A inveja é um pecado e torna-se uma doença (Pv 14.30). A inveja é como podridão nos ossos, enfraquece a vida, afeta a saúde e rouba a paz. A inveja destrói os relacionamentos e cria conflitos. A palavra de Deus diz que “onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa" (Tiago 3.16). A Escritura apresenta a inveja como uma ‘obra da carne’ que caracteriza a vida daqueles que “não herdarão o reino de Deus” (Gl 5.21). O amor é a marca dos redimidos por Cristo e a Escritura diz que “o amor não é invejoso" (1Co 13.4). É por isso que os cristãos, logo que se convertem a Cristo, devem deixar toda malícia e invejas (1 Pe 2.1).
A inveja é uma mistura de desejo por alguma coisa com o ressentimento por alguém está desfrutando da mesma, e nós não. É querer ter o que o outro tem e ficar infeliz porque ele tem o que tem. O invejoso fica ressentido por causa de generosidade de Deus pelos outros (Mt 20). A inveja é um tipo de tristeza. É a tristeza de ver o outro feliz. A tristeza de ver o favor de Deus na vida do outro. O invejoso em vez de alegrar-se com o que tem, entristece-se com o que os outros têm.
A inveja é um acto mesquinho, pois não consegue alegrar-se com o outro pelas suas vitórias. A inveja é um acto de ingratidão com Deus. É pensar que Deus é injusto e não sabe lidar com sua providência. A inveja é um ato de soberba, porque o invejoso não tem a humildade de aceitar sua própria história e limitações. A inveja é um pecado de esquecimento do quanto Deus já foi bom e tem sido gracioso connosco. A oração de ações de graças é um excelente remédio contra este tipo esquecimento (1 Tm 2.1).
Deus não fez todos iguais e distribuiu os seus dons de uma forma desigual para que possamos receber essas graças uns dos outros. Não temos o direito de exigir nada de Deus, pois somos pecadores (Rm 3.23). Deus não nos deve nada. Tudo que Ele fez e faz por nós é pela sua graça - maravilhosa graça.
O drama da inveja na família de Adão e Eva (Gn 4.1-16). O pecado da inveja entrou na família de Adão e Eva. Seus filhos Caim e Abel receberam as mesmas instruções. Aprenderam a adorar a Deus. Mas desde o princípio os homens são diferentes uns dos outros. Até entre irmãos havia uma nítida diferença. Caim era lavrador e Abe pastor de ovelhas (4.2); funções típicas da Mesopotâmia naquele tempo. A maioria das pessoas subsistia pela combinação de ambas.
O texto informa que ambos vieram ofertar ao Senhor. Caim trouxe dos produtos da terra e Abel das primícias do seu rebanho; reconhecendo a bênção divina sobre suas atividades e que tudo vinha do Senhor. Deus agradou-se de Abel e de sua oferta, mas não agradou-se de Caim e de sua oferta. O adorador e sua oferta são inseparáveis. Antes de receber a oferta, Deus precisa receber o ofertante. Antes de colocarmos nossa oferta no altar precisamos apresentar a Deus a nossa vida. Deus não agradou-se de Caim. Por conseguinte, não agradou-se de sua oferta. O texto não indica como isso foi comunicado, mas indica que Caim e Abel souberam imediatamente.
Em vez de Caim reconhecer seu pecado e imitar seu irmão Abel, encheu-se de inveja e resolveu matá-lo. Seu ódio velado transformou-se em dissimulação criminosa. Caim chamou seu irmão para uma armadilha e, depois de matá-lo, tentou abafar sua consciência, fugindo da culpa e da responsabilidade pelo gravíssimo crime que cometeu.
A inveja não foi o único pecado de Caim. O texto apresenta-nos pelo menos dez pecados de Caim: impiedade (v. 3); ira; semblante carrancudo (v. 5–6); inveja; planejamento para o mal; assassinato (v. 8); mentira; indiferença (v. 9); egoísmo (v. 13); e autopiedade (v. 14). Portanto, esta passagem demonstra as consequências da Queda (Rm 5.12) e a natureza cruel e perversa do pecado que contaminou a humanidade.
O pecado de Caim (Gn 4.1-16). Caim é o autor do primeiro fratricídio e assassinato da história da humanidade. Muitos pormenores acentuam a gravidade do pecado de Caim. O contexto é o culto divino, a vítima, um irmão (a palavra irmão ocorre sete vezes na narrativa, Gn 4.2–11). Enquanto Eva fora persuadida a pecar, Caim não aceita ser dissuadido de seu pecado nem sequer pelo próprio Deus; também não irá confessar seu pecado e nem aceitar o castigo divino.
O primeiro acto de violência esta relacionado com o culto divino. A história da humanidade está repleta de lutas e guerras motivadas pelo zelo religioso. O que deve unir os homens os separa.
Ambos, Caim e Abel, foram diante de Deus como sacerdotes, adoraram o mesmo Deus e desejaram ser aceitos por ele, mas somente Abel levou um tributo aceitável (vs. 3-4). Por que Deus Rejeitou Caim e a sua oferta (Gn 4.2-5)?
Não é correto afirmar que a ausência de sangue desqualificou a oferta de Caim e qualificou o sacrifício prestado por Abel (Dt 26.1-11). Ambos trouxeram ofertas relacionadas à sua vocação. O problema não está na oferta sem sangue, pois era apropriada. Por exemplo, em Levítico 2.14-15, a Torá descreve os procedimentos cerimoniais da Antiga Aliança sobre a “oferta de alimentos das primícias” ao Senhor. Tudo que é explícito nesta passagem é que Abel ofereceu o melhor do seu rebanho e que o espírito de Caim era orgulhoso (4.5). Portanto, Deus rejeitou a oferta de Caim porque Caim não trouxe o melhor de sua colheita. Abel, expressando maior devoção, ofereceu as “mais godas das primeiras crias” de seu rebanho (4.4). Caim falhou em oferecer as “primícias” e o melhor de sua produção (4.2; comp. Êx 23.19). Caim trouxe tudo o que estava à mão, enquanto Abel trouxe o melhor que tinha (Gn 4.4; cf.: Ex 13.12; Nm 18.17). O pecado de Caim é a superficialidade. Ele parece religioso, porém seu coração não é totalmente dependente de Deus, não é sincero nem grato.
Várias passagens do Novo Testamento fazem inferências legítimas desta narrativa, a saber: (1) que Caim demonstrou um coração mau por suas obras más, enquanto Abel demonstrou um coração piedoso por suas obras justas (1Jo 3.12); (2) que Abel ofereceu seu sacrifício pela fé e foi elogiado como justo por esse motivo (Hb 11.4); (3) que os inimigos da fé cristã serão condenados porque “entraram pelo caminho de Caim” (Jd 11); (4) e que Abel era um homem justo (Mt 23.35), enquanto Caim, como o próprio Diabo, era um mentiroso (4.9) e assassino (4.8; cf. Jo 8.44).
Logo, Deus rejeitou a vida de Caim antes de rejeitar sua oferta. Deus vê a atitude do ofertante e não apenas a oferta. A Escritura ensina que a vida vale mais que a oferta. “O sacrifício dos ímpios já é abominação; quanto mais oferecendo-o com má intenção!” (Pv 21.27, ACF). Deus rejeita uma oferta quando a obediência e a vida em santidade são substituídas por rituais religiosos” (Victor Hamilton). Em 1 Samuel 15.22,23, está escrito que “obedecer é muito melhor do que sacrificar! Deus está muito mais interessado em que o escutes e sigas, do que na gordura de carneiros. A rebelião é um pecado tão grave como a própria feitiçaria; a obstinação é coisa tão má como a idolatria.”
O crente e o incrédulo, o justo e o ímpio, são diferenciados por suas atitudes em relação a Deus. A Escritura, com clareza, distingui eleição de reprovação. O fundamento da eleição é a graça de Deus (Ef 1), ao passo que o fundamento da reprovação é a justiça de Deus. A reprovação é vista como algo que traz tristeza a Deus, não deleite (Ez 33.11), e a responsabilidade pela condenação dos pecadores é sempre lançada sobre as pessoas ou anjos que se rebelam, nunca sobre o próprio Deus (Jo 3.18-19; 5.40). Assim, pelo que as Escrituras apresentam, a causa da eleição está em Deus, e a causa da reprovação jaz no pecador.
Deus jamais faz o mal e jamais deve ser culpado pelo mal (Atos 2.23 e 4.27-28; Lc 22.22; cf. Mt 26.24; Mc 14.21; Mt 18.7). Embora se possa dizer que Deus é o Autor da regeneração, da chamada eficaz, da fé salvadora, da justificação e da santificação dos eleitos e, portanto, mediante Sua ação directa sobre eles, leva a eleição deles à realização concreta. Não se pode dizer que Ele é também o autor da condição iníqua e dos atos pecaminosos dos reprovados, agindo diretamente neles e, portanto, sendo o responsável directo por isso tudo (Gn 45.5; 50.20; Êx 14.17; Is 66.4; Rm 9.22; 2 Ts 2.11).
“O motivo da condenação dos réprobos é o pecado” (Berkhof). Quando as pessoas rejeitavam a Jesus, ele sempre atribuía-lhes a responsabilidade pela escolha deliberada de rejeitá-lo, e não em algum decreto de Deus Pai (cf.: Jo 8.43-44; Mt 23.37; Jo 5.40; Rm 1.20). Portanto, Deus culpa e julga justamente as criaturas morais pelo mal que fazem (Is 66.3-4; Ec 7.29). A culpa pelo mal moral é sempre da criatura responsável que o comete, seja homem, seja demónio, e a criatura que comete o mal sempre merece castigo.
O caminho da restauração e as consequências da impenitência (Gn 4.5-8). Deus confronta Caim e o encoraja a superar seu coração pecaminoso. Deus admoestando-o a exercer domínio sobre seu pecado. Caim tem a consciência divina do certo e errado, porém rebela-se contra Deus.
O rosto abatido de Caim expressava seu ódio e amargura. O simples olhar para o rosto de Caim o traia (v.5). O quadro do “pecado ... jaz à porta”, desenvolve-se na metáfora da doma de um animal selvagem. O pecado é retratado como um predador agachado e pronta para atacar sua presa. Assim, “o desejo pecaminoso é retratado como um predador selvagem “ansiosa para entrar nele”, mas Caim tinha o dever dominá-lo.
A pergunta de Deus é um incentivo para Caim fazer o que é certo. Tudo mudará se ele se arrepender. Deus lhe mostrará favor, ele não ficará zangado e seu rosto refletirá isso. Caim devia dominar o seu ciúme e inveja contra o seu irmão Abel, senão seria dominado pelo seu ciúme e inveja. “Atrás do fratricídio está o ódio, atrás do ódio a inveja, e atrás da inveja o orgulho ferido”. Caim tinha o dever de abandonar o seu pecado. Ele precisava controlar seu desejo pecaminoso. No entanto, acabou sendo controlado pelo pecado.
Caim renuncia a Deus e sua imagem. Tendo-se desfeito de seu irmão, ele agora nega qualquer responsabilidade. Tiago 1.15 adverte-nos de que o pecado inicia-se de forma pequena, mas cresce e leva à morte. A mesma coisa aconteceu com Caim. Vemos desapontamento, ódio, ciúme e, por fim, o assassinato (Mt 5.21-26). Deus advertiu-o de que o pecado, como uma besta selvagem, estava a espreita para destruí-lo. Caim alimentou a besta selvagem da tentação, depois abriu a porta e a convidou a entrar!
A “voz” do sangue de Abel condena Caim, assim como uma testemunha ocular num tribunal. “O assassinato é um pecado que clama. O sangue pede sangue, o sangue do assassino pelo sangue do assassinado” (M. Henry). Em contraste, o sangue inocente de Jesus oferece misericórdia e perdão ao pecador arrependido (Hb 12.24).
Caim alienou-se de seu irmão e de Deus, por isso Deus alienou Caim do solo cultivável. Caim foi amaldiçoado e banido da presença de Deus (4.11, 14). Ele foi rejeitado pelo céu e recusado pela terra! A terra seria improdutiva para Caim. Ele viveria como um fugitivo, sem paz, e um enjeitado pelo Criador (v. 12; 16). A maldade dos maus traz a maldição a tudo o que fazem, e a tudo o que possuem. Aqueles que apartam-se de Deus jamais podem encontrar repouso em qualquer outro lugar (Henry).
Caim queixou-se não de seu pecado, mas de seu castigo. Ele estava mais com os seus sofrimentos do que os seus pecados. Caim teme que qualquer um que o encontrar queira matá-lo (v. 14). Mas o Senhor disse que “qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado” (4.15). Sete denota um ciclo completo e, portanto, aqui significa a justiça perfeita (Waltke). Quem ousar matar Caim será punido com gravidade e irremediavelmente.
Com este sinal, Deus declara que tirar a vida é prerrogativa Sua, em contraste com o assassinato de Abel. Posteriormente, com a ameaça do desenvolvimento da violência generalizada, o Senhor instituiu a pena capital para restringir o homicídio (Gn 9.6; Dt 19.11-13).
O texto não diz o que é a marca, mas evidentemente é um sinal facilmente visível e permite que qualquer pessoa veja que Deus marcou Caim para sua segurança (Ez 9.4), contra qualquer vingança de sangue. Por outro lado, esta marca seria um sinal vitalício da sua vergonha e das trágicas consequências do pecado.
Este é um sinal da benignidade de Deus até mesmo para com os que não se arrependem. Deus age com sua “graça comum” mesmo entre os maus como disse Jesus (Mt 5.45). Pense naqueles cientistas, que sequer declaram Deus como Senhor, têm inteligência e vida para trazer benefícios à humanidade. Observe que a terra, ano após anos, dá o seu fruto e traz riquezas para os homens. Note como a graça comum de Deus permite que haja autoridades, justiça, ordem – ainda que imperfeita. Observe que muitos seres humanos conseguem viver uma vida com bons valores mesmo estando afastados de Cristo. Tudo isso é a demonstração da “graça comum de Deus” sobre a vida na terra. Não fosse esta “graça comum” de Deus, o mundo estaria num caos muito maior do que o que vemos hoje.
Conclusão
Grandes desastres já aconteceram como fruto da inveja. A história de Caim e Abel ensina-nos que precisamos dominar o pecado da inveja, ou então, seremos dominados. Caim foi rejeitado por Deus, sua oferta não foi aceita, e sofreu duro castigo por não arrepender-se do seu pecado e por não submeter-se a Deus. Ele preferiu vingar-se de Deus, matando seu próprio irmão.
O ser humano é absolutamente responsável quando cede ao pecado. A Escritura é clara no tocante ao dever moral da humanidade: “Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós.” (Tiago 4.7 ACF). Grande tormento está reservado para aqueles que “entrarem pelo caminho de Caim” (Jd 11). A Escritura diz que eles serão “condenados para sempre à mais profunda escuridão (Jd 13), no Dia do Senhor (Jd 15). Por outro lado, “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” … Portanto, “agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna. Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 6.22, 23). Amém!
A inveja nasce no coração de quem busca a felicidade no lugar errado - nos ídolos deste mundo. Cristo é a solução para a inveja. A nossa alegria e suficiência está em Cristo. O que simplesmente necessitamos é mais de Jesus. Devemos parar de fazer comparações entre nós, pois já temos Cristo e com Ele desfrutamos do maior de todos os privilégios: a vida eterna (Jo 17.3).
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Pastor Leonardo Cosme de Moraes