Gestão de conflitos na igreja | Atos 6.1-7

             

 Atos 6.1-7

 

Existem muitas áreas na igreja onde o conflito pode se desenvolver. No entanto, a maioria deles tende a cair numa das três categorias: conflito devido ao pecado entre os crentes, conflito com a liderança e conflito  relacional entre os crentes. É certo que muitos problemas podem envolver duas ou mais destas categorias. Um conflito no início da história da igreja ilustra isso (Atos 6.1-7).

 

Nos primórdios da igreja, o número dos discípulos multiplicou-se e surgiu uma murmuração na congregação entre os hebreus e helenistas. Havia os judeus nativos de língua aramaica ou hebraica e os judeus da Diáspora que falavam o grego, os quais voltaram para Jerusalém e se tornaram parte da comunidade cristã. 

 

Surgiu um debate entre eles sobre a distribuição dos recursos e da atenção que a igreja estava despendendo com o cuidado das viúvas. Alguns dentre eles se sentiram negligenciados porque suas viúvas não estavam sendo assistidas na distribuição da comida diária dentro da comunidade (cf.: Tg 1.27). Possivelmente, as viúvas entre os judeus de língua grega, estavam sendo negligenciadas na distribuição de alimentos devido à discriminação cultural: tendo se reinstalado na Judéia por causa da dispersão, foram consideradas forasteiras (retornadas) pelos judeus nativos de língua hebraica ou, mas provavelmente, aramaica. Não podemos esquecer que a igreja de Jerusalém neste ponto chegava aos milhares e provavelmente adorava em reuniões domiciliares em três línguas (hebraico, aramaico e grego) e as necessidades das viúvas sobrecarregavam a rede de distribuição além da capacidade dos apóstolos de supervisioná-la diretamente.

 

É certo que os doze apóstolos, a cujos pés o dinheiro foi depositado (cap. 4.34), fizeram a distribuição como puderam. Juntaram muito dinheiro para a assistência social aos pobres. Contudo, houve queixa e murmuração contra eles, despertando um antigo conflito cultural no seio da igreja, colocando em risco o testemunho e a comunhão da igreja.

 

Sendo assim, a primeira controvérsia na igreja cristã envolveu finanças. “É pena que as pequenas coisas deste mundo sejam pontos de discórdia entre os que admitem ter relações com as grandes coisas do outro mundo.” (Matthew Henry, 2008, p. 63). 

 

A Igreja não é perfeita, nunca o foi. Não existem pastores perfeitos, eles nunca existiram. “Algumas pessoas usam este fato como desculpa para manterem-se afastadas da igreja, dizendo: "Eu gostaria de frequentar uma igreja, mas há muitos hipócritas ali. Nesse caso, eu penso: Venha, temos lugar para mais um.” (John MacArthur). 

 

É impossível agradar a todos. Mesmo para os 12 apóstolos juntos, na mesma igreja, não conseguiram agradar a todos (Atos 6.2). Embora as viúvas fossem aptas a receber esse tipo de assistência social, os apóstolos não lhes deram o suficiente, ou não conseguiram contemplar todas, ou não deram exatamente a mesma soma oferecida às viúvas hebreias.

 

Naquele tempo, as viúvas não sobreviviam a menos que os familiares imediatos cuidassem delas (1 Tm 5.9–16). Negligenciá-las por causa de diferenças culturais revela uma tensão séria dentro da igreja de Jerusalém. Mas a queixa acabou recaindo sobre os apóstolos, que estavam encarregados da distribuição (4.35,37). Em resposta a essa situação, eles perceberam que era necessário tomar uma providência para resolver o problema e melhorar o ministério da igreja. 

 

Esta passagem está repleta de implicações para as igrejas e a liderança da igreja na atualidade. Ralph Earle observa que temos aqui uma ajuda prática de como solucionar problemas: reconhecer o problema (6.1,2a); flexibilidade para reagir às necessidades (6.3); recusar-se a subordinar o que é essencial (6.2b); remover as causas das reclamações (6.3–6); e colher os resultados de uma solução sensata (6.7).

 

Reconheceram o problema. A tensão foi resolvida quando ambas as partes assumiram a responsabilidade de resolver o problema. A igreja envolveu-se na solução do problema. A igreja precisa aprender que o paternalismo não é saudável. A maneira de se desenvolver uma igreja amadurecida não é impor soluções “de cima para baixo”, mas envolver a congregação na solução do problema, e confiar aos membros um papel significativo na tomada de decisões. 

Os apóstolos acolheram as críticas dos helenistas e tiveram coragem de fazer ajustes na estrutura. Eles agiram com flexibilidade e prontidão para reagir às necessidades.

 

Na Bíblia, a organização nunca é um fim em si, mas apenas um meio para facilitar o que o Senhor está fazendo em sua igreja. Organizar um programa e depois esperar que o Espírito Santo esteja envolvido com ele é colocar a carroça na frente dos bois. Não podemos sacralizar as nossas estruturas funcionais e culturais, pois são apenas facilitadoras para o avanço da obra. Aquilo que funcionou bem ontem pode não ser mais funcional nem relevante hoje. É lamentável quando as igrejas destroem ministérios promissores por se recusarem a modificar suas estruturas não fundamentais.

 

A estrutura deve estar ao serviço do organismo, e nunca o contrário. As pessoas são mais importantes que as estruturas. Não podemos confundir a treliça com a videira. A treliça serve para ajudar a videira a se desenvolver. Nosso foco deve ser o trabalho da videira; isto é, a evangelização dos perdidos, discipulado, o cuidado e o aperfeiçoamento dos discípulos para a obra do ministério. Frequentemente, nossas igrejas estão encerradas em antigos programas e cargos. Em lugar de procurar com criatividade satisfazer as necessidades à medida que elas surgem, nós lutamos para manter o mecanismo da igreja.

 

Estabelecendo prioridades. Em vez dos apóstolos se desgastarem ainda mais no trabalho do serviço às mesas, ampliaram o quadro de obreiros. Moody costumava dizer: “É melhor colocar dez homens para trabalhar do que tentar fazer o trabalho de dez homens”. Muitos ministros abandonam o ministério todos os anos. A razão básica é que hoje se espera que um ministro seja um Diretor Executivo de uma empresa ou corporação. Entende-se que ele deva fazer o trabalho administrativo e o trabalho de crescimento da igreja; espera-se que ele seja um especialista em aconselhamento e cuidado pastoral. Como resultado, temos promovido gerações de pastores que são “pau para toda obra”, mas não são especialistas em coisa alguma.

 

Os apóstolos não disseram, “Vamos esquecer essas viúvas”. Pelo contrário, eles convocaram a comunidade e disseram, “Irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra. O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram-nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos” (Atos 6.3–6). 

 

A escolha congregacional e a imposição de mãos dos apóstolos sugerem o estabelecimento de um papel formal de ministério na igreja de Jerusalém (At 6.5–6). Presbíteros, diáconos e todos os que serviam na igreja primitiva foram ordenados desta forma (cf. At 13.3; 1 Tm 4.14; 5.22 ; 2 Tm 1.6). A divisão do trabalho em 1Timóteo 3.1–13 entre bispos e diáconos é análoga aos ministérios complementares dos apóstolos e diáconos em At 6.1–6 — os apóstolos se concentram na oração e no ministério da Palavra, enquanto os Sete são designados para atender às necessidades práticas da comunidade. 

 

No Novo Testamento, o ofício de bispo ou presbítero na igreja é reservado para homens encarregados de liderar o rebanho de Deus (1Tm 2.11-12; 3.2; 5.17; 1 Co 11.3 , 8-9; 14.34), enquanto homens e mulheres podem servir como diáconos (διακονέω, diakoneō; 1Tm 3.12–13) para atender às necessidades práticas e temporais da congregação. Em Romanos 16.1, Febe é chamada um diakonos (“diácono”; “servo”, na forma masculina e sem artigo) da igreja em Cencreia.

 

Dividindo o trabalho. A divisão do trabalho removeu a causa da murmuração, salvaguardou a imparcialidade na distribuição dos recursos e aliviou os apóstolos para se dedicaram a com maior intensidade a oração e ao ministério da palavra. Esses sete homens foram separados e consagrados pela imposição de mãos para para ministrar às necessidades das pessoas da igreja.

 

Na proporção que a igreja cresce, há mais mesas para servir, mais viúvas para visitar, e mais órfãos a serem cuidados, e aumentamos proporcionalmente o nosso diaconato. Portanto, o trabalho dos nossos diáconos é indispensável. Eles mantêm o funcionamento da igreja, exercem o ministério de misericórdia, administram os assuntos temporais e financeiros, estão atentos aos mais fracos e necessitados, deixam a equipe pastoral devidamente informada, preparam a Mesa do Senhor para a Ceia, e auxiliam na distribuição. Recepcionam e orientam os visitantes, delimitam as vagas para o estacionamento. Isto é o que torna possível o pastor estudar a Palavra de Deus e pregá-la com profundidade, que é o de que o povo de Deus mais precisa (Sproul, 2017, 108).

 

Os pastores são dadas para a igreja "para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4.12). Ao negligenciar essa chamada, eles condenam suas congregações a definhar na infância espiritual. Se os apóstolos tivessem abandonado a oração e o ministério da palavra para servir às mesas, a igreja teria perdido seu foco e seu poder.

 

Lucas, portanto, destaca dois ministérios na igreja: a diaconia das mesas (6.2,3) e a diaconia da palavra (6.4); a ação social e a pregação do evangelho. O ministério das mesas não substitui o ministério da palavra, nem o ministério da palavra dispensa o ministério das mesas. Ambos são ministérios cristãos que visam servir a Deus e ao seu povo. Ambos exigem pessoas espirituais para exercê-los (Stott, 2008, 136). 

 

Removendo a causa das reclamações. Os cristãos de fala aramaica demonstraram confiança em seus irmãos, ao fazer os cristãos de fala grega responsáveis pela distribuição a todos. Todos os sete homens listados no versículo 5 têm nomes gregos. A eleição destes judeus-helenistas ajudou a refletir a diversidade da igreja. Dali em diante, não teriam mais motivos para acusar a comunidade de preterir os helenistas.

 

A igreja colheu os resultados de uma solução sensata. A reorganização da igreja libertou os apóstolos para se dedicar à oração e da Palavra. Evitou uma divisão na igreja. Promoveu unidade e contentamento e o resultado foi o crescimento da igreja. Uma igreja unificada e bem instruída é poderoso testemunho para o mundo perdido e sem esperança.

 

Lucas resume o crescimento da igreja como o crescimento da Palavra (12.24; 13.49; 19.20). Quanto maior o alcance da palavra, maior o crescimento da igreja. A palavra é o principal instrumento usado por Deus para levar sua igreja ao crescimento espiritual e numérico. Sempre que a palavra de Deus foi negligenciada, a igreja perdeu o seu vigor e se corrompeu.

 

A história da luta da comunidade para superar as divisões internas começa e termina com o crescimento da Igreja (At 6.1 comparar 7). Os “sacerdotes” mencionados no versículo 7 são significativos. Foi este mesmo grupo até este ponto que se opôs mais veementemente ao evangelho. Isso demonstra que o evangelho deve ser pregado a todos, mesmo aqueles que odeiam os cristãos.

 

Referências:

Barry et al., John D. Faithlife Study Bible. Bellingham, WA: Lexham Press, 2016, At 6.1-7. / Beyer, H. W. “diákonéō, diakonía, diákonos”. Em Kittel, Friedrich, G. e Bromiley, G. W., edsDicionário Teológico do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã, 2013, pp. 168-170. / Beeke, J. R., Barrett, M. P. V. e Bilkes, G. M., edsThe Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books. 2014, pp. 1566–1567. / Brian J. Tabb. “Deacon”ed. John D. Barry, Dicionário Bíblico Lexham. Bellingham, WA: Lexham Press, 2020. / Carson, D. A. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1962–1963. / Crossway Bibles. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2092. / Dever, Mark. 9 Marcas de uma Igreja Saudável. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2007, pp. 255–257. / Earle, Ralph. Livro dos Atos dos Apóstolos: Série Comentário Bíblico Beacon. RJ: CPAD, 2006, pp. 247-250. / Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Atos a Apocalipse. 2008, pp. 59-63.  / Holcomb, J. S. Gospel Transformation BibleESV. Wheaton, IL: Crossway, 2013:1461. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja. SP: Hagnos, 2012, p. 134–141. / MacArthur, John. The MacArthur New Testament Commentary: Acts 1-12. Chicago, Illinois: Moody Publishers, 1994. / MacDonald, M. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 352. / Richards, Lawrence O. Comentário Histórico Cultural do Novo Testamento. RJ: CPAD, 2007, pp. 263-264. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017, pp. 107–110. / Stott. John. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, pp. 132-138.



                                                              Pr. Leonardo Cosme de Moraes