Igreja em Movimento

             

Atos 8.1-25

No domingo, 8 de janeiro de 1956, nas margens de um rio na Amazonia equatoriana, cinco missionários foram brutalmente assassinados por índios Huaorani - também conhecidos como auca - um grupo de povos indígenas considerados violentos para com intrusos. A notícia do massacre chocou o mundo. Para alguns, a morte parecia uma tragédia sem sentido. Muitos criticaram o trabalho missionário: carreiras interrompidas, cinco esposas jovens desprovidas de seus maridos, filhos órfãos. 

 Elisabeth Elliot, viúva de um dos mártires, Jim Elliot, comentou: “Para o mundo em geral este foi um triste desperdício de cinco vidas. Mas creio que Deus tem o seu plano e bons propósitos em todas as coisas” … muitas vidas foram mudadas … Missionários foram levantados por Deus depois daquela experiência … A Operation Auca recebeu uma atenção diferenciada das agências missionárias. Muito investimento foi feito para que o evangelho fosse divulgado entre os índios Huaorani.

À primeira vista, a morte de Estevão também pode parecer inútil. Mas essa visão distorcida revela uma falta de compreensão da forma como Deus trabalha. Aquela perseguição, que parecia ser um fator totalmente negativo, levou à primeira grande expansão missionária da Igreja primitiva. Deus usou essa dispersão da igreja em Jerusalém para levar o evangelho a outras nações (8.4). 

O mesmo Saulo que guardou as vestes dos que apedrejaram Estêvão (7.58) e consentiu na sua morte (8.1), agora, assola a igreja (8.3). Ele não poupava nem mesmo as mulheres. Ele buscava a prisão de suas vítimas em Jerusalém e fora dela. Devastava e assolava a igreja (8.3; Gl 1.13), exterminando os que invocavam o nome de Jesus (9.21). Além de castigar muitos crentes nas sinagogas, forçando-os a blasfemar por meio de tortura, encerrava-os nas prisões e dava o seu voto quando os matavam (26.9–11). Saulo via Jesus como um falso messias e seus seguidores como hereges. Por isso, ele estava decidido a destruir totalmente a igreja de Deus (8.4-40; 9.1; 22.4; 26.9-11; 1 Co 15.9). Em vez disso, ele acabou por fazer chegar o evangelho em dezenas de cidades. Os cristãos em Jerusalém eram as sementes de Deus, e a perseguição foi usada por Deus para plantá-los em novo solo, a fim de que dessem frutos.

Deus usou Filipe para evangelizar Samaria. Filipe não era apóstolo; mas era um ganhador de almas. Ele investiu sua vida na proclamação do evangelho. Ele encarou a evangelização como um estilo de vida e não como um programa. A igreja espalhou a fé não através de clérigos profissionais, mas de leigos (8.4). Até aqui os apóstolos haviam conduzido a evangelização. A partir de então, enquanto os apóstolos permaneciam em Jerusalém, para cuidar da igreja, a grande massa de crentes assumiu a tarefa de evangelizar.

O evangelho rompeu a barreira do preconceito entre judeus e samaritanos. A cidade de Samaria tinha sido a capital do reino norte de Israel nos dias do reino dividido, antes de ter sido conquistada por Sargão, da Assíria, em 722 a.C. Durante aquela guerra, Sargão tinha tomado muitos prisioneiros, deixando somente a população mais pobre na região e repovoando-a com estrangeiros. Houve muitos casamentos entre os israelitas e os estrangeiros. A ruptura entre os judeus e os samaritanos consolidou-se com a construção de um templo rival no monte Gerizim e a rejeição das Escrituras do Velho Testamento, exceto o Pentateuco. Por isso, os samaritanos eram desprezados pelos judeus como híbridos, tanto na raça como na religião (Jo 4.9). 

Portanto, a viagem de Filipe a Samaria, e seu ministério ali, revelam a maravilhosa verdade de que Jesus, o prometido Messias judeu é, também, o Rei e o Salvador dos gentios. A mensagem de Cristo é um Evangelho universal. Todas as nações e todas as línguas estão convidadas e incluídas no reino de Deus (veja Is 56.3; Dn 7.14). Felipe estava a cumprir a grande comissão de Jesus, que também foi a Samaria (Jo 4), e ordenou aos seus seguidores que ali divulgassem o Evangelho (1.8).

Chegou em Jerusalém a notícia de que o evangelho tinha alcançado a Samaria e que os samaritanos o tinham recebido, então Pedro e João foram enviados para confirmar a fé dos samaritanos (8.14-17). O mesmo Espírito derramado em Jerusalém, no Pentecostes, é agora derramado sobre os crentes samaritanos, mostrando a universalidade do evangelho e a unidade da igreja cristã. Deus assim uniu os cristãos samaritanos com os primeiros cristãos da igreja de Jerusalém.

A evangelização pressupõe as boas novas de Jesus Cristo (8.5-12). Filipe tanto anunciava-lhes a Cristo (8.5) como operava sinais (8.6), expulsando espíritos imundos, e curando muitos paralíticos e coxos (8.7). Ao ver os milagres, o povo deu ouvidos à Palavra, e, ao crer na Palavra, o povo foi salvo (8.6). 

A salvação divina trouxe grande alegria à cidade (8.8). O cristianismo que cria uma atmosfera de tristeza é falso; o verdadeiro é aquele que irradia alegria em qualquer momento (At 8.39; 13.52; 16.34). A fé cristã nunca foi algo que só consiste em palavras. O evangelho de Jesus Cristo é muito mais do que uma ideia. É o poder de Deus para a salvação de todo o que crê. O evangelho bíblico produz salvação, libertação e alegria (8.7). 

A evangelização desmascara o misticismo (8.9–25). Antes de Filipe chegar à cidade, ela encontrava-se sob outra influência. Certo homem, chamado Simão... praticava a mágica, iludindo o povo de Samaria. Enquanto Simão vangloriava-se, Filipe  evangelizava-os a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo (8.12).  Lucas informa que o povo admirava-se com as coisas que Simão fazia (Atos 8.9, 11, 13). Para eles, Simão era o "Grande Poder de Deus". Mas o poder das mágicas de Simão vinha de Satanás (2 Ts 2.1-12) e era usado para engrandecimento próprio, enquanto o poder dos milagres de Filipe vinha de Deus e era usado para glorificar a Cristo. 

À medida que os samaritanos ouviam a mensagem de Filipe, criam em Jesus Cristo, nasciam de novo e eram batizados (8.6; 8.12b). O próprio Simão professou a fé; e, tendo sido batizado, acompanhava a Filipe de perto, observando extasiado os sinais e grandes milagres de Deus (8.13). Ele, que extasiava os outros, estava agora extasiado. Simão continuou com Filipe não aprender mais sobre Jesus Cristo, mas para ver os milagres e, quem sabe, aprender como eram feitos. 

A história de Simão contrasta o autêntico poder do reino de Deus com a impotência e a fraude da magia pagã (8.9-13, 18-24). A palavra “grande" aparece oito vezes nos vv. 1–13, contrastando a “grande perseguição”, a “grande lamentação” da igreja (8.1-2) e o “grande poder” de Satanás (8.10) contra os “grandes poderes” exercidos por Deus para curar e libertar (8.13) e a “grande alegria” entre aqueles que creram em Jesus (cf. 1 Jo 4.4).

A evangelização é a proclamação de coisas que não se pode comprar e nem vender. Quando Simão presenciou Pedro e João orando pelos novos convertidos para que recebessem o Espírito Santo, Simão aproximou-se deles e disse, “Concedei-me também a mim este poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo” (8.19). “Pedro olhou para Simão, o mago, e disse, “O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus” (8.20). Encontramos aqui um eufemismo bíblico. O que Pedro disse foi: “Você e seu dinheiro vão para o inferno”. Ele pronunciou o pior julgamento sobre aquele feiticeiro. Você consegue imaginar que alguém ainda pense que pode comprar o favor de Deus? Ainda há muitas pessoas nas igrejas hoje que acreditam, “Se eu der dinheiro suficiente, Deus será gracioso para comigo”. Mas a graça de Deus não está à venda. A graça de Deus não pode ser comprada ou merecida. Se você pensa que a graça de Deus está à venda, então você insulta-O tão profundamente quanto Simão, o mago, o fez”.

Pedro advertiu a Simão, “Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus. Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração; pois vejo que estás em fel de amargura e laço de iniquidade” (8. 21–23). Pedro disse a Simão que Deus podia ver o veneno em seu coração e sua escravidão no pecado. Então o mago disse: “Rogai vós por mim ao Senhor, para que nada do que dissestes sobrevenha a mim” (8.24). Note que ele não diz: “Ore ao Senhor por mim, para que eu seja convertido e tenha a verdadeira fé e seja resgatado”. Simão estava preocupado em escapar da punição, o que também não é fé salvadora.

Um verdadeiro ato de contrição, o verdadeiro arrependimento, realmente lhe dá um bilhete de saída do inferno, mas, se a motivação é simplesmente escapar da punição, isso não é uma fé que salva. Embora Deus tenha trazido seu poder, o evangelho e a alegria da salvação para os samaritanos, a pessoa que era a principal responsável por aterrorizar aquela cidade foi embora com um coração endurecido. A história posterior retrata Simão como opositor persistente do cristianismo e herege (Sproul, 2017).

Lições práticas:

1. Filipe foi incapaz de julgar a motivação de Simão, e assim aceita seu testemunho de fé em Cristo. Se Pedro não tivesse desmascarado a perversidade de seu coração, Simão teria sido aceito como membro da congregação dos samaritanos!

2. Simão professou a fé cristã sem, de fato, possuí-la. O relato do baptismo de Simão constitui prova adequada de que o batismo não é um ato que afeta a salvação. As palavras de condenação de Pedro sugerem que a fé de Simão não era genuína (8.20-23, Jo 6.66). Simão ouviu o evangelho, viu os milagres, professou sua fé em Cristo e foi batizado, no entanto, nunca chegou a nascer de novo. Ele não creu de todo o coração (At 8.13; 8.37). Simão não conseguia negar a realidade do que havia visto com seus próprios olhos, mas ele não tinha a fé salvadora. Sua confiança não estava em Cristo, e ele ainda buscava a continuidade de sua carreira como um mágico bem-sucedido.

3. Simão tenta comprar o poder do Espírito Santo. É desta passagem que vem o termo simonia, que significa “comprar e vender cargos e privilégios eclesiásticos” (8.18, 19). Pedro o repreendeu imediatamente, de maneira direta e pública, por imaginar que o dom de Deus pudesse ser comprado (8.20). A igreja precisa ter discernimento para não receber qualquer tipo de oferta. Se a motivação do ofertante não for pura diante de Deus, sua oferta não é bênção para a igreja.

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Referências: Beeke, J. R., Barrett, M. O. V. e Bilkes, G. M. eds. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1570. / Carson, D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1968. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible (Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008), 2096–2097. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja. Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 167–179. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 355–357. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Editora Cultura Cristã, 2017, p. 123–127. / Stott, John. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008: 161-177.

Pr. Leonardo Cosme de Moraes