Os discípulos pediram a Jesus que os ensinasse sobre a oração. Eles rogaram “Ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos” (Lc 11.1). A instrução que Jesus deu sobre a oração vem até nós tanto do Sermão do Monte, em Mateus 6, como de Lucas 11. Observe que Jesus disse: “Vós orareis assim”, e não: “Vós orareis esta oração” (Mt 6.9). Jesus estava nos dando um esboço de coisas que devem ser prioridades em nossa vida de oração. Certamente não é errado fazer a oração do Pai nosso. Sempre que a ouvimos ou proferimos, somos lembrados das prioridades que Jesus nos apresenta para a oração. No entanto, quando fizermos a oração do Pai nosso, devemos atentar para o conteúdo.
A oração do ‘Pai nosso’ possui um prefácio, seis petições e uma conclusão. Os versículos 9 e 10 focam primeiramente em Deus; só então, nos 11–13 nas pessoas. Em todas as partes da oração, somos ensinados a dizer “nós” ou “nosso”. Indicando que devemos nos lembrar das outras pessoas tanto quanto de nós mesmos.
O prefácio: ‘Pai nosso que estás nos céus’ (Mateus 6.9). Devemos chamar a Deus de Pai nosso que está no Céu. Pai, do grego ‘patēr' e do aramiaco ‘Abba’, era a palavra usada pelos filhos judeus para designar seus pais terrenos. Aqui, os discípulos de Jesus são convidados à intimidade com o Deus Pai. Há um sentido geral em que Deus é o Pai de todos os homens como o Doador e o Sustentador da vida. A Bíblia também ensina que todos somos semelhantes e fomos feitos pelo mesmo Criador. A linguagem familiar, entretanto, tem um significado restrito e especial nas Escrituras. A Escritura diz que é somente pelo Espírito Santo, o qual nos uniu a Cristo e promoveu nossa adoção à família de Deus, que agora podemos dizer: “Aba, Pai” (Rm 8.14-17). Nossa filiação não é automática, mas derivada. A palavra do Novo Testamento para esta transação é adoção. Que acontece quando a pessoa é adoptada na família de Deus, por expressar fé salvadora na obra consumada por Cristo. Somente quando isto acontece, a pessoa obtém o privilégio de chamar a Deus de Pai. Jesus é a única pessoa que tem o direito absoluto de dirigir-se a Deus desta maneira, pois ele é o “unigénito do Pai” (Jo 1.14). Contudo, àqueles que “receberam a Cristo pela fé”, Deus lhes deu “o poder de serem feitos filhos de Deus (Jo 1.12). Somente quando isto acontece, é que Deus chama os homens de “filhos”.
Observe que todos os pronomes da oração estão no plural, e não no singular. A palavra nosso significa que o direito de chamar a Deus de “Pai” não é apenas meu. É um privilégio coletivo que pertence a todo o corpo de Cristo. Somos membros da família de Deus. Somos irmãos uns dos outros. Somos filhos do mesmo Pai.
Cristo falou de seu Pai como quem estava no céu. Cristo estava falando sobre a transcendência de Deus. “Pai nosso” fala de proximidade com Deus, mas “nos céus” destaca sua singularidade, sua separação. O ensino é este: quando oramos, temos de lembrar quem somos e a quem nos dirigimos. Deus, o Criador, difere de todas as criaturas. Ele eterno, auto-existente, todo-suficiente. Ele é diferente de qualquer coisa que possamos experimentar ou encontrar no universo material. O céu, não a terra, é a sua residência. Ele habita e vive na eternidade, e não há casa neste planeta que possa conter sua presença.
Primeira petição: ‘santificado seja o seu nome’ (Mt 6.9). A principal prioridade que Jesus estabeleceu é que o nome de Deus seja santificado. Deus é aquele que está nos céus; nós somos da terra. Ele é perfeito; nós somos imperfeitos. Ele é infinito; nós somos finitos. Ele é santo; nós somos impuros. A “distinção” sagrada de Deus é um facto que os filhos de Arão esqueceram, mas a esqueceram somente uma vez. Em Levítico 10.1–3, lemos: “Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este, incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face do Senhor, o que lhes não ordenara. Então, saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor. E falou Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor disse: Mostrarei a minha santidade naqueles que se cheguem a mim e serei glorificado diante de todo o povo. Nunca devemos esquecer o erro fatal de Nadabe e Abiú e aproximar-nos do Deus numa atitude desrespeitosa e irreverente.
O modo aceitável de adorarmos a Deus é instituído por ele mesmo nas Escrituras. Ele não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras (CFW, 21.1). Deus exige ser tratado como santo, porque ele é santo. Ele é zeloso de sua honra. A principal prioridade para o cristão é ver que o nome de Deus é mantido santo, porque ele é santo. A honra de Deus tem de ser a obsessão da comunidade cristã. A honra não deve ir para as nossas organizações, as nossas denominações, ou nossas igrejas locais, ou nossos líderes, mas somente para Deus. Nossos esforços não valem nada se não são para a honra e a glória do nome de Deus. “Que todos os nossos pensamentos, palavras e ações sejam voltados para a glória da santidade, bondade e majestade de Deus” (CH, 101).
Segunda petição: ‘venha o teu reino’ (6.10). O reino de Deus era o principal pensamento do ensino e da pregação de Jesus. Jesus veio como o cumprimento da mensagem de João Batista, que era clara e simples: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2). Portanto, quando João entra em cena e fala da proximidade do reino, ele está falando do reino do Messias.
Jesus inaugurou o reino de Deus quando veio. Ele não o consumou: ele inaugurou o reino e prometeu uma época em que ele subiria ao céu e se assentaria entronizado à direita de Deus. “Jesus não ascendeu apenas para ser nosso Sumo Sacerdote. Ele subiu para sua coroação como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Sua realeza não é um estado futuro; Cristo é Rei neste exato momento. Ele ocupa o trono do universo. Toda a autoridade no céu e na terra foi dada ao Filho ungido de Deus” (Sproul, 2017).
O reino de Deus refere-se ao reinado messiânico de Cristo nos corações dos crentes. Na medida em que o evangelho é anunciado e os pecadores se arrependem e creem, o reino de Deus vai alargando suas fronteiras. “É tarefa da igreja dar visibilidade ao reino invisível” (Calvino).
Devemos orar: “Que venha o reino de Deus”, isto é, que ele nos governe pela sua Palavra e Espírito, sujeite-nos cada vez mais a si mesmo, converta muitas pessoas a si, proteja a sua igreja e destrua todas as obras do maligno, até que venha a plenitude do seu reino, em que ele será tudo em todos “(CH, 102).
Terceira petição: ‘faça-se a tua vontade assim na terra como no céu’ (6.10). Jesus não estava a falar da vontade soberana de Deus. A vontade soberana de Deus já é feita na terra como no céu. Nada no universo não está fora do controlo de Deus. O que Jesus esta a falar é sobre a vontade normativa de Deus, a qual deve ser obedecida na terra da mesma forma como é obedecida por todos, em todos os momentos, no céu (Sproul, 2017).
Esta petição é uma súplica por obediência da parte do povo de Deus, uma súplica no sentido de que as pessoas que fazem parte do povo de Deus obedeçam aos mandamentos de Deus. Deus é honrado por nossa obediência, seu reino é tornado visível por nossa obediência, e muito obviamente sua vontade é feita quando somos obedientes.
Seríamos terrivelmente hipócritas se orássemos pedindo que o nome de Deus seja santificado, que seu reino venha e que sua vontade seja feita na terra como no céu se aquilo em que realmente pensamos for: “mas não na minha vida”. Portanto, devemos orar pedindo para que Deus opere em nós e nos faça obedecer à sua vontade na terra da mesma maneira como ela é obedecida no céu.
Quarta petição: ‘o pão nosso de cada dia dá-nos hoje’ (Mt 6.11). O elemento do “pão” aqui deve ser compreendido como símbolo de todas as nossas necessidades físicas e materiais. No sentido mais básico, esta oração representa o pedido para que Deus nos dê aquilo que devemos comer. Devemos pedir o suprimento de nossas necessidades (6.11). Devemos pedir não luxo, mas pão. Pedir não egoisticamente, mas pedir o pão nosso. Pedir pão não para o acumularmos, mas o pão de cada dia (Lopes, 2019).
O provedor do lar precisa do seu “ganha-pão”. A maioria dos trabalhadores na época do texto bíblico eram remunerados diariamente. A Bíblia ensina que devemos ser diligentes e fazer tudo o que pudermos para sustentar nossa família (1Tm 5.8), mas não podemos nos esquecer que é Deus quem supre as nossas necessidades. Devemos orar não somente pelo pão nosso de cada dia, e também pelo pão de cada dia das outras pessoas. Tal atitude revela nossa constante dependência dos dons divinos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito que recebemos provém das mãos de Deus (Tg 1.17). Ele é um Deus doador. Ele é um Deus de providência.
Quinta petição: ‘perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores’ (Mt 6.12). Aqui nosso Senhor está ensinando que a oração de confissão e o pedido de perdão são partes integrantes da oração. Lucas usa a palavra “pecados” (Lc 11.4), e Mateus usa a palavra “dívidas” (6.12). O Novo Testamento descreve o pecado de três formas principais: (1) como uma dívida; (2) como uma transgressão contra a lei de Deus; e (3) como um acto de inimizade que nos afasta de nosso Criador (Sproul, 2012). Quando pedimos perdão pelo pecado, estamos pedindo perdão por todos estes três elementos. Aqueles que receberam tal perdão sentem-se tão comovidos com gratidão para com Deus que também perdoam aqueles que lhes são devedores.
Deus nos mandou ser santos como ele é santo; ele nos ordena ser perfeitos como ele é perfeito. Estamos tão aquém de seu padrão, que é impossível pagarmos a dívida. Como escreve Jonathan Edwards: “todo pecado é mais ou menos detestável, dependendo da honra e da majestade daquele a quem ofendemos. Visto que Deus possui honra infinita, majestade infinita e santidade infinita, o menor pecado tem consequência infinita.”
O que nos distingue do mundo é o fato de que somos pecadores perdoados pela graça de Deus em Cristo. O desejo de perdão distingue o cristão. O texto de 1 João 1.9 ressalta que uma das marcas de um cristão é sua atitude contínua de pedir perdão. Por isso, a confissão é uma parte significativa de nosso tempo de oração. O que, por sua vez, exige humildade em dois níveis: a admissão da culpa; e a aceitação do perdão divino.
Quando falamos em perdão, dizemos que Deus não apenas perdoa nossos pecados, como também se esquece deles, isto é, Ele não as traz à lembrança nem nos acusa com base neles. A principal lição aqui é: “Pessoas perdoadas perdoam outras pessoas”. Devemos ser espelhos da graça para outros, refletindo o que nós mesmos recebemos.
Esta é uma aspiração sincera em vez de uma condição. Jesus está nos ensinando a ter como anseio de vida refletir a bondade de Deus e estar prontos a perdoar quem pecar contra nós ou nos ofender, caso se arrependam. Jesus ilustra este princípio na parábola do Servo Incompassivo (Mt 18.21-35).
Temos muito a aprender com esta petição. Não há experiência mais grandiosa do que concluirmos uma oração sabendo que, aos olhos de Deus, estamos limpos, e que ele perdoou todos os pecados que já cometemos. Que estamos em plena comunhão com Ele.
Sexta petição: ‘não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal’ (Mt 6.13). Esta petição trata da batalha dos discípulos contra o pecado e o mal. Não nos deixes cair em tentação. É uma súplica para que sejamos poupados de circunstâncias difíceis que nos tentariam a pecar.
Os crentes devem orar para serem libertos da tentação (cf. Mt 26.41; Lc 22.40, 46; 2 Pe 2.9) e guiados nos “caminhos da justiça” (Sl 23.3). Nossas tentações procedem do nosso coração corrupto e do tentador maligno. A tentação em si não é pecaminosa, mas, sim, o cairmos em tentação (Tg 1.12-15).
O mal do qual Jesus falou não é o mal no sentido geral. Jesus estava dizendo que devemos pedir ao Pai que nos livre do Maligno, das investidas de Satanás, do inimigo que deseja destruir a obra de Cristo neste mundo. O pedido não tem o propósito de evitar as provações neste mundo, e sim proteger-nos dos ataques de Satanás. Em sua “Oração Sumo Sacerdotal”, Jesus pediu ao Pai, não que tirasse os seus discípulos do mundo, e sim que os guardasse “do mal” (Jo 17.15). Em Lc 22.31–32, vemos que se não fosse a intercessão de Cristo em favor de Pedro, este teria se perdido; sua fé teria fracassado.
Devemos proferir esta petição não apenas para nosso próprio benefício, mas também em prol das outras pessoas, a fim de que suportemos a tentação caso ela venha. Devemos suplicar para que Deus nos defende de todos os ataques dos nossos inimigos mortais – o diabo, o mundo, o pecado e a nossa carne – para que não caiamos em pecado nem sejamos derrotados nesta batalha espiritual (CH, 106).
Na conclusão da oração, Jesus retorna ao assunto do início da oração, elevando uma doxologia (um louvor) Àquele que ouve nossas petições: “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!” (6.13).
A Deus pertence o reino. O reino de Deus não é do povo, pelo povo nem para o povo. Ele não reina com o consentimento dos governados. Ele governa com sua autoridade soberana. Seu reino estende-se sobre nós. O reino é do Senhor e do seu Cristo.
A Deus pertence o poder. Ele é o Deus Pai Todo-poderoso. Seu poder é ilimitado. O poder de Deus não está em programas ou metodologias humanas. O poder Deus está em sua Palavra.
A Deus pertence a glória para sempre. Deus não dá sua glória a ninguém, nem mesmo a divide com ninguém. Somente a Deus Glória!
Será que realmente desejamos ter as coisas que somos ensinados a pedir nesta oração? Será que estamos preocupados com a glória, o reino ou a vontade do Senhor? Será que temos este senso de dependência e de fraqueza pessoal? Que nós possamos estar determinados, com a ajuda de Deus, a fazer com que nossas orações e nossos corações caminhem juntos! (Ryle, 2018).
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Referências:
Assembleia de
Westminster. 2014. Símbolos de Fé: Confissão de Fé, Catecismo Maior e Breve
Catecismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã. / Bierma, L.D. et al.
2010. Introdução ao Catecismo de
Heidelberg: Fontes, História e Teologia. Cambuci, SP: Editora Cultura Cristã. / Carson, D.A. 2018. The Gospels
and Acts. Em D. A. Carson, org. Bíblia de Estudo de Teologia Bíblica NIV. Grand Rapids, MI: Zondervan. / Crossway Bibles, 2008. The ESV Study
Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Lopes, H.D., 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis.
SP: Hagnos. / Sproul, R.C. 2012. A Oração Muda as Coisas?.
São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R.C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em
Mateus. SP: Editora Cultura Cristã. / Ryle, J.C. 2018. Meditações no Evangelho de Mateus.
São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Wiersbe, W. W. 2006. Comentário
Bíblico Expositivo: Novo Testamento, vl. 1. Santo André, SP: Geográfica
editora.
Pastor Leonardo Cosme de Moraes