissionamento dos apóstolos para que fossem suas testemunhas. (2) Ambos dizem que ela se deu fora de Jerusalém, em algum lugar do Monte das Oliveiras. (3) Ambos dizem que Jesus "foi elevado às alturas", sendo que o uso da voz passiva indica que a ascensão, assim como a ressurreição, foi um acto do Pai que, primeiro, o levantou dentre os mortos e, depois, o elevou às alturas. (4) Ambos relatam que os apóstolos "voltaram a Jerusalém"; o Evangelho acrescenta: "tomados de grande júbilo". (5) Ambos dizem que depois disso eles aguardaram a vinda do Espírito, de acordo com a ordem e promessa expressa do Senhor". 

 

A ascensão visível de Cristo tinha um propósito definido. Lucas inclui a ascensão de Jesus entre as verdades históricas que as testemunhas oculares podiam certificar. Quando Judas é substituído, Pedro faz do batismo de João e da ascensão de Jesus o início e o fim do ministério público acerca do qual os apóstolos precisam testemunhar (1.22).

 

Na transição de seu estado terreno para o celestial, Jesus poderia voltar para o Pai secretamente. Mas a razão para uma ascensão visível é que ele desejava que os discípulos soubessem que ele estava a partir de vez. “Ele passou aqueles quarenta dias, aparecendo, desaparecendo e reaparecendo. Mas esse período havia terminado. Desta vez, sua partida era definitiva” (Stott, 2008). Portanto, eles não deviam aguardar uma outra aparição. Pelo contrário, deveriam esperar outra pessoa, o Espírito Santo (1.4). O Espírito viria somente após a partida de Jesus, e então os discípulos estariam aptos a dar início à missão no poder que receberiam dele (Jo 16.7). Os versículos 12 ao 14 mostram que a ascensão visível de Cristo atingiu o efeito planeado. Os apóstolos voltaram para Jerusalém e esperaram pelo Espírito.

 

Se quisermos perceber a ênfase de Lucas ao contar a história da ascensão, precisamos prestar atenção àqueles dois varões vestidos de branco (v. 10) - àqueles anjos enviados da corte celestial (Mc 16.5; Jo 20.12; Ap 4.4) - ; que se puseram ao lado dos apóstolos, e fizeram uma pergunta: “Varões galileus, por que estais olhando para as alturas?” (v. 11a). Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o vistes subir (v. 11b). Esse mesmo Jesus, indica que sua segunda vinda será pessoal, em seu corpo humano ressuscitado e glorificado. E "do mesmo modo como" indica que a sua vinda também será visível e gloriosa; como diz a Escritura: "E então verão vir o Filho do homem numa nuvem, com poder e grande glória.” (Lc 21.27; cf. tb.: Mt 24.30; 26.64; 1 Ts 4.16, 17).

 

Esse foi o retorno de Jesus ao céu, de onde ele tinha vindo. Ele veio em humilhação e retornou na nuvem de glória, sendo elevado ao céu à destra de Deus. A nuvem que ocultou-o dos olhos deles (1.9), indica a presença gloriosa de Yahweh (Êx 40:34; Lc 9.34–36). Essa foi a nuvem profetizada no livro de Daniel, onde o Filho do Homem aparece diante do Ancião de Dias, vindo na nuvem de glória (Dn 7.13). 

 

Haverá, contudo, algumas diferenças importantes entre a partida de Jesus e o seu retorno. Sua volta será pessoal, mas ela não será vista por poucos, como na ascensão. Apenas os onze apóstolos o viram partir, mas quando ele voltar "todo olho o verá” (Ap 1.7). Em vez de voltar sozinho (como partiu), milhões de santos - humanos e angelicais - formarão sua comitiva. E em vez de ser uma volta restrita a um local ("Lá está!" ou " Ei-lo aqui!" ), será "assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente” (Mt 24.27).

 

Entre a ida e volta de Cristo, alonga-se um período de duração indeterminada que deve ser preenchido pelo testemunho da igreja. Mas enquanto isso, à semelhança dos discípulos, ansiamos pelo dia quando o reino será manifesto, quando ele trará o novo céu e a nova terra, o reino consumado em sua plenitude. Aguardamos ansiosamente por isso.

 

O nosso Senhor voltará em glória. Enquanto isso, é hora de trabalharmos para cumprir a Grande Comissão. É hora de testemunharmos da realidade deste reino por todo o mundo. “É tarefa da igreja visível tornar visível o reino invisível de Cristo” (Calvino), para manifestar às pessoas como seria viver numa comunidade governada por Jesus. 

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Referências: Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1946-1947. / Lopes, H. D. 2012. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 32. / Nathan, B. 2020. “Jesus, Ascension of” (Em Barry, J. D., ed. Lexham Bible Dictionary. Bellingham, WA: Lexham Press). / Stott, J. 2008. A Mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, p. 16.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes


Mães que fizeram a diferença

           

Êxodo 2.1-10

 

A maternidade é um dom de Deus. O Salmo 127.3 diz “que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o Seu galardão”. Deus concede graça às mães com a grande oportunidade de servi-lo na formação da civilização humana. Por outro lado, ser mãe é um desafio incrível. Deus confiou as mães o cuidado de um pequeno ser humano, completamente indefeso e muito precioso; e o seu trabalho tem uma jornada de 24 horas por dia, sete dias por semana. 

Há muitas mães dignas de destaque na Bíblia. Histórias inspiradoras de mulheres de fé que fizeram a diferença para seus filhos e para o mundo. Mulheres que através de seus filhos deixaram suas marcas de influência. Mães dignas de serem imitadas. Pense em Joquebede, a mãe de Moisés (Êx 1 e 2), em Ana e no pequeno Samuel (1Sm 1 e 2), em Isabel e João Baptista (Lc 1); e em Maria, a mulher escolhida para conceber Jesus, o Salvador do mundo (Lc 1 e 2). Hoje vamos ver o exemplo de algumas mães: 

Joquebede, uma mãe que lutou pela sobrevivência do seu filho (Hb 11.23; Êx 2.1-10). Joquebede teve três filhos: Miriã, Arão e Moisés (Êx 2.4; 7.7; 6.20; Nm 26.59). Todos os três foram influentes. Todos os três foram grandes diante do povo. Todos os três foram líderes que conduziram o povo.  

Quando Joquebede estava grávida de Moisés, as coisas iam de mal a pior (Êx 1.1-22). Os anos se passaram. O povo de Israel multiplicou-se na terra do Egito, e o Faraó que se levantou (que não conhecerá a José, Êx 1.8) passou a tratar o povo de Israel com tirania e crueldade. O novo Faraó quis controlar o crescimento da população de escravos hebreus, então disse às parteiras para lançar no rio Nilo todos os meninos hebreus recém-nascidos. 

Justamente no momento em que a crueldade de Faraó atinge o seu ponto máximo, mandando matar os meninos hebreus, nasce Moisés. Ele portanto deveria ser lançado no rio Nilo, logo ao nascer. Mas seus pais viram que ele era um menino formoso (At 7.20; Hb 11:23), e não aceitaram a decretação da morte do filho. Não se intimidaram com as ameaças do rei, mas traçaram um plano para poupar a vida de Moisés. Hebreus 11.23 informa que os pais de Moisés o esconderam pela fé. Eles protegeram o bebé “formoso”, porque creram que Deus tinha um propósito especial para ele. Não foi nada fácil, uma vez que todos os egípcios haviam se tornado espiões oficiais do Faraó à procura de bebés para serem afogados (Êx 1.22). 

Ao final de três meses, quando já não podiam mais esconder o bebé, colocaram-no numa pequena cesta à prova d’água para flutuar no rio Nilo (3), e a sua irmã para que a vigiasse. Joquebede obedeceu à lei ao pé da letra quando colocou Moisés nas águas do Nilo, mas certamente desafiou as ordens do Faraó na forma como seguiu essa lei. O bebé foi colocado estrategicamente num lugar do rio onde a princesa do Egipto normalmente frequentava. Também dispôs que a filha ficasse num ponto estratégico para fazer a pergunta certa no momento certo (Êx 2.4,7). Foi Miriã que ofereceu à filha de Faraó, os serviços de sua mãe como ama, o que foi aceito pela princesa (Êx 2.7).  

Joquebede confiou na providência de Deus e não foi decepcionada. Seu filho foi protegido por Deus quando navegava a sós, um indefeso bebé sobre as águas. Quando a princesa foi até o Nilo para lavar-se, viu o cesto, descobriu o bebé e ouviu-o chorar. Seguindo seus instintos maternos, salvou o menino e cuidou dele (Êx 2.5-6). Deus usou as lágrimas do bebé para controlar o coração da princesa egípcia. Usou as palavras de Miriã a fim de providenciar para que o bebé fosse criado por sua mãe e ainda recebesse por isso. Joquebede tornou-se a mãe de criação de seu próprio filho.  

A adoção de uma ama-de-leite para amamentar e cuidar da criança até que fosse desmamada era um costume normal entre as famílias abastadas ou aristocráticas. Foi nesse tempo, da primeira infância de Moisés, que sua mãe deu tudo de si para transmitir ao seu infante as verdades que mais tarde governariam a sua vida. Foi o ensino aprendido com sua mãe que levou Moisés a rejeitar as glórias do Egipto por causa do opróbrio de Cristo (Hb 11.23-27).  

Mãe, você que está preocupada com o futuro dos seus filhos, lembra-se da mãe de Moisés. Como deve ter sido preparar aquela pequena arca para seu filho recém-nascido? Lembra-se de que o que ela fez pela fé em Deus é uma chamada para si também – uma chamada para confiar seus filhos ao cuidado bondoso de Deus; uma chamada para confiar activamente a vida e o futuro de nossos filhos.  

Ana, uma mãe que consagrou o seu filho para Deus (1Sm 1.9-20). Ana era estéril, porque o próprio Deus havia cerrado a sua madre (1 Sm 1.6). No seu tempo, esse era um problema que trazia muitos estigmas. Ana teve ainda que enfrentar a zombaria da sua rival (Penina), a incredulidade do seu marido (Elcana) e a censura do seu sacerdote (Eli). Ela, contudo, não desistiu. Continuou a orar e a chorar diante de Deus, pedindo-lhe um filho. Houve um dia, porém, que ela resolveu fazer um voto a Deus. Prometeu-lhe que se Deus lhe desse um filho, o devolveria para o Senhor por todos os dias da sua vida. Deus ouviu o seu clamor e ela concebeu e deu à luz a Samuel, o maior juiz, o maior profeta e o maior sacerdote da sua geração. Precisamos de mães que coloquem seus filhos no altar de Deus. Mães que consagrem seus filhos para Deus.

Eunice, uma mãe que educou seu filho nos caminhos do Senhor (2 Tm 1.5; 3.14,15). Eunice era mãe de Timóteo e filha de Loide. Ela era uma judia devota e transmitiu a seu filho as mesmas verdades aprendidas em seu lar. Nela habitava uma fé sem fingimento. Essa mesma fé, ela transmitiu para seu filho (2 Tm 1.5). Eunice era uma mãe comprometida com a Palavra de Deus. Ela ensinou a Timóteo as sagradas letras desde a sua infância. Essas sagradas letras tornaram Timóteo sábio para a salvação. As mães são desafiadas a andar com Deus, a ensinar os seus filhos a Palavra de Deus e a prepará-los para serem instrumentos nas mãos de Deus.

Quando Deus chamou Timóteo, através do ministério de Paulo, Ela não fez oposição; mesmo sabendo que seu filho Timóteo era jovem e adoecia frequentemente. Mais tarde, Timóteo tornou-se discípulo do apóstolo Paulo e constituiu-se num dos maiores pastores da história da igreja cristã, aquele que haveria de dar continuidade ao ministério do apóstolo Paulo.  

Muitos pais hoje deixam os filhos crescerem para depois eles escolherem o caminho que querem seguir. Nós escolhemos o nome, as roupas, a comida, a escola para os filhos. Mas não escolheremos o mais importante? Josué, o líder do povo de Deus disse: “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Lopes, 2018). Eunice, do mesmo modo, ensinou Timóteo desde a sua infância.

 Por fim, gostaria de lembrar Suzana Wesley (1669-1742). Poucas mulheres na história possuíram a sensibilidade espiritual, o vigor e a sabedoria de Susanna Wesley. Ela criou dezenove filhos e dedicava tempo para cada um individualmente. Em sua escola doméstica, seis horas por dia, durante 20 anos ela ensinou a seus filhos de maneira tão abrangente que eles se tornaram notavelmente cultos. Quando sua casa pegou fogo e John Wesley foi salvo naquele incêndio, ela disse: “Este é como um tição tirado do fogo" (Zc 3.2). Deus tem um plano especial para este menino, concluiu ela. Desde então ela passou a dedicar-se ainda mais na formação espiritual de John Wesley (seu 15º filho) e este, juntamente com o seu irmão Carlos Wesley e George Whitefield, foi um dos principais instrumentos do grande reavivamento evangélico na Inglaterra e o fundador do metodismo” (Século 18). E seu filho Charles, também ministro anglicano, daria à Igreja mais de 9 mil hinos inspiradores. 

Precisamos de mães que invistam tempo na vida espiritual de seus filhos. Mães que busquem a salvação de seus filhos mais do que seu sucesso. Mães que dêem o melhor do seu tempo para inculcar nos filhos as verdades eternas, verdades essas que os ajudarão a tomar as mais importantes decisões ao longo da vida. 

A Bíblia nunca ordena que todas as mulheres devam ser mães. Contudo, diz que aquelas que o Senhor abençoa e se tornam mães devem tomar seriamente tal responsabilidade.

 

Referências: Laubach, F. 2000. Comentário Esperança, Carta aos Hebreus. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, p. 193. / Juliani, B. M. 2020. Preparando-se para a Maternidade: Informações Privilegiadas sobre sua Nova Função. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, p. 23–42. / Lopes, H. D. 2018. Hebreus: A Superioridade de Cristo - Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 244–245. / Lopes, H. D. Mãe, uma mestra do bem (em https://voltemosaoevangelho.com/blog/2012/05/mae-uma-mestra-do-bem/). / Phillips, R. D. 2018. Estudos Bíblicos Expositivos em Hebreus: Como Enfrentar os Desafios e Armadilhas do Mundo Confiando na Supremacia de Cristo. SP: Editora Cultura Cristã, p. 474–475. / Vários autores. 2005. Mães Que Mudaram o Mundo. Editora Habacuc. Wiersbe, W. W. 2010. Comentário Bíblico Expositivo: Antigo Testamento, vl. 1. Santo André, SP: Geográfica. 

 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes