Neste episódio vemos que o evangelho quebra todas as
barreiras sociais, étnicas e espirituais, e que o Espírito Santo guia e
capacita seus servos para evangelização dos povos.
As iniciativas da missão eram de Deus. Deus tira Filipe da multidão e o envia para
evangelizar uma única pessoa no deserto (8.26). Filipe estava
ministrando em Samaria. Então o anjo do Senhor veio a ele e disse: “Dispõe-te e
vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza” (8.26).
Filipe obedeceu prontamente e desceu de Samaria passando por Jerusalém e seguiu
ao longo da estrada (8.26). Por lá, viajava um eunuco da Etiópia, que precisava
de esclarecimento espiritual.
O próprio anjo do Senhor poderia ter dito a esse oficial etíope
como encontrar a salvação, mas Deus não comissionou os anjos para essa tarefa,
e sim seu povo. Os anjos nunca experimentaram a graça salvadora de Deus, de
modo que não podem dar testemunho do que significa ser salvo.
Aos olhos do Senhor, nenhuma tarefa orientada pelo Espírito
Santo é pequena. Para Deus uma vida vale todo o investimento. Ilustração: Em
outubro de 1857, Hudson Taylor começou seu ministério na China, e levou a
Cristo o sr. Nyi. Esse homem encheu-se de alegria e quis partilhar sua fé com outros.
Certo dia, o sr. Nyi perguntou a Hudson Taylor há quanto tempo o povo da
Inglaterra sabia dessas boas-novas. Taylor reconheceu que a Inglaterra tinha
conhecimento do evangelho havia séculos. Meu pai morreu buscando a verdade -
disse o sr. Nyi. Por que vocês não vieram antes? Taylor não teve como responder
a essa pergunta. Há quanto tempo você conhece o evangelho? Até onde já
partilhou as boas-novas?
A experiência de Filipe deve servir de estímulo para nós em
nosso testemunho pessoal do Senhor. No versículo 27 vemos o tipo de pessoa que
Filipe é orientado pelo Espírito a abordar. Trata-se de um etíope, o que
informa o público do significado geográfico e etnográfico desta conversão. O
etíope que também é um eunuco, uma referência a um homem fisicamente mutilado
(emasculado). Assistentes masculinos da realeza feminina eram frequentemente
castrados.
O eunuco etíope tinha grande autoridade sob Candace, a
rainha dos etíopes; ele era encarregado de toda a sua tesouraria. Na Etiópia,
os reis eram considerados descendentes dos deuses e demasiadamente santos para
se ocuparem com os negócios do império. Consequentemente, os negócios do
império eram colocados nas mãos da rainha-mãe, e toda rainha-mãe, por muitas
gerações, recebia o título ou nome de Candace.
No restante da história, o oficial é referido não como um
etíope ou como um "oficial", mas simplesmente como o
"eunuco" (8.34, 36, 38, 39). Os eunucos na antiguidade “pertenciam ao
grupo de homens mais desprezados e ridicularizados” por causa da sua identidade
sexual ambígua. Luciano de Samosata argumentou que um eunuco “era uma espécie
de criatura ambígua ... nem homem nem mulher, mas algo composto, híbrido e
monstruoso, estranho à natureza humana”. Além
disso, a castração ou emasculação humana violava os códigos de pureza da lei de
Deus (Dt 23.11).
Visto que ele tinha ido a Jerusalém para adorar, o eunuco
era provavelmente um "temente a Deus", um gentio que adorava o Deus
de Israel, mas não tornou-se um convertido completo (“prosélito”). Como eunuco,
ele teria sido impedido de entrar nos pátios internos do templo (Dt 23.1), o
que torna sua leitura “do profeta Isaías” (8.28) especialmente significativa.
Isaías apresentou a promessa de que Deus daria aos eunucos devotos uma herança
“melhor do que filhos e filhas” (Is 56.3-5).
O eunuco estava lendo as Escrituras e Deus
lhe enviou um intérprete das Escrituras (8.27-36). Ele estava
lendo, assentado na carruagem, e o fazia em voz alta (8.28). “Então, disse o Espírito a Filipe:
Aproxima-te desse carro” (v. 29). Filipe teve de correr para alcançá-la (8.30).
Depois de observar por um momento, Filipe perguntou: “Entendes tu o que lês?”
(8.30). O eunuco respondeu, “Como poderei entender, se alguém não me explicar?”
E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele (8.31). O eunuco perguntou se Isaías estava a
falar de si mesmo ou de algum outro. Começando por Isaías (8.32–33), Filipe
anunciou-lhe as boas novas a respeito de Jesus (8.35).
Hoje vemos muitos pregadores substituindo a
exposição das Escrituras pela experiência. Filipe explica as Escrituras.
Apresenta Jesus, não uma cultura religiosa (8.30–35). A palavra de Deus precisa ser lida, explicada e
aplicada. A natureza da Sagrada Escritura requer um intérprete cristão.
A providência de Deus é vista na escolha do
texto pelo Eunuco, uma vez que o quarto cântico do servo (Is 52.13-53.12) é a
passagem mais importante do VT relativa ao sofrimento do Messias (8.32-33) -
sua rejeição, o seu silêncio diante de seus acusadores, a sua morte juntamente
com pecadores, a natureza substitutiva do seu sofrimento, o seu sepultamento no
sepulcro de um homem rico, e a sua ressurreição. Deus
já havia preparado o coração do homem para receber o testemunho de Filipe! O eunuco é atraído por essa figura de Isaías como
alguém cujo status social, como o seu, é marginalizado. A
palavra-chave da citação de Isaias é “humilhação” (tapeinōsis),
encontrada no meio da citação (8.33a).
O eunuco não teve nenhuma visão sobrenatural de Cristo, mas
creu através da leitura e explicação das Escrituras. O evangelho foi para a Etiópia através do evangelista
Filipe. Foi pela pregação da Palavra de Deus, porque sabemos que a fé vem pelo
ouvir e o ouvir da Palavra de Deus (Rm 10.17). E Filipe pregou a Cristo, mas
não a partir do Novo Testamento, mas do Velho Testamento. O Novo Testamento
ainda não havia sido escrito.
Esse etíope representa muitas pessoas religiosas de hoje em
dia, que lêem as Escrituras e buscam a verdade, mas ainda não creram em Jesus
Cristo como seu Salvador. São pessoas sinceras, mas estão perdidas! Precisam de
alguém que lhes mostre o caminho da salvação.
É preciso receber as pessoas que creem em Cristo pelo
baptismo (8.36–38). Como o eunuco sabia que cristãos devem ser batizados?
Evidentemente incluído no que Filipe tinha ensinado, estava o facto de que ser
batizado era o passo seguinte de obediência em sua fé recém descoberta (8.36).
No livro de Atos, o baptismo é uma parte importante do compromisso do cristão
com Cristo e de seu testemunho. Através do baptismo a pessoa identifica-se com
Cristo em sua morte, em seu sepultamento e em sua ressurreição (8.36).
Profundamente simbólico e significativo, o baptismo envia
uma poderosa mensagem aos espectadores a respeito da obediência do indivíduo a
Cristo. Ordenado pelo Senhor Jesus (Mt 28.18-20), o baptismo nas águas é um
sinal exterior e visível da identificação de um indivíduo com Cristo e com a
comunidade cristã.
Enquanto o eunuco estava a escutar Filipe, chegaram a um
certo lugar onde havia água à beira da estrada, e quando viram a água, o eunuco
disse, “Eis aqui água; que impede que seja eu batizado?” (8.36). “Filipe
respondeu: É lícito, se crês de todo o coração”, e o eunuco replicou, “Creio
que Jesus Cristo é o Filho de Deus” (8.37). A sua experiência de conversão foi
tão real que ele insistiu em parar a carruagem e ser batizado naquele instante!
Ele não queria ser um "agente secreto de Cristo”; mas desejava que todos
soubessem o que o Senhor havia feito por ele.
O eunuco desce com Filipe à água e é batizado (8.38-39). A
simplicidade da cerimónia é impressionante. Num caminho, no meio do deserto, um
recém-convertido é batizado. As testemunhas do batismo incluíam pelo menos
Filipe e o condutor da carruagem, embora um oficial naturalmente poderia estar
a viajar com uma comitiva (8.38).
Filipe não adia o baptismo do salvo. Uma única condição é
exigida: crer de todo o coração. Oscar Cullman, erudito em Novo Testamento,
observa que se não houvesse um impedimento claro ou barreira para as pessoas
tornarem-se membros da igreja, e se elas fizessem uma profissão de fé credível
em Cristo, recebiam o baptismo e então recebiam sua instrução completa.
Até agora, o eunuco não podia submeter-se a
ritos de iniciação religiosa; ele não poderia ser circuncidado e não poderia
ser um prosélito do Judaísmo. Mas agora, por causa das “boas novas de Jesus
Cristo”, nada impede que sua transformação seja publicamente simbolizada por
meio do baptismo cristão. Submetendo-se ao batismo, este oficial estava
proclamando a sua fé em Cristo.
Filipe não teve a oportunidade de realizar
aquilo que chamamos de “trabalho de acompanhamento”. Lucas
informa que imediatamente depois de saírem da água, o Espírito do Senhor
arrebatou a Filipe (8.39) e ele veio a achar-se em Azoto (8.40a). O verbo grego
para "arrebatar" (harpazo) normalmente significa apoderar-se”
como num rapto. Felipe foi transladado milagrosamente para outra área.
O eunuco nunca mais o viu, porém continuou a sua viagem
cheio de alegria (8.39b). O eunuco continuou sem o evangelista, mas com o
evangelho. Sem a ajuda humana, mas com o Espírito divino que não só lhe deu
alegria, mas também coragem e poder em seu país natal para pregar aquilo em que
ele mesmo crera (8.39,40, Irineu).
A missão de Felipe aos samaritanos foi um exemplo de
"evangelização em massa", pois "as multidões" ouviram sua
mensagem, creram e foram baptizadas (8.6,12). A conversa de Filipe com o
etíope, porém, foi um exemplo de "evangelização pessoal" , pois aqui
era um homem sentado ao lado de outro, falando em particular sobre Jesus, a
partir das Escrituras. Apesar das diferenças de origem racial, classe social e
condição religiosa, Filipe apresentou aos samaritanos e ao oficial etíope as
mesmas boas novas de Jesus (8.12,35). Em ambas as situações houve a mesma
resposta, pois os ouvintes creram e foram baptizados (8.12,36-38). E em ambos
os casos é registrado o mesmo resultado, a alegria (8. 8 ,39).
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Referências: Carson,
D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan,
2018, p. 1968–1969. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible (Wheaton, IL:
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on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker
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Pr.
Leonardo Cosme de Moraes