O AMOR DO MUNDO



 O amor ao mundo e o amor ao Pai não podem coexistir lado a lado. O cristão amará um deles e odiará o outro, mas não pode amar os dois ao mesmo tempo (Mt 6.24; Lc 16.13). Não existe neutralidade! Quem ama o Senhor deve aborrecer o mal (Sl 97.10) e apegar-se ao bem (Rm 12.9). 

O cristão deve amar a Deus (1 Jo 2.5) e a seu irmão (1 Jo 2.10), mas não deve amar o mundo (1 Jo 2.15); porquanto o amor ao mundo exclui o amor a Deus. Vemos aqui um paralelo entre as palavras de João e as de Tiago: “Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus” (em Tiago 4.4). 

O Dr. Warren Wiersbe (2006:631-638) observa que um cristão não pode amar o mundo por causa do que o mundo é (v. 15), por causa do que o mundo faz (v. 15-16), por causa de quem o cristão é (12-14); e por causa do destino final do mundo (v. 17).

A palavra mundo é usada com diferentes significados no Novo Testamento: o mundo físico (At 17.24); o mundo humano (João 3.16); e o mundo como um sistema dominado por Satanás que opõe-se à obra de Deus na terra (1 Jo 2.15). A Escritura diz que “O mundo inteiro jaz no maligno” (1Jo 5.19). Jesus chamou o diabo de “príncipe deste mundo” (Jo 12.31). Existe uma organização de espíritos maus influenciando as coisas deste mundo (Ef 6.11-12). Assim como o Espírito de Deus influencia-nos para fazermos a vontade de Deus, as pessoas não regeneradas são regidas pelo diabo para cumprir seus planos (Ef 2.2). Os perdidos pertencem a este sistema do mundo. Eles são filhos do mundo (Lc 16.8). Este mundo não conheceu a Cristo nem conhece a nós (1Jo 3.1). Este sistema primeiramente odiou a Cristo e odeia a igreja (Jo 15.18). É tudo o que não é de Deus, de Cristo, da verdade e da luz. É tudo o que está em rebelião contra Deus. Portanto, quando apóstolo João proibiu os cristãos de amar o mundo, ele quer dizer não participar de seus caminhos e valores.

Os seguidores de Cristo foram chamados para fora do sistema do mundo (João 15.19; 17.6). Embora ainda devam viver na esfera onde o maligno tem poder, seus impulsos de como viver vêm do Pai que os gerou, e não do mundo. Sua cidadania está no céu (Fp 3.20).

João descreve seus leitores originais em três categorias que correspondem a diferentes fases da vida: filhos, pais e jovens (1 Jo 2.12-14). Aqui, o apóstolo quer reassegurá-los de que sabe que seus pecados foram perdoados, que eles conhecem o Pai e que venceram o maligno. Eles são filhos porque com o perdão dos pecados foram recebidos na família de Deus, seu Pai. Eles são pais porque seu conhecimento de Deus em Jesus Cristo qualifica-os para transmitir este conhecimento às gerações futuras. Eles são jovens porque sua rejeição do maligno é uma vitória como a de Jesus, que quando jovem triunfou sobre Satanás no deserto (Mt 4.1-11).

A ordem para não amar o mundo baseia-se em dois argumentos: A incompatibilidade entre o amor pelo mundo e o amor pelo Pai (1 Jo 2.15-16); e a temporalidade do mundo contrastada com a eternidade daquele que faz a vontade do Pai (1 Jo 2.17). O que o mundo tem a oferecer é temporário; o que Deus tem a oferecer é eterno.

O amor ao mundo compromete o nosso amor e obediência ao Pai (1 Jo 2.15, 17). O amor pelo mundo e o amor pelo Pai são mutuamente exclusivos. Jesus disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15). Mas quando um crente perde a sua alegria no amor do Pai, fazer a vontade do Pai deixa de ser um prazer para ser um fardo.
O mundo é sobretudo uma atitude interior, do coração. Não há amor a Deus naquele que ama os desejos desenfreados da carne. Não há amor a Deus naquele que sente-se tão satisfeito consigo mesmo e seguro por causa de suas próprias riquezas e realizações, que e vive como se Deus fosse desnecessário. Os impulsos do homem pecaminoso, a concupiscência dos olhos e a arrogância quanto ao que ele é e faz – não vem do Pai, mas do mundo. Estes impulsos constituem a fonte de todo o mal no modo de vida do mundo, onde a luz de Cristo ainda não brilhou, um modo de vida que não sobreviverá até a eternidade (1 Jo 2.16-17).

O sistema do mundo é marcado pela busca em satisfazer os desejos da carne (Gl 5.19-21). A concupiscência da carne é o desejo pelas coisas que pertencem meramente a esta vida. É viver dominado pelo prazer imediato. Uma vida egocêntrica, gasta em coisas que não têm valor duradouro (Jo 6.63). 

A carne é nossa natureza caída. São os impulsos e desejos que gritam por satisfação. Esses desejos estão dentro do coração (Mt 15.19). Até as coisas que são boas em si mesmas podem ser pervertidas quando passam a controlar-nos. A fome não é um mal, mas a glutonaria sim. O sexo não é um mal, mas a imoralidade sim. O sono não é um mal, mas a preguiça sim!

O sistema deste mundo também é notado pela concupiscência dos olhos. A Escritura ensina que os olhos são a lâmpada do corpo e as janelas da alma (Mt 6.22,23). Por eles entram os desejos. Eva viu o fruto (Gn 3.6). Ló viu as campinas do Jordão e foi armando suas tendas paras as bandas de Sodoma (Gn 13.10,12). A mulher de Potifar viu José e tentou seduzi-lo (Gn 39.7). Acã viu a capa Babilónia e arruinou-se (Js 7.21). Davi viu Bate Seba e a espada não apartou-se da sua casa (2Sm 11.2). 

O Senhor Jesus disse (Mt 5.29): “se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno.”. Jesus, porém, não estava a promover a prática da auto-mutilação. A luxuria não esta nos olhos mas no coração. Ele usa essa figura de linguagem para demonstrar a seriedade do pecado, e que por causa de seus efeitos deve ser tratado de modo drástico para evita-lo. Trata-se, portanto, de um “princípio da amputação radical”, como escreveu o Dr. Jay Adams. O ato de afastar radicalmente de nossas vidas qualquer coisa que leva-nos a pecar contra Deus.  

Para além da concupiscência da carne e dos olhos, o sistema deste mundo é visivelmente caracterizado pela soberba da vida. A concupiscência da carne e dos olhos referem-se a desejos pecaminosos, mas a soberba é um comportamento pecaminoso. A palavra grega traduzida como “soberba” está no domínio semântico do orgulho, da arrogância e jactância, e é frequentemente usada em contextos que expressam excesso de confiança nos próprios recursos, riquezas e realizações. É a vanglória com coisas externas como riqueza, posição, inteligência, poder, beleza. É qualquer ostentação. Portanto, o soberbo é aquele que tenta impressionar as pessoas com sua importância: poder, riqueza, dinheiro ou beleza. 

O mundo, porém, não é permanente (1 Jo 2.17). Os seus prazeres passarão. O mundano vive para as coisas que pode ver; mas cristão vive para as realidades invisíveis de Deus (2Co 4.16-18). Um verdadeiro cristão considera-se estrangeiro e peregrino na terra (Hb 11.13). Ele não tem aqui cidade permanente, mas busca a futura (Hb 13.14). O homem que apega-se ao mundo não têm futuro, pois este mundo passará (Mt 24.34). 

Portanto, não podemos sentir-nos em casa neste mundo. A vontade de Deus deve controlar nossas vidas. (Ef 5.17). Precisamos experimentar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus para a nossa vida (Rm 12.2). Mesmo depois que este mundo acabar, os salvos em Cristo permanecerão eternamente reflectindo a glória de Deus.

Os valores das sociedades humanas não devem definir os cristãos. Em vez disso, eles devem ser moldados pelos valores de Jesus. A Escritura fala de uma “santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Não é aquele que simplesmente diz: Senhor, Senhor! que entrará no reino celestial, mas é aquele que faz a vontade de Deus que permanece para sempre (Mt 7.21; 1 Jo 2.17). E a vontade de Deus não é como num restaurante ou bufete no qual apanha-se o que gosta e deixa de lado o que não gosta. “Se você somente crê naquilo que gosta no evangelho e rejeita o que não gosta, não no evangelho que você crê, mas, sim, em si mesmo” (Agostinho de Hipona). 

Por último, é preciso ter muito cuidado com o sistema deste mundo! O mundo entre pela porta do coração - “NÃO AMEIS MUNDO …” (1 João 2.15). A pessoa torna-se amiga do mundo (Tg 4.4); depois é contaminada pelo mundo (Tg 1.27); passa a conformar-se com o mundo (Rm 12.2); e, finalmente, é condenada com o mundo (1Co 11.32).

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Referências:
Augustine of Hippo. 1844–1845. Sermons on Selected Lessons of the New Testament. Oxford/ London: John Henry Parker; J. G. F. and J. Rivington; J. and F. Rivington.
Boor, W. 2008. Comentário Esperança: Cartas de João. Curitiba: Editora Evangélica Esperança.
Jobes, K.H., 2014. 1, 2, 3 John. Grand Rapids, MI: Zondervan.
Kistemaker, S.J. 2006. Tiago e Epístolas de João. SP: Editora Cultura Cristã.
Lopes, H. H. 2010. 1, 2, 3 João: como ter a garantia da salvação. SP: Hagnos, p. 113-132. 
MacArthur, J. 2010. Bíblia MacArthur. São Paulo: SBB, p. 1757-1760.
Wiersbe, W. W.  2006. Comentário Bíblico Expositivo, vl. 2. Santo André, SP: Geográfica editora, p. 631-638. 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes