A Universalidade da Mensagem Cristã

                


Atos 10.1-11.18

 

A maioria de nós na igreja atual é de origem gentílica, mas fomos incluídos por causa do que se passou na casa de Cornélio em Cesareia. Nesta passagem vemos como Deus conduziu os gentios convertidos à comunhão dos santos (Gl 3.27,28; Ef 2.11–22), o Senhor preparou o coração de Cornélio e, simultaneamente, trabalhou em Pedro e através dele para pregar o evangelho na casa de Cornélio, um centurião romano, que se converte com sua família e amigos e recebe o Espírito Santo.

 

Este episódio divide-se em sete cenas, interligadas por muita repetição. A repetição demonstra a importância da história: Lucas descreve a visão de Cornélio quatro vezes (10.3-6, 22, 30-32; 11.13-14) e a visão de Pedro três vezes (10.9-16; 11:4-10), e Pedro relata todo o episódio para a igreja de Jerusalém (11.4-17). 

 

Lições a serem aprendidas sobre a conversão de Cornélio: 

1. Deus recruta pessoas para o seu reino de todos os lugares. Cornélio era um centurião romano, da coorte italiana, destacado em Cesareia (10.1), mas foi convertido num membro da família de Deus para ser um soldado de Cristo.

 

2. Deus recruta pessoas para o seu reino de todas as culturas. O livro de Atos descreve o progresso da igreja, inaugurada em Jerusalém, expandindo-se para a Judeia, para a Samaria, e então até aos confins da terra. Igualmente, o livro de Actos aborda quatro grupos distintos de pessoas: os judeus, os samaritanos, os gentios e os tementes a Deus. Os tementes a Deus eram aqueles gentios que haviam se convertido ao judaísmo em todos os aspectos, exceto um – eles não se submeteram à circuncisão. Eram chamados de tementes a Deus porque, embora fossem gentios, não acreditavam nos deuses e deusas de Roma, ou no panteão de divindades gregas, ou em qualquer religião oriental da época. Ao contrário, acreditavam no Deus Altíssimo e eram fiéis seguidores de Yahweh, o Deus de Israel. 


Cornélio era um homem piedoso, generoso e temente a Deus (10.2,3). De contínuo orava a Deus e dava muitas esmolas ao povo (10.2,4). Ele era um homem devoto nos moldes da religião judaica. 

 

3. O método de Deus para alcançar o mundo é a proclamação da mensagem do evangelho através da igreja. Aprendemos que esse homem temente a Deus e sincero ainda precisava ouvir o evangelho, arrepender-se e crer em Jesus (11.18; 15.7). Por volta das 3 horas da tarde (hora nona), enquanto estava a orar, Cornélio teve uma visão na qual um anjo veio e lhe deu ordens da parte de Deus, mas não lhe pregou o evangelho. 

 

Deus poderia ter ensinado Cornélio por meio do Seu Espírito ou de um anjo, sem o ministério de Pedro. No entanto, Ele recorre a Pedro, sobre quem o anjo afirma que: “Ele te dirá o que deves fazer” (At 10.6, RCF; 10.22; 11.14). Cornélio precisou enviar mensageiros ao apóstolo Pedro, na cidade de Jope, a 50 km de Cesareia, para que viesse pregar o evangelho a ele e sua família (10.4-8). Somente então Deus o salvou (11.14,18; 10.43; 10.45). Só então ele foi baptizado e recebido de forma pública na comunidade cristã.

 

4. Deus redimiu a alma de Cornélio e a mentalidade de Pedro (10.1-35). Deus preparou o coração de Cornélio e, simultaneamente, trabalhou em Pedro e através dele. Deus preparou o solo (Cornélio e sua família), trouxe o semeador (Pedro) e enviou a chuva (o Espírito Santo) para que houvesse uma colheita (conversão). Deus deu orientações específicas à Cornélio, não apenas para qual cidade ir, mas a que casa ir e onde se localizava – à beira-mar (10.5-8). 

 

5. A separação entre os judeus e os gentios era somente temporária. No dia seguinte, os mensageiros de Cornélio saíram a caminho de Jope para chamar Pedro. Nesse intervalo, Pedro subiu ao eirado da casa de Simão para orar na hora sexta, que é ao meio-dia. Nessa altura ele sentiu muita fome e queria comer, e assim os empregados da casa começaram a preparar uma refeição para Pedro. Enquanto preparavam, sobreveio-lhe um arrebatamento de sentidose nesse êxtase Pedro viu o céu aberto e algo parecido com um grande lençol. “Contendo toda sorte de quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. E ouviu-se uma voz que se dirigia a ele: Levanta-te, Pedro! Mata e come” (10.12–13). Em resposta ao que Pedro viu ele disse, “De modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa alguma comum e imunda” (10.14). Pedro era judeu de nascimento e nunca havia quebrado as leis dietéticas judaicas. 


No Velho Testamento, Deus declara certos animais ritualmente “impuros ou imundos” (Lv 11) e ordena aos judeus que não os comam. Pedro provavelmente pensou que essa visão era um teste de sua fidelidade e então recusa-se por três vezes a comer. Lucas informa que Deus ouviu os protestos de Pedro e disse, “Ao que Deus purificou não consideres comum” (10.15). Naquele momento, séculos de leis dietéticas e requisitos legais que Deus havia dado ao Seu povo através de Moisés foram revogados imediatamente.

 

A nação de Israel foi escolhida para ser um sacerdócio santo para o mundo. Deste modo, para manter sua pureza e identidade judaica, as leis dietéticas foram adicionadas por Deus à Velha Aliança até a vinda do Messias, o qual derrubou o muro de separação e começou a construir sua igreja, não só com os judeus, mas com samaritanos, gentios e os tementes a Deus.

 

O apóstolo Paulo escreve que este mistério - os gentios, através do ministério de Cristo, se tornaram parte do povo de Deus na Nova Aliança - estivera escondido há muito tempo (Cl 1.15-27). Até aquele momento, os gentios eram considerados fora do escopo da aliança que Deus fizera com Abraão e Moisés e consequentemente não tinham esperança. Quando Cristo inaugurou a nova aliança, a barreira entre judeus e gentios foi quebrada e a esperança foi estendida aos gentios.

 

Ao enviar um judeu para pregar aos gentios, Deus estava a derrubar as barreiras étnicas na igreja. Pedro interpreta sua visão quando vê a multidão de gentios reunida na casa de Cornélio e diz: Vocês mesmos sabem como é socialmente inaceitável para um judeu associar-se ou visitar um estrangeiro; mas Deus mostrou-me que ninguém deve chamar uma pessoa de impura ou contaminada (10.28). Portanto, a visão de Pedro não se tratava de alimentos ou animais, referia-se a pessoas. Deus revogou as leis dietéticas para demonstrar que os impuros estavam a ser acolhidos e purificados por Cristo. 

 

Pedro rejeita duas atitudes extremas e contrárias que os seres humanos têm adotado uns com os outros: Ele reconheceu que era totalmente inadequado tanto adorar uma pessoa como se fosse divina (o que Cornélio tentara fazer com ele, 10.25), como rejeitar alguém, considerando-a imunda (como teria feito anteriormente com Cornélio, 10.28). Pedro não aceitou que Cornélio o tratasse como Deus, e recusou-se a tratar Cornélio como um cão imundo.

 

6. Os elementos da mensagem do Evangelho (10.34-43). O evangelho, necessário ao mundo pagão que nos observa, é o que vemos no livro de Atos, sermão após sermão. É que vemos aqui em Atos 10, quando Pedro visita Cornélio e prega o evangelho. Nas definições do NT o evangelho é entendido em termos de um conteúdo definido, e esse conteúdo não está centrado em nós. O conteúdo foca na pessoa e obra de Jesus – quem Ele é e o que Ele fez – e sobre como podemos receber os benefícios de Sua Obra.

 

Pedro resumiu os principais eventos do ministério de Jesus conforme os Evangelhos registam: (1) a pregação de João Batista, (2) Jesus ungido com o Espírito em Seu batismo, (3) cura e exorcismos na Galiléia, (4) jornada através da Judéia para Jerusalém, (5) prisão e crucificação, (6) ressurreição no terceiro dia, (7) aparições de Cristo ressuscitado, (8) a Grande Comissão, e (9) futuro retorno de Jesus como Juiz de todos (10), e, consequentemente, a necessidade de se arrepender e crer para receber o perdão dos pecados por meio do Nome Jesus (10.34-43).

 

O conteúdo do evangelho pregado por Pedro apresenta alguns pontos de destaque (10.36–43):


(a) O evangelho está centrado na vida e nas obras de Cristo (10.38).  Precisamos dar o nosso testemunho, mas não devemos confundi-lo com evangelismo. Nosso testemunho é um pré-evangelismo. Nossa vida não é o evangelho; a vida de Cristo é o evangelho. O poder de Deus para salvação é o evangelho de Jesus Cristo.  Pedro proclamou a vida e o ministério de Jesus: Deus ungiu Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder para fazer o bem e curar todos os oprimidos do diabo. Jesus libertou os cativos, curou os enfermos e libertou os atormentados. Perdoou pecados, curou os cegos, limpou os leprosos e ressuscitou os mortos. 


(b) O evangelho está centrado na morte e ressurreição de Jesus Cristo (10.39-41). Pedro foi de imediato para a morte de Cristo, concentrando-se na cruz. Uma mensagem que não inclua a cruz não é evangelismo; não é o evangelho. Temos vida pela Sua morte. Sua morte foi em nosso lugar e em nosso favor. A mensagem da cruz é o grande equalizador: todos nós somos humilhados ao compreender a magnitude de nosso pecado e culpa; contudo, na cruz, a oferta de perdão é feita a todos sem distinção.

 

Mas na sequência, ele proclamou: “A este ressuscitou Deus no terceiro dia e concedeu que fosse manifesto” (10.40). Pedro fala como testemunha ocular e lembra que Jesus muitas vezes comeu e bebeu com os apóstolos depois de ter sido ressuscitado dos mortos (10.41). Ele fornece prova evidente de que o corpo físico de Jesus ressuscitou dentre os mortos e que o Senhor está vivo. 


Podemos dizer às pessoas coisas maravilhosas acerca de Deus e como Ele pode mudar suas vidas, e igualmente sobre Jesus, mas se a afirmação da ressurreição de Cristo está ausente desse testemunho, pode ser boas novas, mas não é o evangelho bíblico, porque a cruz de Cristo e Sua ressurreição são elementos indispensáveis ao evangelho.

  

(c) O evangelho está centrado no senhorio de Cristo (10.36,42). Jesus é o Senhor de todos (10.36) e o Juiz de vivos e de mortos (10.42). Todos comparecerão perante Ele para prestar contas da sua vida. Todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor para a glória de Deus Pai (Fl 2.10-11). 

 

Pedro afirma que logo após Jesus ter ressuscitado, Ele mandou que pregassem que Jesus é o Juiz de todos (10.42). Precisamos dizer às pessoas tudo o que a Bíblia realmente diz: Jesus é nosso Senhor e Juiz. Isso são más notícias, a menos que Ele seja também o nosso Redentor – a não ser que coloquemos nossa confiança somente Nele para nossa salvação. Então o Juiz dá remissão dos pecados; isto é, Ele apaga dos registos todas as acusações contra nós. Mas se não nos submetermos a Ele, o martelo do Juiz baterá, e não haverá misericórdia. Responderemos diante do Juiz com base na nossa justiça, ou na falta dela. Isso é o que Pedro, movido pelo Espírito Santo, expôs a Cornélio. 

 

(d) O evangelho oferece remissão de pecados para todo aquele que crê (10.43). A remissão e o perdão dos pecados, a salvação e a vida eterna são alcançados pela fé em Cristo (Jo 3.16). Deus não mostra parcialidade, mas recebe gratuitamente todos os que crêem em Seu Filho, Jesus Cristo.

 

8. O derramamento do Espírito mostrou a unidade de judeus e gentios na comunidade da Nova Aliança (11.15–17; 15.7–11; Ef 2.14). Enquanto Pedro ainda pregava, o Espírito de Deus foi repentinamente derramado sobre os gentios. Os que eram judeus reconheceram esse derramar porque ocorreu aqui a mesma manifestação que se dera em Jerusalém no dia de Pentecostes – os gentios convertidos começaram a falar em línguas. 


O “falar em línguas" também ocorreu no Pentecostes (2.4), mais tarde com o Efésios (19.6), e talvez também entre os samaritanos (8.18). Em todos os casos, falar em línguas confirmou a recepção deles como membros do povo de Deus na plenitude da nova aliança.

 

Esse foi o Pentecostes gentio em Cesareia, que correspondia ao Pentecostes judaico em Jerusalém. O que acontecera aos judeus, agora, também acontecia aos gentios. O batismo do Espírito Santo aqui é simultâneo com a salvação de Cornélio e sua família, e não uma bênção posterior.

 

Todos os crentes em Jerusalém receberam o Espírito; todos os crentes na casa de Cornélio receberam o Espírito. Entre os verdadeiros cristãos não existe tais coisas como uns “têm” e outros “não têm”. “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo” (1Co 12.13). Todo cristão é nascido do Espírito, habitado pelo Espírito, e foi batizado pelo Espírito. O batismo do Espírito Santo não é o mesmo que regeneração; regeneração não significa a mesma coisa que habitação do Espírito Santo. Podemos fazer distinções sobre a obra do Espírito Santo, mas a questão é que todas estas dádivas do Espírito são dadas na conversão (Rm 8.9). 

 

Os seis membros da delegação de Jope (11.12, 10.45) ouvem os gentios falando em línguas e louvando a Deus (10.46). Pedro, então, dá ordem aos seis cristãos judeus para batizarem os convertidos gentios (10.47-48). Assim, os gentios foram incluídos no corpo de Cristo (11.17-18). Eles receberam o sinal da aliança no batismo com água porque o que o batismo com água significa, em parte, é o batismo do Espírito. Se eles haviam recebido o batismo do Espírito, certamente podem ser membros plenos da igreja, por isso foram batizados com água (Atos 10.47-48).

 

Pedro informa a igreja de Jerusalém que o Espírito desceu sobre os gentios exatamente como o fizera com os apóstolos no Pentecoste (11.15) e que Deus dera aos gentios o mesmo dom que concedera aos judeus (11.17). Os crentes judeus agora veem que os gentios e judeus são iguais aos olhos de Deus (11.18). 

 

O Espírito Santo de Deus é derramado em cada um de nós, e se estamos em Cristo, temos o Espírito. Não obstante, o Espírito de Deus trabalha com a Palavra e através da Palavra, nunca contra a Palavra. Se você quiser saber qual é a direção do Espírito de Deus para sua vida, terá que dirigir-se ao livro do Espírito Santo. Na Palavra de Deus você pode confiar, não nos palpites interiores de um mero ser humano.

 

Palavra e Espírito caminham juntos. O Espírito caiu sobre todos os que ouviram a Palavra. Quando Cornélio, sua família, seus parentes, amigos e servos ouviram a mensagem de Pedro, seus corações foram abertos, se arrependeram e creram no Evangelho de Jesus. Pedro disse aquelas palavras, mas as pessoas sobre quem o Espírito caiu ouviram a Palavra.


As experiências espirituais só podem ser explicadas pela Palavra de Deus. Quando o Espírito Santo caiu sobre os gentios, Pedro se lembrou imediatamente lembrou-se da palavra do Senhor de que seus discípulos seriam batizados com o Espírito Santo (11.16). Pedro não apenas confiou em sua visão e nas experiências espirituais da casa de Cornélio, mas testou essas coisas pelos ensinamentos de Cristo (1.5; Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16).

  

Lições práticas:

  • Deus não mostra favoritismo baseado em diferenças étnicas ou sociais entre as pessoas (10.34; Rm 2.11). Os judeus não estavam em melhor situação do que os gentios, pois todos devem ser salvos somente pela graça de Deus (Rm 3.22–24; Atos 15).
  • Deus liberou Seu povo para comer todos os tipos de alimentos como os gentios faziam (10.14; 1 Tm 4.3-5), implicando no cumprimento das leis de pureza ritual do VT (At 10.15; Cl 2.16–17) e na unificação de judeus e gentios em Cristo (Ef 2.11-22). Em Marcos 7.15, Jesus deixou claro que leis dietéticas eram simbólicas e não tinham a inerente habilidade de tornar alguém justo, quando Ele disse que nada que entra no homem pode contaminá-lo. É o que sai de uma pessoa (maus pensamentos, palavras e outras expressões de um coração pecaminoso) que causa contaminação. Em 1 Timóteo 4.1-5, sobre a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, Paulo adverte que “toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada.”
  • Nenhum pecador é tão vil que não possa ser salvo por Deus. Todos nós começamos esta vida impuros, mas se já confessamos a Cristo e depositamos somente Nele a nossa esperança e confiança para salvação, fomos declarados limpos por Deus! Não há condenação para os que estão em Cristo (Rm 8.1), pois ele removeu nossos pecados (Sl 103.12; Is 1.18).
  • Aqueles que recebem o evangelho, esses recebem o Espírito Santo e devem ser integrados na igreja (10.44–48, 11.15-18).

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Referências: 

Beeke, J. R., Barrett, M. P. and Bilkes, G. M., eds. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1576. / Carson, D. A., Ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1971–1975. / Crossway Bibles. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2104-2105. / Esther, Chung-Kim., et al. Atos: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 186–190. / Holcomb, J. S. Gospel Transformation Bible: ESV. Wheaton, IL: Crossway, 2013, p. 1470–1471. / Kistemaker, S. Atos. 2a ed., vl. 1, Comentário do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 497–526. / Lopes, Hernandes Dias. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 205–225. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 363–365. / Parsons, Mikeal C. Acts, Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 140-163. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 156–175. / Stagg, Frank. Atos, a luta dos cristãos por uma igreja livre e sem fronteiras. 3ª Edição. RJ: JUERP, 1994, p. 115-122. / Stott, John. A mensagem de Atos: até os confiança terra. SP: ABU, 2008, p. 206-223.

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes

Justificados pela fé


 Romanos 5.1-11

A doutrina da justificação pela fé somente é o princípio material da reforma. A teologia da Reforma nasceu da luta pela doutrina da justificação pela fé. O reformador Martinho Lutero definia a justificação pela fé como “o artigo mediante o qual a igreja mantêm-se de pé ou cai”. Lutero insistia que o homem recebe a justiça salvadora de Deus quando apropria-se da graça de Deus pela fé somente. Ele viu a doutrina da justificação, “pela graça somente, através da fé somente, por causa de Cristo somente”, como o âmago do Evangelho.

 

“O Evangelho como Justiça de Deus para todo o que crê” é o tema central da Carta aos Romanos (Rm 1.17). Inicialmente, Lutero entendia essa justiça como o atributo da imparcialidade de Deus no julgamento dos pecadores. Mas tarde, porém, ele compreendeu que Paulo estava a falar da justiça de Deus como dádiva para a justificação dos pecadores pela fé em Cristo. Por outras palavras, Paulo esta a falar das boas novas da justificação pela graça de Deus.


O nosso texto nesta manhã está estruturado em torno de uma secção quiástica (Rm 5.1-8.39). O tema da secção é: “se justificados, então certos da salvação final”, que é expresso no início (Rm 5.1-11) e no final (Rm 8.18-39) desta secção.


A 5.1-11 - Certeza da glória futura (esperança e sofrimento).

     B 5.12-21 - Base para essa certeza na obra de Cristo.

          C 6.1-23 - Liberto do poder do pecado.

          C’ 7.1-25 - Liberto do poder da lei. 

     B’ 8.1-17 - Base para essa certeza na obra de Cristo, mediada pelo Espírito.

A’ 8.18-39, Certeza da glória futura (esperança e sofrimento).


inclusio desta secção é confirmado pelos “temas gémeos de esperança e sofrimento, que foram justapostos em Romanos 5.3,4, tornam-se os temas dominantes de Romanos 8.18-39”. No centro da secção, Paulo trata de dois “poderes” que podem ameaçar essa libertação futura do fiel justificado, a saber, o pecado (Rm 6) e a lei (Rm 7), mostrando em cada um desses casos que os cristãos tinham sido libertos do domínio desses poderes. 


O apóstolo Paulo já havia deixado claro que a justificação é um ato exclusivo de Deus (3.21-31). Também argumentou que a justificação pela fé não é uma novidade, mas uma verdade já presente no VT, e demonstrada na vida de Abraão, o progenitor da nação Israelita e pai de todos os que crêem, tanto judeus como gentios (Rm 4). Agora, Paulo mostrará os benefícios que decorrem da justificação (Rm 5.1-11). Sua ênfase é a glória futura (Rm 5.2) e a salvação final (Rm 5.9,10) por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele explica santos em Roma que todos os que foram justificados em Cristo estão livres da ira de Deus (Rm 5), livres do poder do pecado (Rm 6), livres da condenação da lei (Rm 7) e livres do domínio da morte (Rm 8). 


A necessidade da justificação (Rm 1-3). Deus é santo, o homem é pecador, logo nenhum homem pode ser justo aos olhos de Deus. Pode o pecador justificar-se diante de Deus? Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? (Jr 13.23).


O padrão para entrar no céu é a perfeição e todo o homem é imperfeito, logo é impossível ao homem entrar no céu por seus esforços. Quem obedecer a lei, pela lei viverá (Rm 10.5; Gl 3.12). Mas todos pecaram. Não há justo, nem um sequer (Rm 3.10-23). Logo, ninguém jamais poderá entrar no céu por seus próprios méritos.


Para o homem entrar no céu é preciso que Deus o justifique e para Deus justificá-lo precisa ainda continuar justo (Rm 3.24-28). Como Deus pode ser justo e ainda justificar o pecador? Como Deus pode justificar o pecador sem abrir mão da sua justiça? “A misericórdia de Deus não é uma paixão ou emoção que possa sobrepujar a Sua justiça. Se fosse assim, essa misericórdia seria um defeito de Deus que o tornaria fraco e inconsistente consigo mesmo, e inadequado para ser um juiz.” (Jonathan Edwards).


A justiça violada precisa ser satisfeita. Deus é santo e não pode reagir favoravelmente ao pecado. Deus não pode fazer vistas grossas ao pecado. A Bíblia diz que “o Senhor é tardio em irar-se, mas grande em poder, e ao culpado não tem por inocente ...” (Naum 1.3). “Ele tão puro de olhos que não pode ver o mal” (Hc 1.13). "A alma que pecar, essa morrerá." (Ez 18.4). 


Enfim, precisamos ser justificados pela graça de Deus pois (1) todos somos pecadores (Rm 3.23; Sl 51.5), (2) e todos vamos ter que comparecer diante do tribunal de Deus (Rm 3.23; Sl 51.5). Seremos julgados por Deus (Rm 14.10; 2Co 5.10) por nossas palavras (Mt 12.36); por nossas obras (Ap 20.12); por nossas omissões (Tg 4.17); e por nossos pensamentos, desejos e propósitos (Mt 5.28; At 8.22).


O que é justificação? A justificação é um ato gracioso de Deus no qual Ele declara, sobre a base da justiça perfeita de Cristo, que todas as demandas da lei estão satisfeitas com respeito ao pecador. No Novo Testamento, o sentido mais comum do verbo justificar (dikaiou) é “declarar justo” (p. ex. Rm 4.5). É um termo legal que foi tomado emprestado dos tribunais. É exatamente o oposto de “condenação”. Condenar é declarar uma pessoa culpada; “justificar” é declará-la inocente ou justa (Rm 8.1).


A base dessa declaração legal é a imputação da justiça de Cristo a nosso favor (Rm 4.5). Somos justificados por fé nas obras executadas a nosso favor por Cristo. Logo, a justificação não é algo que Deus faz em nós, mas por nós. A justificação envolve uma mudança de status, não de uma mudança de natureza. Somos declarados justos não com base num processo futuro e gradual de cura, mas com base na obra concluída de Cristo. A justificação é um ato e acontece uma única vez. Não há graus na justificação. O homem é justificado por completo ou, então, não é justificado. 


O novo status dos crentes resulta de sua real identificação com Cristo nos eventos redentores de sua crucificação, sepultamento e ressurreição. Não se trata de uma ficção legal, mas de um relacionamento real. Somos salvos pela fé em Cristo (ele morreu por nós) e vivemos pela fé em Cristo (ele vive em nós). A cruz de Cristo foi real e o castigo que ele recebeu a nosso favor foi também igualmente real.


A justificação é mais do que perdão (Rm 5.6-8). Deus depositou os nossos pecados na conta do Seu Santo Filho. “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Co 5.21). O castigo que nos trás a paz estava sobre Ele. Jesus foi feito maldição por nós. Ele sofreu o castigo da lei que deveríamos sofrer. Ele carregou no seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro. Quando os nossos pecados foram lançados sobre ele, Ele deu um grande brado na cruz: “está consumado - está pago!” (Jo 19.30). Já nenhuma condenação há sobre aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Isso é justificação!


Deus não só pagou a nossa dívida. Ele nos tornou-nos ricos. Como escreveu Paulo: “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis.” (2 Co 8.9). Deus não só perdoou os nossos pecados, mas depositou a infinita justiça de Cristo em nossa conta. Agora, Deus olha para você e não vê o seu pecado, mas a infinita justiça do Seu Filho depositada em sua conta (Fl 3.9). 


A base da justificação não são nossas obras, nem nossa fé, nem mesmo nosso exemplo, mas a obra expiatória de Cristo na cruz em nosso lugar e favor. Por meio da sua perfeita obediência, Cristo satisfez as exigências da Lei de Deus. Por sua submissão à morte expiatória na cruz, ele satisfez as exigências de Deus contra os transgressores da Lei (2 Co 5.21). Assim, a justiça pela qual somos salvos pertence a outro. Como diz a Escritura: “foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4.25 NVI, v. tb. 1.4).


A pessoa justificada “não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio” (4.5). Se os ímpios chegam a ser justificados, não pode ser por obras ou fé como obra. É a justificação por Jesus Cristo somente. 


A igreja romana ensina que somos salvos pelas obras que vêm da graça. Ou seja, não é a graça e sim as obras que vêm dela que salva. Se uma pessoa crê que a graça a salva, ela é protestante e está do nosso lado. A justiça de Cristo que os romanistas afirmam que justifica não é a justiça pessoal de Cristo imputada aos crentes. Os papistas referem-se não à justiça pessoal de Cristo e sim a justiça pessoal de crente, que ele realiza pela graça de Deus. É uma justiça imputada versus uma justiça infundida. É a realização de Cristo versus a realização do cristão. É uma dádiva de Deus versus uma realização do homem. Enfim, é a salvação pela fé versus a salvação pelas obras. 


O protestante confia em Cristo para salvá-lo e o papista confia em Cristo para ajudá-lo a salvar-se. Mas, como o Espírito de Deus coloca em Romanos 4.16 (NIV): “… a promessa vem pela fé, para que seja de acordo com a graça …” Você não poderá ser salvo somente pela graça a não ser somente pela fé. Se é uma salvação baseada em obras que vêm da graça, não é baseada na graça; e sim nas obras cristãs que vêm pela graça. 


A fé é a causa instrumental da justificação. A fé salvadora é uma fé viva, operosa, que gera boas obras para a glória de Deus. Porém, Deus declara-nos justos aos seus olhos no momento em que a verdadeira fé está presente, antes que qualquer obra brote de nossa fé. A justificação com Deus é à parte do mérito das obras.


Nós não somos justificados com base na fé, mas com base no sacrifício perfeito, definitivo e eficaz de Cristo. Mas pela fé nós nos apropriamos da justificação. A fé é a união com Cristo que é nossa justiça (1 Coríntios 1.30). Nossa justiça não resulta da justiça Dele, ela é a justiça Dele (1 Coríntios 1.30). A nossa fé apenas recebe a Cristo e, com Ele, todos as suas dádivas.


Cristo é a condição necessária e suficiente da fé cristã (At 3.16; Hb 12.2; 2Pe 1.1). É justamente porque Cristo fez tudo que ele possibilita ao pecador a fé e uma resposta salvadora a Deus. Em suma, o meio objetivo da justificação é a obediência fiel de Cristo a caminho da cruz (1.4; 2.21; cf. tb.: Rm 5.15-20 e Fp 2.6-11). E a resposta humana subjetiva de apropriação é a confiança na fidelidade de Jesus Cristo, sua obra fiel ao Pai e em nosso lugar e favor.


Os frutos da justificação (Rm 5.1-2): (1) Paz com Deus - 5.1. Cristo morreu e pelo seu sangue reconciliou-nos com Deus. Agora não somos mais réus, nem inimigos de Deus. Estamos quites com as demandas da lei divina. (2) Graça – v. 2 - Por meio de Cristo temos acesso a esta graça na qual estamos firmes. Somos aceitos, somos apresentados como filhos, como herdeiros, como cidadãos do céu. (3) Glória – v. 2 - O fiel justificado gloria-se na esperança da glória de Deus. Ele está seguro de sua salvação (p. ex.: Paulo em 2Tm 4.6-8).


A justificação não apenas prepara-nos para o céu, mas também para enfrentarmos as pressões da vida (Rm 5.3-5).

(1) Nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que Deus está trabalhando em nós, esculpindo em nós a imagem do seu Filho (Rm 8.28). 


(2) Sabendo que a tribulação produz perseverança – v. 3. A tribulação é pedagógica. Ela produz paciência vitoriosa nas circunstâncias difíceis. As grandes lições da vida nós as aprendemos no vale da dor. Sl 119.71: “Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos.” Primeiro a prova, depois a lição. Primeiro a dor, depois o aprendizado.


(3) A perseverança produz experiência – v. 4. Neste contexto a palavra experiência provavelmente significa um caráter provado e aprovado como resultado de um teste. Não podemos ter uma fé de segunda mão. Precisamos ter a nossa própria experiência com a graça salvadora de Deus. A justificação deve ser uma realidade em nossa vida.  


(4) A experiência produz esperança – v. 5 - Está não é uma esperança vaga, vazia. É uma esperança segura. Como saber que esta esperança não é uma ficção? Porque o amor de Deus é derramado em nossos corações (Rm 5.5). Se nada sobrar, se tudo se perder. Ainda temos Deus. Gloriamo-nos Nele (5.11; cf. tb. Hc 3.17; Rm 8.31-39). 

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Referências: Hendriksen, William. Romanos. Comentário do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã, 2011, p. 212–221. / Kistler, Don, ed. Justificação pela Fé Somente: A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja. SP: Cultura Cristã, 2013. / Lopes, Hernandes Dias. Romanos: O Evangelho Segundo Paulo: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2010, 201–217. / Moo, Douglas J. The Epistle to the Romans: the new international commentary on the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing, 1996, p. 290-314. / Reeves, Michael e Chester, Tim. Por que a Reforma ainda é importante? São José dos Campos, SP: Fiel, 2017, p. 21-40. / Ridderbos, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. SP: Cultura Cristã, 2004. / Schreiner, Thomas R. Romans: Baker Exegetical Commentary on the New Testament. Grand Rapids, Michigan: Baker Academic. Eerdmans Publishing, 2013, (Rm 5.1–11).

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes