I. O CONTEÚDO DO “SINAL” (7.14-25)
- O termo hebraico אוֹת (‘ot’, "sinal") pode se referir a um evento miraculoso (7.11), mas em outras partes de Isaías, a palavra geralmente se refere a um objeto/pessoa revestido de significado especial (ver 8.18; 19.20; 20.3; 37.30; 55.13; 66.19).
- O plural “vos” significa que isto será um sinal para toda a casa de Davi (7.14; ver 7.3,17).
- Os factos da concepção e do nascimento de um filho são significativos para a elaboração do sinal para Acaz. O menino nascerá numa determinada configuração de tempo, e sua existência específica nessa configuração de tempo é intrínseca à função do sinal.
- A palavra עַלְמָה (’almah) significa ‘jovem casta em idade de casamento’. A palavra é a forma feminina do substantivo masculino correspondente עֶלֶם (’elem, ‘jovem’; cf. 1 Sam 17.56; 20.22). Apesar de não transmitir directamente o sentido técnico para virgindade, é uma palavra que inclui a ideia de virgindade (“cultural e religiosamente, era termo que pressupunha a castidade”). O termo almâh (Gn 24.43), diferentemente de בְּתוּלָה, bétulah, não necessita de adjetivação (p ex. Gn 24.16, que em Joel 1.8 parece indicar uma mulher casada).
- עִמָּ֫נוּ אֵל (ʿimmānû ʾēl), subs. Emmanuel significa “Deus connosco”. Deus prometeu estar com seu povo para defendê-los de seus inimigos se eles perseverassem Nele com fé.
- No curto prazo, os versículos 15 e 16 podem referir-se a uma criança que teria nascido em seus dias de Acaz e Isaías. A profecia dá à mãe uma qualificação que pode significar virgem no sentido de “jovem casta”, sugerindo que ela ainda não gerara filhos. Neste caso, esta moça se tornará mãe da maneira costumeira, embora não haja menção de marido ou casamento, pois toda ênfase recai sobre essa jovem mãe e seu filho.
- O pai da criança não é absolutamente identificado, e sua mãe só em termos gerais. Ele é mencionado apenas de forma sucinta, mas então aparece novamente em 8.8 como possuidor da terra, e ainda uma vez mais em 8.10 pelo uso de jogo de palavras. A natureza enigmática das referências torna extremamente difícil identificar o menino dos dias de Acaz.
- O filho nascido da virgem viverá em pobreza (comendo manteiga e mel) até chegar à idade em que deve prestar contas de seus atos. A significação é que um menino concebido naquele momento ainda seria imaturo quando as duas nações ameaçadoras tivessem sido destruídas (7.16,22).
- Antes disso, porém, Israel será desamparada por seus reis, e a aliança que Judá tanto temia dará em nada. Porém, Deus também castigará Judá por meio das incursões do rei da Assíria.
- De que maneira? Deus assobiará […] às moscas do Egito e às abelhas que andam na terra da Assíria, e enxamearão sobre Judá. A Assíria será a navalha alugada do Senhor e trará vergonha e desgraça (7.18-22). Terras que outrora rendiam colheitas abundantes serão cobertas de espinheiros e abrolhos. Não mais aráveis, serão apropriadas apenas para pasto de bois e […] ovelhas (7.23-25).Apenas um punhado de pessoas sobrando, a terra arável cultivaria apenas sarças e espinhos (7.23-25), talvez uma referência à situação em 701 aC, quando Senaqueribe devastou a terra (36.1).
- Portanto, a mesma condição pela qual a Síria e Efraim serão despovoados, a Assíria, também deixará Judá despovoado. Se o significado do sinal terminara simplesmente com o livramento, Acaz poderia ter creditado o resultado a suas próprias manobras políticas, em vez de creditá-las a Deus. Mas este não poderia ser o caso, pois o versículo 17 segue bem de perto o versículo 16 sem muita coisa além de uma conjunção. Ao depender mais de si mesmo do que de Deus, Acaz desencadeou uma tormenta tal que não se contentará em tragar seus terríveis vizinhos do Norte. Guiada pelo Deus de quem ele desdenhara, ela processará uma varredura contra ele e igualmente contra sua nação.
- Como seria esta situação e como seria um sinal? A coalizão Sírio-Efraimita seria derrotada. Então, o Senhor daria início a um período de tempo diferente de qualquer outro desde a divisão do reino quase 200 anos antes. Os assírios invadiriam a terra, destruiriam as plantações e forçariam o povo a subsistir com leite de cabra e mel. Naquela época (literalmente, no curto prazo), quando o povo viu Emanuel comendo seu leite azedo e mel, a ‘casa de Davíd’ foi forçada a reconhecer que Deus estava de facto com eles. Ele esteve presente com eles na crise Sírio-Efraimita, plenamente capaz de resgatá-los; mas também estava presente com eles no julgamento, disciplinando-os por sua falta de confiança. A mensagem divina é bastante clara: a falha em apropriar-se das promessas de Deus pela fé pode transformar uma bênção potencial num julgamento disciplinar. Seja o que for em que o homem confie em lugar de Deus, um dia isso voltará para devorá-lo (Is 7.18-25).
I. DUAS PERSPETIVAS CONSERVADORAS SOBRE A IDENTIDADE DO EMANUEL
1. Resumo da perspetiva do duplo comprimento (Blomberg, 2014)
O Senhor está falando ao rei Acaz, de Judá, desafiando-o a pedir um sinal que confirme a promessa divina de destruir os dois reis das terras do Norte que ameaçam Judá (Is 7.10,11), a saber: Rezim, da Síria, e Peca, de Israel (v. 7.1). Acaz protesta, afirmando que não porá o Senhor à prova (7.12), mas Isaías, falando em nome de Deus, repreende Acaz por testar a paciência de Deus com sua resposta, talvez por perceber que faltava sinceridade ao rei (7.13). Surge então a famosa profecia do nascimento iminente de uma criança, cuja mãe seria uma jovem em idade de casar (hebraico, almâ). É amplamente aceito que a palavra hebraica em si não precisa ter outro sentido a não ser este: uma criança que será o sinal de Deus (7.14). Antes que a criança tenha idade suficiente para distinguir entre o bem e o mal, os domínios dos temíveis reis serão assolados (7.15,16). Antes, porém, que isso seja recebido como uma notícia extraordinária, o profeta acrescenta que eles serão substituídos por um invasor ainda pior: a Assíria (7.17).
Quem é essa criança especial? A maioria admite um cumprimento, pelo menos provisório, nos dias do profeta, tendo em vista as declarações inequívocas de Isaías 7.15,16. Muitos entendem que a interpretação mais provável é que a profecia se refira ao filho do próprio Isaías: Maer-Salal-Has-Baz. A passagem de Isaías 8.3, que apre senta esse filho, faz eco ao conteúdo de 7.14, pois Isaías tem relações com sua mulher, ela engravida e dá à luz a criança com esse nome simbólico (“rápido para saquear, veloz para despojar”). O versículo seguinte repete o sentido de 7.15, afirmando que as riquezas de Damasco (na Síria) e de Samaria (em Israel) serão saqueadas antes que a criança possa dizer “meu pai” ou “minha mãe” (8.4). Esse mesmo filho é chamado “Emanuel” em 8.8, termo explicado em 8.10 como “Deus connosco”, o que mostra a razão de Mateus vincular as duas passagens de Isaías. Em 8.18, Isaías refere-se a seus dois filhos, Maer-Salal-Has-Baz e Sear-Jasube (cf. 7.3), como “sinais e maravilhas em Israel”, designação que se harmoniza com o sinal prometido por Deus em 7.11,14. Em 9.1-7, porém, o que se tem em vista é o futuro mais distante, quando mais uma vez os exilados são restaurados à Galileia. Em 9.6, temos outra descrição do nascimento de um filho maravilhoso, que pode ser chamado “Deus Forte”, “Pai Eterno” e “Príncipe da Paz”, o qual reinará sobre o trono de Davi e estabelecerá justiça para sempre. Essas são profecias que dificilmente poderiam se cumprir na vida de um rei meramente humano.
Resumindo: Deus está dizendo que antes que uma criança concebida naquela época chegasse a idade da responsabilidade moral (7.16), as duas nações de que Acaz estava tão aterrorizado deixariam de existir (Is 7.15-17). Mas, a longo prazo, este sinal, mais alto do que o céu e mais profundo do que o inferno, referia-se à vinda de Jesus Cristo, o verdadeiro Emanuel (Mt 1.23), onde a virgindade de sua a mãe era de vital importância.
2. Resumo da perspetiva predicativa cristológica ou do sentido único
Nenhum homem gerado por um pai humano poderia ser a incorporação de “Deus connosco”. Em contraste com Shear-jashub e Maher-shalal-hash-baz, sendo ambos apresentados de uma maneira directa como filhos de Isaías, há uma aura de mistério acerca da figura do Emanuel. Esse é o caso mesmo sem a citação neotestamentária de 7.14.
Precisamos observar que depois que Acaz recusa-se a receber um sinal, Deus não se dirige a ele outra vez. A conjunção “Portanto” refere-se atrás ao versículo 13 e indica que Deus dará um tipo diferente de sinal do que Ele ofereceu a Acaz no versículo 10. Esta “não é mais uma matéria de convite, mas de predição”. O plural “vos” (é dirigido e) significa que isto será um sinal para toda a casa de Davi (7.14). O sinal não se refere apenas a um nascimento sobrenatural, mas também para as condições que cercam esse nascimento. Isto leva-nos imediatamente além de um foco rígido na cena actual.
É importante observarmos também que tanto “virgem”, no versículo 14, como “Menino”, no versículo 16; têm o artigo definido. Há um consenso geral de que estes são artigos de referência geral, e que uma virgem é a tradução apropriada para o versículo 14. Mas observe o que acontece se traduzimos “um menino” no versículo 16. O versículo profético passa a ter um sentido excelente, por si mesmo, como uma declaração a respeito da duração da crise, sem nenhuma referência ao versículo 14.
A mãe do Emanuel é chamada a virgem, indicando uma virgem específica no plano de Deus. Ela irá chamar o nome de seu filho “Emanuel”, cujo significado é “Deus connosco”. Nenhum pai é mencionado, ajustando-se com o facto de que a criança é nascida de uma virgem. Alguns comentaristas limitam a sua atenção ao contexto imediato e supõem que a criança nasceu a Acaz ou Isaías. Todavia, o Emanuel não poderia ser Ezequias, pois Acaz o designou como co-regente em 728 a.C. e ele começou o seu pleno reinado em 715, quando tinha a idade de vinte e cinco anos, de modo que ele já existia vivo naquele momento (732 a.C.). Nem poderia ser a virgem tampouco a esposa de Isaías, uma vez que seus filhos são nomeados especificamente como seus, e isto não é dito a respeito do Emanuel.
Depois, em 8.8, a terra de Judá é identificada como a terra do Emanuel, o que indica que o filho Emanuel é o Messias. “Em 8.10, Emanuel é a garantia da sobrevivência de Israel. O mesmo Filho nascido da virgem é o Filho maravilhoso em Isaías 9 e 11. A profe cia do Emanuel alcança um maior cumprimento no nascimento do Deus-Homem, o qual é tanto o Protetor Libertador como o Divino Guerreiro. Mateus aplicou corretamente esta profecia a Jesus, o Messias (Mt 1.23). Note também que Mateus termina o seu livro com Jesus dizendo: “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém” (28.20). Ele continua sendo o Emanuel, “Deus connosco” (Stanley).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Talvez a opção mais atraente seja que o Emanuel e o Maher-shalal-hash-baz fossem um e o mesmo. Se este era o caso, esta passagem formaria uma declaração mais poética da identidade do menino, apontando para o último Emanuel, enquanto 8.1–4 constituiria um relato mais prosaico e se limitaria simplesmente à pessoa de Maher-shalal-hash-baz. As referências à sua conceção e nascimento em 8.3 emprestam apoio ao nexo, como faz a referência ao Emanuel em 8.10, um pouco depois do nascimento do filho de Isaías.
Contudo, o cumprimento final desta profecia de Isaías 7.14 está em nosso Senhor Jesus Cristo, que é “Deus connosco” (Mateus 1.22–23; Lucas 1.31–35). Portanto, em última instância, a mãe é a Virgem Maria e o menino Jesus Cristo. Como escreveu Wiersbe: “se Jesus Cristo não é Deus vindo em carne humana sem pecado, então não temos Salvador. Jesus teve que nascer de uma virgem, à parte da geração humana, porque Ele existia antes de Sua mãe. Ele não nasceu apenas neste mundo; Ele desceu do céu ao mundo (João 3.13; 6.33, 38, 41–42, 50–51, 58). Jesus foi enviado pelo Pai e, portanto, veio ao mundo tendo uma mãe humana, mas não um pai humano (4.34; 5.23–24, 30; 9.4) [tradução minha].
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Referências:
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Blomberg, C. 2014. Mateus. (In Beale, G. K. e Carson, D. A., ed. Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. SP: Vida Nova, p. 4-5).
Brannan, R. & Loken, I., 2014. The Lexham Textual Notes on the Bible, Bellingham, WA: Lexham Press.
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Wiersbe, W. W. 1996. Be Comforted, Wheaton, IL: Victor Books.
Pastor Leonardo Cosme de Moraes