JESUS, NOSSO INTERCESSOR

 João 17.1-26 

Já ouvimos, neste evangelho, Jesus falando ao povo, aos inimigos e aos discípulos; agora, o ouvimos falando ao Pai. Embora se tratasse de momentos de íntima comunhão entre o Filho e o Pai, era, ao mesmo tempo, uma lição de Jesus aos seus discípulos (17.13). Esta é uma oração feita depois da instituição da Ceia; é uma oração de despedida, uma oração antes do sacrifício de Jesus na cruz, uma oração intercessora (Ryle, 2018). Está oração é conhecido como a oração sumo-sacerdotal de Cristo. “Nenhuma voz já se ouviu na terra, ou no céu, com maior arrebatamento, nem mais santa, mais frutífera, mais sublime, do que a do próprio Filho de Deus nesta oração” (Melâncton). 

Em sua oração, Jesus foca em quatro áreas: salvação, segurança, santidade e unidade (Lopes, 2015). A oração tem três divisões (Wiersbe, 2006): Jesus ora por si mesmo e diz ao Pai que concluiu sua obra aqui na terra (João 17.1–5), ora por seus discípulos, pedindo ao Pai que os guarde e os santifique (João 17.6–19), e ora pela igreja inteira, para que possamos ser unidos nele e, um dia, participarmos de sua glória nos céus (João 17.20–26).

1. A oração de Jesus pelo seu ministério (João 17.1-5). Muitas vezes, Cristo disse que sua hora ainda não tinha chegado; mas, agora, sua hora de ir para a cruz havia chegado (17.1). Era chegada a ‘hora’ da transição de Jesus deste mundo para a glória que ele tinha com o Pai antes que o mundo fosse feito (Jo 17.5, 24). Jesus, portanto, estava a orar pela sua própria morte sacrificial (João 12.23-24, 27; 13.1, 31). É na cruz que ele cumpre o plano da redenção. É na cruz que ele revela ao mundo o amor e a justiça de Deus.

Esta petição inicial, ‘glorifique seu Filho’, implica uma reivindicação de divindade, visto que o Antigo Testamento afirma que Deus não dará sua glória a outro (Isaías 42.8; 48.11). O Filho pede ao Pai que o glorifique por meio da aceitação do sacrifício representado pela sua morte e da sua ressurreição dentre os mortos. Deus respondeu a esta petição, ressuscitando o Senhor Jesus no terceiro dia, e mais tarde levando-o de volta para o céu e coroando-o com glória e honra. Assim, o Filho de Deus é glorificado em Sua crucificação, ressurreição e entronização à direita de Deus. 

Do mesmo modo, o Filho glorifica o Pai dando vida eterna aos que nele creem. Todo aquele que nele crê tem a vida eterna (João 5.24). O pai é glorificado quando pecadores se convertem e se tornam imitadores de Jesus Cristo (João 17.2-3). 

A vida eterna é conhecer Deus por meio de Jesus. Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (2 Coríntos 5.18). - “a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17.3). Ao colocar a si mesmo e o Pai juntos como a fonte da vida eterna, Cristo afirma sua própria divindade. Aqui o Senhor chamou-se a si mesmo de Jesus Cristo. Cristo era o mesmo que Messias. Este versículo refuta a acusação de que Jesus nunca declarou ser o Messias. Vida eterna não é simplesmente uma vida que jamais tem fim. A vida consiste na comunhão com Deus. Conhecimento aqui significa mais do que mera compreensão intelectual; envolve afeto, comunhão íntima e lealdade. 

Somos informados que a salvação foi uma obra que o Pai confiou ao Filho, e ele veio e a concluiu (João 17.4). O Senhor proferiu estas palavras como se já tivesse consumado a obra que o Pai confiara-lhe para fazer (João 19.30). Foi a favor do seu povo que Cristo viveu aqui na terra, e que finalmente foi para o Calvário (João 17.19). Temos a salvação pela completa obediência de Jesus e pelo seu sacrifício substitutivo na Cruz.

Jesus viveu em meio a dor, a pobreza, doença e o pecado dos homens. No seu ministério, enfrentou preconceito, ódio e oposição. Mesmo assim, no fim de seu ministério, tinha o direito de dizer: “Eu glorifiquei-te na terra” (João 17.3). Será bastante fácil glorificar a Deus no Céu. A questão importante é: sabemos glorificá-lo no ambiente em que nos encontramos agora? Temos tido êxito em glorificá-lo no lar, no trabalho, no escritório, neste mundo? (Pearlman, 1995).

No versículo 5, Jesus pede ao Pai para reassumir a mesma glória que tinha antes da criação. Isto implica que o universo material não é eterno, mas foi criado por Deus (17.5; 24). Antes disso, nada de material existia. Mas aqui Jesus fala de uma glória partilhada entre o Pai e o Filho antes da criação. Esta passagem aponta para o “passado” e perscruta o “futuro”, que é ocasionalmente mencionado como se já fosse uma realidade presente (João 17.5, 24; 17. 4 , 11).

2. Jesus ora por seus discípulos (João 17.6-19). Nesta oração, antes de Sua morte sacrificial, Jesus define Seu propósito em morrer na Cruz (João 17.9). É verdade que Cristo realizou redenção suficiente para todos os homens, mas também é verdade que essa redenção é eficaz somente para aqueles que creem. Assim como é verdade que Jesus é o único Mediador disponível entre Deus e os homens, mas também é verdade que ele intercede ativamente somente por aqueles que, por intermédio dele, se achegam a Deus (Ryle, 2018). Por esta razão, está escrito: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo” (João 17.9).

Sete vezes Jesus afirmou que os discípulos lhe foram dados pelo Pai (João 17.2,6,8,9,11,12,24). Tudo e todos pertencem a Deus em virtude da criação, mas aqui está em vista a possessão por redenção. Deus deu um povo ao Redentor: “tu me deste” (Hebreus 2.10-13). 

Jesus é o bom pastor que deu sua vida pelas ovelhas (João 10.14-15, 26-29). Não fomos nós que inicialmente amamos a Deus; foi ele que nos amou primeiro (1 João 4.19). Não fomos nós que escolhemos Deus; foi ele que nos escolheu (João 15.16). Não fomos nós que chegamos a Cristo; foi o Pai que nos levou até ele (João 6.44). Jesus deixou claro que aqueles que o Pai lhe dá, estes é que vêm a ele, e aqueles que vêm a ele, de maneira alguma os lançará fora (João 6.37–40, 44). Jesus guardou e protegeu seus discípulos, e nenhum deles se perdeu, exceto “o filho da perdição” (João 17.12). Por que Jesus não guardou Judas Iscariotes? Porque Judas nunca pertenceu a Cristo. Jesus guardou fielmente todos os que o Pai lhe deu, mas Judas nunca lhe foi dado pelo Pai (João 17.12). Judas não cria em Jesus Cristo (João 6.64–71), não havia sido purificado (João 13.10-11), não estava entre os escolhidos (João 13.18-19) e não havia sido entregue a Cristo (João 18.5, 8,9). Judas, portanto, era um incrédulo que nunca foi salvo. Aquela traição não foi um deslize momentâneo na vida de Judas. Jesus sabia que Judas era um “diabo” (João  6.70). Jesus sabia que ele era um ladrão (João 12.6).  

Judas viveu como um hipócrita no meio dos discípulos de Cristo. Por três anos Judas andou com Cristo, viu os milagres de Cristo e ouviu os ensinamentos de Cristo. Quando Jesus enviou os discípulos de dois a dois Judas estava no meio deles (Mateus 10.1-15, Lucas 9.1-2,6). Judas pregou o evangelho para os outros, orou pelos enfermos e até expulsou demónios no nome de Jesus (Lucas 10.17-19). Judas, entretanto, “abre o seu coração à voz do diabo e o diabo entrou nele e levou para o inferno” (Lopes, 2018). Vemos aqui o perigo de se ter apenas um conhecimento intelectual do evangelho, mas um coração ainda não convertido. Ao trair o Senhor Jesus, Judas simplesmente mostrou de quem ele era servo. A quem ele de facto obedecia. “Homens maus como Judas podem ocupar os postos mais altos na liderança das igrejas, mas jamais enganarão a Jesus” (Lopes, 2018). 

Por outro lado, Jesus testifica que aqueles que o Pai lhe deu creram nele e obedeceram a sua palavra de Deus (João 17.6-8). Jesus não desprezou os onze por causa de suas fraquezas, mas suportou-os e salvou-os, somente porque eles creram. Jesus pede ao Pai que aqueles que foram especialmente dados a ele sejam mantidos até o fim (João 17.9,11,15,20). Os crentes permanecem firmes e perseveram até o fim não por causa de suas próprias forças e bondade, mas porque Jesus intercede por eles (Lucas 22.32).

Os discípulos foram dados pelo Pai a Cristo, procedentes “do mundo” (João 17.6), mas eles “não são do mundo” (João 17.14,16), apesar de “continuarem no mundo” (João 17.11), de serem “odiados pelo mundo" (João 17.14; 15.19) e de não serem imediatamente tirados dele (João 17.15). Mas, como Cristo, eles foram enviados ao mundo (João 17.18, 20.21).

Jesus orou para que seus discípulos fossem guardados do mundo. Orou para que eles fossem guardados do maligno (João 17.14-15). O mal, no versículo 15, seria melhor traduzido por “maligno”. O maligno é um inimigo real (2 Coríntios 4.4; Efésios 6.11; 1 Pedro 5.8), mas Jesus está à destra de Deus e intercede por nós (Romanos 8.34; Hebreus 7.25). Não são os problemas físicos ou sociais do mundo que Jesus deseja que Seus discípulos sejam “guardados”, mas sua corrupção moral, pela qual Satanás busca corromper aqueles que seguem a Cristo e trazê-los de volta ao domínio do pecado. Cristo não deseja que seu povo se retire do mundo, mas que seja protegido do mal.  

Cristo ensinou que a missão dos seus discípulos é ser sal da terra e luz do mundo. Isto exige contato com o mundo, e não temê-lo ou fugir dele (1 João 4.4). O cristão não deve preservar sua santidade fugindo do mundo, nem sacrificá-la conformando-se a ele. Os cristãos nunca poderão representar Deus tão perfeitamente como Cristo fez. Mas, apesar disso, os cristãos estão aqui a fim de apresentar Deus ao mundo. É por isso que Jesus os enviou ao mundo. Qualquer verdadeiro cristão é enviado ao mundo para dar testemunho de Cristo e para alcançar os perdidos onde possam ser encontrados, a fim de conduzi-los ao Salvador. 

O Senhor Jesus orou em favor da santificação de seus discípulos (João 17.17-26). Ele disse: “Santifica os na verdade; a tua palavra é a verdade”. Jesus estava pedindo que o Pai tornasse seus discípulos mais santos, espirituais, puros, em pensamentos, palavras, obras, vida e caráter. Somos santificados pela Palavra de Deus (João 17.8,14,17; João 15.3). Cristo nos transmitiu a Palavra (João 17.8) e nos deu a Palavra (João 17.14). A Palavra é o instrumento pelo qual Deus chama as pessoas à salvação (João 17.20). É o poder da Palavra de Deus que leva o ser humano a Cristo (Romanos 10.17).  

A tua palavra é a verdade, Jesus disse (João 17.17). Ele não disse como tantas pessoas fazem hoje: “A sua palavra contém a verdade”, mas a tua palavra é a verdade. A santificação ocorre quando os cristãos acreditam, pensam e vivem de acordo com a “verdade” em relação a Deus, a si próprios e ao mundo (João 17.17). Nenhuma santidade será produzida em nós mediante a crença em mentiras. As boas obras brotam da verdadeira fé, e a verdadeira fé é inspirada pela verdade de Deus. Como escreveu o salmista: “Guardei a tua palavra no meu coração para não pecar contra ti” (Salmos 119.11). Certamente é mais importante viver a vida cristã do que conhecer as doutrinas cristãs, mas não haveria nenhuma experiência genuína e espiritual sem a fé, em primeiro lugar, nas verdades da palavra de Deus. 

3. Jesus ora por todos os cristãos (17.20-26). O Senhor ora pelos cristãos de todas as eras que chegariam a crer através da proclamação do seu Evangelho. Ao ler estes versículos, cada cristão pode dizer: “Jesus orou por mim há mais de dois mil anos”.  

A unidade da igreja é o alvo da oração de Jesus (João 17.11,20,21,22). A preocupação de Jesus é com a unidade de seus seguidores (João 17.21-23). A ideia de unir todas as religiões, afirmando que a doutrina divide, mas o amor une, é uma falácia. Não há unidade fora da verdade (Efésios 4.1–6). A unidade dos crentes deve refletir a unidade e o amor entre o Pai e o Filho (João 17.11, 21-22, 26). Não há desarmonia entre o Pai e o Filho. Se nós somos filhos de Deus e membros de sua família, não podemos viver em desunião. Jesus só tem uma igreja, um rebanho, uma noiva. Com frequência, os crentes têm desperdiçado seu tempo contendendo com seus irmãos, em vez de contenderem contra o pecado e o mal! “Não causa espanto os lobos importunarem as ovelhas, mas uma ovelha afligir outra é contrário à natureza…” (Thomas Brooks); pois o amor de Deus transforma-nos para que amemos uns aos outros como Deus nos ama (Jo 13.34-35; 15.9-12).

Esta oração é por uma unidade visível para “que o mundo creia” (João 17.21). Uma vez unidos, os cristãos poderão dar testemunho da verdadeira identidade de Jesus como o Enviado de Deus (17.23). Por outro lado, a desunião do povo de Deus dificulta a fé em Jesus (João 17.21,23). Ela prejudica a missão da igreja de Cristo neste mundo.  

Por fim, precisamos aprender a viver como família de Deus desde já, pois vamos passar juntos toda a eternidade (João 17.24–26). No versículo 11, o Senhor orou pela unidade na comunhão. No versículo 21, pela unidade no testemunho. Mas no versículo 24, pela unidade em glória. Não temos essa glória ainda. “Ainda não se manifestou o que haveremos de ser” (1 João 3.2). Essa glória será manifesta ao mundo quando o Senhor Jesus Cristo voltar para estabelecer seu reino. Então, veremos Cristo face a face. Então, conheceremos como também somos conhecidos (João 17.26, Filipenses 1.23). Então, estaremos “para sempre com o Senhor” (1 Tessalonicenses 4.17). Não precisamos de mais informações. Onde está aquele que veio a este mundo e morreu e ressuscitou em favor de nossos pecados, ali não falta coisa alguma (Ryle, 2018). David pôde afirmar com segurança: “Na tua presença há plenitude de alegria; na tua destra, delícias perpetuamente” (Salmos 16.11).

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Referências: Barry, J. D. et al. 2012, 2016. Faithlife Study Bible, Bellingham, WA: Lexham Press. / Carson, D. A. 2018. The Gospels and Acts. (In Carson, D. A. ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1929). / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Haenchen, E., Funk, R.W. & Busse, U. 1984. John: a commentary on the Gospel of John, Philadelphia: Fortress Press. / Lopes, H.D. 2015. João: As Glórias do Filho de Deus. SP: Hagnos. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Pearlman, M. 1995. João, o evangelho do Filho de Deus. RJ: CPAD, p. 190-210. / Ryle, J.C. 2018. Meditações no Evangelho de João. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R. C. ed. 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition), Orlando, FL: Reformation Trust. / Wiersbe, W. W. 2006. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: vl. 1. Santo André, SP: Geográfica editora.


Pr Leonardo Cosme de Moraes

O Padrão da Oração

 Mateus 6.9-13

Os discípulos pediram a Jesus que os ensinasse sobre a oração. Eles rogaram “Ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos” (Lc 11.1). A instrução que Jesus deu sobre a oração vem até nós tanto do Sermão do Monte, em Mateus 6, como de Lucas 11. Observe que Jesus disse: “Vós orareis assim”, e não: “Vós orareis esta oração” (Mt 6.9). Jesus estava nos dando um esboço de coisas que devem ser prioridades em nossa vida de oração. Certamente não é errado fazer a oração do Pai nosso. Sempre que a ouvimos ou proferimos, somos lembrados das prioridades que Jesus nos apresenta para a oração. No entanto, quando fizermos a oração do Pai nosso, devemos atentar para o conteúdo.

A oração do ‘Pai nosso’ possui um prefácio, seis petições e uma conclusão. Os versículos 9 e 10 focam primeiramente em Deus; só então, nos 11–13 nas pessoas. Em todas as partes da oração, somos ensinados a dizer “nós” ou “nosso”. Indicando que devemos nos lembrar das outras pessoas tanto quanto de nós mesmos.

O prefácio: ‘Pai nosso que estás nos céus’ (Mateus 6.9). Devemos chamar a Deus de Pai nosso que está no Céu. Pai, do grego ‘patēr' e do aramiaco ‘Abba’, era a palavra usada pelos filhos judeus para designar seus pais terrenos. Aqui, os discípulos de Jesus são convidados à intimidade com o Deus Pai. Há um sentido geral em que Deus é o Pai de todos os homens como o Doador e o Sustentador da vida. A Bíblia também ensina que todos somos semelhantes e fomos feitos pelo mesmo Criador. A linguagem familiar, entretanto, tem um significado restrito e especial nas Escrituras. A Escritura diz que é somente pelo Espírito Santo, o qual nos uniu a Cristo e promoveu nossa adoção à família de Deus, que agora podemos dizer: “Aba, Pai” (Rm 8.14-17). Nossa filiação não é automática, mas derivada. A palavra do Novo Testamento para esta transação é adoção. Que acontece quando a pessoa é adoptada na família de Deus, por expressar fé salvadora na obra consumada por Cristo. Somente quando isto acontece, a pessoa obtém o privilégio de chamar a Deus de Pai. Jesus é a única pessoa que tem o direito absoluto de dirigir-se a Deus desta maneira, pois ele é o “unigénito do Pai” (Jo 1.14). Contudo, àqueles que “receberam a Cristo pela fé”, Deus lhes deu “o poder de serem feitos filhos de Deus (Jo 1.12). Somente quando isto acontece, é que Deus chama os homens de “filhos”.

Observe que todos os pronomes da oração estão no plural, e não no singular. A palavra nosso significa que o direito de chamar a Deus de “Pai” não é apenas meu. É um privilégio coletivo que pertence a todo o corpo de Cristo. Somos membros da família de Deus. Somos irmãos uns dos outros. Somos filhos do mesmo Pai. 

Cristo falou de seu Pai como quem estava no céu. Cristo estava falando sobre a transcendência de Deus. “Pai nosso” fala de proximidade com Deus, mas “nos céus” destaca sua singularidade, sua separação. O ensino é este: quando oramos, temos de lembrar quem somos e a quem nos dirigimos. Deus, o Criador, difere de todas as criaturas. Ele eterno, auto-existente, todo-suficiente. Ele é diferente de qualquer coisa que possamos experimentar ou encontrar no universo material. O céu, não a terra, é a sua residência. Ele habita e vive na eternidade, e não há casa neste planeta que possa conter sua presença.

Primeira petição: ‘santificado seja o seu nome’ (Mt 6.9). A principal prioridade que Jesus estabeleceu é que o nome de Deus seja santificado. Deus é aquele que está nos céus; nós somos da terra. Ele é perfeito; nós somos imperfeitos. Ele é infinito; nós somos finitos. Ele é santo; nós somos impuros. A “distinção” sagrada de Deus é um facto que os filhos de Arão esqueceram, mas a esqueceram somente uma vez. Em Levítico 10.1–3, lemos: “Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este, incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face do Senhor, o que lhes não ordenara. Então, saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor. E falou Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor disse: Mostrarei a minha santidade naqueles que se cheguem a mim e serei glorificado diante de todo o povo. Nunca devemos esquecer o erro fatal de Nadabe e Abiú e aproximar-nos do Deus numa atitude desrespeitosa e irreverente.

O modo aceitável de adorarmos a Deus é instituído por ele mesmo nas Escrituras. Ele não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras (CFW, 21.1). Deus exige ser tratado como santo, porque ele é santo. Ele é zeloso de sua honra. A principal prioridade para o cristão é ver que o nome de Deus é mantido santo, porque ele é santo. A honra de Deus tem de ser a obsessão da comunidade cristã. A honra não deve ir para as nossas organizações, as nossas denominações, ou nossas igrejas locais, ou nossos líderes, mas somente para Deus. Nossos esforços não valem nada se não são para a honra e a glória do nome de Deus. “Que todos os nossos pensamentos, palavras e ações sejam voltados para a glória da santidade, bondade e majestade de Deus” (CH, 101).

Segunda petição: ‘venha o teu reino’ (6.10). O reino de Deus era o principal pensamento do ensino e da pregação de Jesus. Jesus veio como o cumprimento da mensagem de João Batista, que era clara e simples: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2). Portanto, quando João entra em cena e fala da  proximidade do reino, ele está falando do reino do Messias. 

Jesus inaugurou o reino de Deus quando veio. Ele não o consumou: ele inaugurou o reino e prometeu uma época em que ele subiria ao céu e se assentaria entronizado à direita de Deus. “Jesus não ascendeu apenas para ser nosso Sumo Sacerdote. Ele subiu para sua coroação como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Sua realeza não é um estado futuro; Cristo é Rei neste exato momento. Ele ocupa o trono do universo. Toda a autoridade no céu e na terra foi dada ao Filho ungido de Deus” (Sproul, 2017). 

O reino de Deus refere-se ao reinado messiânico de Cristo nos corações dos crentes. Na medida em que o evangelho é anunciado e os pecadores se arrependem e creem, o reino de Deus vai alargando suas fronteiras. “É tarefa da igreja dar visibilidade ao reino invisível” (Calvino).

Devemos orar: “Que venha o reino de Deus”, isto é, que ele nos governe pela sua Palavra e Espírito, sujeite-nos cada vez mais a si mesmo, converta muitas pessoas a si, proteja a sua igreja e destrua todas as obras do maligno, até que venha a plenitude do seu reino, em que ele será tudo em todos “(CH, 102).

Terceira petição: ‘faça-se a tua vontade assim na terra como no céu’ (6.10). Jesus não estava a falar da vontade soberana de Deus. A vontade soberana de Deus já é feita na terra como no céu. Nada no universo não está fora do controlo de Deus. O que Jesus esta a falar é sobre a vontade normativa de Deus, a qual deve ser obedecida na terra da mesma forma como é obedecida por todos, em todos os momentos, no céu (Sproul, 2017). 

Esta petição é uma súplica por obediência da parte do povo de Deus, uma súplica no sentido de que as pessoas que fazem parte do povo de Deus obedeçam aos mandamentos de Deus. Deus é honrado por nossa obediência, seu reino é tornado visível por nossa obediência, e muito obviamente sua vontade é feita quando somos obedientes.

Seríamos terrivelmente hipócritas se orássemos pedindo que o nome de Deus seja santificado, que seu reino venha e que sua vontade seja feita na terra como no céu se aquilo em que realmente pensamos for: “mas não na minha vida”. Portanto, devemos orar pedindo para que Deus opere em nós e nos faça obedecer à sua vontade na terra da mesma maneira como ela é obedecida no céu. 

Quarta petição: ‘o pão nosso de cada dia dá-nos hoje’ (Mt 6.11). O elemento do “pão” aqui deve ser compreendido como símbolo de todas as nossas necessidades físicas e materiais. No sentido mais básico, esta oração representa o pedido para que Deus nos dê aquilo que devemos comer. Devemos pedir o suprimento de nossas necessidades (6.11). Devemos pedir não luxo, mas pão. Pedir não egoisticamente, mas pedir o pão nosso. Pedir pão não para o acumularmos, mas o pão de cada dia (Lopes, 2019).

O provedor do lar precisa do seu “ganha-pão”. A maioria dos trabalhadores na época do texto bíblico eram remunerados diariamente. A Bíblia ensina que devemos ser diligentes e fazer tudo o que pudermos para sustentar nossa família (1Tm 5.8), mas não podemos nos esquecer que é Deus quem supre as nossas necessidades. Devemos orar não somente pelo pão nosso de cada dia, e também pelo pão de cada dia das outras pessoas. Tal atitude revela nossa constante dependência dos dons divinos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito que recebemos provém das mãos de Deus (Tg 1.17). Ele é um Deus doador. Ele é um Deus de providência.

Quinta petição: ‘perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores’ (Mt 6.12). Aqui nosso Senhor está ensinando que a oração de confissão e o pedido de perdão são partes integrantes da oração.  Lucas usa a palavra “pecados” (Lc 11.4), e Mateus usa a palavra “dívidas” (6.12). O Novo Testamento descreve o pecado de três formas principais: (1) como uma dívida; (2) como uma transgressão contra a lei de Deus; e (3) como um acto de inimizade que nos afasta de nosso Criador (Sproul, 2012). Quando pedimos perdão pelo pecado, estamos pedindo perdão por todos estes três elementos. Aqueles que receberam tal perdão sentem-se tão comovidos com gratidão para com Deus que também perdoam aqueles que lhes são devedores.

Deus nos mandou ser santos como ele é santo; ele nos ordena ser perfeitos como ele é perfeito. Estamos tão aquém de seu padrão, que é impossível pagarmos a dívida. Como escreve Jonathan Edwards: “todo pecado é mais ou menos detestável, dependendo da honra e da majestade daquele a quem ofendemos. Visto que Deus possui honra infinita, majestade infinita e santidade infinita, o menor pecado tem consequência infinita.”

O que nos distingue do mundo é o fato de que somos pecadores perdoados pela graça de Deus em Cristo. O desejo de perdão distingue o cristão. O texto de 1 João 1.9 ressalta que uma das marcas de um cristão é sua atitude contínua de pedir perdão. Por isso, a confissão é uma parte significativa de nosso tempo de oração. O que, por sua vez, exige humildade em dois níveis: a admissão da culpa; e a aceitação do perdão divino.

Quando falamos em perdão, dizemos que Deus não apenas perdoa nossos pecados, como também se esquece deles, isto é, Ele não as traz à lembrança nem nos acusa com base neles. A principal lição aqui é: “Pessoas perdoadas perdoam outras pessoas”. Devemos ser espelhos da graça para outros, refletindo o que nós mesmos recebemos.

Esta é uma aspiração sincera em vez de uma condição. Jesus está nos ensinando a ter como anseio de vida refletir a bondade de Deus e estar prontos a perdoar quem pecar contra nós ou nos ofender, caso se arrependam. Jesus ilustra este princípio na parábola do Servo Incompassivo (Mt 18.21-35).

Temos muito a aprender com esta petição. Não há experiência mais grandiosa do que concluirmos uma oração sabendo que, aos olhos de Deus, estamos limpos, e que ele perdoou todos os pecados que já cometemos. Que estamos em plena comunhão com Ele. 

Sexta petição: ‘não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal’ (Mt 6.13). Esta petição trata da batalha dos discípulos contra o pecado e o mal. Não nos deixes cair em tentação. É uma súplica para que sejamos poupados de circunstâncias difíceis que nos tentariam a pecar. 

Os crentes devem orar para serem libertos da tentação (cf. Mt 26.41; Lc 22.40, 46; 2 Pe 2.9) e guiados nos “caminhos da justiça” (Sl 23.3). Nossas tentações procedem do nosso coração corrupto e do tentador maligno. A tentação em si não é pecaminosa, mas, sim, o cairmos em tentação (Tg 1.12-15).

O mal do qual Jesus falou não é o mal no sentido geral. Jesus estava dizendo que devemos pedir ao Pai que nos livre do Maligno, das investidas de Satanás, do inimigo que deseja destruir a obra de Cristo neste mundo. O pedido não tem o propósito de evitar as provações neste mundo, e sim proteger-nos dos ataques de Satanás. Em sua “Oração Sumo Sacerdotal”, Jesus pediu ao Pai, não que tirasse os seus discípulos do mundo, e sim que os guardasse “do mal” (Jo 17.15). Em Lc 22.31–32, vemos que se não fosse a intercessão de Cristo em favor de Pedro, este teria se perdido; sua fé teria fracassado.

Devemos proferir esta petição não apenas para nosso próprio benefício, mas também em prol das outras pessoas, a fim de que suportemos a tentação caso ela venha. Devemos suplicar para que Deus nos defende de todos os ataques dos nossos inimigos mortais – o diabo, o mundo, o pecado e a nossa carne – para que não caiamos em pecado nem sejamos derrotados nesta batalha espiritual (CH, 106).

Na conclusão da oração, Jesus retorna ao assunto do início da oração, elevando uma doxologia (um louvor) Àquele que ouve nossas petições: “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!”  (6.13). 

A Deus pertence o reino. O reino de Deus não é do povo, pelo povo nem para o povo. Ele não reina com o consentimento dos governados. Ele governa com sua autoridade soberana. Seu reino estende-se sobre nós. O reino é do Senhor e do seu Cristo.

A Deus pertence o poder. Ele é o Deus Pai Todo-poderoso. Seu poder é ilimitado. O poder de Deus não está em programas ou metodologias humanas. O poder Deus está em sua Palavra.

A Deus pertence a glória para sempre. Deus não dá sua glória a ninguém, nem mesmo a divide com ninguém. Somente a Deus Glória! 

Será que realmente desejamos ter as coisas que somos ensinados a pedir nesta oração? Será que estamos preocupados com a glória, o reino ou a vontade do Senhor? Será que temos este senso de dependência e de fraqueza pessoal? Que nós possamos estar determinados, com a ajuda de Deus, a fazer com que nossas orações e nossos corações caminhem juntos! (Ryle, 2018).

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Referências: 
Assembleia de Westminster. 2014. Símbolos de Fé: Confissão de Fé, Catecismo Maior e Breve Catecismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã. / Bierma, L.D. et al. 2010. Introdução ao Catecismo de Heidelberg: Fontes, História e Teologia.
Cambuci, SP: Editora Cultura Cristã. / Carson, D.A. 2018. The Gospels and Acts. Em D. A. Carson, org. Bíblia de Estudo de Teologia Bíblica NIV. Grand Rapids, MI: Zondervan. / Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Lopes, H.D., 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis. SP: Hagnos. / Sproul, R.C. 2012. A Oração Muda as Coisas?. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã. / Ryle, J.C. 2018. Meditações no Evangelho de Mateus. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Wiersbe, W. W. 2006. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, vl. 1. Santo André, SP: Geográfica editora.

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes


A PERSISTÊNCIA NA ORAÇÃO

            

Lucas 18.1-8

Esta parábola sobre um juiz injusto e uma viúva persistente segue imediatamente após um breve discurso sobre a chegada da plenitude do reino de Deus na segunda vinda de Cristo. Ela é a parte que conclui os ensinamentos de Jesus sobre o futuro em Lucas 17.20-37. A parábola é que “eles deviam orar sempre e nunca desanimar” (18.1). Trata-se de um encorajamento para cristãos que vivem em tempos ruins, que percebem como o mundo está cada vez mais hostil, que sentem a aproximação do juízo, “como foi nos dias de Noé” (17.26) e “como foi também nos dias de Ló” (17.28). Aplica-se especialmente a tempos como os nossos.

 

O juiz injusto “não temia a Deus nem se importava com os homens” (18.2). Não mostrava nenhum respeito por Deus, por sua vontade e por sua lei. Era completamente indiferente às necessidades das pessoas. Ele confessou livremente a si mesmo: “Eu não temo a Deus e nem importo-me com os homens” (18.4). Ele vivia abertamente contra o primeiro e o segundo grande mandamento (Mt 22.37-40). Jesus referiu-se a ele com um título curto e directo: “o juiz injusto” (Lc 18.6).

 

O outro personagem nesta parábola é uma viúva, vítima de alguma injustiça ou opressão, cujo único recurso para buscar retificação são os tribunais. Alguém estava a explorar sua vulnerabilidade social. Aparentemente, vivia na pobreza e na solidão. A lei de Moisés é explícita em relação a este caso. "Não prejudiquem as viúvas nem os órfãos” (Êx 22.22-24). Encontramos este mesmo princípio em Isaías 1.17: “Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva”. Portanto, a nação de Israel deveria cuidar e proteger as viúvas e as pessoas vulneráveis e indefesas.

 

Esta mulher estava pedindo justiça, não um tratamento especial. A persistência é seu único trunfo para conseguir a justiça do juiz “injusto” (18.6). O tempo verbal, no versículo 3, indica uma ação repetida: “uma viúva que dirigia-se continuamente a ele”. Ela voltava, e voltava, e voltava, dizendo: “Faze-me justiça contra o meu adversário”. Aparentemente, estava a buscar restituição por alguma injustiça que já havia sofrido por parte de alguém. Seu desespero sugere que tudo havia sido tirado dela. Contudo, a reação inicial do juiz à mulher foi incrivelmente fria (18.4). O juiz simplesmente dispensou esta pobre mulher como uma melga irritante. 

 

Isto continuou “por algum tempo” (18.4). Mas então o juiz de repente mudou sua decisão e disse a si mesmo: “Embora eu não tema a Deus e nem me importe com os homens, esta viúva está me aborrecendo; vou fazer-lhe justiça para que ela não venha me importunar” (18.4-5).

 

Alguns intérpretes adotam uma interpretação mais literal da expressão grega hypopiazo, e concluem que o juiz temia a intensificação da reação dela a ponto de “golpear-lhe a face” - literalmente “socar-lhe abaixo do olho com consequente desfiguramento”. Neste contexto, porém, o sentido figurado parece ser a melhor interpretação: o ato de incomodar alguém com palavras até esgotá-lo, ou, possivelmente, ‘manchar a reputação de alguém’. 

 

Assim, o juiz estava a pensar: “Ela continuará vindo para sempre, e me deixará esgotado e/ou colocará a minha reputação em causa”. Ele só reagiu para seu próprio bem. Ele precisava livrar-se dela. Assim, finalmente, julgou em seu favor. Ele foi derrotado pela simples persistência de uma mulher impotente.

 

O Sentido da parábola

O tema central desta parábola é a vindicação do povo sofredor de Deus, como afirma o versículo 7. A Escritura mostra que os mártires aguardam esta vindicação sob o altar em Ap 6.10: “Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” Justiça aos seus escolhidos refere-se principalmente a Deus resgatando seu povo do sofrimento e da injustiça no mundo (cf. Lucas 1.68-74; Mt 24.31; Mc 13.27; Ap 17.14).

 

De uma perspectiva humana, a justiça pode parecer muito demorada. Exigindo, portanto, que sejamos pacientes até a vinda do Senhor (Tg 5.7-8). Da perspectiva de Deus, a justiça virá rapidamente aos seus escolhidos (18.7). O “depressa” ou “rapidamente”, no versículo 8, é o tempo de Deus, não o nosso (2Pe 3.8). Não indica uma resposta imediata, mas, sim, rápida em seus efeitos quando for concedido.

 

Portanto, a mensagem que Jesus está transmitindo é que, enquanto os discípulos estiverem esperando o retorno de Cristo — especialmente quando o mundo parecer ficar ainda mais ímpio e condenável — ele quer que seus discípulos continuem orando e não desanimem (18.1, cf.: Lc 21.36).

 

O juiz injusto não é apresentado como um símbolo de Deus, mas em contraste com ele. O argumento que Jesus desenvolve é um argumento do menor para o maior (a minori ad maius): se até mesmo um juiz que não honra as leis de Deus e dos homens pode ser induzido a agir pelos apelos persistentes de uma viúva, quanto mais não agirá Deus em defesa do seu povo quando este clamar a ele (18.7-8). 

 

Embora Deus não seja comparado a um juiz desonesto, há uma base parcial de comparação em que Deus também guardará sua reputação na aplicação da sua justiça contra os males deste mundo. Estejamos certos que “Ele vem, vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos, com retidão” (Sl 98.9). O dia do grande livramento está cada vez mais próximo. Deus defenderá o seu povo.

 

Deus não adia a justiça por indiferença. O atraso aparente é a medida da longanimidade de Deus. Ele está reunindo “um povo para o seu nome” (At 15.14), e ele não abreviará o tempo até o último de seus eleitos estiver salvo. A Bíblia fala de “uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7.9).

 

O final da parábola é a chave (Lc 18.8): “Contudo, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” Ele encontrará seu povo perseverando em oração e expectativa? A questão não é se Deus responderá às orações, mas se haverá um povo fiel que tenha persistido em oração e que não tenha perdido a esperança quando o filho do homem vier (18.8). É alvo de suspeita que, se Jesus voltasse agora, ele encontraria multidões de cristãos professos que que não estão interessadas em sua vinda; e envolvidas demais com esta vida e os valores do mundo para pensar muito sobre isso.

 

Implicações práticas:

1. A importância da perseverança na oração (18.1). Entre a sua primeira e sua segunda vinda, precisamos orar sempre e nunca esmorecer. Negligenciar a oração é ficar vulnerável à queda no pecado (Mt 26.41). Sem oração, não há poder para o enfrentamento das lutas e perseguições que sobrevêm. 

 

2. A oração perseverante é um dever (18.1). Jesus afirmou que a oração perseverante é um dever (Lc 11.1–13). Ainda que a resposta demore a vir, continuemos a orar. Devemos “orar sempre” (18.1), orar “sem cessar” (1Ts 5.17; Cl 4.2). “Toda a vida dos fiéis”, como escreveu Orígenes, “deve ser uma grande oração conectada”.

 

3. Oremos com persistência, clamando que ele volte para vindicar seu povo e estabelecer um reino justo e trazer paz eterna. Hoje, num ritmo global cada vez mais acelerado, a Palavra de Deus é zombada, hostilizada e censurada. Os cristãos são difamados, perseguidos e oprimidos. A oração do cristão deve ser: Maranata! “Senhor, vem!” (1Co 16.22). Este é o apelo final das Escrituras: “Vem, Senhor Jesus!” Jesus ensinou-nos a orar: “Que venha o teu Reino” (Lucas 11.2).

 

4. A oração não é um pedido de um desconhecido a um magistrado injusto (18.2–6). Diferentemente desta viúva, os crentes em Cristo estão em comunhão com Deus. Temos junto ao Pai Jesus Cristo, o Advogado, o Justo. Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote que assiste-nos em nossa fraqueza. Temos as Escrituras com centenas de promessas do cuidado generoso de Deus. 

 

5. A oração é um pedido dos escolhidos ao Deus justo (18.7). Os eleitos de Deus “a ele clamam dia e noite”. Uma pessoa que não ora nunca pode ser chamada “um dos eleitos de Deus”. Deus escolheu-nos em Cristo desde a eternidade. Deus atraiu-nos para si com cordas de amor. O Deus que já começou sua boa obra em nós, há de completá-la até o dia final (Fl 1.6). Ele ouve a nossa oração e no tempo, por ele determinado, fará justiça. Aquele juiz não tinha amor pela justiça. Deus, porém, não é assim. Ele é o Pai de misericórdias e o Deus de toda consolação (2Co 1.3). Ele tem pressa em fazer-nos justiça. Deleita-se em socorrer-nos em nossas necessidades. 

 

6. A oração não é atendida no tempo dos homens, mas segundo a vontade soberana de Deus (18.7,8). Nem sempre a oração é atendida imediatamente. Quando Deus demora, contudo, é porque está preparando algo maior e melhor para a nossa vida. Podemos ter certeza de que Ele está trabalhando todas as coisas para a sua glória e para o nosso bem (Rm 8.28).

 

7. O fim dos tempos será marcado pelo declínio da fé, portanto pelo esfriamento da prática da oração (18.8b). À medida que a história caminha para sua consumação, as pessoas se tornarão mais desatentas às coisas espirituais, como ocorreu com a geração de Noé e Ló (17.26–30). Daí, a pergunta de Jesus: quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra? (18.8). Esta pergunta é formulada com o propósito de autoexame. Cada um deve responder por si. 

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Referências: Barry, J. D. et al. 2012, 2016. Faithlife Study Bible. Bellingham, WA: Lexham Press. / Carson, D.A. 2018. The Gospels and Acts. (In Carson, D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1864–1865). / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Hendriksen, W., 2014. Lucas. SP: Editora Cultura Cristã. / Kreitzer, B. 2017. Lucas. São Paulo: Editora Cultura Cristã. / Liefeld, W. L. 1984. Luke. (Em Gaebelein, F. E., ed. The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 999–1000. / Louw, J.P. & Nida, E.A. 1996. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains, 1, p. 314. / Lopes, H.D. 2017. Lucas: Jesus, o Homem Perfeito. SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2016. As parábolas de Jesus. Thomas Nelson Brasil MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Rienecker, F. 2005. Comentário Esperança, Evangelho de Lucas, Curitiba: Editora Evangélica Esperança. / Ryle, J.C. 2018. Meditações no Evangelho de Lucas. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. org., 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition), Orlando, FL: Reformation Trust. / Spence-Jones, H. D. M. ed. 1909. St Luke, Londres. Nova York: Funk & Wagnalls Company.

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes 

 


Como lidar com o sofrimento?

 

1 Pedro 4:12-19 

Há um mal indizível neste mundo e dor e sofrimento inacreditáveis. Quando vemos isto, somos levados a fazer a mesma pergunta feita várias vezes pelo povo do Antigo Testamento: Por que os ímpios prosperam e os justos sofrem? Existem poucas pessoas que, em meio ao sofrimento, conseguem dizer: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21). Isto exige um profundo entendimento do caráter de Deus e uma profunda confiança na sua bondade e presença.

 

É provável que Pedro tenha escrito esta carta pouco antes ou depois do incêndio de Roma, e no começo dos horrores de um período de 200 anos de perseguição aos cristãos. O sofrimento cristão constitui o tema principal de 1 Pedro 4.12-19, e é tratado de várias maneiras: como um meio de testar o cristão (v. 12), como um motivo de alegria (v. 13b), como um caminho para participar do sofrimento de Cristo (v. 13a), como forma de glorificar a Deus (v. 16), como inútil se merecido por razões não-cristãs (v. 15), e como o início do juízo de Deus (v. 17), que será mais difícil para seus algozes do que para os cristãos (vv. 17b-18). Nesta passagem, portanto, Pedro apresenta-nos como devemos reagir diante dos sofrimentos:

 

1. Não estranhe o sofrimento (1 Pe 4.12). O primeiro fator que nos ajudará a atravessar as mais difíceis provações é esperar por elas. As provações e perseguições não devem ser vistas como incomuns ou “estranhas” para o cristão. Pedro diz-nos que devemos considerar o sofrimento parte normal da caminhada com Cristo. Não temos direito de esperar ser tratados com mais consideração do que nosso Salvador o foi (1Pe 2.21). Todos que desejam ter uma vida piedosa em Cristo Jesus são perseguidos (2Tm 3.12). Aqueles que identificam-se abertamente com Cristo tornam-se alvo de ataques violentos. O próprio Senhor Jesus deixou isto claro: No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo (Jo 16.33). O apóstolo João é enfático: Irmãos não vos maravilheis se o mundo vos odeia (1Jo 3.13). E Paulo igualmente quando disse que “… através de muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus (At 14.22b).

 

Embora Pedro esteja a focar a perseguição como consequência de nossa fé e identificação com Jesus Cristo, a expressão “ardente prova”, em 1 Pedro 4.12, pode referir-se a qualquer tipo de problema ou aflição. Em 1 Pedro, a ardente prova é símbolo da aflição destinada por Deus para purificar-nos. Como lemos no livro dos Salmos: “Pois tu, ó Deus, nos provaste; tu nos afinaste como se afina a prata” (Sl 66.10). O sofrimento é um meio para testar o cristão. O sofrimento revela a verdadeira fé daquela que é mera imitação.

 

Pedro não reconhece qualquer conflito entre a glória de Deus e o sofrimento que há neste mundo. Nossas provações não são sem propósito. O Deus que remiu-nos considera nossa alma mais preciosa do que ouro, e assim como o ouro é refinado pelo fogo, nós também somos refinados. Apesar de sofrermos por um momento, o objetivo de Deus é a nossa redenção, não a nossa destruição. 

 

2. Alegre-se no sofrimento (1 Pe 4.13-14). Isto lembrar-nos das palavras do Senhor Jesus nas Bem-Aventuranças: “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mt 5.11,12). Tiago diz que devemos ter motivo de toda a alegria o passarmos por diversas provações (Tg 1.2–4). Os apóstolos consideraram um privilégio sofrer pelo nome Cristo (At 5.40,41). Paulo diz: Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele (Fp 1.29). Esta é uma das exortações mais desafiadoras da Bíblia.

 

Pedro não está dizendo que os crentes devam ter uma atitude masoquista em relação ao sofrimento. Nenhum cristão deve alegrar-se com o comportamento diabólico, desumano e perverso dos perseguidores da igreja de Cristo. Nossa alegria não está ligada à dor ou à dificuldade em si mesma, mas no soberano propósito de Deus em nossas vidas. Não nos alegramos por ter uma dor de cabeça. Não nos alegramos por ter um cancro nos consumindo. O que nos alegra é a presença de Deus no meio de nossa dor. Deus nunca prometeu, a qualquer um de nós, que jamais iríamos para o vale da sombra e da morte. O que Ele prometeu é que iria connosco (Sl 23). Nós temos um bom pastor, sua presença e consolação. “Isto não significa que somos removidos da arena da dor, mas que somos sustentados por Deus na arena da dor” (Sproul). É nas nossas fraquezas que o poder de Cristo melhor revela-se em nós e através de nós (2 Co 2.9). A graça de Deus capacita-nos a lidar com o sofrimento, sem perdermos a alegria nem a doçura (2Co 12.10). Não estamos sozinhos. Cristo prometeu estar connosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mt 28.20).

 

Se os crentes forem fiéis em aceitar o sofrimento e a perseguição como Jesus aceitou, então quando Ele voltar eles se alegrarão com uma intensidade que sobrepuja a todas as outras alegrias. O privilégio de participar dos sofrimentos de Cristo deve ser motivo de grande alegria (4.13). Não podemos ser coparticipantes dos seus sofrimentos redentores; apenas ele levou os pecados dos homens sobre si. Podemos, contudo, participar da rejeição e opróbrio que ele suportou e receber em nosso corpo os ferimentos e cicatrizes que os ímpios ainda desejam infligir em nosso Senhor. Neste sentido, nos identificamos com Cristo (Rm. 8.17; 2Co 1.5; Cl 1.24). 

 

Se um filho de Deus já é capaz de alegrar-se hoje em meio ao sofrimento, quanto maior não será seu regozijo na revelação da glória de Cristo. Aqueles que sofreram por amor a ele serão honrados com ele nesta ocasião (4.13). Como escreveu Paulo “… os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós (Rm 8.18b). Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação (2Co 4.17). Paulo ainda escreve: … se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados (Rm 8.17b). No céu, nossas lágrimas serão enxugadas, nossa dor passará. Não haverá nem luto, nem pranto, nem dor (Ap 21.4). Esta é a grande esperança cristã.

 

Há ainda mais uma razão para reagirmos com uma atitude de alegria em face da perseguição por pertencermos a Cristo: O Espírito Santo repousa sobre nós de uma forma especialmente poderosa (1 Pe 4.14). Pedro chama o Espírito Santo de “o Espírito da Glória”. No Antigo Testamento, a glória significava a presença de Deus ilustrada na sarça ardente, na intensa presença de Deus sobre o monte Sinai, na coluna de fogo que guiou os israelitas no deserto e na nuvem que encheu o tabernáculo e o templo. O crente é a habitação do Espírito Santo (Rm 8.9), mas este repousar do Espírito Santo é uma graça e presença especial. Somente Ele pode dar-nos a graça que é suficiente para atender as exigências de nosso sofrimento.

 

3. Não sofra por razões não-cristã (1 Pe 4.15). Nem todo sofrimento é segundo vontade preceptiva de Deus (4.19) e nem todo sofrimento glorifica a Deus (4.16). Há sofrimentos provocados pelo próprio homem (4.15). O texto sagrado menciona quatro males pelos quais nunca devemos sofrer. Um cristão não deve ser culpado de matar, roubar, de ser um malfeitor ou até mesmo ser alguém que intromete-se de forma injustificada em negócios alheios. As consequências destes atos não glorificam o nome de Deus, mas apenas envergonham o testemunho de Cristo. Um cristão não deve trazer sofrimento para si por ter praticado o mal (4.14). O cristão não pode ser um causador de confusão. Ele respeita a vida alheia, os bens alheios, a honra alheia e a privacidade alheia (4.15; 2Ts 3.11). É vergonhoso para um cristão ser acusado e condenado num tribunal por estes pecados e crimes.

 

4. Glorifique a Deus no seu sofrimento (1 Pe 4.16). Os cristãos devem sofrer de maneira a trazer honra a Deus em vez de descrédito. O cristão pode glorificar a Deus com este nome em todas as tribulações. Não há desonra nenhuma em sofrer como cristão. Este princípio é válido mesmo que implique “perder negócios, a reputação ou o lar; ser abandonado por pais, filhos e amigos; ser incompreendido, odiado e até perder a vida”. 

 

5. O sofrimento do cristão é pedagógico (1 Pedro 4.17, 18). O juízo de Deus começa dentro da igreja (4.17,18). Antes de tratar com o mundo, primeiro Deus trata com a igreja. No Antigo Testamento, a "casa de Deus" refere-se ao templo, mas agora o povo de Deus é o seu templo (1 Pe 2.4-10). O julgamento que começa na casa de Deus aqui não é punitivo, mas purificador e santificador. Este julgamento pode ter o propósito de purificação (Hb 12.9-11) ou de fortalecer a fé (1.6, 7). Não refere-se a condenação, mas a limpeza e correcção da igreja pelas mãos amorosas de Deus. Portanto, devemos avaliar nossas próprias perseguições dentro do grande contexto da obra de purificação e aperfeiçoamento que Deus faz em sua Igreja. Poderá haver ocasiões em que Deus, como um Pai amoroso, precise disciplinar-nos (como correção por causa do pecado ou) para que o sirvamos com mais fidelidade (Hb 12.5-13).

 

A perseverança é a evidência de que você realmente pertence a Cristo (Hb 3.12-15; 1 João 2.19). Aqueles que não permanecem com Cristo quando são testados pelo sofrimento pertencem “aos que não obedecem ao evangelho de Deus”, os quais serão julgados e condenados (1 Pd 4.3-5). 

 

O profeta Daniel descreve uma época em que um dos governantes dos últimos dias “proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo” (Dn 7.25). A questão crucial para você nestes dias — e naqueles dias — é você perseverará? Tendo em vista as tentações e os perigos aos quais os cristãos estão sujeitos, só o milagre da graça divina pode preservá-los até chegarem ao reino celestial (MacDonald, W. 2011).

 

Com base em provérbios 11.31, Pedro levanta a seguinte questão: se é com dificuldade que o justo é salvo, onde vai comparecer o ímpio, sim, o pecador? Pedro conhecia a sequência do julgamento de Deus para esta época, que começa connosco e atingirá os in­crédulos numa fúria total e final (muitíssimo diferente da disciplina e depuração por que passamos). Pedro usou este contraste para dar-nos a correta perspectiva do processo global (vide 2 Ts 1.4-7). É muito melhor suportar o sofrimento enquanto o Senhor purifica e fortalece a igreja do que suportar o sofrimento eterno do incrédulo no lago de fogo.

 

6. Confie em Deus no sofrimento (1 Pe 4.19). O sofrimento é, em última análise, parte da “vontade de Deus”, e os crentes devem, portanto, “confiar suas vidas” a Ele, visto que Ele é o “Criador fiel” e “para aqueles que amam a Deus, todas as coisas contribuem para o bem” (Rm 8.28). Deus governa sobre tudo o que acontece em nossas vidas (ver 1 Pe 3.17).

 

Deus é o nosso Criador amoroso e fiel. Devemos confiar nossas vidas inteiramente a ele, assim como Jesus fez quando sofreu. “O qual, quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente” (1 Pedro 2.23). 

 

O sofrimento não deve ser usado como desculpa para pecarmos. O sofrimento é uma oportunidade para nos entregarmos a Deus e fazermos o bem aos outros, dando testemunho da nossa fé (4.19b). O cristão não deve pensar que o seu sofrimento é algo que aconteceu de modo acidental. Deus permitiu-a e designou-a para provar-nos, purificar-nos e limpar-nos.

 

Deus é fiel e totalmente digno da nossa confiança. Não podemos julgar a bondade e o poder de Deus antes de vermos os novos céus e a nova terra, onde a dor é banida, o sofrimento é aniquilado e a morte é expulsa para sempre. Deus é soberano até mesmo sobre nosso sofrimento e dá alívio em seu bom tempo (1 Pe 4.19); “depois que tiverem sofrido por um pouco de tempo, ele os restaurará, os sustentará e os fortalecerá, e os colocará sobre um firme alicerce” (1 Pedro 5.10).

 

Se acreditarmos que o nosso sofrimento é resultado do acaso, à parte da vontade de Deus, somos as pessoas mais miseráveis do mundo. Mas se confiamos que há um propósito de Deus em nossa dor, ainda que não tenhamos todas as respostas, seremos capazes de dizer com Jó: “eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (Jó 19.25). Ou, então, como testemunhou o profeta Habacuque: “Porque ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; ainda que dececione o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja gado; todavia eu me alegrarei no Senhor; exultarei no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha força, e fará os meus pés como os das cervas, e me fará andar sobre as minhas alturas” (Hb 3.17-19).

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Referências: Achtemeier, P.J. 1996. 1 Peter: a commentary on First Peter E. J. Epp, ed. Minneapolis, MN: Fortress Press. / Arndt, W., Danker, F.W., et al. 2000. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian literature, p.47. / Barnes, A. 1884–1885. Notes on the New Testament: James to Jude R. Frew, ed. London: Blackie & Son. / Bray, G. ed. 2000. James, 1-2 Peter, 1-3 John, Jude. Downers Grove, IL: InterVarsity Press. / Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Holmer, U. 2008. Comentário Esperança, Primeira Carta de Pedro. Curitiba: Editora Evangélica Esperança. / Kistemaker, S.J. 2006. Epístolas de Pedro e Judas. SP: Editora Cultura Cristã. / Louw, J.P. & Nida, E.A. 1996. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains, 1, p.767. / Lopes, H.D. 2012. 1Pedro: Com os Pés no Vale e o Coração no Céu. SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2003. O poder do sofrimento. RJ: CPAD. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Moo, D. J. 2018. The Letters and Revelation (Em D. A. Carson, ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2245–2246. / Sproul, R.C., 2016. Estudos Bíblicos Expositivos em 1 e 2Pedro. SP: Cultura Cristã.

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes