JESUS, NOSSO INTERCESSOR

 João 17.1-26 

Já ouvimos, neste evangelho, Jesus falando ao povo, aos inimigos e aos discípulos; agora, o ouvimos falando ao Pai. Embora se tratasse de momentos de íntima comunhão entre o Filho e o Pai, era, ao mesmo tempo, uma lição de Jesus aos seus discípulos (17.13). Esta é uma oração feita depois da instituição da Ceia; é uma oração de despedida, uma oração antes do sacrifício de Jesus na cruz, uma oração intercessora (Ryle, 2018). Está oração é conhecido como a oração sumo-sacerdotal de Cristo. “Nenhuma voz já se ouviu na terra, ou no céu, com maior arrebatamento, nem mais santa, mais frutífera, mais sublime, do que a do próprio Filho de Deus nesta oração” (Melâncton). 

Em sua oração, Jesus foca em quatro áreas: salvação, segurança, santidade e unidade (Lopes, 2015). A oração tem três divisões (Wiersbe, 2006): Jesus ora por si mesmo e diz ao Pai que concluiu sua obra aqui na terra (João 17.1–5), ora por seus discípulos, pedindo ao Pai que os guarde e os santifique (João 17.6–19), e ora pela igreja inteira, para que possamos ser unidos nele e, um dia, participarmos de sua glória nos céus (João 17.20–26).

1. A oração de Jesus pelo seu ministério (João 17.1-5). Muitas vezes, Cristo disse que sua hora ainda não tinha chegado; mas, agora, sua hora de ir para a cruz havia chegado (17.1). Era chegada a ‘hora’ da transição de Jesus deste mundo para a glória que ele tinha com o Pai antes que o mundo fosse feito (Jo 17.5, 24). Jesus, portanto, estava a orar pela sua própria morte sacrificial (João 12.23-24, 27; 13.1, 31). É na cruz que ele cumpre o plano da redenção. É na cruz que ele revela ao mundo o amor e a justiça de Deus.

Esta petição inicial, ‘glorifique seu Filho’, implica uma reivindicação de divindade, visto que o Antigo Testamento afirma que Deus não dará sua glória a outro (Isaías 42.8; 48.11). O Filho pede ao Pai que o glorifique por meio da aceitação do sacrifício representado pela sua morte e da sua ressurreição dentre os mortos. Deus respondeu a esta petição, ressuscitando o Senhor Jesus no terceiro dia, e mais tarde levando-o de volta para o céu e coroando-o com glória e honra. Assim, o Filho de Deus é glorificado em Sua crucificação, ressurreição e entronização à direita de Deus. 

Do mesmo modo, o Filho glorifica o Pai dando vida eterna aos que nele creem. Todo aquele que nele crê tem a vida eterna (João 5.24). O pai é glorificado quando pecadores se convertem e se tornam imitadores de Jesus Cristo (João 17.2-3). 

A vida eterna é conhecer Deus por meio de Jesus. Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (2 Coríntos 5.18). - “a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17.3). Ao colocar a si mesmo e o Pai juntos como a fonte da vida eterna, Cristo afirma sua própria divindade. Aqui o Senhor chamou-se a si mesmo de Jesus Cristo. Cristo era o mesmo que Messias. Este versículo refuta a acusação de que Jesus nunca declarou ser o Messias. Vida eterna não é simplesmente uma vida que jamais tem fim. A vida consiste na comunhão com Deus. Conhecimento aqui significa mais do que mera compreensão intelectual; envolve afeto, comunhão íntima e lealdade. 

Somos informados que a salvação foi uma obra que o Pai confiou ao Filho, e ele veio e a concluiu (João 17.4). O Senhor proferiu estas palavras como se já tivesse consumado a obra que o Pai confiara-lhe para fazer (João 19.30). Foi a favor do seu povo que Cristo viveu aqui na terra, e que finalmente foi para o Calvário (João 17.19). Temos a salvação pela completa obediência de Jesus e pelo seu sacrifício substitutivo na Cruz.

Jesus viveu em meio a dor, a pobreza, doença e o pecado dos homens. No seu ministério, enfrentou preconceito, ódio e oposição. Mesmo assim, no fim de seu ministério, tinha o direito de dizer: “Eu glorifiquei-te na terra” (João 17.3). Será bastante fácil glorificar a Deus no Céu. A questão importante é: sabemos glorificá-lo no ambiente em que nos encontramos agora? Temos tido êxito em glorificá-lo no lar, no trabalho, no escritório, neste mundo? (Pearlman, 1995).

No versículo 5, Jesus pede ao Pai para reassumir a mesma glória que tinha antes da criação. Isto implica que o universo material não é eterno, mas foi criado por Deus (17.5; 24). Antes disso, nada de material existia. Mas aqui Jesus fala de uma glória partilhada entre o Pai e o Filho antes da criação. Esta passagem aponta para o “passado” e perscruta o “futuro”, que é ocasionalmente mencionado como se já fosse uma realidade presente (João 17.5, 24; 17. 4 , 11).

2. Jesus ora por seus discípulos (João 17.6-19). Nesta oração, antes de Sua morte sacrificial, Jesus define Seu propósito em morrer na Cruz (João 17.9). É verdade que Cristo realizou redenção suficiente para todos os homens, mas também é verdade que essa redenção é eficaz somente para aqueles que creem. Assim como é verdade que Jesus é o único Mediador disponível entre Deus e os homens, mas também é verdade que ele intercede ativamente somente por aqueles que, por intermédio dele, se achegam a Deus (Ryle, 2018). Por esta razão, está escrito: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo” (João 17.9).

Sete vezes Jesus afirmou que os discípulos lhe foram dados pelo Pai (João 17.2,6,8,9,11,12,24). Tudo e todos pertencem a Deus em virtude da criação, mas aqui está em vista a possessão por redenção. Deus deu um povo ao Redentor: “tu me deste” (Hebreus 2.10-13). 

Jesus é o bom pastor que deu sua vida pelas ovelhas (João 10.14-15, 26-29). Não fomos nós que inicialmente amamos a Deus; foi ele que nos amou primeiro (1 João 4.19). Não fomos nós que escolhemos Deus; foi ele que nos escolheu (João 15.16). Não fomos nós que chegamos a Cristo; foi o Pai que nos levou até ele (João 6.44). Jesus deixou claro que aqueles que o Pai lhe dá, estes é que vêm a ele, e aqueles que vêm a ele, de maneira alguma os lançará fora (João 6.37–40, 44). Jesus guardou e protegeu seus discípulos, e nenhum deles se perdeu, exceto “o filho da perdição” (João 17.12). Por que Jesus não guardou Judas Iscariotes? Porque Judas nunca pertenceu a Cristo. Jesus guardou fielmente todos os que o Pai lhe deu, mas Judas nunca lhe foi dado pelo Pai (João 17.12). Judas não cria em Jesus Cristo (João 6.64–71), não havia sido purificado (João 13.10-11), não estava entre os escolhidos (João 13.18-19) e não havia sido entregue a Cristo (João 18.5, 8,9). Judas, portanto, era um incrédulo que nunca foi salvo. Aquela traição não foi um deslize momentâneo na vida de Judas. Jesus sabia que Judas era um “diabo” (João  6.70). Jesus sabia que ele era um ladrão (João 12.6).  

Judas viveu como um hipócrita no meio dos discípulos de Cristo. Por três anos Judas andou com Cristo, viu os milagres de Cristo e ouviu os ensinamentos de Cristo. Quando Jesus enviou os discípulos de dois a dois Judas estava no meio deles (Mateus 10.1-15, Lucas 9.1-2,6). Judas pregou o evangelho para os outros, orou pelos enfermos e até expulsou demónios no nome de Jesus (Lucas 10.17-19). Judas, entretanto, “abre o seu coração à voz do diabo e o diabo entrou nele e levou para o inferno” (Lopes, 2018). Vemos aqui o perigo de se ter apenas um conhecimento intelectual do evangelho, mas um coração ainda não convertido. Ao trair o Senhor Jesus, Judas simplesmente mostrou de quem ele era servo. A quem ele de facto obedecia. “Homens maus como Judas podem ocupar os postos mais altos na liderança das igrejas, mas jamais enganarão a Jesus” (Lopes, 2018). 

Por outro lado, Jesus testifica que aqueles que o Pai lhe deu creram nele e obedeceram a sua palavra de Deus (João 17.6-8). Jesus não desprezou os onze por causa de suas fraquezas, mas suportou-os e salvou-os, somente porque eles creram. Jesus pede ao Pai que aqueles que foram especialmente dados a ele sejam mantidos até o fim (João 17.9,11,15,20). Os crentes permanecem firmes e perseveram até o fim não por causa de suas próprias forças e bondade, mas porque Jesus intercede por eles (Lucas 22.32).

Os discípulos foram dados pelo Pai a Cristo, procedentes “do mundo” (João 17.6), mas eles “não são do mundo” (João 17.14,16), apesar de “continuarem no mundo” (João 17.11), de serem “odiados pelo mundo" (João 17.14; 15.19) e de não serem imediatamente tirados dele (João 17.15). Mas, como Cristo, eles foram enviados ao mundo (João 17.18, 20.21).

Jesus orou para que seus discípulos fossem guardados do mundo. Orou para que eles fossem guardados do maligno (João 17.14-15). O mal, no versículo 15, seria melhor traduzido por “maligno”. O maligno é um inimigo real (2 Coríntios 4.4; Efésios 6.11; 1 Pedro 5.8), mas Jesus está à destra de Deus e intercede por nós (Romanos 8.34; Hebreus 7.25). Não são os problemas físicos ou sociais do mundo que Jesus deseja que Seus discípulos sejam “guardados”, mas sua corrupção moral, pela qual Satanás busca corromper aqueles que seguem a Cristo e trazê-los de volta ao domínio do pecado. Cristo não deseja que seu povo se retire do mundo, mas que seja protegido do mal.  

Cristo ensinou que a missão dos seus discípulos é ser sal da terra e luz do mundo. Isto exige contato com o mundo, e não temê-lo ou fugir dele (1 João 4.4). O cristão não deve preservar sua santidade fugindo do mundo, nem sacrificá-la conformando-se a ele. Os cristãos nunca poderão representar Deus tão perfeitamente como Cristo fez. Mas, apesar disso, os cristãos estão aqui a fim de apresentar Deus ao mundo. É por isso que Jesus os enviou ao mundo. Qualquer verdadeiro cristão é enviado ao mundo para dar testemunho de Cristo e para alcançar os perdidos onde possam ser encontrados, a fim de conduzi-los ao Salvador. 

O Senhor Jesus orou em favor da santificação de seus discípulos (João 17.17-26). Ele disse: “Santifica os na verdade; a tua palavra é a verdade”. Jesus estava pedindo que o Pai tornasse seus discípulos mais santos, espirituais, puros, em pensamentos, palavras, obras, vida e caráter. Somos santificados pela Palavra de Deus (João 17.8,14,17; João 15.3). Cristo nos transmitiu a Palavra (João 17.8) e nos deu a Palavra (João 17.14). A Palavra é o instrumento pelo qual Deus chama as pessoas à salvação (João 17.20). É o poder da Palavra de Deus que leva o ser humano a Cristo (Romanos 10.17).  

A tua palavra é a verdade, Jesus disse (João 17.17). Ele não disse como tantas pessoas fazem hoje: “A sua palavra contém a verdade”, mas a tua palavra é a verdade. A santificação ocorre quando os cristãos acreditam, pensam e vivem de acordo com a “verdade” em relação a Deus, a si próprios e ao mundo (João 17.17). Nenhuma santidade será produzida em nós mediante a crença em mentiras. As boas obras brotam da verdadeira fé, e a verdadeira fé é inspirada pela verdade de Deus. Como escreveu o salmista: “Guardei a tua palavra no meu coração para não pecar contra ti” (Salmos 119.11). Certamente é mais importante viver a vida cristã do que conhecer as doutrinas cristãs, mas não haveria nenhuma experiência genuína e espiritual sem a fé, em primeiro lugar, nas verdades da palavra de Deus. 

3. Jesus ora por todos os cristãos (17.20-26). O Senhor ora pelos cristãos de todas as eras que chegariam a crer através da proclamação do seu Evangelho. Ao ler estes versículos, cada cristão pode dizer: “Jesus orou por mim há mais de dois mil anos”.  

A unidade da igreja é o alvo da oração de Jesus (João 17.11,20,21,22). A preocupação de Jesus é com a unidade de seus seguidores (João 17.21-23). A ideia de unir todas as religiões, afirmando que a doutrina divide, mas o amor une, é uma falácia. Não há unidade fora da verdade (Efésios 4.1–6). A unidade dos crentes deve refletir a unidade e o amor entre o Pai e o Filho (João 17.11, 21-22, 26). Não há desarmonia entre o Pai e o Filho. Se nós somos filhos de Deus e membros de sua família, não podemos viver em desunião. Jesus só tem uma igreja, um rebanho, uma noiva. Com frequência, os crentes têm desperdiçado seu tempo contendendo com seus irmãos, em vez de contenderem contra o pecado e o mal! “Não causa espanto os lobos importunarem as ovelhas, mas uma ovelha afligir outra é contrário à natureza…” (Thomas Brooks); pois o amor de Deus transforma-nos para que amemos uns aos outros como Deus nos ama (Jo 13.34-35; 15.9-12).

Esta oração é por uma unidade visível para “que o mundo creia” (João 17.21). Uma vez unidos, os cristãos poderão dar testemunho da verdadeira identidade de Jesus como o Enviado de Deus (17.23). Por outro lado, a desunião do povo de Deus dificulta a fé em Jesus (João 17.21,23). Ela prejudica a missão da igreja de Cristo neste mundo.  

Por fim, precisamos aprender a viver como família de Deus desde já, pois vamos passar juntos toda a eternidade (João 17.24–26). No versículo 11, o Senhor orou pela unidade na comunhão. No versículo 21, pela unidade no testemunho. Mas no versículo 24, pela unidade em glória. Não temos essa glória ainda. “Ainda não se manifestou o que haveremos de ser” (1 João 3.2). Essa glória será manifesta ao mundo quando o Senhor Jesus Cristo voltar para estabelecer seu reino. Então, veremos Cristo face a face. Então, conheceremos como também somos conhecidos (João 17.26, Filipenses 1.23). Então, estaremos “para sempre com o Senhor” (1 Tessalonicenses 4.17). Não precisamos de mais informações. Onde está aquele que veio a este mundo e morreu e ressuscitou em favor de nossos pecados, ali não falta coisa alguma (Ryle, 2018). David pôde afirmar com segurança: “Na tua presença há plenitude de alegria; na tua destra, delícias perpetuamente” (Salmos 16.11).

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Referências: Barry, J. D. et al. 2012, 2016. Faithlife Study Bible, Bellingham, WA: Lexham Press. / Carson, D. A. 2018. The Gospels and Acts. (In Carson, D. A. ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1929). / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Haenchen, E., Funk, R.W. & Busse, U. 1984. John: a commentary on the Gospel of John, Philadelphia: Fortress Press. / Lopes, H.D. 2015. João: As Glórias do Filho de Deus. SP: Hagnos. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Pearlman, M. 1995. João, o evangelho do Filho de Deus. RJ: CPAD, p. 190-210. / Ryle, J.C. 2018. Meditações no Evangelho de João. São José dos Campos, SP: Editora FIEL. / Sproul, R. C. ed. 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition), Orlando, FL: Reformation Trust. / Wiersbe, W. W. 2006. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: vl. 1. Santo André, SP: Geográfica editora.


Pr Leonardo Cosme de Moraes