A PAIXÃO DE CRISTO

 

Mateus 27.27-61

 

Assim que Pilatos ordenou sua morte, Cristo começou a ser maltratado pelos soldados romanos incumbidos de crucificá-lo. Num acto de extrema humilhação, eles tiraram a roupa de Jesus e vestiram-no com um manto vermelho, como símbolo jocoso de realeza. Em seguida, eles fingiam curvar-se diante dele e saudavam-no como rei dos judeus. Todavia, aquele que estavam a ridicularizar como rei era, de facto, o Rei. Eles estavam a fazer aquilo com o Filho de Deus, o Deus encarnado, o Rei eterno (Mt 27.27-29). 

 

Depois de todo este escárnio, o tratamento dispensado a Jesus ficou ainda mais cruel. Mateus escreve: “E, cuspindo nele, tomaram o caniço e davam-lhe com ele na cabeça. Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe o manto e o vestiram com as suas próprias vestes. Em seguida, o levaram para ser crucificado” (Mt 27.30-31). 

 

Mateus continua: “Ao saírem, encontraram um cireneu, chamado Simão, a quem obrigaram a carregar-lhe a cruz" (v. 32). Era costume os presos serem forçados a carregar a cruz na qual morreriam – ou pelo menos, as vigas horizontais – enquanto eram levados para o local da crucificação. Assim, o facto de os soldados terem obrigado um homem chamado Simão, um nativo de Cirene, para carregar a cruz sugere que Jesus já estava muito debilitado fisicamente. O Senhor já havia sido açoitado, e é possível que tivesse perdido muito sangue. Marcos menciona que Simão tinha dois filhos, Alexandre e Rufo (Mc 15.21), e escreve como se os leitores de seu evangelho estivessem familiarizados com eles. Isto sugere que Simão, depois daquele encontro, teve fé em Jesus e criou seus filhos na igreja. 

 

Mateus, em seguida, diz: “E, chegando a um lugar chamado Gólgota, que significa Lugar da Caveira, deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele, provando-o, não o quis beber" (Mt 27.33–34). O Lugar da Caveira era o lugar onde as pessoas eram mortas. E quando Jesus chegou ali, os soldados deram-lhe “vinho com fel”. Jesus estava com sede, mas o fel deixou o vinho intragável, e ele recusou-se a bebê-lo. 

 

Então, Mateus escreve: “Depois de o crucificarem …” (Mt 27.35a). Cravos atravessaram as mãos, ou os pulsos, de Jesus e foram cravados na madeira da viga transversal. Outros cravos também perfuraram seus pés. Este era um método de execução extremamente doloroso. Além disso, este tipo de morte era terrivelmente humilhante. 

 

Os soldados já haviam despido Jesus temporariamente a fim de divertirem-se no pretório (Mt 27.28), mas, quando chegaram ao Gólgota, tiraram as vestes dele novamente porque os criminosos eram executados nus. O objetivo era fazer com que o prisioneiro se sentisse humilhado e desonrado. Mateus informa que este acto de humilhação específico havia sido predito numa profecia do Velho Testamento (Mt 27.35b). Os soldados lançaram sortes para determinar quem ficaria com os as peças de roupa de Jesus, e isto havia sido profetizado no Salmo 22.18.

 

Depois da crucificação, a principal tarefa dos soldados era ficar de guarda até que Jesus morresse (Mt 27.36). Contudo, eles tinham pelo menos mais uma tarefa para executar: "Por cima da sua cabeça puseram escrita a sua acusação: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS” (27.37). Esta iniciativa tinha em vista os transeuntes, e seu objetivo era adverti-los a não cometerem o mesmo delito. João relata que Pilatos foi quem ordenou que se fizesse esta inscrição, e que ela incomodou os sacerdotes e anciãos. Eles pediram-lhe que alterasse os dizeres para: “Ele disse: Eu sou o Rei dos judeus”, mas Pilatos recusou-se (Jo 19.19–21). 

 

Mateus também observa: E foram crucificados com ele dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua esquerda (Mt 27.38). Marcos informa que este facto também cumpriu uma profecia: a de Isaías 53.12 - “e foi contado com os transgressores” (Mc 15.28).

 

Mateus volta a descrever as zombarias e insultos que Jesus enfrentou. “Os que iam passando blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ó tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz! De igual modo, os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se. É rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus (Mt 27.39–42).

 

“Os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificados com ele” (Mt 27.43). Felizmente, sabemos que um dos dois arrependeu-se e colocou sua fé em Jesus antes de morrer (Lc 23.39–43). Talvez ele tenha se arrependido ao ouvir Jesus perdoando aqueles que o crucificavam (Lc 23.34), que convenceu-se de que Jesus era o Salvador e pediu-lhe para participar do seu reino que viria (v.42).

 

Este foi um suplício terrível para Jesus, mas algo muito pior estava por vir. No auge do dia, entre meio-dia e 15h, houve trevas (Mt 27.45). Esta escuridão foi um sinal do juízo divino sobre o pecado que Jesus estava a carregar em seu corpo no madeiro. Isto explica o que aconteceu em seguida. Mateus diz: Por volta da hora nona, clamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni? Uma mistura de hebraico com aramaico que significa: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Mt 27.46). 

 

Quando o pecado do homem é transferido a Jesus, como os pecados de Israel eram transferidos ao bode expiatório, o Pai interrompe a comunhão com o seu Filho. Naquele momento Deus fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Deus puniu o nosso pecado nele. Foi na cruz que Jesus suportou o justo castigo que os nossos pecados merecem. Ele foi feito maldição por nós.

 

Alguns presentes não perceberam o que Jesus disse: “ouvindo isto, diziam: Ele chama por Elias” (Mt 27.47). Ao que parece, pelo menos um dos espectadores sentiu certa compaixão de Jesus e ofereceu-lhe algo para beber – ou talvez simplesmente quisesse que ele continuasse falando. Outros, porém, o dissuadiam para ver se Elias de facto viria (Mt 27.48-49). 

 

Enquanto esperavam, lemos: E Jesus, clamando outra vez com grande voz entregou o espírito (Mt 27.50). Lucas relata que, logo antes de morrer, Jesus clamou as seguintes palavras: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23.46); e, segundo João, ele também disse: “Está consumado!” no momento da morte (Jo 19.30). 

 

O que estava consumado? Certamente o desamparo do Pai por causa dos pecados que Jesus voluntariamente assumiu como o representante, o fiador e o substituto dos pecadores. O seu sacrifício vicário e expiatório terminara. Ele realizara a obra para a qual o Pai o havia enviado. A obra da redenção estava concluída.

 

O Calvário não foi um acidente, mas um plano divino. A morte sacrificial de Cristo estava no plano de Deus antes da fundação do mundo (1Pe 1.18-20; Ap 13.8; At 2.23). Cristo foi para a cruz porque o Pai o entregou por amor (Jo 3.16, Jo 1.29). Cristo voluntariamente deu a sua vida (Jo 10.17, Gl 1.4; 2.20; Ef 5.25). Ele é o pastor que dá a sua vida pelas ovelhas (Jo 10.11-18). Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou para a nossa salvação. O Santo no lugar dos pecadores, o justo no lugar dos injustos.

 

Mateus, em seguida, relata várias manifestações que ocorreram após a morte de Jesus. Ele escreve: Eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes de alto a baixo (Mt 27.51a). Esta era a cortina do Santo dos Santos, o lugar mais sagrado para o judaísmo, situado no interior do templo. 

 

Imediatamente após a morte de Cristo, Deus fez com que a cortina de 25 metros de altura, cuja função era separar o povo de sua presença, fosse rasgada – e, a fim de indicar que a ação tinha origem divina, ela foi rasgada de cima para baixo. Esta foi uma declaração simbólica de que a barreira entre a humanidade pecadora e o Deus santo havia sido removida através do sacrifício expiatório de Cristo.  

 

Agora temos livre acesso a Deus por meio de Cristo. Agora não precisamos de sacerdotes como mediadores. Agora um novo e vivo caminho foi aberto para o céu. O véu rasgado simboliza a consumação da obra de Cristo. O véu rasgado significa que Cristo venceu o pecado.

 

Assim como houve trevas na terra enquanto Jesus estava pendurado na cruz (Mt 27.45), outro fenómeno natural aconteceu no momento de sua morte: um terremoto que fendeu as rochas (Mt 27.51b). A natureza identifica-se com o sofrimento do Filho de Deus.

 

Por último, Mateus relata um episódio inusitado: “abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos (v. 52–53). Mateus é o único evangelista a fornecer este detalhe. Como devemos interpretar isso?

 

No domingo, com a ressurreição de Jesus, vários mortos ressuscitaram e dirigiram-se a Jerusalém, onde foram vistos por muitas pessoas. Não sabemos se esta ressurreição foi como a de Jesus, o qual recebeu um corpo glorificado, ou se foi mais parecida com a ressurreição de Lázaro, o qual recebeu uma prolongação da vida neste planeta e, mais tarde, morreu de novo para aguardar a ressurreição final. Seja como for, por que Deus fez isso?

 

Em sua morte, Jesus removeu o aguilhão da morte, de modo que a morte de crente não é mais o castigo pelo pecado, mas a transição para uma dimensão melhor (Fp 1.23–24). Quando morremos, o nosso corpo dorme, mas nosso espírito vai imediatamente para a presença de Cristo, cuja existência é muito melhor do que aquilo que temos neste mundo (Lc 23.43; 2Co 5.8).

 

Neste incidente, vemos um sinal, uma promessa de que, na morte e ressurreição de Cristo, a morte foi derrotada. As sepulturas foram abertas, e as pessoas saíram vivas. Cristo entrou nas entranhas da morte e venceu a morte e todo aquele que nele crê não morrerá eternamente.

 

Quando a cortina rasgou-se, a terra tremeu e as sepulturas foram abertas, o centurião e seus homens foram tomados de pavor. Eles nunca tinham visto a morte de um prisioneiro ocasionar tais manifestações. Aquelas coisas os fizeram declarar: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27.54). Jesus fora rejeitado pelo seu próprio povo, mas um pagão romano observou a forma como ele morreu e fez uma profissão de fé sobre a personalidade e a natureza do crucificado.

 

Mateus observa também que estavam ali muitas mulheres, observando de longe; eram as que vinham seguindo a Jesus desde a Galiléia, para o servirem; entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mulher de Zebedeu (Mt 27.55–56). Estas mulheres estavam presentes na crucificação e viram tudo o que aconteceu.

 

A mudança de humilhação para exaltação começou no sepultamento de Jesus (Mt 27.57-61). Normalmente, os corpos dos criminosos executados sob a lei romana em Jerusalém eram arrastados e lançados no lixão da cidade sem qualquer cerimónia. Isto fazia parte da desonra da execução por crucificação. Todavia, conforme foi predito no Antigo Testamento sobre o Servo Sofredor (53.7-9), o Messias seria poupado desta ignomínia, sendo sepultado “com o rico”.

 

Jesus foi sepultado no túmulo particular de um dos homens mais ricos da cidade (Mc 15.43; Jo 19.38-41). Na cruz, ao final do tormento de ser desamparado pelo Pai, ele disse: “Está consumado!” (Jo 19.30). A humilhação havia terminado. A partir daquele momento, Deus estava determinado que seu único Filho deveria ser exaltado para todo o sempre.

 

A cruz de Cristo é o nosso triunfo. Na Cruz ele desfez as obras do diabo (1Jo 3.8). Na cruz Jesus justificou-nos, perdoou-nos, reconciliou-nos com Deus. "Não há condenação alguma para quem crê nele. Mas quem não crê nele já está condenado por não crer no Filho único de Deus." (Jo 3.18).

 

Referências: Hendriksen, H. 2010. Mateus vl. 2: Comentário do Novo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã. / Lopes, H. D. 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã. / Wiersbe, W. W. 2006. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, vl. 1. Santo André, SP: Geográfica editora. 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes