Nos capítulos 8 e 9 são alistados nove milagres que mostram o poder de Jesus sobre as enfermidades (8.1–17), a natureza (8.23–27), os demónios (8.28–34), a morte (9.18–26), a cegueira (9.27–31) e a mudez (9.32–34). A conversão de Mateus aparece entre esses milagres (9.9-13), logo após um milagre espetacular que objectivou demonstrar o poder de Jesus sobre o pecado (9.1–8).
O relato de Mateus é simples e direto. Ele estava exercendo sua vocação na coletoria, como fazia todos os dias, quando Jesus passou ali. Cristo olhou para ele e disse: “Segue-me!” Com isso, Mateus levantou-se e seguiu-o (Mt 9.9). Este foi um momento que mudou a vida de Mateus para sempre. Lucas 5.28 acrescenta uma expressão significativa: “e, deixando tudo, o seguiu”. Mateus abandonou tudo para seguir Jesus. Mateus não contou este detalhe de si mesmo, mas Lucas o fez — e isto fala muito sobre a natureza da conversão de Mateus.
Quando Jesus disse a Mateus para segui-lo, ele estava dizendo: “Eu quero que você seja meu discípulo. Quero que venha após mim, pois eu o instruirei e prepararei para uma missão espiritual. Mateus sabia que se abandonasse o seu posto, no dia seguinte, Roma já nomearia alguém para tomar o seu lugar. Portanto, Mateus compreendeu que, quando Jesus disse “Segue-me”, seria preciso abrir mão de tudo e entregar sua vida a Jesus. Mas o chamado de Jesus foi tão irresistível que Mateus se levantou e, deixando tudo, o seguiu. Ele perdeu um emprego seguro, mas encontrou um destino. Ele tornou-se um dos doze apóstolos de Cristo e teve a honra de escrever o evangelho que leva seu nome.
Mateus, em seguida, ofereceu o banquete em sua própria casa, sendo Jesus o convidado de honra (Mt 9.10; Lc 5.29). Muitos “publicanos e pecadores” atenderam o convite e se reclinaram à mesa com Jesus e com aqueles discípulos que nessa ocasião já se haviam convertido em seus seguidores permanentes.
Esta associação representava um escândalo para os fariseus. Os publicanos eram considerados colaboradores do invasor inimigo. Estes homens eram tão desprezados, que não podiam ter participação na sinagoga. Eles tinham uma reputação tão má, que não eram autorizados a testemunhar nos tribunais da época. Eram considerados animais imundos e tratados como porcos. Eram tidos como grandes mentirosos e contados junto aos ladrões e assassinos. Por este motivo, a expressão “publicanos e pecadores” havia se tornado um título para a escória da sociedade. É por isso que quando os fariseus viram Jesus associar-se desse modo com os proscritos da sociedade, foram aos discípulos perguntando-lhes: “Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores?” (Mt 9.11).
Tendo ouvido a conversa, Jesus respondeu: “Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e, sim, pecadores” (Mt 9.12,13). Jesus compara os pecadores a enfermos que precisam de um médico. A analogia é simples: espera-se que um médico vá visitar o doente (pelo menos esse era o caso nos dias de Jesus); da mesma forma, é de se esperar que um salvador visitasse os pecadores. Assim, Jesus desmascarou os fariseus, mostrando que eles eram capazes de taxar as pessoas de pecadoras, mas que viviam em total indiferença à condição delas.
Jesus veio para salvar os perdidos. Mateus compreendeu isso. Os escribas e fariseus, não. Na opinião deles Jesus estava associando-se com os “pervertidos”. Os fariseus consideravam-se a si mesmos saudáveis e não estavam dispostos a confessarem-se necessitados de Jesus. Os publicanos e pecadores, em contrapartida, estavam mais dispostos a reconhecer sua verdadeira condição e procurar a graça salvadora de Cristo.
Aos olhos dos fariseus, os publicanos e pecadores eram por demais enfermos. Assim, é com base no próprio raciocínio deles que Jesus constrói o seu argumento. O ofício do médico é curar o sadio ou o doente? O doente, com certeza. Então Jesus prossegue: “Ide e aprendei” o que significa: Eu quero misericórdia, não sacrifício (Os 6.6). Ou seja, “Religião” sem bondade ou misericórdia é sem valor. A esta citação de Oseias, Jesus adiciona: Porque não vim chamar justos, e, sim, pecadores. “Em consonância com o que Deus diz em Oséias: como médico, Jesus veio para dar respostas às necessidades e demonstrar misericórdia, um tipo de misericórdia que os fariseus, deviam também demonstrar. O chamado ao qual se faz referência aqui é um chamado “ao arrependimento”, conforme o registo de Lucas (Lc 5.32), e se acha também implícito em Mateus e Marcos.
Esta passagem evidencia que não é aos que se consideram
dignos, mas, antes, aos que reconhecem que são pecadores que o convite da
salvação é estendido. Jesus veio salvar foi a pecadores, perdidos,
sobrecarregados, famintos, sedentos (Mateus 5.6; 11.28–30; João 7.37,38).
Lições que podemos extrair desta passagem:
(1) Esta passagem apresenta-nos Jesus como um médico, que
veio para dar saúde espiritual a almas enfermas pelo pecado.
Os versículos 12-13 conectam o ministério de cura de Jesus com sua “cura” de pecadores (Mt 8.17). Os enfermos precisam de um médico (v. 12), e Jesus os curou; da mesma forma, os pecadores precisam de misericórdia, perdão, restauração e Jesus os curou também (v. 13). Portanto, Jesus é o médico que cura as doenças tanto espirituais quanto físicas.
Jesus ia até os pecadores porque eram pecadores, assim como um médico vai aos enfermos porque eles estão enfermos. Assim como os médicos que atendem aos mais enfermos, Jesus ministrava aos mais injustos.
Os fariseus não haviam compreendido o evangelho que Cristo veio anunciar: que para Deus a “misericórdia era mais importante que os sacrifícios cerimoniais” (Os 6.6). Os fariseus se consideravam “saudáveis” diante de Deus por causa da observância da lei e, portanto, estavam cegos para sua doença espiritual. O ponto de Jesus é que apenas aqueles que percebem sua necessidade vêm a ele para receber a ajuda de que precisam.
Os fariseus, entretanto, não eram tão saudáveis quanto pensavam (Mt 7.1-5). Aliás, Jesus já havia dito no sermão do monte: “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5.20). Portanto, os "saudáveis" são aqueles que pensam que são justos, como os fariseus, e os "doentes" são aqueles que percebem que são pecadores e precisam do remédio de Jesus. Consequentemente, Jesus não pode curar os orgulhosos, os que se consideram justos e não se arrependem — assim como os fariseus.
(2) O Senhor Jesus pode mudar qualquer coração humano e fazer novas todas as coisas.
Cristo pode tomar um coletor de impostos e transformá-lo em apóstolo. Quando Jesus chama alguém – não apenas externamente, mas internamente – a vida da pessoa nunca mais permanece a mesma.
Não existem pecados tão inumeráveis e tão corruptos que não possam ser perdoados por Cristo. Nenhum coração é tão perverso para ser transformado. Aquele que chamou Mateus continua a ser o mesmo. Com Cristo, nada é impossível. Continuemos a orar e a testemunhar para o bem das almas dos piores homens. “A voz do Senhor é poderosa; a voz do Senhor é cheia de majestade” (Sl 29.4). Quando o Senhor diz, pelo poder do Espírito, “segue-me”, pode fazer os maiores pecadores e os mais pecaminosos obedecerem.
(3) A conversão é motivo de alegria para o crente.
Quando Mateus se converteu, ofereceu a Jesus “um grande banquete em sua casa”. Um banquete é uma ocasião de regozijo e alegria (Ec 10.19). Mateus considerou a mudança ocorrida em sua vida uma ocasião de regozijo e desejou que os outros se alegrassem com ele (cf.: Lc 15.32).
(4) Os convertidos desejam promover a conversão de
outros.
Após se converter, Mateus ofereceu um banquete e convidou “outros publicanos”. Ele conhecia bem a necessidade das almas daquelas pessoas, pois havia sido uma delas. Desejou fazê-las conhecer o Salvador, que havia sido misericordioso para com ele. Um verdadeiro crente sempre demonstrará esse mesmo sentimento de Mateus. Tendo recebido misericórdia, não devemos ficar quietos.
É verdade que a associação com os incrédulos deve ser tratada com sabedoria para que o compromisso ético seja evitado, mas o receio de tal comprometimento não pode se tornar uma desculpa para o isolamento daqueles que mais precisam da mensagem de salvação (cf.: 1 Co 5.9-10).
(5) Jesus só abre as portas da graça aos que se reconhecem pecadores (9.10–13).
O evangelho segundo Jesus é, antes de mais nada, uma ordem ao arrependimento. Desde o início do ministério de Jesus, quando o Senhor começou a pregar, a primeira palavra de sua mensagem foi “arrependei-vos” (Mt 4.17). Esta foi, também a primeira palavra da pregação de João Batista (Mt 3.2), e foi a própria base do evangelho pregado pelos apóstolos (At 3.19; 20.21; 26.20). Qualquer que negligenciar a chamada dos pecadores ao arrependimento não estará pregando o evangelho segundo Jesus.
Ao relatar o episódio da conversão de Mateus, Lucas inclui duas palavras: “Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento” (Lc 5.32). Aqueles que vêem a si mesmos como pessoas boas, e aqueles que não percebem o peso do seu pecado e deseja livrar-se dele, o Senhor não lhe concede a salvação.
Em suma, se nos consideramos justos, o Senhor Jesus nada tem a dizer a nós. Se nos consideramos pecadores, Cristo nos chama ao arrependimento. Então, qual será a sua resposta a chamada de Jesus Cristo?
_______
Referências: Carson, D.A. 2018. The Gospels and Acts. (In Carson, D. A., Ed. NIV Biblical
Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1716–1717). / Crossway
Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. Ryle, J.C.
2018. Meditações no Evangelho de Lucas.
São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Hendriksen, W. 2014. Lucas. SP: Editora
Cultura Cristã. / Lopes, H.D. 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis.
SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2008. O Evangelho Segundo Jesus.
São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo
Testamento. SP: Mundo Cristão. / Ryle, J. C. 2018. Meditações no Evangelho de Mateus. São José
dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em
Mateus. SP: Editora Cultura Cristã.
Pastor Leonardo Cosme de Moraes