A PERSISTÊNCIA NA ORAÇÃO

            

Lucas 18.1-8

Esta parábola sobre um juiz injusto e uma viúva persistente segue imediatamente após um breve discurso sobre a chegada da plenitude do reino de Deus na segunda vinda de Cristo. Ela é a parte que conclui os ensinamentos de Jesus sobre o futuro em Lucas 17.20-37. A parábola é que “eles deviam orar sempre e nunca desanimar” (18.1). Trata-se de um encorajamento para cristãos que vivem em tempos ruins, que percebem como o mundo está cada vez mais hostil, que sentem a aproximação do juízo, “como foi nos dias de Noé” (17.26) e “como foi também nos dias de Ló” (17.28). Aplica-se especialmente a tempos como os nossos.

 

O juiz injusto “não temia a Deus nem se importava com os homens” (18.2). Não mostrava nenhum respeito por Deus, por sua vontade e por sua lei. Era completamente indiferente às necessidades das pessoas. Ele confessou livremente a si mesmo: “Eu não temo a Deus e nem importo-me com os homens” (18.4). Ele vivia abertamente contra o primeiro e o segundo grande mandamento (Mt 22.37-40). Jesus referiu-se a ele com um título curto e directo: “o juiz injusto” (Lc 18.6).

 

O outro personagem nesta parábola é uma viúva, vítima de alguma injustiça ou opressão, cujo único recurso para buscar retificação são os tribunais. Alguém estava a explorar sua vulnerabilidade social. Aparentemente, vivia na pobreza e na solidão. A lei de Moisés é explícita em relação a este caso. "Não prejudiquem as viúvas nem os órfãos” (Êx 22.22-24). Encontramos este mesmo princípio em Isaías 1.17: “Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva”. Portanto, a nação de Israel deveria cuidar e proteger as viúvas e as pessoas vulneráveis e indefesas.

 

Esta mulher estava pedindo justiça, não um tratamento especial. A persistência é seu único trunfo para conseguir a justiça do juiz “injusto” (18.6). O tempo verbal, no versículo 3, indica uma ação repetida: “uma viúva que dirigia-se continuamente a ele”. Ela voltava, e voltava, e voltava, dizendo: “Faze-me justiça contra o meu adversário”. Aparentemente, estava a buscar restituição por alguma injustiça que já havia sofrido por parte de alguém. Seu desespero sugere que tudo havia sido tirado dela. Contudo, a reação inicial do juiz à mulher foi incrivelmente fria (18.4). O juiz simplesmente dispensou esta pobre mulher como uma melga irritante. 

 

Isto continuou “por algum tempo” (18.4). Mas então o juiz de repente mudou sua decisão e disse a si mesmo: “Embora eu não tema a Deus e nem me importe com os homens, esta viúva está me aborrecendo; vou fazer-lhe justiça para que ela não venha me importunar” (18.4-5).

 

Alguns intérpretes adotam uma interpretação mais literal da expressão grega hypopiazo, e concluem que o juiz temia a intensificação da reação dela a ponto de “golpear-lhe a face” - literalmente “socar-lhe abaixo do olho com consequente desfiguramento”. Neste contexto, porém, o sentido figurado parece ser a melhor interpretação: o ato de incomodar alguém com palavras até esgotá-lo, ou, possivelmente, ‘manchar a reputação de alguém’. 

 

Assim, o juiz estava a pensar: “Ela continuará vindo para sempre, e me deixará esgotado e/ou colocará a minha reputação em causa”. Ele só reagiu para seu próprio bem. Ele precisava livrar-se dela. Assim, finalmente, julgou em seu favor. Ele foi derrotado pela simples persistência de uma mulher impotente.

 

O Sentido da parábola

O tema central desta parábola é a vindicação do povo sofredor de Deus, como afirma o versículo 7. A Escritura mostra que os mártires aguardam esta vindicação sob o altar em Ap 6.10: “Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” Justiça aos seus escolhidos refere-se principalmente a Deus resgatando seu povo do sofrimento e da injustiça no mundo (cf. Lucas 1.68-74; Mt 24.31; Mc 13.27; Ap 17.14).

 

De uma perspectiva humana, a justiça pode parecer muito demorada. Exigindo, portanto, que sejamos pacientes até a vinda do Senhor (Tg 5.7-8). Da perspectiva de Deus, a justiça virá rapidamente aos seus escolhidos (18.7). O “depressa” ou “rapidamente”, no versículo 8, é o tempo de Deus, não o nosso (2Pe 3.8). Não indica uma resposta imediata, mas, sim, rápida em seus efeitos quando for concedido.

 

Portanto, a mensagem que Jesus está transmitindo é que, enquanto os discípulos estiverem esperando o retorno de Cristo — especialmente quando o mundo parecer ficar ainda mais ímpio e condenável — ele quer que seus discípulos continuem orando e não desanimem (18.1, cf.: Lc 21.36).

 

O juiz injusto não é apresentado como um símbolo de Deus, mas em contraste com ele. O argumento que Jesus desenvolve é um argumento do menor para o maior (a minori ad maius): se até mesmo um juiz que não honra as leis de Deus e dos homens pode ser induzido a agir pelos apelos persistentes de uma viúva, quanto mais não agirá Deus em defesa do seu povo quando este clamar a ele (18.7-8). 

 

Embora Deus não seja comparado a um juiz desonesto, há uma base parcial de comparação em que Deus também guardará sua reputação na aplicação da sua justiça contra os males deste mundo. Estejamos certos que “Ele vem, vem julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos, com retidão” (Sl 98.9). O dia do grande livramento está cada vez mais próximo. Deus defenderá o seu povo.

 

Deus não adia a justiça por indiferença. O atraso aparente é a medida da longanimidade de Deus. Ele está reunindo “um povo para o seu nome” (At 15.14), e ele não abreviará o tempo até o último de seus eleitos estiver salvo. A Bíblia fala de “uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7.9).

 

O final da parábola é a chave (Lc 18.8): “Contudo, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?” Ele encontrará seu povo perseverando em oração e expectativa? A questão não é se Deus responderá às orações, mas se haverá um povo fiel que tenha persistido em oração e que não tenha perdido a esperança quando o filho do homem vier (18.8). É alvo de suspeita que, se Jesus voltasse agora, ele encontraria multidões de cristãos professos que que não estão interessadas em sua vinda; e envolvidas demais com esta vida e os valores do mundo para pensar muito sobre isso.

 

Implicações práticas:

1. A importância da perseverança na oração (18.1). Entre a sua primeira e sua segunda vinda, precisamos orar sempre e nunca esmorecer. Negligenciar a oração é ficar vulnerável à queda no pecado (Mt 26.41). Sem oração, não há poder para o enfrentamento das lutas e perseguições que sobrevêm. 

 

2. A oração perseverante é um dever (18.1). Jesus afirmou que a oração perseverante é um dever (Lc 11.1–13). Ainda que a resposta demore a vir, continuemos a orar. Devemos “orar sempre” (18.1), orar “sem cessar” (1Ts 5.17; Cl 4.2). “Toda a vida dos fiéis”, como escreveu Orígenes, “deve ser uma grande oração conectada”.

 

3. Oremos com persistência, clamando que ele volte para vindicar seu povo e estabelecer um reino justo e trazer paz eterna. Hoje, num ritmo global cada vez mais acelerado, a Palavra de Deus é zombada, hostilizada e censurada. Os cristãos são difamados, perseguidos e oprimidos. A oração do cristão deve ser: Maranata! “Senhor, vem!” (1Co 16.22). Este é o apelo final das Escrituras: “Vem, Senhor Jesus!” Jesus ensinou-nos a orar: “Que venha o teu Reino” (Lucas 11.2).

 

4. A oração não é um pedido de um desconhecido a um magistrado injusto (18.2–6). Diferentemente desta viúva, os crentes em Cristo estão em comunhão com Deus. Temos junto ao Pai Jesus Cristo, o Advogado, o Justo. Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote que assiste-nos em nossa fraqueza. Temos as Escrituras com centenas de promessas do cuidado generoso de Deus. 

 

5. A oração é um pedido dos escolhidos ao Deus justo (18.7). Os eleitos de Deus “a ele clamam dia e noite”. Uma pessoa que não ora nunca pode ser chamada “um dos eleitos de Deus”. Deus escolheu-nos em Cristo desde a eternidade. Deus atraiu-nos para si com cordas de amor. O Deus que já começou sua boa obra em nós, há de completá-la até o dia final (Fl 1.6). Ele ouve a nossa oração e no tempo, por ele determinado, fará justiça. Aquele juiz não tinha amor pela justiça. Deus, porém, não é assim. Ele é o Pai de misericórdias e o Deus de toda consolação (2Co 1.3). Ele tem pressa em fazer-nos justiça. Deleita-se em socorrer-nos em nossas necessidades. 

 

6. A oração não é atendida no tempo dos homens, mas segundo a vontade soberana de Deus (18.7,8). Nem sempre a oração é atendida imediatamente. Quando Deus demora, contudo, é porque está preparando algo maior e melhor para a nossa vida. Podemos ter certeza de que Ele está trabalhando todas as coisas para a sua glória e para o nosso bem (Rm 8.28).

 

7. O fim dos tempos será marcado pelo declínio da fé, portanto pelo esfriamento da prática da oração (18.8b). À medida que a história caminha para sua consumação, as pessoas se tornarão mais desatentas às coisas espirituais, como ocorreu com a geração de Noé e Ló (17.26–30). Daí, a pergunta de Jesus: quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra? (18.8). Esta pergunta é formulada com o propósito de autoexame. Cada um deve responder por si. 

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Referências: Barry, J. D. et al. 2012, 2016. Faithlife Study Bible. Bellingham, WA: Lexham Press. / Carson, D.A. 2018. The Gospels and Acts. (In Carson, D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1864–1865). / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Hendriksen, W., 2014. Lucas. SP: Editora Cultura Cristã. / Kreitzer, B. 2017. Lucas. São Paulo: Editora Cultura Cristã. / Liefeld, W. L. 1984. Luke. (Em Gaebelein, F. E., ed. The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 999–1000. / Louw, J.P. & Nida, E.A. 1996. Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains, 1, p. 314. / Lopes, H.D. 2017. Lucas: Jesus, o Homem Perfeito. SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2016. As parábolas de Jesus. Thomas Nelson Brasil MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Rienecker, F. 2005. Comentário Esperança, Evangelho de Lucas, Curitiba: Editora Evangélica Esperança. / Ryle, J.C. 2018. Meditações no Evangelho de Lucas. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. org., 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition), Orlando, FL: Reformation Trust. / Spence-Jones, H. D. M. ed. 1909. St Luke, Londres. Nova York: Funk & Wagnalls Company.

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes