O AMOR DE DEUS

              

 

 O AMOR DE DEUS

1João 4.7-12


Estes versículos descrevem o que é o amor perfeito e de que modo ele esta disponível aos homens. Esta passagem também fornece um critério visível pelo qual aqueles que são de Deus podem ser identificados. 


Esta é a última secção de João sobre o amor (cf.: 1Jo 2.7-11; 3.10-14). João aqui retoma a questão do discernimento (4.1-2), apontando que aqueles que receberam o Espírito de Deus (4.13) são aqueles que receberam o amor de Deus por meio da fé em Cristo, que veio em carne (4.2). 


Três pontos principais são claros nesta passagem: (1) Deus é o único que tem autoridade para definir o que é “amor”. (2) O amor de Deus por nós é supremamente expresso na cruz de Jesus Cristo. (3) Aqueles que receberam o amor do Pai irão, em virtude de sua relação espiritual com o Pai, manifestar o amor pelos outros em suas vidas. 


O amor originou-se em Deus (4.7-8). O amor, como os cristãos entendem, não é uma realização humana; é de origem divina, um presente de Deus. Nós amamos porque Deus amou-nos primeiro (4.19). 


A história humana testemunhou muitas coisas motivadas pelo amor a Deus, algumas delas actos horrendos de maldade. Mesmo o “amor” mais sincero e bem-intencionado por Deus, que tem sua origem apenas nas emoções e sentimentos humanos, não é o tipo de amor de que fala João. O tipo de amor de que fala João não tem origem no ser humano, mas vem do Espírito de Deus.


As definições de amor e moralidade não podem originar-se do pensamento humano separado de Deus, pois é apenas o próprio Deus que, por sua natureza, está qualificado para definir tal verdade fundamental. Deus, como o criador e juiz, é o único que tem autoridade para definir o que é amor (4.7-8, 10, 16). Mas sua definição é tão diferente da do mundo que aqueles que preferem sua própria definição, mais voltada para o próprio interesse, muitas vezes a rejeitam. 


Por causa de nossa natureza humana pecaminosa e caída, perdemos a capacidade de definir, e muito menos de praticar, o amor como fomos criados para fazer. E assim o Novo Testamento associa intimamente o amor a Deus com moralidade. O apóstolo João diz-nos que amar a Deus significa guardar seus mandamentos o que envolve como tratamos uns aos outros: “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos.” (1 Jo 5.2). “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis nele.” (2 Jo 1.6).


Deus é amor (4.8). Isso significa mais do que Deus é amoroso ou que Deus ama às vezes. Ele ama não porque encontra objetos dignos do seu amor, mas porque amar faz parte da sua natureza. Amar não é apenas mais uma ação de Deus, como governar. Em vez disso, toda atividade de Deus é atividade amorosa. Portanto, mesmo o julgamento de Deus e suas acções punitivas são fundamentadas por sua natureza amorosa. 


João não está dizendo que Deus é apenas amor (ele tem vários outros atributos), nem que o amor é Deus (uma declaração para a qual não há suporte bíblico). Aqui é como em duas outras fórmulas joaninas que descrevem Deus, “Deus é luz” em 1 João 1.5 e “Deus é Espírito” em João 4.24.


Esta representação de Deus nas cartas de João requer uma compreensão de Deus como um ser pessoal, não apenas um "poder superior" ou uma abstração definida humanamente. Se Deus “é” amor, então foi amor desde sempre e desde a eternidade. Havia amor eterno entre as pessoas da Trindade, mesmo antes de o mundo ser criado (João 17.24), e o amor de Deus é a fonte final de qualquer amor que os cristãos são capazes de demonstrar (1 Jo 4.11, 12, 19).


Todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus (4.7). Quando tomada sem a definição de amor de Deus, esta declaração de João pode ser mal-empregada para justificar quase tudo que o coração humano pode imaginar. O mundo está cheio de amor falso. Muitas pessoas tentam justificar relacionamentos românticos ilícitos em nome de um “amor” que é definido por emoções e ideias meramente humanas, por mais poderosas que sejam. Os pais e cônjuges podem confundir a necessidade de controlo com amor. Alguns podem tentar justificar a eutanásia ou o aborto por alguma falsa definição de amor. Mas o amor é o oposto do pecado, e qualquer coisa praticada que a Bíblia define como pecado não pode ser amor autêntico. Portanto, Não é todo aquele que ama da maneira que quiser que é nascido de Deus, mas todo aquele que ama como Deus define o amor (4.8). 


O verbo “foi gerado” está no tempo perfeito, denotando que o novo nascimento precede o amor e o conhecimento. Este ensino não apenas serve para motivar os relacionamentos correctos dentro da comunidade, mas também para fornecer um critério de discernimento a respeito daqueles que não são realmente membros dela. Esta passagem apresenta-nos então como alguém pode saber que conhece a Deus, e também como identificar aqueles que não são verdadeiramente parte da comunidade de crentes (1 Jo 2.19).


O amor é apresentado aqui como uma consequência, não uma pré-condição para nascer de Deus (cf. 4.8-11). É preciso ser nascido de Deus para verdadeiramente poder amar. Não podemos realmente, e com um coração sincero, amar os irmãos a menos que o Espírito aplique seu poder em nós (Rm 5.5).


O verdadeiro cristão é aquele que ama (4.7). Tentar separar a fé do amor é o mesmo que tentar remover o calor do sol. Não há conhecimento de Deus onde não há amor. Aqueles que nasceram de Deus também são definidos por seu amor pelos outros - tal pai, tal filho, como diz o ditado. Se Deus é amoroso, aqueles que afirmam conhecê-lo como seu Pai também devem ser amorosos. 


Se todo aquele que ama foi gerado por Deus e conhece a Deus, o inverso também é verdadeiro: quem não ama não conhece a Deus. Esta é a terceira vez que João menciona aquele que não ama. Tal pessoa não é de Deus (3.10), permanece na morte (3.14), e aqui, não conhece a Deus. Por outras palavras, tal pessoa não tem vida eterna, pois a essência dessa vida é o conhecimento de Deus e daquele a quem ele enviou: “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (João 17.3). 


Portanto, a falha em amar não é simplesmente uma falha ética, mas significa que a pessoa permanece nas trevas do pecado, à parte da salvação. Aqueles que falham em amar estão fora da comunidade cristã e não têm um testemunho verdadeiro de Deus, pois não têm conhecimento verdadeiro de Deus. O conhecimento pessoal de Deus e o amor pelos outros como Deus o define são inseparáveis. A exortação de João, portanto, exige implicitamente um auto-exame.

    

O amor de Deus manifestou-se em seu filho (9-10). A morte violenta de um homem executado como um criminoso sedicioso seria o último lugar que se esperaria ver uma demonstração de amor, mas é exatamente onde o NT o localiza. O amor de Deus foi manifestado no envio de seu único Filho ao mundo, para ser o sacrifício propiciatório pelos nossos pecados. 

Deus expôs à morte seu único Filho em nosso favor (Rm 8.32). Ele amou-nos antes mesmo que nascêssemos (Ef 1.4-5), e também quando, pela depravação da natureza, nossos corações estavam afastados dele e não deixavam-se influenciar por nenhum sentimento piedoso (Rm 5.8).


O juízo do pecado na cruz foi o exemplo supremo do amor de Deus, pois ele derramou a sua ira sobre o seu Filho amado que estava no lugar de pecadores (Rm 5.8; 2Co 5.21). A cruz de Cristo é onde o amor une as demandas da justiça de Deus e de sua misericórdia (3.16; Rm 8.32; Ef  5.25).


Para percebermos grandeza do amor de Deus precisamos compreender que somos pecadores, e assim, como objetos da ira de Deus (Jo 3.36, Ef 5.1-6, Rm 1.18, 2.5-8; Ef 2.3), e ainda assim como aqueles por quem Cristo morreu. Deus estava irado connosco por causa de nossos pecados e não podia reconciliar-se connosco até que Cristo removesse nossa culpa (Jo 3.36). Assim, por causa da cruz de Cristo, podemos experimentar a plenitude do amor de Deus. Este é um dos paradoxos retumbantes do NT - de que é o amor de Deus que desvia a ira de Deus de nós. É precisamente neste desvio da ira que vemos o que é o verdadeiro amor (cf.: Is 53.6, 10).


A cruz de Jesus Cristo é o amor de Deus estendido através do abismo que prendeu-nos no lado do inferno, separados de Deus e presos em nosso pecado. Não há outra ponte pela qual possamos passar da morte para a vida (João 5.24). 


Jesus Cristo é chamado o Filho único de Deus (4.9). A tradução tradicional “unigênito" é uma interpretação introduzida pela tradução latina de Jerônimo. Mas o termo monogenēs, na língua grega, enfatiza a singularidade de Cristo - a relação singular do Deus Filho com o Deus Pai, sua preexistência e sua natureza divina. Deus tem muitos filhos, mas Jesus não é apenas um deles. Ele é único, o Filho da mesma essência de Deus Pai, que estava com Deus e era Deus (João 1.1). 


A singularidade de Jesus Cristo é fundamental na teologia cristã. O cristianismo não é baseado no sacrifício humano, pois Deus não escolheu um de seus filhos humanos para ser sacrificado em nome dos outros. O próprio Deus Filho entrou na humanidade na pessoa de Jesus, fazendo de Jesus um ser humano único, excecionalmente qualificado para pagar a pena pelos pecadores. 


João não cita o nome de Jesus ou Cristo; ao invés disso, ele usa a palavra Filho para chamar a atenção sobre o relacionamento íntimo entre Pai e Filho. Deus, o Pai, enviou o seu único Filho ao mundo (Jo 1.18; 3.16,18; cf. tb. Hb 11.17). O Pai o enviou ao mundo como a maior dádiva já oferecida (Jo 17.3), para que todo aquele que Nele crê não pereça mas tenha a vida eterna (cf. Jo 3.14-16).


O propósito do envio é que possamos viver por meio de Cristo, através de sua morte sacrificial por nossos pecados (4.9-10). Através do pecado estávamos todos alienados de Deus. Esta alienação permanece até que Cristo intervenha para reconciliar-nos. 


Propiciação significa "apaziguamento" ou "satisfação". No entanto, aqui não é uma referência focada na ira de Deus, mas em seu amor - ao perdoar os nossos pecados (4.10). O sacrifício de Jesus na cruz satisfez as exigências da santidade de Deus para o castigo do pecado (cf. 2Co 5.21). Assim, Jesus tornou Deus propício (favorável), ao satisfazer Sua justiça e santidade. Cristo tornou-se nosso propiciatório como aquele que ficava no Santo dos Santos, no qual o Sumo-Sacerdote aspergia o sangue do sacrifício no dia da Expiação (Lv 16.15; Hb 9.5). Cristo fez isso quando o seu sangue, derramado em favor de outros, satisfez as exigências da justiça santa de Deus e de sua ira contra o pecado.


A consequência do amor de Deus por nós é que, agora, devemos amar uns aos outros (4.11). O amor que vem de Deus, o amor que ele tem por nós, atinge a perfeição em nosso amor pelos outros, que é o que Deus quer e o que os crentes são ordenados a fazer. Conforme escreveu o apóstolo João: “E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento” (1 João 3.23).


O facto de Deus ter enviado o seu Filho da aos cristãos não somente o privilégio da salvação, mas a obrigação de seguir esse padrão do amor sacrificial (Ef 5.1-2).


O amor de Deus define o padrão para o amor que os cristãos são chamados a incorporar. Agir com amor sacrificial para com os outros significa perdoar aqueles que precisam de nosso perdão, assim como Deus perdoou-nos em Cristo. Significa gastar nosso tempo e recursos atendendo às necessidades dos outros (1 Jo 3.16-18). Uma boa ilustração é a parábola do bom samaritano (Lc 10.29-37), na qual Jesus define tanto o "próximo" quanto o "amor". 


Um certo doutor da lei perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? “E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; e, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele; e, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar. Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira (Lucas 10.29-37). 


Note que a ordem de Jesus para amar o próximo não é uma exigência de intimidade forçada ou sentimentalismo superficial. É uma ordem para atender às necessidades dos outros quando os encontramos. 


Ninguém pode ver Deus em seu acto de amor uma vez que Ele é invisível (4.12). Uma vez que Deus é Espírito (Jo 4.24), homem algum jamais o viu em sua essência ou seu ser-espíritoMas em Jesus os homens puderam ver a Deus na forma humana (Jo 1.18; 5.37; 6.46; 14.8-9). O filho de Deus é a revelação suprema e completa de Deus na expressão humana. Contudo, o Filho de Deus não esta mais fisicamente no mundo para manifestar visivelmente o amor do Pai. A única demonstração visível do amor de Deus nesta era é a igreja de Cristo, quando há amor entre os irmãos. Conforme disse o Senhor Jesus: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (João 13.34,35). E também como lemos em 1 João 4.20-21: “Se alguém afirma: “Amo a Deus”, mas odeia seu irmão, é mentiroso, pois se não amamos nosso irmão, a quem vemos, como amaremos a Deus, a quem não vemos? Ele nos deu este mandamento: quem ama a Deus, ame também seus irmãos”. Deus, portanto, é revelado na qualidade dos relacionamentos dos cristãos com os outros (Jo 13.34).


Embora o evangelicalismo atual enfatize muito o “Jesus-e-eu”, a Sagrada Escritura não concebe um cristão isolado e independente (1 Pedro 2.4-5). O Novo Testamento fala de amar a Deus em termos de relacionamento com seu povo, quando nos reunimos para a adoração, enquanto oramos uns pelos outros, enquanto participamos da Ceia do Senhor juntos. Até mesmo os mandamentos de Deus, que estipulam a obediência a Deus, são em grande parte mandamentos sobre como tratar os outros (Êxodo 20.12-17; Dt 5.16-21). 


Resumindo, o argumento de João pode ser resumido assim (João 4.7-12): o amor originou-se em Deus, manifestou-se em seu Filho e foi demonstrado em seu povo.


Oremos para que Cristo habite pela fé em nossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, possamos perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecermos o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejamos cheios de toda a plenitude de Deus (Ef 3.17-19). 

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Referências:

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Boor, W. 2008. Comentário Esperança: Cartas de João. Curitiba: Editora Evangélica Esperança (I João 4.7-12).

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Calvino, J., 2015. Epístolas Gerais. 1º Edição. São José dos Campos, SP: Editora FIEL.

Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles (1 John 4).

Jobes, K.H. 2014. 1, 2 e 3 John. Grand Rapids, MI: Zondervan (1 John 4.7-12).

Kistemaker, S. J. 2006. Tiago e Epístolas de João. 1a ed. SP: Editora Cultura Cristã (1 John 4.7-12).

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Morris, L. 2009. 1 João. (In Carson, D. A. ed., et al. Comentário Bíblico Vida Nova. SP: Edições Vida Nova, p. 2106-2107). 

Packer, J. I. 1998. Teologia Concisa: síntese dos fundamentos da fé cristã. SP: Cultura Cristã, p. 43-45.

A exclusividade do Evangelho da graça de Deus em Cristo


Na carta aos Gálatas, Paulo expõe em detalhes o que é o evangelho e como ele opera. Mas o público-alvo dessa explanação é só de cristãos professos. Isto significa que não são apenas os não cristãos que precisam do evangelho, mas também os crentes.


O evangelho não é apenas a maneira pela qual entramos no reino, mas a maneira pela qual vivemos na condição de participantes do reino. O evangelho é a maneira pela qual Cristo transforma as pessoas, igrejas e comunidades. Como observou Tim Keller, “o evangelho cria uma nova dinâmica radical para o crescimento pessoal, para a obediência, para o amor”. 


Na abertura de suas cartas, Paulo normalmente oferece uma oração de ação de graças por sua audiência (Rm 1.8; 1 Co 1.4; Fp 1.3). Mas com os gálatas, não há motivo para ações de graças; pois eles estavam afastando-se do evangelho da graça por outro evangelho. Aqui Paulo limita-se a dizer: “Maravilho-me” (“estou admirado”, “surpreso” v. 6). Esta expressão de espanto, em termos retóricos, pode ser interpretada como o início da secção de repreensão da carta.


O que despertou estes sentimentos em Paulo? Em primeiro lugar, Paulo ficou admirado porque aqueles cristãos estavam a deixar-se levar por um falso evangelho (1.7). Em segundo lugar, o alvo principal de sua fúria são aqueles que queriam perverter o evangelho de Cristo (v. 7b). Paulo invoca a maldição escatológica de Deus sobre eles (v. 9). A palavra “anátema” aqui refere-se a colocar alguém sob o julgamento de Deus: Deus vai punir aqueles que distorcerem a mensagem do evangelho de Cristo.


Ao percorrermos a carta, vemos que um grupo de mestres judeus (missionários rivais) vinha ensinando aos cristãos gentios que eles eram obrigados a cumprir os costumes culturais judaicos da Lei Mosaica – em relação a circuncisão e às demais leis cerimoniais para serem plenamente aceitos por Deus, e como requisitos para serem membros do povo da aliança de Deus (cf. 5.2-6; 6.12-13; 2.3-5). Entretanto, Paulo diz que esse ensino judaizante (2.14) consiste numa rejeição completa da suficiência e da exclusividade de Cristo.  


Portanto, esses intrusos nas igrejas da Galácia não estavam a proclamar o evangelho verdadeiramente, mas estavam a alterar o imutável e único evangelho de Cristo (1.7; 5.10, 12). Eles estavam a seduzir os gálatas a voltarem-se da luz do verdadeiro evangelho para as trevas de um falso evangelho.


A linguagem forte usada por Paulo, demonstra que ele não considera estes intrusos como crentes, pois eles pregam um evangelho diferente. Paulo também está zangado com os próprios cristãos da Galácia, e os adverte de que estão a afastar-se do Deus que os chamou à graça de Cristo (v. 6b).


Quem é Paulo para escrever a estes cristãos desta maneira? Paulo é um apóstolo (1.1): um homem “enviado” com autoridade divina imediata. A frase “não da parte de homens, nem por homem algum” deixa claro o carácter exclusivo dos primeiros apóstolos. Embora os actuais ministros da palavra recebam sua chamada de Deus (a razão última de sua chamada, fundamentada na Escritura), são separados por intermédio de outros ministros humanos, ou por meio da eleição de uma congregação. O apóstolo Paulo, no entanto, foi comissionado e ensinado directamente pelo próprio Senhor Jesus ressurrecto (At 9.1-19). Ele recebeu autoridade absoluta de Cristo e que ele escrevia era Escritura inspirada pelo próprio Deus. 


Nos versículos 8 e 9, Paulo informa que foi enviado com uma mensagem divina específica: o evangelho. Seu ensinamento divino serve de padrão para julgar quem é ORTODOXO e quem é HEREGE, como ele diz no versículo 9.


Na abertura da carta, Paulo apresenta um esboço da mensagem central do evangelho: 

A condição espiritual da humanidade pós-queda: impotente e perdida. É o que pode ser subentendido pelo uso da palavra “livrar” no versículo 4. Não se pode livrar pessoas a menos que estejam cativas e em condição de impotência! A condição espiritual do homem, por causa do pecado, é de inabilidade total. Nada do que somos ou fazemos nos salva. Portanto, é de um libertador que nós mais precisamos.


Jesus é o libertador, que “se entregou a si mesmo pelos nossos pecados” (v.4a). A palavra “pelos” significa “em benefício de” ou “no lugar de”. A morte de Cristo foi substitutiva. Ele não comprou apenas uma “segunda chance”, dando-nos nova oportunidade. Ele fez tudo que precisávamos fazer e deveríamos ter feito, mas não conseguimos. A expiação realizada por Cristo é eficaz! Seu sacrifício foi completo, perfeito, suficiente, definitivo.


Deus Pai aceitou a obra de Cristo em nosso benefício ressuscitando-o “dentre os mortos” (v.1) e dando-nos a “graça e paz” (v. 3) que Cristo conquistou por nós. Tudo isso foi feito por Sua graça soberana – não por algo que tenhamos feito, mas “segundo a vontade de Deus nosso Pai” (v. 4d). Não há nenhum indicativo de qualquer outra motivação ou causa para a missão de Cristo, exceto a soberana vontade de Deus. Não há nada em nós que mereça a salvação. Portanto, o único que recebe “glória para todo o sempre” é Deus (v. 5).


Por essa razão, o apóstolo Paulo condena qualquer ensino que não seja baseado no facto de que: (a) Pecamos demais para contribuir para nossa salvação (precisamos de uma libertação completa). (b) Somos salvos pela fé na obra de Jesus Cristo – a “graça de Cristo” – e mais nada.


Contudo, os opositores de Paulo nas igrejas da Galácia estavam pervertendo a verdade do evangelho. E Paulo diz que qualquer mudança no evangelho significa transformá-lo em algo “que, na realidade, não é o evangelho” (cf. v. 7, NVI). 


Os cristãos são chamados “pela graça de Cristo” (v. 6). Deus chamou-nos e aceitou-nos de pronto, apesar de não merecermos. No versículo 7, Paulo diz que qualquer ensinamento que acrescente a manutenção da lei cerimonial à fé em Cristo “perverte” o evangelho. Logo, se acrescentarmos qualquer coisa a Cristo como um requisito para sermos aceitos por Deus – se começarmos a dizer: para sermos salvos, precisamos da graça de Cristo mais alguma coisa -, revertemos por completo a ordem do evangelho, anulando-o e esvaziando-o.   


Hoje em dia muitos abraçam o pluralismo (que a salvação pode ser obtida por meio de todas as religiões) ou o inclusivismo (que as pessoas podem ser salvas por meio de Cristo, embora nunca tenham ouvido o evangelho). Num mundo onde a tolerância é valorizada e a rigidez das gerações anteriores é rejeitada, estamos inclinados a ir para o outro extremo. Os anátemas de Paulo, portanto, revelam o quanto nos afastamos do testemunho bíblico, indicando que nossas igrejas não equilibraram corretamente as doutrinas da santidade de Deus e seu amor. 


Muitos ensinam que não tem muita importância aquilo que uma pessoa crê, desde que seja uma pessoa amorosa e boa. Essa visão ensina que todas as pessoas boas, independentemente de sua religião (ou falta dela), encontrarão a Deus. Embora a ideia pareça revelar uma mente aberta, ela é intolerante para com a graça. Pois se o caminho das boas obras é suficiente para se chegar a Deus, então a morte de Jesus não era necessária; basta a virtude. O problema é que isso contradiz o evangelho que convida “tanto maus quanto bons” ao banquete divino (Mt 22.10). Se as pessoas “boas” podem conseguir a vida eterna por si mesmas, então a “glória para todo o sempre” (v.5) é transferida para elas por serem boas o suficiente para o céu. Todavia, o evangelho desafia as pessoas a verem seu pecado radical. Sem esse senso do próprio mal, deixaremos de compreender a glória da graça de Deus; e o quanto Deus é glorificado pela presença de qualquer pessoa no céu. 


Ademais, se deixarmos de proclamar que há apenas um nome pelo qual podemos ser salvos (Atos 4.12) e que os seres humanos vêm a Deus somente por meio de Jesus Cristo (João 14.6), sem dúvida daremos garantia de salvação às pessoas que estão caminhando para o julgamento final.


Paulo apresenta o conteúdo do evangelho como um padrão para julgar todas as afirmações de verdade, sejam elas externas (de mestres, escritores, pregadores, líderes institucionais ou mesmo ministros ordenados em uma hierarquia eclesiástica) ou internas (sentimentos, sensações, experiências). Esse padrão é o evangelho que ele, junto com os outros Apóstolos receberam de Cristo e ensinaram, o qual é encontrado nessa carta e em todo o restante da Bíblia. “Ainda que nós [...] ou um anjo [...] vos pregue um evangelho diferente [...] seja maldito” (v. 8).


No versículo 8, Paulo está dizendo que até sua autoridade apostólica deriva da autoridade do evangelho, não o contrário. Ele diz aos gálatas para avaliarem tanto seu apostolado quanto seu ensino à luz do evangelho bíblico. A Bíblia julga a igreja; a igreja não julga a Bíblia. A Bíblia é que cria e fundamenta a igreja; a igreja não cria nem fundamenta a Bíblia. A igreja e sua hierarquia devem ser avaliadas pelo crente à luz do evangelho bíblico, considerando-o o padrão para avaliar todas as afirmações de verdade. Tampouco nossa experiência pessoal é o padrão de avaliação da verdade. Não julgamos a Bíblia por nossos sentimentos ou convicções; julgamos nossas experiências pela Bíblia. 


Portanto, se um anjo aparecesse literalmente perante uma multidão de pessoas e ensinasse que a salvação é obtida pelas boas obras (ou qualquer outra coisa, exceto somente por Cristo, por intermédio da fé somente), deveríamos considerá-lo anátema (v. 8). 


Por que o evangelho é algo acerca do qual precisamos ser inflexíveis e radicais? 

1. Porque abandonar a teologia do evangelho é abandonar Cristo em pessoa (v. 6). Uma diferença na sua compreensão do evangelho leva a uma diferença em sua compreensão de quem é Jesus – e isso significa que é questionável se de facto você o conhece. 


2. Porque outro evangelho não é de facto evangelho (v. 7). O evangelho não pode ser alterado, nem de leve, sem se perder. A mensagem do evangelho é: você é salvo pela graça (Sola Grafia) por meio da obra de Cristo (Solus Christus), e nada mais. Quando você faz qualquer acréscimo a isso, perdeu tudo de uma vez. No momento em que revisa o evangelho, você o reverte (Tim Keller).


3. Porque outro evangelho produz maldição (v. 8, 9, 10). O que está em jogo é algo muito sério: nosso conhecimento de Cristo, a verdade do evangelho e o destino eterno das almas. É por isso Paulo adotou uma linguagem tão severa. A franqueza rude de Paulo é por amor. Ele é um apóstolo que ama o Senhor, o evangelho do Senhor e o povo do Senhor. 


4. Porque devemos temer a Deus em vez das pessoas. Não devemos modificar a mensagem do evangelho para agradar as pessoas (1.10). É muito melhor ser um escravo de Cristo do que ser escravo das opiniões humanas sobre nós. A razão de muitos não crerem em Jesus foi porque eles almejaram a glória e o louvor das pessoas mais do que a glória de Deus (João 5.43-44; 9.22). 


No capítulo 12, João resume o ministério público de Jesus: “Ainda assim, muitos líderes dos judeus creram nele. Mas, por causa dos fariseus, não confessavam a sua fé, com medo de serem expulsos da sinagoga; pois preferiam a aprovação dos homens do que a aprovação de Deus.” (Jo 12.42-43). Entendo que esses versículos estão a ensinar que tais pessoas não tinham fé salvadora genuína (cf. João 2.23-25). Novamente, o motivo do fracasso em seguir a Jesus foi o medo dos seres humanos. 


A palavra de Deus diz que precisamos ser corajosos. O Senhor Jesus advertiu-nos que “qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e dos santos anjos.” (Lc 9.26).


Confie na graça de Deus revelada no evangelho. Creia que pela graça de Deus, por meio de Cristo, pelo poder do Espírito Santo, você será libertado do medo das pessoas.


Fontes: 

Keller, T. 2015. Gálatas para você. São Paulo: Edições Vida Nova (principalmente).


Schreiner, T.R. 2010. Galatians. Grand Rapids, MI: Zondervan.


Witherington, B., III. 1998. Grace in Galatia: a commentary on St. Paul’s Letter to the Galatians. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.


A DIFERENÇA ENTRE O JUSTO E O ÍMPIO

 

Salmos 1.1-6


Este salmo é considerado um salmo de conselhos práticos. Ele aborda os tópicos encontrados na literatura de sabedoria, como Provérbios, e torna-os objecto de cânticos. O propósito é que aqueles que cantam os salmos possuam também seus valores.


O Salmo 1 introduz todo o livro de Salmos. Esta abertura propõe-se a desafiar os leitores a comprometerem-se com o Senhor e com sua lei. O Salmo tem dois parágrafos, um sobre o justo (v. 1-3) e o outro sobre o ímpio (v. 4-6). O parágrafo sobre o justo é mais longo que o do ímpio. Os parágrafos têm uma ordem inversa. O parágrafo sobre o justo termina com uma metáfora e o do ímpio começa com uma metáfora. As metáforas mostram fortemente o contraste entre os dois.


diferenciação é o tema em torno do qual o poema está estruturado, traçando um contraste acentuado entre os Justos e os ímpios - que são os únicos tipos de pessoas do ponto de vista de Deus: (1) Os Justos, caracterizados pela retidão e obediência a Palavra de Deus. (2) Os ímpios, que representam as ideias do mundo e não permanecem na Palavra de Deus. 


A diferenciação deles é patente na maneira como vivem. O contraste também é estabelecido através da fonte de valores deles.  Esta separação e distinção entre esses dois grupos de pessoas existirá no decurso da história e continuara na Eternidade.


Tal diferenciação também foi anunciada pelo profeta Jeremias que disse: “… Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor! Porque será como a tamargueira no deserto, e não verá quando vem o bem; antes morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável. Bendito o homem que confia no Senhor, e cuja confiança é o Senhor. Porque será como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro, e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e no ano de sequidão não se afadiga, nem deixa de dar fruto” (Jeremias 17.5-8).


O CAMINHO DA BÊNÇÃO (Sl 1.1-3)

O livro do Salmos abre-se com um pronunciamento de bênção. “Bem-aventurado o homem”, diz o salmista. O substantivo hebraico usado aqui (é ashre, אַשְׁרֵי e) descreve alguém que é abençoado com a felicidade (lit. “quão feliz e abençoado é”). Seu equivalente grego - makarios - é encontrado nas bem-aventuranças de Jesus (Mt 5.3-11). Este homem piedoso é um representativo dos seguidores de Deus (homem ou mulher, jovem ou idoso).


O homem piedoso é descrito, primeiramente, em termos do que ele não faz (Sl 1.1). As três formas verbais no verso 1 referem-se ao comportamento característico dos justos. O justo é feliz naquilo que não faz: (a) Não anda segundo o conselho dos ímpios. (2º) Nem fica no caminho dos pecadores. (3º) Nem assenta-se na roda dos escarnecedores.


A pessoa justa é descrita pelo que evita. A sequência “andar-ficar-sentar” prevê uma progressão de uma associação casual com os ímpios para uma identificação completa com eles. Este é o caminho que justo evita com todo o cuidado.


O salmista descreve o caráter daqueles cuja confiança está no Senhor. Eles não olham para os ímpios como fonte de sabedoria; sua vereda não é aquela transitada por pecadores; sua companhia não é com aqueles que zombam de Deus ou que são arrogantes ao ponto de desprezar a instrução do Senhor. 


“Bem-aventurados todos aqueles que nele confiam” (Sl 2.12). Conforme o testemunho do profeta Jeremias, que disse: “Achando as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração; porque pelo teu nome sou chamado, ó SENHOR Deus dos Exércitos. Nunca assentei-me na assembleia dos zombadores, nem regozijei-me; por causa da tua mão assentei-me solitário; pois encheste-me de indignação” (Jr 15.16-17).


Os verdadeiros crentes podem ser conhecidos pelas coisas que praticam, pelos lugares que frequentam e pelas pessoas com as quais convivem. Ninguém pode experimentar a bênção de Deus sem evitar as coisas destrutivas. Não existe neutralidade na Vida Cristã (Mt 6.24). Muitas vezes o amor e o ódio caminham lado a lado: “Vós que amais o Senhor aborrecei o mal” (Sl 97.10). “O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegando-vos ao bem” (Rm 12.9). O mesmo João que falou-nos que o amor é a marca do verdadeiro cristão (1Jo 2.10), também diz que a marca do verdadeiro cristão é não amar o mundo (1Jo 2.15).


O salmista apresenta o estilo de vida de uma pessoa que é verdadeiramente feliz. O homem bem-aventurado é destacado porque “seu deleite está na lei do Senhor, e em sua lei medita dia e noite” (1.2). Ele tem o seu prazer na Lei do Senhor, que é a expressão da vontade de Deus. A instrução divina forma a base de sua conduta e é o tesouro de seu coração. A “Lei” aqui não significa uma lista de regras e as punições correspondentes, mas a plenitude do ensino de Deus para seus filhos. Portanto, o justo deseja o que Deus requer dele. Ele desenvolve-se por sua obediência a Palavra de Deus. Ele memoriza a lei, recita-a e medita nela. O texto lembra Josué 1.8, onde o Senhor diz a Josué: “Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido”. A pessoa feliz é caracterizada pela contemplação consistente e a interiorização da Palavra de Deus a fim de alcançar a direcção ética e a obediência. 


O resultado de tal meditação na instrução do Senhor é que o  indivíduo bem-aventurado é como uma árvore transplantada (v. 3) para as margens de um canal de irrigação. O salmista compara uma pessoa abençoada a uma árvore: forte, estável, bem nutrida, frutífera e próspera. Como diz o salmista: “O justo florescerá como a palmeira; crescerá como o cedro no Líbano. Os que estão plantados na casa do Senhor florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice ainda darão frutos; serão viçosos e vigorosos, para anunciar que o Senhor é reto. Ele é a minha rocha e nele não há injustiça” (Sl 92.12-15). 

Em sua posição bem irrigada, a árvore produz seu fruto, e sua localização assegura que ela não secará. Dessa forma ela assemelha-se ao verdadeiro filho de Deus que persevera até o fim (Fp 1.6) e que produz frutos de justiça (Gl 5.16-26). A árvore, portanto, transmite uma imagem de resistência. Essa árvore não será levada pelo vento como a palha. 


A árvore foi plantada - literalmente transplantada, isto é, uma nova posição que a pessoa foi colocada. As árvores não plantam-se sozinhas e nem os pecadores transportam-se sozinhos para o reino de Deus. A salvação é obra da maravilhosa graça de Deus. Em contrapartida, o Senhor Jesus disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada” (Mt 15.13).


Contudo, como o próprio contexto indica, há uma responsabilidade inquestionável quanto  a  apropriar-se dos recursos de Deus, que conduz a essa produtividade.

 

O CAMINHO DA RUÍNA  (Sl 1.4-6)

Quão diferentes são aqueles cuja confiança não está no Senhor! As linhas de demarcação entre os filhos de Deus e os filhos do mundo são claramente traçadas. Os que confiam no Senhor amam sua instrução. Os ímpios, porém, odeiam, desprezam e até zombam da instrução do Senhor. 


Diferente da árvore com raízes profundas, os ímpios são como a palha ou a casca do trigo, que é levada pelo vento quando o grão é peneirado. Uma referencia ao local da debulha e ao trabalho de separação dos grãos do trigo (Mt 3.12). A vida do ímpio é como uma palha seca, morta e transitória -  que facilmente é levada pelo vento. 


O contraste é claro. Em vez de ser como uma árvore viva, os ímpios são tão instáveis quanto a palha. São sem raiz e sem fruto. Tais pessoas não serão capazes de manter sua posição diante do tribunal de Deus, e nenhum direito terão de estar entre o povo de Deus na eternidade. Eles não subsistirão no Juízo. Eles não serão aprovados no julgamento de Deus. Não ficarão de pé na congregação do povo de Deus. 


O caminho dos justos é constantemente protegido pelo Senhor, enquanto que o caminho dos ímpios não tem futuro. Destina-se a perecer completamente. A repetição da palavra caminho reforça o propósito do salmo. Ela refere-se ao curso de vida total de uma pessoa (seu estilo de vida).  Aqui, esses dois cursos de vida (do justo e do ímpio) conduzem aos caminhos de vida e de morte (Dt 30.19; Jr 21.8). Deus fará o contraste durar para sempre. Os dois modos de vida são determinados pela relação de alguém com o Senhor. 


No Novo Testamento aprendemos que Jesus cumpriu o papel que nunca poderíamos cumprir e também é o modelo que devemos imitar. Nesse sentido, o Salmo 1 remete-nos para Cristo, o homem perfeito, o abençoado e justo Filho de Deus; e chama-nos a andar como ele andou (1 Jo 2.6)


Na avaliação divina final, os que tem um relacionamento correto com Deus (justos) contrastam com os que seguiram seu próprio conselho, e consequentemente, não viveram dentro dos parâmetros da palavra de Deus.  Acerca dos tais, profetizou Isaías: “… Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles” (Isaías 8.20). “Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mt 6.23). É por isso que Jesus disse: “Vê, pois, que a luz que em ti há não sejam trevas” (Lc 11.35).


O Senhor conhece o caminho dos justos. Conhecer aqui não é apenas uma referência a omnisciência de Deus, mas sobretudo ao relacionamento íntimo e pessoal de Deus com os seus servos. O Senhor protege e zela pelo destino dos piedosos.  “O Senhor conhece os dias dos retos, e a sua herança permanecerá para sempre” (Sl 37.18). Mas a respeito dos ímpios, a Escritura diz: “… o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade". (2 Timóteo 2:19). No juízo final, Jesus dirá abertamente: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mateus 7.23).


O Senhor conhece os nossos caminhos. A Escritura diz que “Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (Eclesiastes 12.14). 


O Caminho do ímpio perecerá. Ao contrário do justo, que tem a presença do Senhor com ele, o ímpio não prevalecerá no juízo de Deus, ficará fora da congregação dos justos e perder-se-á para sempre.


Perecerá, a última palavra, faz um contraste decisivo com a inicial, bem-aventurado (também começam com a primeira e a última letra do alfabeto hebraico respectivamente, alef e tau).


Há um desenvolvimento para o pior no grupo confiante de zombadores. No princípio o seu conselho, parece uma coisa importante, no final, porém, já não consegue ficar em pé sequer na congregação dos justosDá entender que a vida do justo vai subindo, como uma árvore mas a do ímpio vai descendo e desfazendo-se como moinha ou farelo levado pelo vento.


Um dia, o caminho do ímpio - seu comportamento pecaminoso - acabará em ruína (Ler Sl 112; Ap 6.17). Todos os seus planos terminarão em desapontamento e ruína (Sl 37.13; 146.8; Pv 4.19). O caminho dos ímpios perecerá refere-se à destruição final ou à frustração de esperanças ou planos. “Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus.” (Sl 9.17; 9.6). “O ímpio o verá, e se entristecerá; rangerá os dentes, e se consumirá; o desejo dos ímpios perecerá.” (Sl 112.10).


Esta cena final é novamente retratada na Escritura, como uma grave advertência contra os queixosos insolentes no meio do povo de Deus (Ml 3.13-4.2, NVI): “13 Vocês falaram coisas terríveis contra mim”, diz o Senhor. “Mas vocês perguntam: ‘O que falamos contra ti?’. 14 Vocês disseram: ‘De que adianta servir a Deus? Que vantagem temos em obedecer a suas ordens ou chorar por nossos pecados diante do Senhor dos Exércitos? 15 De agora em diante, chamaremos de abençoados os arrogantes. Pois os que praticam maldades enriquecem, e os que provocam a ira de Deus nenhum mal sofrem’. 16 Então aqueles que temiam o Senhor falaram uns com os outros, e o Senhor ouviu o que disseram. Na presença dele, foi escrito um livro memorial para registrar os nomes dos que o temiam e que sempre honravam seu nome. 17 Eles serão meu povo”, diz o Senhor dos Exércitos. “No dia em que eu agir, eles serão meu tesouro especial. Terei compaixão deles como o pai tem compaixão de seu filho obediente. 18 Então vocês verão outra vez a diferença entre o justo e o mau, entre o que serve a Deus e o que não serve. 4.1 Assim diz o Senhor dos Exércitos: “O dia do julgamento aproxima-se e arde como uma fornalha. Naquele dia, serão queimados como palha os arrogantes e os perversos. Serão consumidos, desde as raízes até os ramos. 4.2 Mas, para vocês que temem meu nome, o sol da justiça se levantará, trazendo cura em suas asas. E vocês sairão e saltarão de alegria, como bezerros soltos no pasto”.

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Referências Bibliográficas:

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Pastor Leonardo Cosme de Moraes