O ministério terapêutico e proclamativo de Pedro

        

 Actos 9.32-43 

 

Esta passagem revela o outro lado do ministério de Pedro, seu serviço pastoral efectivo. Pedro é apresentado empenhado num ministério de supervisão pastoral (At 8.14-25) aos cristãos que foram espalhados pelas diversas cidades da Judeia (9.32a). O objetivo de Pedro não era apenas pregar o evangelho, mas também visitar os santos (9.32b), a fim de ensiná-los e encorajá-los. Durante os "muitos dias" que Pedro ficou em Jope, procurou fundamentar a fé dos novos convertidos. Jesus havia encarregado Pedro de cuidar das ovelhas (Jo 21.15-17), e Pedro estava a cumprir essa missão.

 

Lucas informa que ao visitar as igrejas ao longo das fronteiras da Judeia, ocorreram dois milagres: (1) a restauração da saúde de um paralítico chamado Enéias (9.33); e (2) a ressurreição de uma discípula chamada Tabita. A narrativa contém os elementos essenciais de uma história de milagre pelo poder divino. Ambas atraiu a atenção do povo, e muitos creram em Jesus Cristo (9.42). Analisemos, pois, a obra de Cristo através dos atos do apóstolo Pedro nos episódios da cura de Enéias e da ressurreição de Tabita. 

A cura de Enéias (9.32-35). 

“E aconteceu que, passando Pedro por toda a parte, veio também aos santos que habitavam em Lida. E achou ali certo homem, chamado Enéias, jazendo numa cama havia oito anos, o qual era paralítico” (9.32, 33). O texto não diz se Enéias é crente, mas pode implicar isso, já que Pedro está a visitar os “santos” em Lida.

 

O caso de Enéias era irremediável, mas nenhum caso é irremediável para Jesus. A iniciativa de cura partiu do Apostolo Pedro. Mas ele não disse: "Eu te curo”, mas sim: "Jesus Cristo te cura." Jesus é destacado como o verdadeiro e  o único doador da cura. Pedro chama Enéias pelo nome e então anuncia que Jesus Cristo te cura (At 3.6). Pedro foi simplesmente o instrumento pelo qual Jesus trabalhou (9.34; 3.12-16). 

 

A cura de Eneias foi instantânea, total e constatável. Ele levantou-se e arrumou sua cama (9.34). Tornou-se um milagre ambulante, pois todos aqueles que viram esse facto extraordinário em Lida e Sarona converteram-se ao Senhor (9.35). 

Aplicações práticas:

1.   Nesta passagem Lucas chama os cristãos de “santos” (9.32 e 41). Esta é a palavra que Paulo usa sempre para descrever um membro da igreja, pois sempre dirige suas cartas aos santos que estão em determinado lugar (1Co 1.2). A palavra é hágios em grego, e descreve algo que é separado/distinto das coisas comuns. Por outras palavras, o cristão é um alguém separado e distinto das pessoas que pertencem ao sistema deste mundo.

2.   Não é porque Lucas escreve que Pedro curou esse paralítico em nome de Cristo que devemos concluir que ele precisa curar todos os paralíticos ou que aqueles que não são curados fisicamente em nome de Jesus são ímpios (Johannes Brenz). Na época de Elias existiam inúmeras viúvas pobres, mas embora muitas entre elas fossem piedosas, "Elias não foi enviado a nenhuma delas, senão a uma viúva de Sarepta de Sidom. Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro” (Lc 4.26, 27).

3.   ”Levanta-te e arruma o teu leito.” (9.34). Aqui Pedro disse duas coisas. Primeiro, ele disse ao homem para se levantar porque Jesus o curara. Segundo, ele disse ao homem para arrumar sua cama. Por que arrumamos nossas camas quando nos levantamos pela manhã? Parece um desperdício de tempo e energia, mas por razões de decoro fazemos assim, e também porque desde a hora em que acordamos de manhã, até descansarmos à noite novamente, não necessitamos de nossas camas. Durante um período de oito anos aquele homem esteve permanentemente em seu leito. Agora, porém, Pedro disse-lhe para arrumar a cama porque ele não mais necessitaria dela como morada permanente Todos os cristãos têm pontos de paralisia espiritual. No entanto, Pedro disse, “Jesus, o Cristo, vai curá-lo”. Qualquer que seja a sua condição atual, se você colocar sua fé em Jesus Cristo, ele vai curá-lo de tal modo que você possa arrumar sua cama e caminhar (Sproul, 2017). 

4.   Todo cristão está em processo de santificação. Dois de nós não começamos nossa caminhada cristã no mesmo ponto; cada um começa levando sua própria bagagem. Não há dois cristãos que cresçam no mesmo ritmo. Devemos ser uma comunidade de pessoas pacientes praticando um amor que cobre uma multidão de pecados, porque estamos todos juntos crescendo em Cristo. Ele já salvou-nos dos nossos pecados. Mas Ele não somente remove nossa culpa e leva-a sobre si mesmo, mas Ele também trabalha connosco e em nós, para mudar-nos e levar-nos da infância espiritual para a maturidade e plenitude. Nenhum de nós é totalmente completo. Todos temos deficiências em nosso caráter, em nossa obediência, em nossos corpos físicos e em todos os outros sentidos. Aguardamos ansiosos o dia de nossa glorificação, quando receberemos nossa plenitude final, onde o pecado e todos os seus efeitos e danos serão removidos de nós para sempre (Sproul, 2017).

A ressurreição de Dorcas (9.36-42). Havia em Jope uma discípula chamada Tabita, que traduzido se diz Dorcas. Tabita (aramaico) e Dorcas (grego) significam “gazela" (9.36). Esta senhora era uma verdadeira discípula de Jesus Cristo. Era conhecida por seu incansável trabalho entre os pobres e necessitados (9.39). Ela transbordava de boas obras e atos de caridade (9.36b). Dorcas tinha o dom de socorro (1 Co 12.28). Era uma mulher virtuosa (Pv 31.19-22). Integralmente dedicada à beneficência e à ajuda ao próximo, ela cuidava especialmente das viúvas. Ela fazia túnicas e vestes (roupas exteriores e intimas, 9.39). Isso traz-nos à mente a instrução de Tiago, que escreveu que a essência da verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas (Tg 1.27; At 9.39; 1 Tm 5.3-16; 6.1).

 

Ela era uma discípula de Cristo e, agora, diversas obras de caridade são atribuídas a ela. Portanto, as boas obras são aquelas que os cristãos realizam com fé. As boas obras de Dorcas eram uma evidencia da sua fé em Cristo. Os frutos das boas obras nascem a partir da fé. A fé genuína produz boas obras (Tg 2.14-26). Nenhum aspecto da salvação é alcançado pelo mérito de obras humanas (Tt 3.5-7), mas a verdadeira salvação, operada por Deus, não deixará de produzir as boas obras que são os seus frutos (Mt 7.17).

O conceito de “boas obras” é importante no Novo Testamento (Ef 2.10). A Bíblia ensina que devemos “… andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, crescendo no conhecimento de Deus … ” (Cl 1.10). Muitos, porém, diz Paulo: “afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam; são detestáveis, desobedientes e desqualificados para qualquer boa obra.” (Tt 1.16, 3.8). Muitos crêem sinceramente que estão salvos, todavia, são complemente estéreis e não se verifica fruto em suas vidas. As escrituras encoraja-nos a examinar a nós mesmos a fim de sabermos se estamos na fé (2 Co 13.5; 2 Pe 1.10). Portanto, é importante e necessário examinar nossas vidas e avaliar o fruto que temos produzido (Lc 6.44).

 

Justamente naqueles dias Dorcas adoece e morre (9.37). O falecimento desta serva de Deus, tão amada e competente, quando a igreja precisava tanto dela, foi um golpe extremamente duro. Sua morte criou um vazio na comunidade cristã (como na morte de Estevão, 8.2). O povo pobre de Jope sofrera a tremenda perda de sua benfeitora. É muito difícil quando isso acontece nas igrejas locais.

 

Os cristãos não estão livres das tragédias comuns que os seres humanos estão acostumados a sofrer. Não devemos ficar ofendidos com as adversidades pelas quais passamos, nem julgar aqueles que lutam contra as dificuldades e o sofrimento. Não devemos supor que aqueles que estão doentes ou aflitos estejam sendo castigados por seus próprios pecados. Muitas vezes Deus transforma esse sofrimento em oportunidades para mostrar Sua glória e graça (Rm 8.28).

 

Naquela época o corpo era ungido antes do sepultamento. Lucas menciona apenas que o corpo de Dorcas foi lavado. Então, em vez de enterrá-la, eles colocaram seu cadáver num quarto superior, talvez na esperança de sua ressuscitação. Será que os cristãos de Jope lembraram-se de Elias e Eliseu (1 Rs 17.19; 2Rs 4.10,21,32) e, a partir deles, do apóstolo Pedro? Não sabemos, mas Lucas informa que sabendo que Pedro estava por perto, os discípulos de Jope enviaram dois homens, rogando-lhe que não se demorasse em vir ter com eles (9.38). Pedro atendeu e foi com eles. 

 

Até então, não havia registo de que os apóstolos tivessem sido usados por Deus para a ressurreição de mortos. Isso mostra a fé dos crentes de Jope em mandar buscar Pedro em Lida (16 km de distância). 

 

Ouvir que Pedro estava lá reflete um entendimento de que um nível incomum de poder e autoridade estava presente no ministério dos apóstolos de Cristo (9.38). Outrossim, a busca urgente de Pedro indica que os milagres que ele realizava em Nome de Jesus não eram comuns mesmo na época do Novo Testamento.

 

Pedro chega e é conduzido ao cenáculo (9.39-42). As viúvas que estão de luto mostram a Pedro as roupas e casacos que Dorcas havia feito quando estava com elas (9.39). Muito possivelmente, elas estavam a usar as roupas. Então Pedro ordenou que as pessoas saíssem do quarto (9.37-40). Ele dedicou um tempo de oração. A oração acontece de joelhos. Então, voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te. E ela abriu os olhos, e, vendo a Pedro, assentou-se (9.40).

 

Pedro não tocou nela até que ela mostrasse estar viva. Pedro então apresenta Dorcas viva aos santos e viúvas (9.41). 

 

Este milagre, em resposta a oração de Pedro, foi somente um antegozo da verdade cristã que todo aquele que está em Cristo será apresentado vivo ao Noivo, para viver para sempre sem lágrimas, pecados ou morte. Essa amostra do céu que Pedro manifestou às pessoas nessa cidade espalhou-se por toda a região, de modo que muitos creram no Senhor (9.42).

 

As pessoas ouviram a palavra, viram os sinais, e creram no Senhor Jesus. A cura física e a ressurreição foram importantes para atrair a atenção dos habitantes daquelas cidades, mas “o maior milagre de todos é a salvação dos pecadores. Isso porque custou alto preço, produz os maiores resultados e traz mais glória a Deus.” (Stott, 2008). 

 

Pedro continua por “muitos dias” em Jope com um certo Simão, o Curtidor (9.43). O facto de Pedro se hospedar com Simão mostra que o apóstolo não estava mais preso a esse escrúpulo judaico. Os curtidores de couro tinham de lidar com as carcaças de animais mortos, uma prática proibida aos judeus (Lv 11.35-40). Deus guiava Pedro um passo de cada vez em sua passagem do legalismo judaico para a liberdade oferecida por sua maravilhosa graça.

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Referências: Beeke, J. R.; Barrett, M. P. V. and Bilkes, G. M., ed. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1573–1574. / Carson, D. A. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1970–1972. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2102. / Chung-Kim, Esther, et al., Atos: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 182–184. / Kistemaker, Simon. Atos, vol. 1, Comentário do Novo Testamento. 2ª Edição. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 453–462. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 205–207. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 362. / Parsons, Mikeal C. 2008. Acts, Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 136-140. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 151–155. / Stott, John R. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, p. 204-206. / Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: volume 1. Santo André, SP: Geográfica editora, 2006, p. 574-575

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes 

A chamada do apóstolo Paulo

 Atos 9.1-31 

Estamos sempre a discutir sobre quem é o melhor em muitas áreas. Quem é o maior jogador de futebol que já existiu? Quem é o melhor professor desta ou daquela disciplina? Quem é o melhor cozinheiro ou confeiteiro? Quem é o melhor cantor(a)? Etc. A resposta é clara, no entanto, quando perguntamos a identidade do maior teólogo que já existiu – o apóstolo Paulo. Ele foi também o maior missionário e líder da história do cristianismo. O que Deus operou em e através da vida desse homem supera a nossa imaginação (Sproul, 2017). 

A vida de Paulo mudou radicalmente depois de seu encontro com o Senhor Jesus na estrada de Damasco. Em menos de uma semana aquele que  respirava “ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (At 9.1) foi transformado naquele que “pregava, nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus” (At 9.20). 

A conversão de Paulo é relatada três vezes em Atos (9, 22, 26). Grande parte de Atos é uma descrição do seu perfil. Ele foi a maior expressão do judaísmo antes da sua conversão e tornou-se a maior expressão da igreja cristã após a sua conversão.  

A vida de Paulo antes de seu encontro com Jesus (Atos 7.58–8.3). Paulo nasceu na Ásia Menor, na cidade de Tarso; daí ele ser chamado Saulo de Tarso, sendo Paulo o nome que ele usava nos círculos gentios. Até Atos 13.9 o apóstolo Paulo (seu nome romano) é designado unicamente com seu nome hebraico, Saulo. Porque o pai de Paulo era um cidadão romano, Paulo nasceu livre, e herdou a cidadania do seu pai (At 22.28). Tarso estava no extremo sudeste da Ásia Menor, perto de Antioquia da Síria, apenas um pouco ao norte de Jerusalém. Tarso estava nas rotas comerciais, onde todas as mercadorias eram transportadas da Europa e sul da Ásia, através do Oriente Médio, descendo para a África e voltando. Na antiguidade Tarso era uma das cidades mais ricas da região. Tarso tinha uma das maiores universidades do mundo naquela época, comparadas aos centros académicos de Atenas e Alexandria. Tarso era uma cidade onde os mercadores, estudiosos, intelectuais e viajantes de todo o mundo interagiam. O jovem Paulo cresceu nesse ambiente. Inicialmente ele seguiu a tradição comum daquele tempo, que era aprender uma profissão sendo um aprendiz. Uma das profissões mais lucrativas naquela época na região era fazer tendas. Como um jovem rapaz, Paulo aprendeu o ofício de fazer tendas, que lhe serviu bem durante sua vida (Sproul, 2017).

Aos 13 anos de idade, foi mandado de Tarso para Jerusalém e encaminhado para receber instrução rabínica formal (Atos 5). Paulo estudou sob a orientação do Dr. Gamaliel (At 5) e recebeu a mais refinada educação cultural e religiosa (22.3). Assim como o seu orientador, tornou-se adepto da ala mais radical do judaísmo, a seita dos fariseus (22.3). Paulo recebeu formação completa e diversificada. Ele nasceu no berço do judaísmo: “Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei fariseu” (Fp 3.5; Gl 1.14). Por ter crescido em Tarso, era bastante familiarizado com a cultura, a retórica, a filosofia e a educação (Paideia) grega (At 17.22-31). 

Sproul (2017:137-138) observa que Paulo era bem conhecido dentro e fora dos círculos académicos de Jerusalém, onde o encontramos presente no apedrejamento de Estevão. “As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem chamado Saulo” (7.58). Dois versos adiante Lucas nos diz, “E Saulo consentia na sua morte” (8.1). Esta é a primeira informação que recebemos de Paulo na história bíblica. 

Não era apenas a sua erudição conhecida por todos na comunidade, mas sua profunda hostilidade ao cristianismo também era bem conhecida. Lucas informa que Paulo não somente consentiu no assassinato de Estevão, mas ele causou grandes estragos na igreja primitiva. “Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (8.3). Ele estava determinado a banir da terra o cristianismo (9.1,21; 22.20; 26.11; 1Tm 1.13).  

Encontro com o Senhor Glorificado (9.3-5). Muitos cristãos para escapar da perseguição, foram para Damasco. E agora, munido de ordens de extradição do sumo sacerdote, Paulo dispõe-se a ir a Damasco para prender e arrastar presos para Jerusalém aqueles do Caminho - que confessavam o nome de Cristo (9.1,2; 13, 14;  22.5). “Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor” (9.3). Paulo estava quase chegando a Damasco. Baseado em alguns dos outros registos em Atos, sabemos que era perto do meio-dia, quando o sol brilha mais forte, que lhe apareceu uma luz do céu. Era tão resplandecente (como um raio) que praticamente obscureceu a luz do sol. O que Paulo experimentou era evidentemente de origem sobrenatural, e ele foi atirado ao chão. Imediatamente depois, ele ouviu estas palavras em hebraico: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (9.4; 26.14). 

Jesus já havia ascendido ao céu; sua perseguição havia terminado, mas o facto de ele afirmar estar sendo perseguido por Saulo mostra como ele se identifica com seu povo. Jesus estava a dizer, “Se você persegue ao meu povo, você persegue a mim”. Em todos os lugares do mundo, da primitiva igreja até os dias de hoje, os ataques contra o povo de Deus são de facto ataques contra Jesus. Então perguntou, “Quem és tu, Senhor?” (9.5). A resposta veio, “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. [Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões]” (9.5 - ARC).  

Este era um provérbio grego, em geral aplicado a todo esforço inútil (González, 2011:151). Esta referência aos aguilhões pode não significar muito para nós, mas “na antiguidade grande parte da produção era transportada através de carros de boi, e algumas vezes os bois, eram muito teimosos, então os condutores necessitavam chicoteá-los para conseguir que os mesmos se movessem. Por vezes o toque do chicote tornava os bois ainda mais obstinados e eles davam coices na carroça, o que poderia quebrá-la. Para prevenir isso, os condutores fixavam aguilhões na frente do carro de boi, e quando o boi coiceava contra o aguilhão, o desconforto que causava fazia com que se movesse. Algumas vezes quando isso acontecia, o aguilhão perfurava seu casco causando-lhe dor maior, o que tornava-o ainda mais irritado e coiceava o aguilhão novamente. Jesus estava dizendo, “Saulo, seu boi estúpido! Você não é diferente dos bois que dão coices nos seus aguilhões, ao ser hostil contra mim”. Resistir ao senhorio de Cristo não é somente pecaminoso, é estúpido, porque Deus levantou-o do túmulo, colocou-o à sua destra e deu-lhe toda autoridade no céu e na terra e chama a todos para dobrarem os joelhos diante Dele” (Sproul, 2017:140-142). 

A transformação de Paulo. Então Paulo, “tremendo e atónito, disse: Senhor, que queres que faça?” (9.6 - ARC, 26.14 - ARA). Existe alguma outra resposta possível quando somos convertidos a Cristo? Após a conversão, nossas prioridades mudam dramaticamente, e foi o que aconteceu com Paulo. A autossuficiência de Paulo acaba no caminho de Damasco. Ele reconhece que precisa ser guiado pelo Senhor (22.10). Então disse-lhe o Senhor: “Mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer. Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém. Então, se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco” (9.6–8). Cristo capturou Paulo antes que ele pudesse capturar qualquer crente em Damasco. Ele “esteve três dias sem ver, durante os quais nada comeu, nem bebeu” (9.9). Três dias para Paulo de Tarso meditar no que aconteceu com ele na estrada de Damasco.  

Princípios e Aplicações:

  • Paulo não se converteu, ele foi convertido (9.3–6). A salvação de Paulo não foi iniciativa dele; foi iniciativa de Jesus. Não foi Paulo quem clamou por Jesus; foi Jesus quem chamou pelo nome dele. No momento de sua conversão Paulo estava no caminho de Damasco, com a intenção de prender os cristãos. Se disséssemos a Paulo que antes de chegar a Damasco ele se tornaria cristão, ele teria considerado ridícula a ideia. Mas foi o que aconteceu (Stott, 2008:190-191). A causa da conversão de Paulo foi a graça soberana de Deus. O Novo Testamento ensina que a salvação é obra exclusiva de Deus (Lopes, 2012:200). Não é o homem que reconcilia-se com Deus; é Deus quem está em Cristo reconciliando consigo o mundo (2Co 5.18).
  • A conversão de Paulo no caminho de Damasco foi o clímax repentino de um longo processo (At 26.14). Gradualmente, Jesus picou a consciência de Paulo com os seus aguilhões. Além disso, a conversão de Paulo não foi compulsiva (9.4–8). Cristo jogou-o ao chão, mas não violentou sua personalidade. Sua conversão não foi um transe hipnótico. Jesus apelou para sua razão e para o seu entendimento. A resposta e a obediência de Paulo foram racionais, conscientes e livres. Jesus revelou-se a Paulo pela luz e pela voz, não para esmagá-lo, mas para salvá-lo. A graça de Deus não aprisiona; é o pecado que prende. A graça de Deus liberta-nos da escravidão do nosso orgulho, fazendo-nos capazes de nos arrepender e crer. 
  • Três coisas aconteceram a Paulo: ele viu uma luz, caiu ao chão e ouviu uma voz (9.3–6). Subitamente uma grande luz do céu brilhou ao seu redor (22.6,11). Ele ficou cego por causa do fulgor daquela luz (22.11), mas olhos espirituais de Paulo foram abertos. Não foi apenas uma luz que apareceu a Paulo, mas o próprio Jesus (9.17). Aquela luz era a glória do próprio Filho de Deus ressurrecto. Paulo caiu em terra (22.7). Aquele encerrava em prisão, foi dominado. O Senhor quebrou todas as suas resistências. O toiro furioso foi transformado numa ovelha dócil. Isso nos prova que a eleição de Deus é incondicional, que a graça de Deus é eficaz e sobrepuja qualquer resistência humana. Paulo ouviu uma voz (22.7; 26.14): “Eu sou Jesus” (9.5). Essas palavras transformaram o mundo de Paulo: ele reconhece que aquele cujos seguidores ele tem perseguido é o Messias, seu Senhor. A voz do Senhor é poderosa e irresistível! O mesmo Paulo que perseguia a Jesus (26.9), agora, chama Jesus de Senhor. Não há salvação sem que o pecador se renda aos pés do Senhor Jesus (22.8,10). 
  • Paulo precisou ser jogado ao chão e ficar cego para se converter. Até quando você resistirá à voz do Espírito de Deus? A Bíblia diz que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6). Paulo entrou em Damasco de uma maneira completamente diferente daquela que ele tinha imaginado: ao invés de arrastar homens e mulheres e conduzi-los à prisão, ele mesmo é conduzido, humilhado, afligido e cego, o prisioneiro de Jesus Cristo.

 

A Chamada do Apóstolo Paulo 

 

A transformação e a chamada de Paulo aconteceu entre o começo de sua missão e sua chegada em Damasco: ele encontrou o Sumo Sacerdote eterno, que cancelou as ordens do sumo sacerdote de Jerusalém, e deu-lhe uma missão totalmente nova. De acordo com seu próprio relato da conversão, foi na estrada de Damasco que Jesus chamou-o como "ministro e testemunha" e como apóstolo aos gentios (26.16ss.). Jesus, então, confirmou a Ananias que Paulo era seu "instrumento escolhido" (9.15), e Ananias comunicou a Paulo a comissão dada por Jesus: ser "sua testemunha a todos os homens", divulgando aquilo que vira e ouvira (22.15). Depois de ouvir as instruções de Jesus, Ananias, que momentos antes tinha respondido, “Eis-me aqui, Senhor” (9.10), disse, “Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome” (9.13–14). Jesus ouviu o argumento dado por Ananias, mas cortou-o e disse, “Vá. Faça o que eu lhe mando fazer” (9.15). Porque Ananias deve ir até Paulo? “Este é para mim um vaso escolhido para levar o meu nome diante dos gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel. Pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome” (Atos 9.15-16).

Ananias explicou como o mesmo Jesus que lhe aparecera na estrada, o tinha enviado a ele para que pudesse recuperar sua vista e ficar cheio do Espírito Santo (6.17). Imediatamente lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. Depois disso, ele foi baptizado (9.18), provavelmente por Ananias. 

Evidências da conversão de Paulo 

(1) A primeira prova que Jesus deu a Ananias de que Paulo agora era um irmão, e não um perseguidor, é que Paulo estava orando (9.9, 11). Paulo é convertido e logo começa a orar. Matthew Henry diz que é mais fácil encontrar um homem vivo sem respirar do que um cristão vivo sem orar. 

(2) Paulo evidencia sua conversão pelo recebimento do Espírito Santo (9.17). Ananias impõe as mãos sobre Paulo, que fica cheio do Espírito Santo. Spurgeon disse: “Estou convencido de que é mais fácil um leão se tornar vegetariano do que alguém ser salvo sem o agir do Espírito Santo.” 

(3) Paulo evidencia sua conversão pelo recebimento do batismo (9.18). Não é o batismo que salva, mas o salvo deve ser batizado. O batismo é um testemunho da salvação. 

(4) Paulo tornou-se pregador do evangelho, imediatamente após sua conversão (9.20–22).  

Nota: Não sabemos quanto tempo Paulo ficou em Damasco em sua primeira visita. Gálatas 1.17-18 informa que ele deixou a cidade, passou três anos na Arábia e depois voltou. Onde a viagem à Arábia se encaixa no registro de Atos 9? Possivelmente, entre os versículos 21 e 23a. Paulo precisava de tempo para meditar. Foi na Arábia que Jesus  revelou a Paulo sobre a união dos judeus e gentios no corpo de Cristo, que ele depois chamaria de "o mistério" dado a conhecer através de “revelação"; e "o evangelho que recebi mediante revelação de Jesus Cristo”. 

Características notáveis do testemunho de Paulo

(1) Seu testemunho era cristocêntrico. Ele pregou nas sinagogas de Damasco afirmando que Jesus é o Filho de Deus (9.20) e, mais tarde, demonstrando que Jesus é o Cristo (9.22). “Testemunho não é sinónimo de autobiografia. Testemunhar é falar de Cristo. A nossa experiência pode ilustrar, mas nunca deve dominar o nosso testemunho” (Stott, 2006). 

Do momento em que Paulo começou a pregar nas sinagogas de Damasco, sua mensagem era sobre Jesus como o Cristo, e declarou ao povo judeu que Jesus era o Filho de Deus (9.20). 

No Evangelho de João, Jesus é descrito como o monogenes, o unigénito do Pai. O termo “unigénito” significa “um único gerado”. Cristo é o único exclusivamente gerado eternamente do Pai; ele é o verdadeiro Deus do Deus verdadeiro. Nunca houve um momento em que o Filho não existisse. Essa foi a mensagem proclamada imediatamente pelo apóstolo Paulo. Após sua conversão, ele compreendeu que o Messias de Israel era nada menos do que o Deus encarnado. Naturalmente, quando ele fez essa declaração, seus ouvintes ficaram atónitos (9.21). 

(2) Seu testemunho era corajoso. Duas vezes Lucas menciona a "ousadia" de sua pregação, primeiro em Damasco (9.27), e depois em Jerusalém (9.28). Ele também debateu com os judeus gregos ou helenistas (9.29), como Estêvão, talvez na mesma sinagoga (6.8 ss.). 

(3) Seu testemunho custou caro. Ele sofreu por causa de seu testemunho, como Jesus havia predito: "eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome" (9.16). Os judeus que moravam em Damasco resolveram matá-lo, e Paulo precisou fugir à noite (9.23-25). Os discípulos, o desceram, dentro de um cesto, pelo muro (25). É o próprio Paulo quem nos diz: “Em Damasco, o governador nomeado pelo rei Aretas montou guarda na cidade dos damascenos, para me prender, mas, num grande cesto, me desceram por uma janela da muralha, e assim me livrei das mãos dele” (2 Co 11.32-33). 

Paulo, então, sobe a Jerusalém para buscar abrigo na igreja, mas os discípulos não acreditam em sua conversão. Pensavam que ele estava apenas querendo infiltrar-se na igreja para sabotar a fé cristã (9.26). Barnabé, porém, investe em sua vida. Tomou  Paulo consigo, levou-o aos líderes da igreja e os convenceu de que Paulo era um cristão e também um apóstolo escolhido. Havia, de facto, visto o Cristo ressurreto no caminho de Damasco (1 Co 9.1). Só então Paulo foi aceito pela igreja de Jerusalém (9.27).  

Em Jerusalém, alguns helenistas tentaram matá-lo (9.29) e Jesus o persuadiu a deixar a cidade imediatamente (22.17-18). Só voltaremos a ver Saulo em Atos 11.25. Mais uma vez, Barnabé encontra-o e leva-o à igreja de Antioquia, onde ministram juntos. O trabalho em Antioquia deu-se sete anos depois que Saulo saiu de Jerusalém e cerca de dez anos depois de sua conversão. 

Os desafios da igreja e a responsabilidade do novo convertido

(1) Todo convertido torna-se uma pessoa transformada, e recebe novos títulos para provar esse facto: ele é um "discípulo" (9.26) ou "santo" (9.13) que tem uma nova relação com Deus, um "irmão" (9.17) ou “irmã” que tem uma nova relação com o mundo. Ananias foi enviado para falar a apenas um homem: Saulo de Tarso, que tornou-se o apóstolo Paulo, cuja vida e ministério influenciaram, desde então, povos e nações inteiras.

(2) O testemunho de um convertido deve ser as evidências de uma vida transformada (9.21-22). A transformação dramática na vida de Paulo causou espanto aos judeus de Damasco (At 26.20). Mas suas palavras foram respaldadas por sua mudança de vida. 

(3) O novo convertido não precisa esperar para testemunhar (9.20). Sem qualquer demora, Paulo começou a proclamar o Cristo que havia perseguido, declarando com toda ousadia que Jesus Cristo é o Filho de Deus (9.20-25). Embora um período de teste seja bom e necessário para os novos convertidos (8.18-24), devemos ter grandes expectativas do que Deus pode fazer por Sua graça. 

(4). Todo novo convertido precisa aprender a lidar com a perseguição (9.23-25, 29, 30). A vida cristã não é fácil. Paulo precisou fugir dentro de um cesto de junto para escapar com vida (9.25; 1 Co 11.32-33). A pior rejeição, porém, pode vir da própria igreja (9.26, 2Co 11.26). Inicialmente, a igreja não acreditou na conversão de Paulo. Eles achavam tratar-se de uma simulação. Mas Senhor esteve com ele e conduziu os seus passos. Que jamais nos esqueçamos das benditas promessas Deus para o Seu povo perseguido (Mt 5.10, 1Pe 4.12-16; Rm 8.35-39).  

(5) Todo novo convertido precisa de alguém que se responsabilize por ele (9.26-28). Precisamos crer que o evangelho é poderoso para transformar as pessoas. Os novos na fé precisam de encorajamento e ensino (9.27). Atitudes como de Ananias, que baptizou e apresentou Paulo à comunidade em Damasco, e a de Barnabé, que fez o mesmo em Jerusalém, promovem o crescimento da igreja.  

Não sabemos os nomes dos bravos homens que conduziram Paulo para fora de Damasco (9.25), mas segurar as cordas foi um trabalho importante! 

Quando a igreja em Jerusalém temeu dar as boas-vindas a Paulo em sua comunhão, Barnabé construiu a ponte. Barnabé mais tarde convidou Paulo para servir na igreja de Antioquia (11.25–26) e viajou com ele no ministério evangelístico entre os gentios (13.1-3). 

(6) Todo novo convertido tem características que ficam para o resto de suas vidas (9.29). Mesmo novo convertido, Paulo era ousado em nome de Jesus, era provocador de controvérsias. Os novos convertidos são diferentes uns dos outros.  

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Referências: Arndt, William, et al. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian literature. Chicago: University of Chicago Press, 2000. / Carson, D. A, ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1969–1970. / Chapell, B. & Dane Ortlund, D., ed. Gospel Transformation Bible: ESV. Wheaton, IL: Crossway, 2013, p. 1466–1467. / González, Justo L. Atos, o evangelho do Espírito Santo. SP: Hagnos, 2011,  p. 149-159. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 183–203. / Louw, Johannes P. and Nida, Eugene Albert. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains. New York: United Bible Societies, 1996. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 361. / Parsons, Mikeal C. Acts - Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 125-128. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 111–149. / Stott, John R. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, p. 185-202. / Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: volume 1. Santo André, SP: Geográfica editora, 2006, p. 568-578. 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes

Igreja em Movimento (parte 2)

            

  Atos 8:26-40

 

Neste episódio vemos que o evangelho quebra todas as barreiras sociais, étnicas e espirituais, e que o Espírito Santo guia e capacita seus servos para evangelização dos povos. 

 

As iniciativas da missão eram de Deus. Deus tira Filipe da multidão e o envia para evangelizar uma única pessoa no deserto (8.26). Filipe estava ministrando em Samaria. Então o anjo do Senhor veio a ele e disse: “Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza” (8.26). Filipe obedeceu prontamente e desceu de Samaria passando por Jerusalém e seguiu ao longo da estrada (8.26). Por lá, viajava um eunuco da Etiópia, que precisava de esclarecimento espiritual.

 

O próprio anjo do Senhor poderia ter dito a esse oficial etíope como encontrar a salvação, mas Deus não comissionou os anjos para essa tarefa, e sim seu povo. Os anjos nunca experimentaram a graça salvadora de Deus, de modo que não podem dar testemunho do que significa ser salvo.

 

Aos olhos do Senhor, nenhuma tarefa orientada pelo Espírito Santo é pequena. Para Deus uma vida vale todo o investimento. Ilustração: Em outubro de 1857, Hudson Taylor começou seu ministério na China, e levou a Cristo o sr. Nyi. Esse homem encheu-se de alegria e quis partilhar sua fé com outros. Certo dia, o sr. Nyi perguntou a Hudson Taylor há quanto tempo o povo da Inglaterra sabia dessas boas-novas. Taylor reconheceu que a Inglaterra tinha conhecimento do evangelho havia séculos. Meu pai morreu buscando a verdade - disse o sr. Nyi. Por que vocês não vieram antes? Taylor não teve como responder a essa pergunta. Há quanto tempo você conhece o evangelho? Até onde já partilhou as boas-novas?

 

A experiência de Filipe deve servir de estímulo para nós em nosso testemunho pessoal do Senhor. No versículo 27 vemos o tipo de pessoa que Filipe é orientado pelo Espírito a abordar. Trata-se de um etíope, o que informa o público do significado geográfico e etnográfico desta conversão. O etíope que também é um eunuco, uma referência a um homem fisicamente mutilado (emasculado). Assistentes masculinos da realeza feminina eram frequentemente castrados. 

 

O eunuco etíope tinha grande autoridade sob Candace, a rainha dos etíopes; ele era encarregado de toda a sua tesouraria. Na Etiópia, os reis eram considerados descendentes dos deuses e demasiadamente santos para se ocuparem com os negócios do império. Consequentemente, os negócios do império eram colocados nas mãos da rainha-mãe, e toda rainha-mãe, por muitas gerações, recebia o título ou nome de Candace.

 

No restante da história, o oficial é referido não como um etíope ou como um "oficial", mas simplesmente como o "eunuco" (8.34, 36, 38, 39). Os eunucos na antiguidade “pertenciam ao grupo de homens mais desprezados e ridicularizados” por causa da sua identidade sexual ambígua. Luciano de Samosata argumentou que um eunuco “era uma espécie de criatura ambígua ... nem homem nem mulher, mas algo composto, híbrido e monstruoso, estranho à natureza humana”. Além disso, a castração ou emasculação humana violava os códigos de pureza da lei de Deus (Dt 23.11). 

 

Visto que ele tinha ido a Jerusalém para adorar, o eunuco era provavelmente um "temente a Deus", um gentio que adorava o Deus de Israel, mas não tornou-se um convertido completo (“prosélito”). Como eunuco, ele teria sido impedido de entrar nos pátios internos do templo (Dt 23.1), o que torna sua leitura “do profeta Isaías” (8.28) especialmente significativa. Isaías apresentou a promessa de que Deus daria aos eunucos devotos uma herança “melhor do que filhos e filhas” (Is 56.3-5).

 

O eunuco estava lendo as Escrituras e Deus lhe enviou um intérprete das Escrituras (8.27-36). Ele estava lendo, assentado na carruagem, e o fazia em voz alta (8.28). “Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro” (v. 29). Filipe teve de correr para alcançá-la (8.30). Depois de observar por um momento, Filipe perguntou: “Entendes tu o que lês?” (8.30). O eunuco respondeu, “Como poderei entender, se alguém não me explicar?” E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele (8.31). eunuco perguntou se Isaías estava a falar de si mesmo ou de algum outro. Começando por Isaías (8.32–33), Filipe anunciou-lhe as boas novas a respeito de Jesus (8.35). 

 

Hoje vemos muitos pregadores substituindo a exposição das Escrituras pela experiência. Filipe explica as Escrituras. Apresenta Jesus, não uma cultura religiosa (8.30–35). A palavra de Deus precisa ser lida, explicada e aplicada. A natureza da Sagrada Escritura requer um intérprete cristão.

 

A providência de Deus é vista na escolha do texto pelo Eunuco, uma vez que o quarto cântico do servo (Is 52.13-53.12) é a passagem mais importante do VT relativa ao sofrimento do Messias (8.32-33) - sua rejeição, o seu silêncio diante de seus acusadores, a sua morte juntamente com pecadores, a natureza substitutiva do seu sofrimento, o seu sepultamento no sepulcro de um homem rico, e a sua ressurreição. Deus já havia preparado o coração do homem para receber o testemunho de Filipe! O eunuco é atraído por essa figura de Isaías como alguém cujo status social, como o seu, é marginalizado. A palavra-chave da citação de Isaias é “humilhação” (tapeinōsis), encontrada no meio da citação (8.33a).

 

O eunuco não teve nenhuma visão sobrenatural de Cristo, mas creu através da leitura e explicação das Escrituras. O evangelho foi para a Etiópia através do evangelista Filipe. Foi pela pregação da Palavra de Deus, porque sabemos que a fé vem pelo ouvir e o ouvir da Palavra de Deus (Rm 10.17). E Filipe pregou a Cristo, mas não a partir do Novo Testamento, mas do Velho Testamento. O Novo Testamento ainda não havia sido escrito. 

 

Esse etíope representa muitas pessoas religiosas de hoje em dia, que lêem as Escrituras e buscam a verdade, mas ainda não creram em Jesus Cristo como seu Salvador. São pessoas sinceras, mas estão perdidas! Precisam de alguém que lhes mostre o caminho da salvação. 

 

É preciso receber as pessoas que creem em Cristo pelo baptismo (8.36–38). Como o eunuco sabia que cristãos devem ser batizados? Evidentemente incluído no que Filipe tinha ensinado, estava o facto de que ser batizado era o passo seguinte de obediência em sua fé recém descoberta (8.36). No livro de Atos, o baptismo é uma parte importante do compromisso do cristão com Cristo e de seu testemunho. Através do baptismo a pessoa identifica-se com Cristo em sua morte, em seu sepultamento e em sua ressurreição (8.36).

 

Profundamente simbólico e significativo, o baptismo envia uma poderosa mensagem aos espectadores a respeito da obediência do indivíduo a Cristo. Ordenado pelo Senhor Jesus (Mt 28.18-20), o baptismo nas águas é um sinal exterior e visível da identificação de um indivíduo com Cristo e com a comunidade cristã.

 

Enquanto o eunuco estava a escutar Filipe, chegaram a um certo lugar onde havia água à beira da estrada, e quando viram a água, o eunuco disse, “Eis aqui água; que impede que seja eu batizado?” (8.36). “Filipe respondeu: É lícito, se crês de todo o coração”, e o eunuco replicou, “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus” (8.37). A sua experiência de conversão foi tão real que ele insistiu em parar a carruagem e ser batizado naquele instante! Ele não queria ser um "agente secreto de Cristo”; mas desejava que todos soubessem o que o Senhor havia feito por ele.

 

O eunuco desce com Filipe à água e é batizado (8.38-39). A simplicidade da cerimónia é impressionante. Num caminho, no meio do deserto, um recém-convertido é batizado. As testemunhas do batismo incluíam pelo menos Filipe e o condutor da carruagem, embora um oficial naturalmente poderia estar a viajar com uma comitiva (8.38).

 

Filipe não adia o baptismo do salvo. Uma única condição é exigida: crer de todo o coração. Oscar Cullman, erudito em Novo Testamento, observa que se não houvesse um impedimento claro ou barreira para as pessoas tornarem-se membros da igreja, e se elas fizessem uma profissão de fé credível em Cristo, recebiam o baptismo e então recebiam sua instrução completa.

 

Até agora, o eunuco não podia submeter-se a ritos de iniciação religiosa; ele não poderia ser circuncidado e não poderia ser um prosélito do Judaísmo. Mas agora, por causa das “boas novas de Jesus Cristo”, nada impede que sua transformação seja publicamente simbolizada por meio do baptismo cristão. Submetendo-se ao batismo, este oficial estava proclamando a sua fé em Cristo.

 

Filipe não teve a oportunidade de realizar aquilo que chamamos de “trabalho de acompanhamento”. Lucas informa que imediatamente depois de saírem da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe (8.39) e ele veio a achar-se em Azoto (8.40a). O verbo grego para "arrebatar" (harpazo) normalmente significa apoderar-se” como num rapto. Felipe foi transladado milagrosamente para outra área. 

 

O eunuco nunca mais o viu, porém continuou a sua viagem cheio de alegria (8.39b). O eunuco continuou sem o evangelista, mas com o evangelho. Sem a ajuda humana, mas com o Espírito divino que não só lhe deu alegria, mas também coragem e poder em seu país natal para pregar aquilo em que ele mesmo crera (8.39,40, Irineu). 

 

A missão de Felipe aos samaritanos foi um exemplo de "evangelização em massa", pois "as multidões" ouviram sua mensagem, creram e foram baptizadas (8.6,12). A conversa de Filipe com o etíope, porém, foi um exemplo de "evangelização pessoal" , pois aqui era um homem sentado ao lado de outro, falando em particular sobre Jesus, a partir das Escrituras. Apesar das diferenças de origem racial, classe social e condição religiosa, Filipe apresentou aos samaritanos e ao oficial etíope as mesmas boas novas de Jesus (8.12,35). Em ambas as situações houve a mesma resposta, pois os ouvintes creram e foram baptizados (8.12,36-38). E em ambos os casos é registrado o mesmo resultado, a alegria (8. 8 ,39).

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Referências: Carson, D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1968–1969. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible (Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008), 2097–2098. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 179–184. / MacDonald, W. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 357–359. / Parsons, M. C. Acts: Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 123-124. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 128–134. / Stott, J. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, p. 179-182. 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes