A centralidade da Bíblia na experiência protestante

A Bíblia é a Palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo. Deus é o autor da Bíblia, homens inspirados escreveram-na (2 Tm 3.16). A Bíblia não é fruto da imaginação humana, mas da revelação divina. A Bíblia é a voz de Deus em linguagem humana. Como escreveu o apóstolo Pedro: “homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21). Por extensão, isto também se aplica aos escritos do Novo Testamento (2 Pe 3.15-16).


Toda a Bíblia é igualmente inspirada. Todas as palavras nas Escrituras são palavras de Deus (Nm 22.38; Dt 18.18-20; Jr 1.9; 14.14; 23.16-22; 29.31-32; Ez 2.7; 13.1-16), “de modo que não crer em alguma palavra da Bíblia ou desobedecer a ela é não crer em Deus ou desobedecer a ele” (Lc 24.25; Jo 15.20; 2Pe 3.2; 2Co 13.2-3; 1Co 14.38; Is 66.2). Todas as palavras nas Escrituras são inteiramente verdadeiras e não contêm erro em lugar algum (Nm 23.19; Sl 12.6; 119.89, 96; Pv 30.5; Mt 24.35). “Quando todos os factos forem conhecidos, demonstrarão que a Bíblia, nos autógrafos originais e corretamente interpretada, é inteiramente verdadeira, e nunca falsa, em tudo quanto afirma, quer no tocante à doutrina e à ética, quer no tocante às ciências sociais, físicas ou biológicas” (Grudem, 1999.52-55).


A Escritura é uma e não se contradiz. A Bíblia interpreta-se a si mesma (Lc 24.27, 1Co 2.13, 2 Pe 1.20). Encontra-se o significado da Bíblia na sua forma canónica e não em alguma fase reconstruída da sua história literária. Caso cheguemos a uma interpretação de uma passagem que contradiga uma verdade ensinada em algum outro lugar nas Escrituras, nossa interpretação pode não estar correta. A Escritura deve ser comparada com a Escritura a fim de descobrirmos o seu pleno significado. Não devemos forçar a Palavra de Deus para dizer o que queremos ouvir por causa das nossas pressuposições filosóficas, económicas, sociais e outras. 


A Escritura deve ser entendida no seu sentido literal, óbvio, gramático-histórico e teológico. A Bíblia, apesar de inspirada por Deus, foi escrita em linguagem humana (hebraico e grego) e dentro dos limites impostos por culturas igualmente humanas e, por isso, devemos entender essas culturas para interpretar os textos bíblicos de maneira adequada (Osborne, 2009:28,29). Contudo, ainda é correto afirmar que as verdades do evangelho são claras e de fácil entendimento (Dt 6.6-7; Sl 19.7; 119.130; Mt 12.3,5; 19.14; 22.29,31,42); porém, a tarefa de desvendar o significado original pretendido de textos específicos exige trabalho árduo (2Pe 3.15-16), bem como uma atitude moral e espiritual adequada (1Co 2.14; cf. 1.18-3.4; 2Co 3.14-16; 4.3-4, 6; Hb 5.14; Tg 1.5-6; 2Pe 3.5; cf. Mc 4.11-12; Jo 7.17; 8.43). 


A Bíblia é tudo de que precisamos para nos equipar para uma vida de fé e serviço. Este ensino é demonstrado nas palavras do apóstolo Paulo a Timóteo: “E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus (2Tm 3.15, 2 Tm 1.5). De acordo com o contexto, as "sagradas Escrituras" aqui significam as palavras escritas da Bíblia (2Tm 3.16). 


As palavras de Deus que temos nas Escrituras são todas as palavras divinas que precisamos para a salvação: estas palavras podem tornar-nos sábios "para a salvação". Isto confirma-se por outras passagens que falam sobre as palavras das Escrituras como meio que Deus emprega para conduzir-nos à salvação (cf.: Tg 1.18; l Pe 1.23). Outras passagens indicam que a Escritura é suficiente para nos equipar para viver a vida cristã” (2 Tm 3.17; veja também Rm 15.4).


Portanto, a Bíblia é completa e suficiente para descobrirmos aquilo que Deus quer que pensemos e façamos. A Escritura “é a escola do Espírito Santo, na qual nem se deixou de colocar coisa alguma necessária e útil de se conhecer, nem tampouco se ensina mais do que é preciso saber” (Calvino, Institutas, III, 21.3). Deus não exige que creiamos em nada sobre si mesmo ou sobre sua obra redentora que não se encontre na Bíblia. Não devemos acrescentar proibições àquelas já afirmadas nas Escrituras. Deus nada exige de nós que não esteja determinado explícita ou implicitamente nas Escrituras (Grudem, 1999:87-93).


A Palavra de Deus, em forma Escrita é a nossa autoridade final - o padrão definitivo da verdade (Jo 17.17; 2Tm 3.16; 1Co 14.37; 2Pe 3.16). Somente Escritura (Sola Scriptura), e toda a Escritura (Tota Scriptura), é a autoridade absoluta e a norma suprema para aquilo que os fiéis e a Igreja devem crer e praticar. A autoridade da Bíblia encontra-se na autoridade de Deus. A Escritura é normativa (dá ordens, é a regra) para a nossa fé, a nossa vida, a nossa doutrina, a nossa reflexão teológica. A Escritura é o árbitro de todas as controvérsias. Ela é a “norma determinante” e não a “norma determinada” para todas as decisões de fé e vida. A Escritura deve ser o padrão supremo e fundamental da fé e da vida cristã. Outras escrituras, não canónicas, não podem servir de "fontes inspiradas”. A Bíblia não tem simplesmente uma opinião sobre as questões vitais que aborda, mas a verdade última, final e absoluta. Todas as convicções e práticas da Igreja deviam ser reavaliadas à luz das Escrituras.


A palavra pregada é central no culto cristão. A pregação da Palavra e a administração das ordenanças (o Batismo e a Ceia) são os meios oficialmente instituídos na igreja de Cristo, pelos quais o Espírito Santo produz e confirma a fé nos corações dos homens (Anglada, 2005:68-69). A pregação é o meio pelo qual as pessoas são externamente chamadas para a salvação (1Co 1.21). A pregação da palavra de Deus é a causa instrumental da fé e principal meio pelo qual a fé é aumentada e fortalecida, a igreja é edificada e o Reino de Deus é promovido no mundo (Rm 10.17). Pela pregação da Palavra a igreja é ensinada, convencida, reprovada, exortada e confortada (2Tm 3.16,17).


A Palavra de Deus é poderosa sempre, quer como sabor de vida para a vida, quer como sabor de morte para a morte (Cf.: 2Co 2.12-17), mas ela se torna eficaz na condução à fé e à conversão somente pela conjunta operação do Espírito Santo nos corações dos pecadores (Berkhof, 1990:602-618).


Pr Leonardo Cosme de Moraes


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Referências:

Anglada, Paulo. 2005. Introdução à pregação reformada: uma investigação histórica sobre o modelo bíblico-reformado de pregação. Pará: Knox Publicações.

Alexandre Júnior, M. 2010. Hermenêutica Bíblica. Lisboa: LBE.

Berkhof, L. 1990. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho.

Calvino, J. 1985. As Institutas – ED Clássica, vol. III. São Paulo: Cultura Cristã.

Grudem, W. A. 1999. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova.

Hasel, G. F. 1985. Biblical Interpretation Today. An Analysis of Modern Methods of Biblical Interpretation and proposals for the Interpretation of the Bible as the Word of God. Washington, DC: Biblical Research Institute.

Lopes, Hernandes Dias. 2004. A importância da pregação expositiva para o crescimento da igreja. São Paulo: Candeia.

MacArthur, John. 2010. Bíblia de Estudo MacArthur. São Paulo: SBB.

Osborne, G. R. 2009. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova.

Robinson, Haddon. 2009. As convicções da pregação bíblica. (Em Robinson, Haddon & Larson, Craig Brian. Eds. A arte e o ofício da pregação bíblica. São Paulo: Shedd).

Taute, H. 2013. Curso Básico de Interpretação Bíblica. Stº Antão do Tojal: IBP-AEE.