A justificação pela fé



Paulo apresentou o seu ensino sobre a justiça/justificação contestando os ensinamentos de um grupo de cristãos judeus que insistiam que os gentios deveriam ser circuncidados e forçados a obedecer à lei como parte de sua salvação e como a base para fazer parte da comunhão com o povo da aliança de Deus. 

O argumento paulino sobre a justificação pela fé, enunciado no contexto de Gálatas 2.15-21, assenta-se na articulação interrelacionada dos seguintes pontos:

1. Pedro e Paulo reconheceram que eram pecadores na busca de serem justificados em Cristo, e constataram que não eram melhores que os gentios. Então a distinção padrão entre judeus e gentios deve ser abandonada por aqueles que acreditam que alguém é justificado através da fé na obra fiel de Jesus Cristo. Paulo também deixou evidente que a justificação não pode ser desfrutada pelos pecadores sob um pacto cuja condição de bênção é o cumprimento de suas leis. Logo, a universalidade do pecado e a inadequação da lei (como um caminho de salvação) tornam evidentes que a causa da justificação não pode ser o esforço ou o desempenho humano no tocante a obediência a lei. Em razão disso, Paulo pôde afirmar que os verdadeiros transgressores dos propósitos de Deus são aqueles que tentam restabelecer a lei como a base para justificar e definir a comunidade cristã. A transgressão deles caracteriza-se na rejeição da suficiência da graça de Deus revelada na morte expiatória de Cristo; providenciando a justiça/justificação diante de Deus (2.16, 20, 21) que a prática da Lei não pode. 

2. A expressão πίστεως Ἰησοῦ Χριστοῦ refere-se em primeiro lugar à ‘fidelidade de Cristo’ e ao modo como essa fidelidade veio à expressão visível e concreta no evento objetivo da morte fiel e expiatória de Cristo na cruz. Paulo usa essa frase em 2.16 para indicar o fundamento do evangelho cristão: que sua base objetiva e sua causa eficiente é a obediência fiel que Jesus Cristo prestou a Deus Pai, tanto ativamente em sua vida como passivamente em sua morte; na qual a humanidade está incluída e representada. Enfim, a fidelidade de Jesus Cristo é outra maneira de referir-se à obediência de Jesus, necessária para alcançar nossa salvação. A passagem de Gálatas 2.15-21 não exclui a fé em Cristo. Antes, porém, afirma que os crentes devem colocar a sua confiança no que Cristo fez a fim de serem justificados perante Deus. Por outras palavras, é justamente porque Cristo fez tudo que ele possibilita ao pecador a fé e uma resposta salvadora a Deus. O contrário disso é buscar ser justificado pelo esforço humano através da obediência a lei. 

3. O novo status dos fiéis justificados resultam de sua real identificação com Cristo nos eventos redentores de sua morte e ressurreição. Cristo submeteu-se a maldição da lei na cruz e os cristãos morreram com ele e, assim, foram libertos da maldição, da condenação e do poder da lei. Contudo, a morte para a lei não significa liberdade para viver em pecado, mas o meio de alcançar o objetivo supremo: “viver para Deus”. Os crentes são agora um ‘novo eu’ pela habitação de Cristo. O velho ‘eu’, que eram em Adão, não vive mais. Cristo agora é o Senhor é o agente efetivo para viverem a nova vida de justiça. Outrossim, a fidelidade de Cristo e o seu amor sacrifical inspiram aqueles que foram justificados em Cristo (como Paulo) a viverem da mesma forma. Uma vez que a fidelidade de Jesus Cristo refere-se ao tipo de fidelidade ou lealdade que Jesus demonstrou, Paulo poderia também está exortando os gálatas a terem o mesmo tipo de fidelidade que Jesus teve (sendo assim, a fé/fidelidade de Cristo é tanto redentora como exemplar).  

4. A ‘justiça/justificação’ foi o termo amplo e multifacetado que Paulo usou para descrever a ação salvadora de Deus em relação ao seu povo. Em linhas gerais é possível afirmar que justificação é o ato pelo qual Deus confere um novo status como um antegosto da nova era; criando um novo povo em um novo pacto; para uma nova vida em Cristo produzida por seu Espírito. De outra forma, ser justificado significa “ser (1) declarado justo por antecipação ao julgamento escatológico de Deus; e (2) membro do povo de Deus redefinido na nova era inaugurada através da obra expiatória de Cristo”; para tornar-se (3) participante da nova vida em Cristo produzida por seu Espírito. Paulo, entretanto, afirma que nada disso resulta da realização dos crentes através dos atos de obediência exigidos pela lei, mas baseia-se inteiramente no cumprimento da promessa salvífica de Deus através da ‘fé/fidelidade de Jesus Cristo’. 

5. A resposta humana subjectiva de apropriar-se da justificação é a confiança ou fé na fidelidade de Cristo. Ou seja, a justificação é pela fé na fidelidade de Cristo: o mesmo que pela fé na pessoa e obra de Cristo. Paulo, então, distingue a πίστις (fé/fidelidade) de Cristo da crença dos crentes nele em Gálatas 2.15-21. Contudo, a ênfase fundamental de Paulo em Gálatas 2.15-21 é a obra de Deus em Cristo e não a resposta de fé dos crentes. A expressão, em “Cristo Jesus temos crido, para que pudéssemos ser justificados pela fidelidade de Cristo” (2.16c), apresenta num nível secundário, o ato de ter fé em Cristo. O significado primário ou referencial da expressão, no entanto, é a fidelidade de Cristo ao Pai necessária para consumar a salvação. Assim, Paulo estabelece as bases objetivas e subjectivas para a vida cristã. Vale ressaltar, entretanto, que a resposta de fé dos crentes é também uma obra de Deus comunicada pelo Espírito Santo através do Evangelho de Jesus Cristo (Gl 3.2; Ef 2.8, Fl 1.29; Rm 4.3-5, 14, 16; 5.2; 9.32, 10.16-17). 

Estes são os elementos centrais que Paulo apresentou para a fundamentação do seu ensino sobre a justificação pela fé em Gálatas 2.15-21. Estes pontos, outrossim, definem e expressam sinteticamente e positivamente “a verdade do evangelho” que ele anunciava (Gl 2.5; 2.14).  

Pastor Leonardo Cosme de Moraes