Este parágrafo é um retrato da igreja com poucos dias de vida. Ele fornece um modelo que também pode ser aplicado à igreja de nossos dias. Ele resume as características na vida da igreja em conjunto e os elementos essenciais necessários ao discipulado cristão.
Os livros sobre a saúde e o crescimento da igreja são populares. Não faltam conferências sobre o crescimento da igreja, repletas de pastores ansiosos para imitar as técnicas de um pastor bem sucedido, ou de uma congregação que cresce rapidamente. O nosso foco, porém, não deveria ser nas marcas das igrejas atuais, mas nas marcas da igreja primitiva. Quais eram as marcas da primeira igreja em Jerusalém?
1. Zelo doutrinário (2.42). A igreja primitiva centralizava sua atenção firme em permanecerem juntos para estudar a doutrina dos apóstolos - a palavra de Deus procedente dos apóstolos. A autoridade da mensagem dos apóstolos, à qual se submeteram, era autenticada por muitos prodígios e sinais (2.43; At 5.12,15; Hb 2.3-4; At 2.22).
Os apóstolos foram testemunhas oculares do ministério de Jesus, foram eles que lançaram os fundamentos da igreja de Cristo (Efésios 2.20; 3.5; 1 Co 3.10,11). Uma vez que o ensino dos apóstolos chegou até nós na sua forma definitiva no Novo Testamento, a devoção contemporânea ao ensino apostólico significará submissão à autoridade do Novo Testamento.
Hoje há quem defenda que a única forma para preservar a unidade é colocar a doutrina de lado. Mas não existe cristianismo verdadeiro que negligencie o estudo da palavra de Deus.
Esses primeiros cristãos não pensavam que, devido ao facto de terem recebido o Espírito, esse era o único professor de que precisavam, podendo dispensar os mestres na igreja. Pelo contrário, eles assentavam-se aos pés dos apóstolos para receberem instruções. E nisto perseveravam.
Este texto mostra que uma igreja cheia do Espírito é uma igreja que estuda a Bíblia e submete-se às suas instruções. As pessoas cheias do Espírito Santo não fogem da Escritura, tentando substituí-la por algo. Pessoas cheias do Espírito são impulsionadas em direção a Escritura, para terem suas vidas fundamentadas na Palavra de Deus. O Espírito de Deus leva o povo de Deus a submeter-se à Palavra de Deus.
2. Vida em comunhão (2.42,44–46). A igreja primitiva reunia-se regularmente para ouvir e estudar a Palavra de Deus, mas também para desfrutar da comunhão com os irmãos.
Muito na cultura ocidental leva-nos a um individualismo que solapa o desenvolvimento da comunhão. Em nossa cultura, nossas necessidades e direitos individuais vêm antes de qualquer necessidade do grupo. Existe uma mentalidade de consumidores. Entretanto, o retrato da igreja primitiva em Atos mostra que o bem-estar do grupo eram uma prioridade.
Eles perseveravam na comunhão (do grego, koinonia). A palavra koinonia expressa unidade e relacionamentos íntimos. É uma participação comum num nível mais profundo através da união com Cristo. A Koinonia testemunha a vida comunitária da igreja em dois sentidos: Uma comunhão partilhada com o próprio Deus Pai, Filho e Espírito Santo. E, por consequência, uma comunhão uns com os outros.
Na igreja de Jerusalém os irmãos gostavam de estar juntos (2.44). Eles expressavam amor e harmonia. Estavam unidos de mente e coração. Existia um clima de relacionamentos afetuosos. Uma sensação de calor e cuidado permeava o conjunto, e o carinho pelos irmãos era evidente.
Eles participavam juntos de muitas refeições (2.42, 46). O aconchego e a intimidade estão geralmente presentes quando as pessoas se reúnem em torno duma refeição. Esses pessoas sabiam como amar e ser amadas, umas pelas outras.
O partir do pão não significa apenas que eles comiam juntos. Refere-se à celebração da Ceia do Senhor, que desde o princípio é o centro da adoração cristã. No grego, o artigo definido precede o substantivo pão e assim especifica que os cristãos partilhavam do pão separado para a comunhão (com em 20.11; 1Co 10.16).
Eles apreciavam estar no templo (2.46) e também nos lares (2.46b). Eles não tinham um edifício suficientemente grande para abrigar os 3.000, então iam de casa em casa, nas várias residências, onde juntos partilhavam a fé.
Eles mostravam uma espontaneidade singular no cuidado dos necessitados (2.44,45). Eles partilhavam seus bens (2.45). Tinham desapego dos bens e apego às pessoas. A igreja era como uma família, e eles cuidavam daqueles que faziam parte dela (4.32, 34-35).
Havia uma generosidade voluntária na partilhar dos bens (2 Co 8.9-15; 1 Tm. 6.6-10; 17–19). Os crentes eram sensíveis às necessidades físicas dos outros e davam sacrificialmente para atender a essas necessidades (4.34; 5.4).
Eles não eram obrigados a vender suas propriedades (2.45; 4.32-35; 4.36-5.11). Eles davam porque queriam dar. A partilha era impulsionada pela generosidade de cada um. Eles aprenderam com os apóstolos a prática da contribuição generosa e voluntária (At 2.45; 4.32-35; 4.36-5.11). Como Paulo escreveu: “Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama a quem dá com alegria” (2Co 9.7 – NVI).
Não houve nenhuma corrida para se livrarem de todos os seus bens, como se a propriedade, em si mesma, fosse um mal; em vez disso, eles a distribuíam de acordo com as necessidades. Ambos os verbos no versículo 45 estão no tempo imperfeito, o que indica que a venda e a partilha eram ocasionais, em resposta a necessidades específicas, não feitas de uma só vez. Esse princípio é mencionado duas vezes em Atos: distribuindo ... à medida que alguém tinha necessidade (2.45), e "nenhum necessitado havia entre eles ... se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade" (4.34-35).
O pecado de Ananias e Safira, em Atos 5, não foi o facto de terem ficado com parte do produto da sua venda (ganância), mas o facto de o terem feito, fingindo que estavam dando tudo (fraude). Em Atos 5.4, o apóstolo Pedro deixou claro que a doação não era uma imposição.
Além disso, a Escritura pressupõe o direito à propriedade (Êx 20.15 - não roubarás). Nem Jesus nem os apóstolos proibiram os cristãos de manterem propriedades privadas. De acordo com o versículo 46, eles partiam pão de casa em casa. Evidentemente, portanto, muitos ainda possuíam casas e propriedades; nem todos as tinham vendido (cf.: At 2.46; 4.37, 12.12; 17.5; 18.7; 20.20; 21.8, 16; Rm 16.5; 1 Co 16-19; Cl 4.15; Fl 2; 2Jo 19).
É evidente, porém, que somos todos chamados à generosidade; especialmente em relação aos pobres e necessitados da igreja local (Jo 12.8; Gl 2.10, 6.10). Que jamais digam que somos um povo indiferente aos necessitados. Que sejamos conhecidos por nossa generosidade, como o era a igreja do primeiro século.
A comunhão era expressa também no culto corporativo (2.42,46). Os quatro elementos no versículo 42 destacam a liturgia desta igreja: ensino e pregação apostólicos, comunhão dos crentes, celebração da Ceia do Senhor e orações comunitárias.
Os artigos definidos nas duas expressões (literalmente, "o partir do pão e as orações" ) sugerem de um lado, uma referência à ceia do Senhor (embora seja quase certo que, naquele primeiro estágio, fazia parte de uma refeição maior, 1Co 11.17-34) e, do outro, reuniões de oração (mais do que orações individuais).
A devoção dos cristãos primitivos era assunto de todos os dias. Era uma igreja que tinha alegria de estar no culto corporativo para adorar. Os cultos eram realizados tanto no templo como de casa em casa (2.46).
Eles reúnem-se nos pátios do templo, na área chamada Pórtico de Salomão (3.1, 11; 5.12, Lc 24.51-53), para oração e louvor. Os cultos mais formais e solenes no templo eram complementados com a informalidade das reuniões nas casas. A igreja precisa de ambos.
O culto era alegre e reverente (2.46). Em cada alma havia temor (2.43). O temor aqui não era aquele medo do castigo, porquanto o verdadeiro amor lança fora todo o medo (1 Jo 4.18). O temor aqui é um forte senso de reverência e respeito pela presença de Deus entre eles. Esta combinação entre alegria e temor, bem como de formalidade e informalidade, dava um equilíbrio saudável à adoração.
O louvor da igreja era constante (2.47). A alegria da salvação transbordava para todos os detalhes da vida. A vida deles tornou-se um hino de louvor. A alegria dessa igreja não dependia das circunstâncias. Os apóstolos são açoitados pelo sinédrio e retiraram-se regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas pelo nome de Jesus (At 5.40-42, cf. tb.: Atos 13:52).
3. Perseverança na oração (2.42). Desde cedo a igreja aprendeu a depender mais de Deus do que dos próprios recursos. Aqueles primeiros cristãos sabiam que não podiam enfrentar a vida com suas próprias forças.
O livro de Atos é rico em exemplos de oração (Lopes, 2012:67): Atos 1.14 – Todos unânimes perseveravam em oração; Atos 3.1 – Os líderes da igreja vão orar às 3 horas da tarde; Atos 4.31 – A igreja sob perseguição ora, o lugar treme e todos ficaram cheios do Espírito; Atos 6.4 – A liderança entende que a sua maior prioridade é ministério da oração e da Palavra; Atos 9.11 – O primeiro sinal que Deus deu a Ananias sobre a conversão de Paulo é que ele estava orando; Atos 12.5 – Pedro está preso, mas há oração incessante da igreja em seu favor e ele é milagrosamente libertado; Atos 13.1–3 – A igreja de Antioquia ora e Deus abre as portas das missões mundiais; Atos 16.25 – Paulo e Silas oram na prisão e Deus abre as portas da Europa para o evangelho; Atos 20.36 – Paulo ora com os presbíteros da igreja de Éfeso na praia; Atos 28.8,9 – Paulo ora pelos enfermos da ilha de Malta e eles são curados.
4. Testemunho eficaz (2.47b). A evangelização não era uma atividade ocasional na igreja primitiva. O culto deles era diário (46a), e assim também o testemunho. A igreja de Jerusalém produziu impacto na sociedade por causa de seu estilo de vida. Os crentes contagiavam, conquistavam a simpatia da cidade (2.47). A Igreja primitiva estava formada por gente atrativa.
O Senhor Jesus acrescentava a essa igreja, dia a dia, os que iam sendo salvos (2.47). O milagre da salvação ocorria todos os dias. A igreja crescia diariamente por adição de vidas salvas e por ação divina. É o Senhor Jesus quem soberanamente edifica Sua igreja (Mt 16.18; 1 Co 3.9; At 5.14; 6.7; 11.21; 18.9, 10).
Os convertidos demonstraram o caráter autêntico da sua salvação ao perseverar: Na doutrina dos apóstolos. Na comunhão. No partir do pão e nas orações. Os cristãos se reuniam com frequência e tinham tudo em comum (2.44-45; 4.32).
Os cristãos que vemos em Atos encontravam-se diariamente (At 2.46), cuidavam uns dos outros diariamente (At 6.1), ganhavam almas diariamente (At 2.47), examinavam as Escrituras diariamente (At 17.11) e cresciam em número diariamente (At 16.5). O Senhor Jesus Cristo era uma verdade viva para eles!
O nosso cristianismo é uma realidade diária?
Nossa igreja tem feito a diferença na nossa cidade? Somos uma igreja cativante?
Somos pessoas atrativas? Nosso estilo demarca-se do mundo?
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Pastor Leonardo Cosme de Moraes