O ministério terapêutico e proclamativo de Pedro

        

 Actos 9.32-43 

 

Esta passagem revela o outro lado do ministério de Pedro, seu serviço pastoral efectivo. Pedro é apresentado empenhado num ministério de supervisão pastoral (At 8.14-25) aos cristãos que foram espalhados pelas diversas cidades da Judeia (9.32a). O objetivo de Pedro não era apenas pregar o evangelho, mas também visitar os santos (9.32b), a fim de ensiná-los e encorajá-los. Durante os "muitos dias" que Pedro ficou em Jope, procurou fundamentar a fé dos novos convertidos. Jesus havia encarregado Pedro de cuidar das ovelhas (Jo 21.15-17), e Pedro estava a cumprir essa missão.

 

Lucas informa que ao visitar as igrejas ao longo das fronteiras da Judeia, ocorreram dois milagres: (1) a restauração da saúde de um paralítico chamado Enéias (9.33); e (2) a ressurreição de uma discípula chamada Tabita. A narrativa contém os elementos essenciais de uma história de milagre pelo poder divino. Ambas atraiu a atenção do povo, e muitos creram em Jesus Cristo (9.42). Analisemos, pois, a obra de Cristo através dos atos do apóstolo Pedro nos episódios da cura de Enéias e da ressurreição de Tabita. 

A cura de Enéias (9.32-35). 

“E aconteceu que, passando Pedro por toda a parte, veio também aos santos que habitavam em Lida. E achou ali certo homem, chamado Enéias, jazendo numa cama havia oito anos, o qual era paralítico” (9.32, 33). O texto não diz se Enéias é crente, mas pode implicar isso, já que Pedro está a visitar os “santos” em Lida.

 

O caso de Enéias era irremediável, mas nenhum caso é irremediável para Jesus. A iniciativa de cura partiu do Apostolo Pedro. Mas ele não disse: "Eu te curo”, mas sim: "Jesus Cristo te cura." Jesus é destacado como o verdadeiro e  o único doador da cura. Pedro chama Enéias pelo nome e então anuncia que Jesus Cristo te cura (At 3.6). Pedro foi simplesmente o instrumento pelo qual Jesus trabalhou (9.34; 3.12-16). 

 

A cura de Eneias foi instantânea, total e constatável. Ele levantou-se e arrumou sua cama (9.34). Tornou-se um milagre ambulante, pois todos aqueles que viram esse facto extraordinário em Lida e Sarona converteram-se ao Senhor (9.35). 

Aplicações práticas:

1.   Nesta passagem Lucas chama os cristãos de “santos” (9.32 e 41). Esta é a palavra que Paulo usa sempre para descrever um membro da igreja, pois sempre dirige suas cartas aos santos que estão em determinado lugar (1Co 1.2). A palavra é hágios em grego, e descreve algo que é separado/distinto das coisas comuns. Por outras palavras, o cristão é um alguém separado e distinto das pessoas que pertencem ao sistema deste mundo.

2.   Não é porque Lucas escreve que Pedro curou esse paralítico em nome de Cristo que devemos concluir que ele precisa curar todos os paralíticos ou que aqueles que não são curados fisicamente em nome de Jesus são ímpios (Johannes Brenz). Na época de Elias existiam inúmeras viúvas pobres, mas embora muitas entre elas fossem piedosas, "Elias não foi enviado a nenhuma delas, senão a uma viúva de Sarepta de Sidom. Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro” (Lc 4.26, 27).

3.   ”Levanta-te e arruma o teu leito.” (9.34). Aqui Pedro disse duas coisas. Primeiro, ele disse ao homem para se levantar porque Jesus o curara. Segundo, ele disse ao homem para arrumar sua cama. Por que arrumamos nossas camas quando nos levantamos pela manhã? Parece um desperdício de tempo e energia, mas por razões de decoro fazemos assim, e também porque desde a hora em que acordamos de manhã, até descansarmos à noite novamente, não necessitamos de nossas camas. Durante um período de oito anos aquele homem esteve permanentemente em seu leito. Agora, porém, Pedro disse-lhe para arrumar a cama porque ele não mais necessitaria dela como morada permanente Todos os cristãos têm pontos de paralisia espiritual. No entanto, Pedro disse, “Jesus, o Cristo, vai curá-lo”. Qualquer que seja a sua condição atual, se você colocar sua fé em Jesus Cristo, ele vai curá-lo de tal modo que você possa arrumar sua cama e caminhar (Sproul, 2017). 

4.   Todo cristão está em processo de santificação. Dois de nós não começamos nossa caminhada cristã no mesmo ponto; cada um começa levando sua própria bagagem. Não há dois cristãos que cresçam no mesmo ritmo. Devemos ser uma comunidade de pessoas pacientes praticando um amor que cobre uma multidão de pecados, porque estamos todos juntos crescendo em Cristo. Ele já salvou-nos dos nossos pecados. Mas Ele não somente remove nossa culpa e leva-a sobre si mesmo, mas Ele também trabalha connosco e em nós, para mudar-nos e levar-nos da infância espiritual para a maturidade e plenitude. Nenhum de nós é totalmente completo. Todos temos deficiências em nosso caráter, em nossa obediência, em nossos corpos físicos e em todos os outros sentidos. Aguardamos ansiosos o dia de nossa glorificação, quando receberemos nossa plenitude final, onde o pecado e todos os seus efeitos e danos serão removidos de nós para sempre (Sproul, 2017).

A ressurreição de Dorcas (9.36-42). Havia em Jope uma discípula chamada Tabita, que traduzido se diz Dorcas. Tabita (aramaico) e Dorcas (grego) significam “gazela" (9.36). Esta senhora era uma verdadeira discípula de Jesus Cristo. Era conhecida por seu incansável trabalho entre os pobres e necessitados (9.39). Ela transbordava de boas obras e atos de caridade (9.36b). Dorcas tinha o dom de socorro (1 Co 12.28). Era uma mulher virtuosa (Pv 31.19-22). Integralmente dedicada à beneficência e à ajuda ao próximo, ela cuidava especialmente das viúvas. Ela fazia túnicas e vestes (roupas exteriores e intimas, 9.39). Isso traz-nos à mente a instrução de Tiago, que escreveu que a essência da verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas (Tg 1.27; At 9.39; 1 Tm 5.3-16; 6.1).

 

Ela era uma discípula de Cristo e, agora, diversas obras de caridade são atribuídas a ela. Portanto, as boas obras são aquelas que os cristãos realizam com fé. As boas obras de Dorcas eram uma evidencia da sua fé em Cristo. Os frutos das boas obras nascem a partir da fé. A fé genuína produz boas obras (Tg 2.14-26). Nenhum aspecto da salvação é alcançado pelo mérito de obras humanas (Tt 3.5-7), mas a verdadeira salvação, operada por Deus, não deixará de produzir as boas obras que são os seus frutos (Mt 7.17).

O conceito de “boas obras” é importante no Novo Testamento (Ef 2.10). A Bíblia ensina que devemos “… andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, crescendo no conhecimento de Deus … ” (Cl 1.10). Muitos, porém, diz Paulo: “afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam; são detestáveis, desobedientes e desqualificados para qualquer boa obra.” (Tt 1.16, 3.8). Muitos crêem sinceramente que estão salvos, todavia, são complemente estéreis e não se verifica fruto em suas vidas. As escrituras encoraja-nos a examinar a nós mesmos a fim de sabermos se estamos na fé (2 Co 13.5; 2 Pe 1.10). Portanto, é importante e necessário examinar nossas vidas e avaliar o fruto que temos produzido (Lc 6.44).

 

Justamente naqueles dias Dorcas adoece e morre (9.37). O falecimento desta serva de Deus, tão amada e competente, quando a igreja precisava tanto dela, foi um golpe extremamente duro. Sua morte criou um vazio na comunidade cristã (como na morte de Estevão, 8.2). O povo pobre de Jope sofrera a tremenda perda de sua benfeitora. É muito difícil quando isso acontece nas igrejas locais.

 

Os cristãos não estão livres das tragédias comuns que os seres humanos estão acostumados a sofrer. Não devemos ficar ofendidos com as adversidades pelas quais passamos, nem julgar aqueles que lutam contra as dificuldades e o sofrimento. Não devemos supor que aqueles que estão doentes ou aflitos estejam sendo castigados por seus próprios pecados. Muitas vezes Deus transforma esse sofrimento em oportunidades para mostrar Sua glória e graça (Rm 8.28).

 

Naquela época o corpo era ungido antes do sepultamento. Lucas menciona apenas que o corpo de Dorcas foi lavado. Então, em vez de enterrá-la, eles colocaram seu cadáver num quarto superior, talvez na esperança de sua ressuscitação. Será que os cristãos de Jope lembraram-se de Elias e Eliseu (1 Rs 17.19; 2Rs 4.10,21,32) e, a partir deles, do apóstolo Pedro? Não sabemos, mas Lucas informa que sabendo que Pedro estava por perto, os discípulos de Jope enviaram dois homens, rogando-lhe que não se demorasse em vir ter com eles (9.38). Pedro atendeu e foi com eles. 

 

Até então, não havia registo de que os apóstolos tivessem sido usados por Deus para a ressurreição de mortos. Isso mostra a fé dos crentes de Jope em mandar buscar Pedro em Lida (16 km de distância). 

 

Ouvir que Pedro estava lá reflete um entendimento de que um nível incomum de poder e autoridade estava presente no ministério dos apóstolos de Cristo (9.38). Outrossim, a busca urgente de Pedro indica que os milagres que ele realizava em Nome de Jesus não eram comuns mesmo na época do Novo Testamento.

 

Pedro chega e é conduzido ao cenáculo (9.39-42). As viúvas que estão de luto mostram a Pedro as roupas e casacos que Dorcas havia feito quando estava com elas (9.39). Muito possivelmente, elas estavam a usar as roupas. Então Pedro ordenou que as pessoas saíssem do quarto (9.37-40). Ele dedicou um tempo de oração. A oração acontece de joelhos. Então, voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te. E ela abriu os olhos, e, vendo a Pedro, assentou-se (9.40).

 

Pedro não tocou nela até que ela mostrasse estar viva. Pedro então apresenta Dorcas viva aos santos e viúvas (9.41). 

 

Este milagre, em resposta a oração de Pedro, foi somente um antegozo da verdade cristã que todo aquele que está em Cristo será apresentado vivo ao Noivo, para viver para sempre sem lágrimas, pecados ou morte. Essa amostra do céu que Pedro manifestou às pessoas nessa cidade espalhou-se por toda a região, de modo que muitos creram no Senhor (9.42).

 

As pessoas ouviram a palavra, viram os sinais, e creram no Senhor Jesus. A cura física e a ressurreição foram importantes para atrair a atenção dos habitantes daquelas cidades, mas “o maior milagre de todos é a salvação dos pecadores. Isso porque custou alto preço, produz os maiores resultados e traz mais glória a Deus.” (Stott, 2008). 

 

Pedro continua por “muitos dias” em Jope com um certo Simão, o Curtidor (9.43). O facto de Pedro se hospedar com Simão mostra que o apóstolo não estava mais preso a esse escrúpulo judaico. Os curtidores de couro tinham de lidar com as carcaças de animais mortos, uma prática proibida aos judeus (Lv 11.35-40). Deus guiava Pedro um passo de cada vez em sua passagem do legalismo judaico para a liberdade oferecida por sua maravilhosa graça.

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Referências: Beeke, J. R.; Barrett, M. P. V. and Bilkes, G. M., ed. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1573–1574. / Carson, D. A. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1970–1972. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2102. / Chung-Kim, Esther, et al., Atos: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 182–184. / Kistemaker, Simon. Atos, vol. 1, Comentário do Novo Testamento. 2ª Edição. SP: Cultura Cristã, 2016, p. 453–462. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 205–207. / MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 362. / Parsons, Mikeal C. 2008. Acts, Paideia Commentaries on The New Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008, p. 136-140. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 151–155. / Stott, John R. A mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU, 2008, p. 204-206. / Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: volume 1. Santo André, SP: Geográfica editora, 2006, p. 574-575

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes