Salmos 1.1-6
Este salmo é considerado um salmo de conselhos práticos. Ele aborda os tópicos encontrados na literatura de sabedoria, como Provérbios, e torna-os objecto de cânticos. O propósito é que aqueles que cantam os salmos possuam também seus valores.
O Salmo 1 introduz todo o livro de Salmos. Esta abertura propõe-se a desafiar os leitores a comprometerem-se com o Senhor e com sua lei. O Salmo tem dois parágrafos, um sobre o justo (v. 1-3) e o outro sobre o ímpio (v. 4-6). O parágrafo sobre o justo é mais longo que o do ímpio. Os parágrafos têm uma ordem inversa. O parágrafo sobre o justo termina com uma metáfora e o do ímpio começa com uma metáfora. As metáforas mostram fortemente o contraste entre os dois.
A diferenciação é o tema em torno do qual o poema está estruturado, traçando um contraste acentuado entre os Justos e os ímpios - que são os únicos tipos de pessoas do ponto de vista de Deus: (1) Os Justos, caracterizados pela retidão e obediência a Palavra de Deus. (2) Os ímpios, que representam as ideias do mundo e não permanecem na Palavra de Deus.
A diferenciação deles é patente na maneira como vivem. O contraste também é estabelecido através da fonte de valores deles. Esta separação e distinção entre esses dois grupos de pessoas existirá no decurso da história e continuara na Eternidade.
Tal diferenciação também foi anunciada pelo profeta Jeremias que disse: “… Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor! Porque será como a tamargueira no deserto, e não verá quando vem o bem; antes morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável. Bendito o homem que confia no Senhor, e cuja confiança é o Senhor. Porque será como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro, e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e no ano de sequidão não se afadiga, nem deixa de dar fruto” (Jeremias 17.5-8).
O CAMINHO DA BÊNÇÃO (Sl 1.1-3)
O livro do Salmos abre-se com um pronunciamento de bênção. “Bem-aventurado o homem”, diz o salmista. O substantivo hebraico usado aqui (é ashre, אַשְׁרֵי e) descreve alguém que é abençoado com a felicidade (lit. “quão feliz e abençoado é”). Seu equivalente grego - makarios - é encontrado nas bem-aventuranças de Jesus (Mt 5.3-11). Este homem piedoso é um representativo dos seguidores de Deus (homem ou mulher, jovem ou idoso).
O homem piedoso é descrito, primeiramente, em termos do que ele não faz (Sl 1.1). As três formas verbais no verso 1 referem-se ao comportamento característico dos justos. O justo é feliz naquilo que não faz: (a) Não anda segundo o conselho dos ímpios. (2º) Nem fica no caminho dos pecadores. (3º) Nem assenta-se na roda dos escarnecedores.
A pessoa justa é descrita pelo que evita. A sequência “andar-ficar-sentar” prevê uma progressão de uma associação casual com os ímpios para uma identificação completa com eles. Este é o caminho que justo evita com todo o cuidado.
O salmista descreve o caráter daqueles cuja confiança está no Senhor. Eles não olham para os ímpios como fonte de sabedoria; sua vereda não é aquela transitada por pecadores; sua companhia não é com aqueles que zombam de Deus ou que são arrogantes ao ponto de desprezar a instrução do Senhor.
“Bem-aventurados todos aqueles que nele confiam” (Sl 2.12). Conforme o testemunho do profeta Jeremias, que disse: “Achando as tuas palavras, logo as comi, e a tua palavra foi para mim o gozo e alegria do meu coração; porque pelo teu nome sou chamado, ó SENHOR Deus dos Exércitos. Nunca assentei-me na assembleia dos zombadores, nem regozijei-me; por causa da tua mão assentei-me solitário; pois encheste-me de indignação” (Jr 15.16-17).
Os verdadeiros crentes podem ser conhecidos pelas coisas que praticam, pelos lugares que frequentam e pelas pessoas com as quais convivem. Ninguém pode experimentar a bênção de Deus sem evitar as coisas destrutivas. Não existe neutralidade na Vida Cristã (Mt 6.24). Muitas vezes o amor e o ódio caminham lado a lado: “Vós que amais o Senhor aborrecei o mal” (Sl 97.10). “O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegando-vos ao bem” (Rm 12.9). O mesmo João que falou-nos que o amor é a marca do verdadeiro cristão (1Jo 2.10), também diz que a marca do verdadeiro cristão é não amar o mundo (1Jo 2.15).
O salmista apresenta o estilo de vida de uma pessoa que é verdadeiramente feliz. O homem bem-aventurado é destacado porque “seu deleite está na lei do Senhor, e em sua lei medita dia e noite” (1.2). Ele tem o seu prazer na Lei do Senhor, que é a expressão da vontade de Deus. A instrução divina forma a base de sua conduta e é o tesouro de seu coração. A “Lei” aqui não significa uma lista de regras e as punições correspondentes, mas a plenitude do ensino de Deus para seus filhos. Portanto, o justo deseja o que Deus requer dele. Ele desenvolve-se por sua obediência a Palavra de Deus. Ele memoriza a lei, recita-a e medita nela. O texto lembra Josué 1.8, onde o Senhor diz a Josué: “Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido”. A pessoa feliz é caracterizada pela contemplação consistente e a interiorização da Palavra de Deus a fim de alcançar a direcção ética e a obediência.
O resultado de tal meditação na instrução do Senhor é que o indivíduo bem-aventurado é como uma árvore transplantada (v. 3) para as margens de um canal de irrigação. O salmista compara uma pessoa abençoada a uma árvore: forte, estável, bem nutrida, frutífera e próspera. Como diz o salmista: “O justo florescerá como a palmeira; crescerá como o cedro no Líbano. Os que estão plantados na casa do Senhor florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice ainda darão frutos; serão viçosos e vigorosos, para anunciar que o Senhor é reto. Ele é a minha rocha e nele não há injustiça” (Sl 92.12-15).
Em sua posição bem irrigada, a árvore produz seu fruto, e sua localização assegura que ela não secará. Dessa forma ela assemelha-se ao verdadeiro filho de Deus que persevera até o fim (Fp 1.6) e que produz frutos de justiça (Gl 5.16-26). A árvore, portanto, transmite uma imagem de resistência. Essa árvore não será levada pelo vento como a palha.
A árvore foi plantada - literalmente transplantada, isto é, uma nova posição que a pessoa foi colocada. As árvores não plantam-se sozinhas e nem os pecadores transportam-se sozinhos para o reino de Deus. A salvação é obra da maravilhosa graça de Deus. Em contrapartida, o Senhor Jesus disse: “Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada” (Mt 15.13).
Contudo, como o próprio contexto indica, há uma responsabilidade inquestionável quanto a apropriar-se dos recursos de Deus, que conduz a essa produtividade.
O CAMINHO DA RUÍNA (Sl 1.4-6)
Quão diferentes são aqueles cuja confiança não está no Senhor! As linhas de demarcação entre os filhos de Deus e os filhos do mundo são claramente traçadas. Os que confiam no Senhor amam sua instrução. Os ímpios, porém, odeiam, desprezam e até zombam da instrução do Senhor.
Diferente da árvore com raízes profundas, os ímpios são como a palha ou a casca do trigo, que é levada pelo vento quando o grão é peneirado. Uma referencia ao local da debulha e ao trabalho de separação dos grãos do trigo (Mt 3.12). A vida do ímpio é como uma palha seca, morta e transitória - que facilmente é levada pelo vento.
O contraste é claro. Em vez de ser como uma árvore viva, os ímpios são tão instáveis quanto a palha. São sem raiz e sem fruto. Tais pessoas não serão capazes de manter sua posição diante do tribunal de Deus, e nenhum direito terão de estar entre o povo de Deus na eternidade. Eles não subsistirão no Juízo. Eles não serão aprovados no julgamento de Deus. Não ficarão de pé na congregação do povo de Deus.
O caminho dos justos é constantemente protegido pelo Senhor, enquanto que o caminho dos ímpios não tem futuro. Destina-se a perecer completamente. A repetição da palavra caminho reforça o propósito do salmo. Ela refere-se ao curso de vida total de uma pessoa (seu estilo de vida). Aqui, esses dois cursos de vida (do justo e do ímpio) conduzem aos caminhos de vida e de morte (Dt 30.19; Jr 21.8). Deus fará o contraste durar para sempre. Os dois modos de vida são determinados pela relação de alguém com o Senhor.
No Novo Testamento aprendemos que Jesus cumpriu o papel que nunca poderíamos cumprir e também é o modelo que devemos imitar. Nesse sentido, o Salmo 1 remete-nos para Cristo, o homem perfeito, o abençoado e justo Filho de Deus; e chama-nos a andar como ele andou (1 Jo 2.6)
Na avaliação divina final, os que tem um relacionamento correto com Deus (justos) contrastam com os que seguiram seu próprio conselho, e consequentemente, não viveram dentro dos parâmetros da palavra de Deus. Acerca dos tais, profetizou Isaías: “… Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles” (Isaías 8.20). “Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mt 6.23). É por isso que Jesus disse: “Vê, pois, que a luz que em ti há não sejam trevas” (Lc 11.35).
O Senhor conhece o caminho dos justos. Conhecer aqui não é apenas uma referência a omnisciência de Deus, mas sobretudo ao relacionamento íntimo e pessoal de Deus com os seus servos. O Senhor protege e zela pelo destino dos piedosos. “O Senhor conhece os dias dos retos, e a sua herança permanecerá para sempre” (Sl 37.18). Mas a respeito dos ímpios, a Escritura diz: “… o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade". (2 Timóteo 2:19). No juízo final, Jesus dirá abertamente: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mateus 7.23).
O Senhor conhece os nossos caminhos. A Escritura diz que “Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (Eclesiastes 12.14).
O Caminho do ímpio perecerá. Ao contrário do justo, que tem a presença do Senhor com ele, o ímpio não prevalecerá no juízo de Deus, ficará fora da congregação dos justos e perder-se-á para sempre.
Perecerá, a última palavra, faz um contraste decisivo com a inicial, bem-aventurado (também começam com a primeira e a última letra do alfabeto hebraico respectivamente, alef e tau).
Há um desenvolvimento para o pior no grupo confiante de zombadores. No princípio o seu conselho, parece uma coisa importante, no final, porém, já não consegue ficar em pé sequer na congregação dos justos. Dá entender que a vida do justo vai subindo, como uma árvore mas a do ímpio vai descendo e desfazendo-se como moinha ou farelo levado pelo vento.
Um dia, o caminho do ímpio - seu comportamento pecaminoso - acabará em ruína (Ler Sl 112; Ap 6.17). Todos os seus planos terminarão em desapontamento e ruína (Sl 37.13; 146.8; Pv 4.19). O caminho dos ímpios perecerá refere-se à destruição final ou à frustração de esperanças ou planos. “Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus.” (Sl 9.17; 9.6). “O ímpio o verá, e se entristecerá; rangerá os dentes, e se consumirá; o desejo dos ímpios perecerá.” (Sl 112.10).
Esta cena final é novamente retratada na Escritura, como uma grave advertência contra os queixosos insolentes no meio do povo de Deus (Ml 3.13-4.2, NVI): “13 Vocês falaram coisas terríveis contra mim”, diz o Senhor. “Mas vocês perguntam: ‘O que falamos contra ti?’. 14 Vocês disseram: ‘De que adianta servir a Deus? Que vantagem temos em obedecer a suas ordens ou chorar por nossos pecados diante do Senhor dos Exércitos? 15 De agora em diante, chamaremos de abençoados os arrogantes. Pois os que praticam maldades enriquecem, e os que provocam a ira de Deus nenhum mal sofrem’. 16 Então aqueles que temiam o Senhor falaram uns com os outros, e o Senhor ouviu o que disseram. Na presença dele, foi escrito um livro memorial para registrar os nomes dos que o temiam e que sempre honravam seu nome. 17 Eles serão meu povo”, diz o Senhor dos Exércitos. “No dia em que eu agir, eles serão meu tesouro especial. Terei compaixão deles como o pai tem compaixão de seu filho obediente. 18 Então vocês verão outra vez a diferença entre o justo e o mau, entre o que serve a Deus e o que não serve. 4.1 Assim diz o Senhor dos Exércitos: “O dia do julgamento aproxima-se e arde como uma fornalha. Naquele dia, serão queimados como palha os arrogantes e os perversos. Serão consumidos, desde as raízes até os ramos. 4.2 Mas, para vocês que temem meu nome, o sol da justiça se levantará, trazendo cura em suas asas. E vocês sairão e saltarão de alegria, como bezerros soltos no pasto”.
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Pastor Leonardo Cosme de Moraes