O EXEMPLO DE CRISTO



A discórdia era o perigo que ameaçava a igreja de Filipos e ainda ameaça todas as igrejas saudáveis (Filipenses 1.27). Quando os crentes vivem brigando e falando mal uns dos outros, “isso é um espetáculo lamentável e vergonhoso diante do mundo. Essa atitude desonra a Cristo e a própria igreja”. [1]

A melhor forma de Paulo encorajar os seus irmãos de Filipos a viver em humildade e, dessa forma, ter verdadeira comunhão e união, é lembrá-los do exemplo de Cristo (Filipenses 2.5-11). [2] Portanto, apóstolo corrige os problemas internos da igreja de Filipos não apenas lhes oferecendo conceitos doutrinários, mas lhes mostrando o exemplo de Cristo.

Jesus Cristo transformou o mundo com o seu exemplo, seus ensinamentos e sua obra na cruz. Cristo, sendo o Mestre e Senhor, deu-nos o exemplo e ordenou-nos a seguir os seus passos. Como diz a Escritura: “Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou” (1 João 2.6).

Um apelo solene à unidade da igreja 
Filipenses 2.1-4 constituem uma sentença condicional longa em grego. Paulo apresenta quatro fundamentos para justificar o seu apelo à unidade (2.1). Ele coloca esses fundamentos em forma de cláusulas condicionais, e assume em cada uma que a condição é verdadeira. [3] Esses pilares já existem, e eles precisam ser o alicerce da unidade. O apelo de Paulo à unidade está aqui fundamentado na Trindade. Os crentes estão em Cristo, experimentando a realidade do amor de Deus, pela ação do Espírito Santo (1 Co 13.14; Ef 4.4-6). [4] [15]

Encorajamento em Cristo (2.1). Todo crente tem recebido encorajamento, exortação e conforto de Cristo. Essa experiência comum ‘em Cristo’, como uma comunidade amada por Cristo, deveria unir os crentes de Filipos para trabalharem juntos e em harmonia. [5] [13]

Consolação de amor (2.1). O amor de Deus leva-nos a suportar uns aos outros, a perdoar uns aos outros. O poder do amor de Deus produz uma boa vontade invencível para aqueles que nos odeiam, e o poder de amar aos que não nos agradam. Conforme o mandamento de Jesus: “Amem uns aos outros como eu amo vocês” (João 15.12).

Comunhão do Espírito (2.1). É o Espírito Santo quem produz a nossa comunhão com Deus e a nossa comunhão com o próximo (Ef 4.4). A participação comum no Espírito deve determinar o fim de toda desavença e espírito de rivalidade na igreja. O Espírito Santo é o princípio unificador na igreja local (1Co 12.4-11). Onde há comunhão do Espírito Santo, existe amor, porque o amor é fruto do Espírito (Gl 5.22). [5]

Entranhados afetos e misericórdias (2.1). A comunhão espiritual numa igreja não se limita a ‘sentimentos’ ou ‘ações formais’. Nossas “entranhas” precisam ser movidas (com ‘sentimento profundo’), e as aflições do irmão precisam despertar em nós verdadeira compaixão [6]. Precisamos ser sensíveis para com as necessidades e os sentimentos dos outros; sentindo a dor que o outro sente com o desejo de aliviá-lo desse sofrimento. Esse é o tipo de preocupação que fortalece a unidade entre os crentes. [7] [8]

Perigos que ameaçam a unidade da igreja  
Havia tensões na igreja de Filipos. A vida comunitária estava sendo ameaçada pelo partidarismo e a vangloria. Alguns membros da igreja de Filipos “estavam criando partidos baseados em prestígio pessoal, ao mesmo tempo que desprezavam os outros”. [1]. Paulo diz que a igreja de Filipos era sua alegria e coroa (4.1; 1.4). Todavia, a medida de sua alegria ainda não estava completa enquanto o espírito de facção existir. Por isso, Paulo os exorta para que tenham unanimidade de coração, “concordando sinceramente uns com os outros, amando-se mutuamente e trabalhando juntos com a mesma forma de pensar e um só propósito” (Fl 2.2, NVT). [6] [5]

Na Igreja de Deus não devem existir disputas políticas, briga por cargos, ciúmes e invejas (Tg 4.1-2). A igreja é um corpo onde cada membro coopera com o outro, visando à edificação de todos (Rm 12.5; 1 Co 12.14-20). [1]

União por meio da humildade à luz do exemplo de Cristo
A humildade é a virtude que promove a unidade (2.3-5). [1] Quase sempre entre os escritores gregos “humildade” tem um significado negativo, tendo conotações de “servilismo”. [10] Entre o povo de Deus, no entanto, a humildade é um imperativo, pois “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6). A escritura também diz: “Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte” (lPe 5.6). Portanto, a humildade deve ser a marca do cristão, pois seu Senhor e Mestre foi “manso e humilde de coração” (Mt 11.29). Jesus disse que maior é o que serve e que Ele mesmo veio não para ser servido, mas para servir (Mc 10.45). [15]

A humildade olha para o outro com honra (Rm 12.10). “Considerando os outros superiores” (Fl 2.3). Uma pessoa humilde olha para as virtudes e os pontos fortes dos outros, ao mesmo tempo em que atenta para as suas próprias fraquezas, falhas e limitações. A humildade busca o interesse do outro com solicitude (2.4). Não atenta apenas para os próprios interesses, mas preocupa-se também com as necessidades, dificuldades e aflições do irmão. [5] [7]

“O melhor remédio para curar os males da igreja é olhar para Jesus, seguir os Seus passos e imitar o Seu exemplo” (2.5). [1] Não podemos imitar os Seus atos redentores nem sofrer e morrer vicariamente. Contudo, com o auxílio da graça de Deus, podemos e devemos imitar o espírito que serviu de base para esses atos de Jesus. A atitude de auto-renúncia, com vistas a auxiliar outros, deveria estar presente e se expandir na vida de cada discípulo (Mt 11.29; Jo 13.12-17; 13.34; ICo 11.1; lTs 1.6; lPe 2.21-23; 1Jo 2.6). [5] [14]

O exemplo de Cristo
Filipenses 2.5 conecta as exortações (vv. 1-4) ao hino sobre Cristo (vv. 6-11). A leitura correta desse texto cristológico abala todo coração egoísta e vaidoso por meio da trajetória seguida por Jesus (isto é, sua encarnação, esvaziamento, humilhação, obediência, morte e exaltação). [1] [4]

Este “hino a Cristo” pode ser dividido em seis estrofes. As três primeiras (2.6–8) celebram a humilhação de Cristo, enquanto as três últimas (2.9-11) celebram Sua exaltação. [9]

A humilhação de Cristo (2.6-8)
O sublime mistério da humilhação de Cristo deve ser a base do nosso ensino acerca da humildade em nossos relacionamentos.

Jesus abriu mão de Seus direitos (2.6). Paulo começa dizendo que Jesus é Deus em forma essencial, interna e não apenas de “aparência externa”. [11, 12, 14]. Jesus “… não julgou como usurpação o ser igual a Deus”, ou seja, “não considerou a sua igualdade com Deus como “algo a que devesse se apegar” (Fl 2.6). Cristo não usou a Sua igualdade com Deus como desculpa para auto-afirmação, ou auto-promoção; ao contrário, ele a usou como ocasião para renunciar a todas as vantagens ou privilégios que a divindade lhe proporcionava, como oportunidade para auto-empobrecimento e auto-sacrifício sem reservas. [1, 2, 5, 7, 8]

Vale a pena contrastar a atitude de Cristo com a atitude de Adão. Adão, criado homem, à imagem de Deus, tentou arrebatar para si uma falsa e ilusória igualdade com Deus. Cristo alcançou o senhorio universal mediante a Sua renúncia, enquanto Adão perdeu o seu senhorio mediante o ‘roubo’ do fruto proibido. [9, 15]

Jesus se esvaziou (2.6,7).  A frase significa que Ele se humilhou (v. 8). “O Filho de Deus deixou o céu, a glória, o Seu trono, e se fez carne, fez-se homem.” [1] Em vez de explorar a Sua igualdade com Deus, Jesus despojou a si próprio das glórias e das prerrogativas da divindade. [10] Jesus não deixou de ser Deus ao tornar-se humano, embora abdicasse de Sua glória e de Seus direitos. Ele voluntariamente submeteu-se ao Pai e disse: “Eu não procuro a minha própria vontade, e, sim, a daquele que me enviou” (Jo 5.30). Ele renunciou às Suas riquezas. O apóstolo Paulo diz: “Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9). Jesus renunciou a tudo, até mesmo a Sua própria vida (Jo 10.11). [1]

Nas palavras do Dr. William Hendriksen: “Tão pobre Ele era que tomou emprestado um lugar para nascer, uma casa para pernoitar, um barco de onde pregar, um animal para cavalgar, uma sala para reunião e um túmulo para ser sepultado. Ele renunciou à Sua glória celestial … [Jo 17.5]. No entanto, voluntariamente deixou a companhia dos anjos e veio para ser perseguido pelos homens. Do infinito sideral de eterno deleite, na própria presença do Pai, voluntariamente Ele desceu a este reino de miséria a fim de armar a Sua tenda com os pecadores. Ele, em cuja presença os serafins cobriam o rosto, o objeto da mais solene adoração (comp. Is 6 com Jo 12.41; cf. tb. At 28.25-27), voluntariamente desceu a este mundo, onde foi “... desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer (Is 53.3).” [5]

Jesus serviu com absoluta fidelidade e abnegação (2.7). “Jesus nasceu numa manjedoura, cresceu numa carpintaria e morreu numa cruz.” [1] Ele não veio ao mundo para ser servido, mas para servir (Mc 10.45). Foi Cristo Jesus mesmo que disse: “Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve” (Lc 22.27). O Senhor de todos tornou-se servo de todos (Mt 20.27; Mc 10.45) a fim de salvar Seu povo de seus pecados.

Jesus fez-se semelhante aos homens (2.7). Jesus possui todos os atributos essenciais da humanidade, embora, diferentemente de nós, nunca tenha pecado (1 Pedro 2.21–25; Rm 8.3). Ele continuou subsistindo em forma de Deus em Sua natureza essencial a despeito de Sua encarnação. Ele conservou a natureza essencial de Deus mesmo depois de se tornar à semelhança de homens. Por outro lado, tudo o que diz respeito à experiência humana, Jesus também vivenciou: tentação (Hb 4.15), sofrimento (IPe 2.21) e desapontamento (Mt 23.37). [9]

Exceto no pecado, qualquer coisa que pode ser dita acerca do homem, pode ser dita também sobre o Senhor Jesus Cristo. Jesus, assim, tornou-se semelhante ao primeiro Adão, que foi sem pecado, mas, como segundo Adão, fez-se pecado por nós, para vencer o pecado e nos remir dele. [5] [10]

Jesus se sacrificou (2.8).  Jesus Cristo foi obediente até à morte e morte de cruz. “Cristo se esvaziou e se humilhou quando se fez homem. Depois desceu mais um degrau nessa escalada da humilhação, quando se fez servo; mas desceu às profundezas da humilhação quando suportou a morte e morte de cruz.” [1]

A morte de cruz foi dolorosa (ele sofreu dores atrozes); foi ultrajante (teve de carregar a cruz debaixo do escárnio da multidão até o lugar da sua execução); e considerada maldita (Dt 21.23; Gl 3.13). Contudo, a Escritura diz que Jesus foi para a cruz porque o Pai o entregou por amor e porque Ele a si mesmo se entregou por nós. Ele morreu pelos nossos pecados, segunda as Escrituras (1 Co 15.3). Ele foi desamparado na cruz para sermos aceitos. Ele se fez maldição na cruz para sermos benditos de Deus. [1] [13]

A exaltação de Cristo 
A exaltação excepcional de Cristo é obra de Deus, o Pai (2.9). A Bíblia diz que Deus exalta aqueles que se humilham (Lc 18.14; Mt 23.13; Lc 14.11; 18.14; Tg 4.10; 1Pe 5.6). Deus não deixou Cristo na sepultura, mas o levantou da morte, o levou de volta ao céu e o glorificou (At 2.33; Hb 1.3). Deus Pai deu a Jesus “toda autoridade no céu e na terra” (Mt 28.18). Deu a Ele autoridade para julgar (Jo 5.27) e o fez Senhor de vivos e de mortos (Rm 14.9), fazendo-o assentar à sua destra, acima de todo principado e potestade, constituindo-o cabeça de toda a Igreja (Ef 1.20-22). Essa elevação de Jesus foi a restituição da glória eterna que tinha com o Pai antes que houvesse mundo (Jo 17.5,24). [1] 

Jesus foi “superexaltado” por Deus Pai. Cristo ultrapassou os céus (Hb 4.14), foi feito mais alto que os céus (Hb 7.26) e subiu acima de todos os céus (Ef 4.10). Ele recebeu um nome que está acima de todo nome (2.9). Sua revelação como o ‘Senhor’ é o sinal de que ‘todo joelho deve se dobrar’ para oferecer-Lhe adoração e que toda língua deve aclamá-lo, Senhor absoluto de todo o Universo (Mt 28.18; Is 45.14-25). [5]

A exaltação de Cristo exige a rendição de todos e será proclamada universalmente (2.10, 11). O Filho de Deus é chamado de Senhor mais de seiscentas vezes no Novo Testamento. [11, 8] O senhorio de Cristo foi a grande ênfase da pregação apostólica (At 2.36; Rm 10.9; Ap 17.14; 19.16). [10] “A aclamação final do Universo é, também, o slogan confessional da Igreja de hoje: Jesus Cristo é Senhor”. [6]

Na segunda vinda de Cristo, os três mundos vão se dobrar aos pés de Jesus: os céus, a terra e o inferno. Todas as criaturas e toda a criação reconhecerão que Jesus é Senhor (2.11; Ap 5-13). Essa confissão será pública e universal.

Jesus foi coroado no dia da Sua ascensão. Aqueles que amam a Jesus sabem disso e se regozijam nesse fato, mas milhões de pessoas no mundo não sabem que Jesus é o Rei coroado e somente se prostrarão aos Seus pés quando Ele se manifestar em glória. [14] Isso, entretanto, não significa que todas as pessoas serão salvas. Será apenas o inevitável reconhecimento do senhorio de Cristo por ocasião da vinda de Jesus em glória triunfal. Já será tarde demais para aqueles que o negaram nesta vida. À vista disso, advertiu Jesus: “qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus” (Mateus 10.32, 33). [2]

A exaltação de Cristo teve um propósito estabelecido (2.11): Que o Pai seja glorificado pela exaltação do Filho. Cristo se humilhou e suportou a cruz, para a glória de Deus Pai (Jo 17.1). Ele ressuscitou, e foi exaltado para a glória de Deus Pai (2.11). Toda a vida e obra de Jesus assinala a glória de Deus Pai. O fim último de todas as coisas é a glória de Deus (I Co 10.31). [1] [6]

Enquanto alguns membros da igreja de Filipos queriam ser o centro das atenções, Jesus queria que o único centro da atenção fosse Deus. Assim, também, o seguidor de Cristo nunca deve deve buscar a sua própria glória, senão a glória de Deus. [1]

Pastor Leonardo Cosme de Moraes
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Referências bibliográficas:
[1] Lopes, H. D. 2007. Filipenses. SP: Hagnos, p. 102-143
[2] Foulkes, F. 2009. Filipenses. (In Carson, D. A, ed., et al. Comentário Bíblico Vida Nova. SP: Vida Nova, p. 1881-1885).
[3] Shedd, R. P & Mulholland, D. M. 2005. Epístolas da prisão: uma análise de Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom. SP: Vida Nova, 120-123.
[4] Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible: Philippians   2. Wheaton, IL: Crossway Bibles.
[5] Hendriksen , W. 2005. Efésios e Filipenses, SP: Cultura Cristã, p. 465-478.
[6] Martin, R. P. 1985. Filipenses: Introdução e comentário. SP: Vida Nova. 1985: p. 100-104.
[7] Boor, W. 2006. Comentário Esperança: Carta aos Filipenses. (cap. 2) Curitiba: Editora Evangélica Esperança.
[8] Bruce, F. F. 1992. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: Filipenses. SP: Vida, p. 70-89.
[9] Sproul, R.C., ed. 2015. The Reformation Study Bible: ESV (Philippians 2). Orlando, FL: Reformation Trust.
[10] MacArthur, J. 2010. Bíblia de Estudo MacArthur. SP: Sociedade Bíblica do Brasil, p. 1617-1620.
[11] Kittel, G. F., & G. W. Bromiley, G. W., ed. 2013. Dicionário Teológico do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã.
[12] Biblical Studies Press. 2006. The NET Bible Edition Notes (Philippians 2).
[13] Wiersbe, W. W. 2006. Comentário bíblico expositivo. Vol. 6. Rio de Janeiro: Central Gospel, p. 94-98.
[14] Motyer, J. A. The message of Philippians, 1984: p. 120-130.
[15] Boyce, J. M. 1971. Philippians: an expositional commentary. Grand Rapids, MI: MRL, p. 129-130