Existem muitas áreas na igreja onde o conflito pode se
desenvolver. No entanto, a maioria deles tende a cair numa das três categorias:
conflito devido ao pecado entre os crentes, conflito com a liderança e
conflito relacional entre os crentes. É certo que muitos problemas
podem envolver duas ou mais destas categorias. Um conflito no início da
história da igreja ilustra isso (Atos 6.1-7).
Nos primórdios da igreja, o número dos discípulos multiplicou-se e
surgiu uma murmuração na congregação entre os hebreus e helenistas. Havia os
judeus nativos de língua aramaica ou hebraica e os judeus da Diáspora que
falavam o grego, os quais voltaram para Jerusalém e se tornaram parte da
comunidade cristã.
Surgiu um debate entre eles sobre a distribuição dos recursos e da
atenção que a igreja estava despendendo com o cuidado das viúvas. Alguns dentre
eles se sentiram negligenciados porque suas viúvas não estavam sendo assistidas
na distribuição da comida diária dentro da comunidade (cf.: Tg 1.27).
Possivelmente, as viúvas entre os judeus de língua grega, estavam sendo
negligenciadas na distribuição de alimentos devido à discriminação cultural:
tendo se reinstalado na Judéia por causa da dispersão, foram consideradas
forasteiras (retornadas) pelos judeus nativos de língua hebraica ou, mas
provavelmente, aramaica. Não podemos esquecer que a igreja de Jerusalém neste
ponto chegava aos milhares e provavelmente adorava em reuniões domiciliares em
três línguas (hebraico, aramaico e grego) e as necessidades das viúvas
sobrecarregavam a rede de distribuição além da capacidade dos apóstolos de
supervisioná-la diretamente.
É certo que os doze apóstolos, a cujos pés o dinheiro foi
depositado (cap. 4.34), fizeram a distribuição como puderam. Juntaram muito
dinheiro para a assistência social aos pobres. Contudo, houve queixa e
murmuração contra eles, despertando um antigo conflito cultural no seio da
igreja, colocando em risco o testemunho e a comunhão da igreja.
Sendo assim, a primeira controvérsia na igreja cristã envolveu
finanças. “É pena que as pequenas coisas deste mundo sejam pontos de discórdia
entre os que admitem ter relações com as grandes coisas do outro mundo.”
(Matthew Henry, 2008, p. 63).
A Igreja não é perfeita, nunca o foi. Não existem pastores
perfeitos, eles nunca existiram. “Algumas pessoas usam este fato como desculpa
para manterem-se afastadas da igreja, dizendo: "Eu gostaria de frequentar
uma igreja, mas há muitos hipócritas ali. Nesse caso, eu penso: Venha, temos
lugar para mais um.” (John MacArthur).
É impossível agradar a todos. Mesmo para os 12 apóstolos juntos,
na mesma igreja, não conseguiram agradar a todos (Atos 6.2). Embora as viúvas
fossem aptas a receber esse tipo de assistência social, os apóstolos não lhes
deram o suficiente, ou não conseguiram contemplar todas, ou não deram
exatamente a mesma soma oferecida às viúvas hebreias.
Naquele tempo, as viúvas não sobreviviam a menos que os familiares
imediatos cuidassem delas (1 Tm 5.9–16). Negligenciá-las por causa de
diferenças culturais revela uma tensão séria dentro da igreja de Jerusalém. Mas
a queixa acabou recaindo sobre os apóstolos, que estavam encarregados da
distribuição (4.35,37). Em resposta a essa situação, eles perceberam que era
necessário tomar uma providência para resolver o problema e melhorar o
ministério da igreja.
Esta passagem está repleta de implicações para as igrejas e a
liderança da igreja na atualidade. Ralph Earle observa que temos
aqui uma ajuda prática de como solucionar problemas: reconhecer o problema
(6.1,2a); flexibilidade para reagir às necessidades (6.3); recusar-se a
subordinar o que é essencial (6.2b); remover as causas das reclamações (6.3–6);
e colher os resultados de uma solução sensata (6.7).
Reconheceram o problema. A tensão foi resolvida
quando ambas as partes assumiram a responsabilidade de resolver o problema. A
igreja envolveu-se na solução do problema. A igreja precisa aprender que o
paternalismo não é saudável. A maneira de se desenvolver uma igreja amadurecida
não é impor soluções “de cima para baixo”, mas envolver a congregação na
solução do problema, e confiar aos membros um papel significativo na tomada de
decisões.
Os apóstolos acolheram as críticas dos helenistas e tiveram
coragem de fazer ajustes na estrutura. Eles agiram com flexibilidade e
prontidão para reagir às necessidades.
Na Bíblia, a organização nunca é um fim em si, mas apenas um meio
para facilitar o que o Senhor está fazendo em sua igreja. Organizar um programa
e depois esperar que o Espírito Santo esteja envolvido com ele é colocar a
carroça na frente dos bois. Não podemos sacralizar as nossas estruturas
funcionais e culturais, pois são apenas facilitadoras para o avanço da obra.
Aquilo que funcionou bem ontem pode não ser mais funcional nem relevante hoje.
É lamentável quando as igrejas destroem ministérios promissores por se
recusarem a modificar suas estruturas não fundamentais.
A estrutura deve estar ao serviço do organismo, e nunca o
contrário. As pessoas são mais importantes que as estruturas. Não podemos
confundir a treliça com a videira. A treliça serve para ajudar a videira a se
desenvolver. Nosso foco deve ser o trabalho da videira; isto é, a evangelização
dos perdidos, discipulado, o cuidado e o aperfeiçoamento dos discípulos para a
obra do ministério. Frequentemente, nossas igrejas estão encerradas em antigos
programas e cargos. Em lugar de procurar com criatividade satisfazer as
necessidades à medida que elas surgem, nós lutamos para manter o mecanismo da
igreja.
Estabelecendo prioridades. Em vez dos apóstolos se
desgastarem ainda mais no trabalho do serviço às mesas, ampliaram o quadro de
obreiros. Moody costumava dizer: “É melhor colocar dez homens para trabalhar do
que tentar fazer o trabalho de dez homens”. Muitos ministros abandonam o
ministério todos os anos. A razão básica é que hoje se espera que um ministro
seja um Diretor Executivo de uma empresa ou corporação. Entende-se que ele deva
fazer o trabalho administrativo e o trabalho de crescimento da igreja;
espera-se que ele seja um especialista em aconselhamento e cuidado pastoral.
Como resultado, temos promovido gerações de pastores que são “pau para toda
obra”, mas não são especialistas em coisa alguma.
Os apóstolos não disseram, “Vamos esquecer essas viúvas”. Pelo
contrário, eles convocaram a comunidade e disseram, “Irmãos, escolhei dentre
vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais
encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao
ministério da palavra. O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram
Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor,
Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos perante os
apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos” (Atos 6.3–6).
A escolha congregacional e a imposição de mãos dos apóstolos
sugerem o estabelecimento de um papel formal de ministério na igreja de
Jerusalém (At 6.5–6). Presbíteros, diáconos e todos os que serviam na igreja
primitiva foram ordenados desta forma (cf. At 13.3; 1 Tm 4.14; 5.22 ; 2 Tm
1.6). A divisão do trabalho em 1Timóteo 3.1–13 entre bispos e diáconos é
análoga aos ministérios complementares dos apóstolos e diáconos em At 6.1–6 —
os apóstolos se concentram na oração e no ministério da Palavra, enquanto os
Sete são designados para atender às necessidades práticas da comunidade.
No Novo Testamento, o ofício de bispo ou presbítero na igreja é
reservado para homens encarregados de liderar o rebanho de Deus (1Tm 2.11-12;
3.2; 5.17; 1 Co 11.3 , 8-9; 14.34), enquanto homens e mulheres podem servir
como diáconos (διακονέω, diakoneō; 1Tm 3.12–13) para atender às
necessidades práticas e temporais da congregação. Em Romanos 16.1, Febe é
chamada um diakonos (“diácono”; “servo”, na forma masculina e
sem artigo) da igreja em Cencreia.
Dividindo o trabalho. A divisão do trabalho removeu a
causa da murmuração, salvaguardou a imparcialidade na distribuição dos recursos
e aliviou os apóstolos para se dedicaram a com maior intensidade a oração e ao
ministério da palavra. Esses sete homens foram separados e consagrados pela
imposição de mãos para para ministrar às necessidades das pessoas da igreja.
Na proporção que a igreja cresce, há mais mesas para servir, mais
viúvas para visitar, e mais órfãos a serem cuidados, e aumentamos
proporcionalmente o nosso diaconato. Portanto, o trabalho dos nossos diáconos é
indispensável. Eles mantêm o funcionamento da igreja, exercem o ministério de
misericórdia, administram os assuntos temporais e financeiros, estão atentos
aos mais fracos e necessitados, deixam a equipe pastoral devidamente informada,
preparam a Mesa do Senhor para a Ceia, e auxiliam na distribuição. Recepcionam
e orientam os visitantes, delimitam as vagas para o estacionamento. Isto é o
que torna possível o pastor estudar a Palavra de Deus e pregá-la com
profundidade, que é o de que o povo de Deus mais precisa (Sproul, 2017, 108).
Os pastores são dadas para a igreja "para o aperfeiçoamento
dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de
Cristo" (Ef 4.12). Ao negligenciar essa chamada, eles condenam suas
congregações a definhar na infância espiritual. Se os apóstolos tivessem
abandonado a oração e o ministério da palavra para servir às mesas, a igreja
teria perdido seu foco e seu poder.
Lucas, portanto, destaca dois ministérios na igreja: a diaconia
das mesas (6.2,3) e a diaconia da palavra (6.4); a ação social e a pregação do
evangelho. O ministério das mesas não substitui o ministério da palavra, nem o
ministério da palavra dispensa o ministério das mesas. Ambos são ministérios
cristãos que visam servir a Deus e ao seu povo. Ambos exigem pessoas
espirituais para exercê-los (Stott, 2008, 136).
Removendo a causa das reclamações. Os
cristãos de fala aramaica demonstraram confiança em seus irmãos, ao fazer os
cristãos de fala grega responsáveis pela distribuição a todos. Todos os sete
homens listados no versículo 5 têm nomes gregos. A eleição destes
judeus-helenistas ajudou a refletir a diversidade da igreja. Dali em diante,
não teriam mais motivos para acusar a comunidade de preterir os helenistas.
A igreja colheu os resultados de uma solução sensata. A
reorganização da igreja libertou os apóstolos para se dedicar à oração e da
Palavra. Evitou uma divisão na igreja. Promoveu unidade e contentamento e o
resultado foi o crescimento da igreja. Uma igreja unificada e bem instruída é
poderoso testemunho para o mundo perdido e sem esperança.
Lucas resume o crescimento da igreja como o crescimento da Palavra
(12.24; 13.49; 19.20). Quanto maior o alcance da palavra, maior o crescimento
da igreja. A palavra é o principal instrumento usado por Deus para levar sua
igreja ao crescimento espiritual e numérico. Sempre que a palavra de Deus foi
negligenciada, a igreja perdeu o seu vigor e se corrompeu.
A história da luta da comunidade para superar as divisões internas
começa e termina com o crescimento da Igreja (At 6.1 comparar 7). Os
“sacerdotes” mencionados no versículo 7 são significativos. Foi este mesmo
grupo até este ponto que se opôs mais veementemente ao evangelho. Isso
demonstra que o evangelho deve ser pregado a todos, mesmo aqueles que odeiam os
cristãos.
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Pr. Leonardo Cosme
de Moraes