ÉFESO, A IGREJA DO AMOR ESQUECIDO

         

 

Apocalipse 2.1-7


Éfeso era uma das quatro cidades mais poderosas do Império Romano (junto com Roma, Alexandria e Antioquia da Síria). Era a maior, mais rica, e mais importante cidade da Ásia Menor. Era o centro do culto à Diana, cujo templo era uma das sete maravilhas do mundo antigo. Era uma cidade mística, cheia de superstição e também um dos centros do culto ao imperador. Não apenas imperava na cidade o misticismo e a idolatria, mas também a perseguição implacável àqueles que buscavam ser fiéis a Deus. Também prevalecia na cidade a imoralidade associada aos cultos pagãos. 


Paulo visitou a cidade de Éfeso no final da segunda viagem missionária. Em sua terceira viagem, passou lá 3 anos (At 19.10). Deus realizou sinais e prodígios na cidade de Éfeso: (a) As pessoas ao ouvirem o evangelho denunciam publicamente as suas obras; b) As pessoas que se convertiam rompiam com o ocultismo, queimando seus livros mágicos. Paulo escreveu uma carta aos Efésios, agradecendo a Deus o profundo amor que havia na igreja (Ef 1.15). Timóteo é enviado para ser pastor da igreja. Mais tarde o apóstolo João pastoreia aquela igreja (1 Tm 1.3). Agora, depois de anos que a igreja fora fundada, na segunda geração de crentes, Jesus envia uma carta à igreja, mostrando que ela permanecia fiel na doutrina, mas já havia se esfriado em seu amor (Ap 2.1-7). Jesus tem uma mensagem para essa igreja e essa mensagem também é para nós.

O Senhor Jesus governa ativamente sua Igreja (2.1). Jesus tem todo o poder e autoridade sobre a igreja e seus líderes. A palavra anjos, no grego, significa mensageiros. Pode referir-se a mensageiros humanos, especificamente os pastores das igrejas, ou aos seres angelicais a serviço de Deus. A proeminência dos anjos no livro de Apocalipse apoiaria este último significado (22.6). Outros interpretes entendem que os anjos destas igrejas são personificações da identidade de cada igreja. Acontece, entretanto, que as sete estrelas são identificadas como o anjo de cada igreja (Ap 1.20). O anjo neste caso é um símbolo, e é definido pela Palavra de Deus como sendo um mensageiro (Hb 1.14). A estrela é usada para orientar e para guiar (Gn  1.16; Mt. 2.2). Portanto, estas estrelas que são os anjos das igrejas, representam seus pastores. Já os sete castiçais de ouro estão simbolizando as sete igrejas, que por sua vez englobam todas as igrejas do mundo (Ap 1.20). 


O Senhor Jesus faz elogios a sua Igreja (2.2-3,6). A igreja de Éfeso era ortodoxa, era uma igreja doutrinariamente pura e conservadora (2.2-3,6). A heresia não precedeu a ortodoxia como afirma a tese de Bauer-Ehrman. O próprio Novo Testamento já denunciava os desvios da doutrina original e apostólica. Um destes desvios fui o surgimento da doutrina dos Nicolaítas (Apocalípse 2.6, 12-17). Os Nicolaítas pregavam uma nova versão do Cristianismo. As práticas dos nicolaítas estavam ligadas a Balaão (2.14,15) e a Jezabel (2.20-23). Os pecados encontrados nestas duas figuras históricas são: idolatria, sincretismo e imoralidade. Parece que eles pregavam um evangelho sem exigências, libertino, sem proibições. Eles eram pessoas que se diziam crentes, mas não eram. Eles incentivavam os crentes a comer comidas sacrificadas aos ídolos. Eram imorais e ensinavam que a imoralidade não era pecado. Contudo, a igreja de Éfeso não tolerou a heresia e odiou as obras dos Nicolaítas (Ap 2.6). A Igreja de Éfeso, portanto, era uma igreja ortodoxa! 


A igreja de Éfeso era trabalhadora (2.2). O labor inclui trabalho físico e mental – ambos são normalmente difíceis e cansativos. E este texto mostra que Deus não se esquece dos combates de aflições dos seus servos Hebreus (6.10; 10.32). O facto de ter que se opor a homens maus, falsos apóstolos e nicolaítas na comunidade, sem dúvida alguma causava exaustão entre os membros da igreja de Éfeso. 


A igreja de Éfeso era perseverante nas tribulações (Ef 2.2-3). Hoje muitas igrejas preferem ser reconhecidas pelo mundo do que conhecidas no céu. Hoje muitos crentes querem a coroa sem a cruz. Querem a riqueza sem o trabalho. Querem a salvação sem conversão. Querem as bênçãos de Deus sem o Deus das bênçãos” (H. D. Lopes). Muitas igrejas preferem ser reconhecidas pelo mundo do que conhecidas no céu. 


O Senhor Jesus repreende sua igreja (2.4). A Igreja de Éfeso olhada de fora, era muito bonita. Aparentemente estava tudo bem. Mas nem tudo estava bem e de acordo com os parâmetros de Cristo, o Senhor e Rei que governa a igreja. Muitos estavam a abandonar o primeiro amor. A igreja de Éfeso é ortodoxa, trabalhadora, fiel nas provas, mas perdeu o calor da sua primeira experiência cristã. Esta igreja “é como uma esposa que não trai o marido, mas também não lhe devota amor” (Lopes). 


Em Éfeso havia fidelidade na doutrina, mas faltava amor na prática do Cristianismo. O zelo pela doutrina pura não pode nunca ser um substituto para o amor. A luta pela ortodoxia, o intenso trabalho, e as perseguições levaram a igreja de Éfeso à aridez. O amor é a marca do discípulo (João 13.34-35). Sem amor, nosso conhecimento, nossos dons, e nossa própria ortodoxia não têm nenhum valor (1 Coríntios 13.1-3). Odiar o erro e o mal não é o mesmo que amar a Cristo. O trabalho de Deus não pode tomar o lugar de Deus na nossa vida. 


A igreja de Éfeso examinava os outros e era capaz de identificar os falsos ensinos, mas não era capaz de examinar a si mesma. Tinha doutrina, mas não tinha amor. Identifica a heresia nos outros, mas não a frieza do amor em si. O primeiro amor havia esfriado e sido trocado por um rude zelo pela ortodoxia. Já não era um zelo motivado pelo amor a Deus e ao próximo (Mateus 23).


O Senhor Jesus ordena a sua igreja a recuperar o seu primeiro amor (2.5, 7). A igreja de Éfeso precisava recuperar o seu primeiro zelo, ternura e fervor. Eles deviam orar tão fervorosamente e vigiar tão diligentemente como quando entraram ao princípio nos caminhos de Deus. “Sempre que a presença da graça de Cristo for por nós descuidada, podemos esperar o seu desagrado” (Henry). 


Temos aqui conteúdo da ordem de Jesus para os que deixaram o primeiro amor: Lembra-te, arrepende-te e volta (2.5). Lembra-se da alegria da salvação. Arrependa-se de trabalhar sem amor. Volta a fazer como antes. Como nos melhores tempos da sua peregrinação espiritual com Cristo. 


Lembra-se de onde caíste volta à prática das primeiras obras. O Filho Pródigo começou o seu caminho de restauração quando lembrou-se da Casa do Pai; mas apenas lembrou-se da Casa do Pai. Ele voltou para a Casa do Pai. Lembrança sem mudança é remorso. Arrependimento não é emoção, é uma mudança radical de atitude. Arrepender-se é mudar a mente, é mudar a direção, é voltar-se para Deus. É deixar o pecado. É voltar a prática das primeiras obras, que são os frutos do arrependimento. Esta foi a diferença entre Pedro e Judas. Esta é a diferença que há entre crentes nominais e os que nasceram de novo. 


O Senhor Jesus faz uma solene advertência: “e, se não, venho a ti e tirarei do seu lugar o teu castiçal” (2.5). “O Castiçal é feito para iluminar. Se ele não ilumina, ele é inútil, desnecessário. A igreja não tem luz própria. Ela só reflete a luz de Cristo” (Lopes). Mas, se uma igreja não ama ela não brilha, porque quem não ama está nas trevas (1 Jo 2.9). A Escritura diz que o juízo começa pela Casa de Deus. Antes de julgar o mundo, Jesus julga a igreja (1Pe 4.17). Historicamente, a igreja de Éfeso deixou de existir. Seu castiçal foi removido. Hoje só existem ruínas e uma lembrança de uma igreja que perdeu o tempo da visitação do Senhor.

 

O Senhor Jesus faz promessas aos vencedores - “mas ao que vencer” (2.7). Cada uma das sete cartas termina com uma promessa ao vencedor. Uma promessa para aqueles obedecerem (ouvirem) o que o Espírito diz à igreja. Jesus fala em vitória porque estamos numa guerra espiritual. O vencedor alimenta-se da árvore da vida. Isto é, o vencedor é aquele que tem a vida eterna em Cristo Jesus (2.7). Muitos haviam abandonado o seu primeiro amor, mas os vencedores iriam morar no céu. Os que rejeitaram as comidas sacrificadas aos ídolos oferecida pelos Nicolaítas (Apocalipse 2.14-15; 2.20), irão alimentar-se da Arvore da Vida, no paraíso celestial. A paraíso de Deus é uma expressão figurada, tomada do relato do jardim, no Éden (Génesis 2.8), usada para falar do lugar onde Deus está. O Paraíso é mais do que um lugar, é um estado. Este é o Paraíso no Céu (2 Co 12.4).


Nota teológica: Todas as pessoas, ao morrerem salvas ou perdidas, continuam sob o controle soberano de Deus (Ec 12.7; Mt 10.28; Lc 23.46). Os salvos são levados para o Paraíso, no Céu (Fp 1.23; 2 Co 5.8; 1Pe 3.22). Os ímpios vão para o Hades (Hb. Sheol), um lugar de tormento (Sl 139.8; Pv 15.24; Sl 9.17 - cf. tb.: Lc 16.19-31; Lc 23.43; 2 Co 12.1-4; e Jo 14.1-6; Ap 6.9-11; 14.13). Entre a morte e a ressurreição do corpo (Jo 5.28, 29), a criatura humana encontra-se num estado intermediário. No entanto, o destino final e eterno do povo de Deus redimido será no “novo céu e a nova terra" (Ap 21.1); enquanto o lugar definitivo e eterno dos ímpios será no inferno (γέεννα, geenna - Mt 25.46; Mc 3.29; Hb 6.2; 2Ts 1.9; Jd 1.7). A Escritura ensina tanto a duração interminável dos sofrimentos penais dos perdidos quanto a “vida eterna” das bem-aventuranças dos salvos. As mesmas palavras gregas no Novo Testamento (aion, aionios, aídios) são usadas para expressar (1) a existência eterna de Deus (1Tm 1.17; Rm 1.20; 16.26); (2) de Cristo (Ap 1.18); (3) do Espírito Santo (Hb 9.14); e (4) a duração eterna dos sofrimentos dos perdidos (Mt 25.46; Jd 1.6). O tormento final dos ímpios é descrito nos seguintes termos: “Fogo que não se apaga” (Mc 9.45, 46); “fogo inextinguível” (Lc 3.17); “o verme que nunca morre”; “o poço sem fundo” (Ap 9.1); “a fumaça do seu tormento subindo para todo o sempre” (Ap 14.10, 11). Portanto, a “segunda morte” (Ap 20.14) é representada como um futuro sofrimento consciente que dura para sempre. Por outro lado, a “vida eterna” é representada como um estado de felicidade suprema e indiscritível, na presença de Deus, numa nova realidade cósmica redimida (Ap 21.3,4).


A mensagem enviada à igreja de Éfeso é uma palavra viva e actual para a igreja hoje. Os problemas que aquela igreja enfrentou são os problemas que enfrentamos hoje. O Senhor Jesus anda no meio da sua igreja (2.1). Aquele cujos os olhos é como chama de fogo está a ver-nos (2.18). O que ele está vendo? Que elogios ou exortações ele tem para nós? Que mudanças precisamos fazer? Ouça o que o Espírito diz a esta igreja!


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Referências: 

Andrade, C. 2016. Os sete castiçais de ouro. RJ: CPAD.

Ashcraft, Morris. 1987. Apocalipse. (Em Allen, Clifton J., ed. 1987. Comentário Bíblico Broadman: Novo Testamento. 2º ed. RJ: Junta de Educação Religiosa e Publicações).

Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles (Ap 2.1-7).

Easton, M.G. 1893. Easton’s Bible Dictionary.

Henry, M. 2002. Comentário Bíblico de Matthew Henry. RJ: CPAD (Ap 2.5).

Kistemaker, S., 2014. Apocalipse. 2a ed. SP: Editora Cultura Cristã (Ap 2.1-7).

Lopes, H. D. 2005. Apocalipse/o futuro chegou, as coisas que em breve devem acontecer. SP: Hagnos (2.1-7).

Ladd, G. 1980. Apocalipse: introdução e comentário. SP: Vida Nova (Ap 2.1-7).

Sproul, R.C. org., 2015. The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition), Orlando, FL: Reformation Trust (Ap 2.1-7).