Depois que Jesus repreendeu as cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum por não terem se arrependido, mesmo tendo visto tantos milagres que atestavam sua posição como agente de revelação do Pai, ele foi orar. Em virtude de tamanha incredulidade, Jesus encontrou consolo no plano sábio e soberano do Pai, que nada nem ninguém poderia derrotar.
Deus faz uma revelação geral de si mesmo a todos os homens por meio da criação. Além disso, contanto que haja uma Bíblia disponível nos idiomas adequados, qualquer um pode ter acesso à sua revelação especial na Escritura. No entanto, há um tipo de revelação na qual Deus levanta o véu do pecado presente nos olhos das pessoas e revela-se a elas, e Jesus afirmou aqui que Deus não concede esta revelação a todos (Mt 13.11–17; comp. Mt 16.16-17).
Jesus apresenta o Deus Pai como aquele que revela e oculta (11.25-27). Contudo, não devemos pensar que o ocultar e o revelar de Deus são atividades exercidas arbitrariamente contra seres humanos neutros, inocentes e impotentes em face do decreto divino. Deus está lidando com uma raça de pecadores à qual ele não deve nada (Mt 1.21; 7.11). Por isso, ocultar “estas coisas” não é um acto de injustiça, mas de julgamento.
Os seres humanos são os únicos responsáveis pela dureza de seus corações, mas somente Deus amolece os corações de seus eleitos (I Rs 8.58, SL 51.10, Jr 31.31, Ez 11.19; 36.26, 2Co 3.3; 4.6, Hb 10.16). Pelo que as Escrituras apresentam, a causa da eleição está em Deus, e a causa da reprovação jaz no pecador. Deus trabalha positiva e ativamente na alma dos eleitos, proporcionando todos os meios conducentes para garantir sua salvação. No caso dos réprobos, Ele simplesmente os deixa à sua própria sorte pecaminosa. Deus passou por alto alguns por sabias e boas razões, suficientes para Ele. Por outro lado, o motivo da condenação é conhecido: é o pecado.
Deus seria perfeitamente justo se não salvasse ninguém (Mt 20.14, 15; Rm 9.14-16). Ele reserva para si o direito de ter misericórdia de quem quer ter misericórdia. Seria perfeitamente justo se Deus fizesse com os seres humanos como fez com os anjos, não salvando nenhum daqueles que pecaram e se rebelaram contra Ele (2Pe 2.4). Mas se Ele de qualquer modo salva um grande número de pecadores (de todos os povos, tribos, línguas e culturas), isso é uma demonstração de graça que vai muito além das exigências da equidade e da justiça. Portanto, o fundamento da eleição é a graça de Deus, ao passo que o fundamento da reprovação é a justiça de Deus.
A eleição para a salvação é uma expressão da vontade soberana de Deus, do beneplácito divino (Ef 1.3-6; Mt 11.26; Rm 9.11; 2 Tm 1.9; I Pe 1.1-3). A eleição não substitui a obra objetiva de Cristo, antes a inclui e dela depende (Mt 11.27; Ap 13.8). O mesmo Deus que estabeleceu os fins, a nossa redenção, também estabeleceu o meio pelo qual deveríamos ser salvos, ou seja, a morte de Cristo e as operações subjectivas do Espírito Santo (Rm 8.29, 30; 11.29; 2 Tm 2.19).
A doutrina da eleição é apresentada nas Escrituras como um consolo (Rm 8.28-30); como uma razão para louvar a Deus (Ef 1.5-6,12); e como um incentivo à evangelização. Como escreveu o apóstolo Paulo: “tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna” (2 Tm 2.10). O equilíbrio de Jesus é refletido no equilíbrio da Escritura: ele pode simultaneamente denunciar as cidades que não se arrependeram e louvar a Deus que não se revelou a eles (Mt 11.20-27).
Jesus agradeceu por essa expressão da soberania de Deus, e nós devemos fazer o mesmo. “Não devemos pensar que Deus faz algo porque é bom e reto, mas antes que algo é bom e reto porque Deus o deseja e faz” (William Perkins). Deus define a justiça para nós porque ele é, por natureza, justo e reto, e o que ele faz reflete essa natureza. “O que ele quer é justo; e é justo, não devido a algum padrão externo de justiça, mas simplesmente porque ele o quer" (MacArthur). A justiça de Deus é algo que flui do seu caráter, não está sujeita às suposições que o homem caído faz do que a justiça deve ser. Não podemos impor nossas ideias de equidade e justiça ao nosso entendimento das operações de Deus. Em vez disso, devemos ir às Escrituras para ver como Deus, em sua retidão perfeita, decide agir.
Jesus apresenta os receptores da misericórdia e do julgamento divino. A coisa surpreendente a respeito da atividade de Deus não é que ele age em misericórdia e em julgamento, mas quem são os receptores dessa misericórdia e julgamento: os que se orgulham de entender as coisas divinas são julgados, os que não entendem nada são ensinados. O contraste aqui não é literalmente entre intelectuais e crianças, mas entre aqueles que são orgulhosos e aqueles que são humildes.
Jesus não condena a capacidade intelectual; o que ele condena é o orgulho intelectual. Jesus não relaciona a ignorância com a fé, mas relaciona a humildade com a fé. Os primeiros recusam-se a arrepender-se quando são confrontados com as palavras e obras do reino. Os últimos respondem à mensagem do reino em arrependimento, reconhecendo sua dependência do Pai celestial (Mt 5.3; 10.42; 18.6; 21.16; 25.40; Lc 10.21–22).
Jesus resume o equilíbrio bíblico entre a soberania divina e a responsabilidade humana. Deus revela-se ao seu povo por meio de Jesus Cristo (11.27). Mas eles precisam responder o convite de Jesus (11.28).
Jesus acrescenta que ele é o agente exclusivo desta revelação. Depois de declarar que o Pai concede verdadeiro entendimento “destas coisas” aos “pequeninos” (Mt 11.25,26), agora, Jesus acrescenta que ele é o agente exclusivo desta revelação (Mt 11.27). No presente contexto, a designação “estas coisas” significaria as coisas concernentes ao reino de Deus (Mt 11.12; cf. Lc 10.9,17), o evangelho (Lc 9.6) do arrependimento e da salvação (Mc 6.12).
Existe um mundo fechado em si mesmo do Pai e do Filho que só é aberto aos outros pela revelação fornecida pelo Filho. Somente Deus é grande o suficiente para entender Deus. Embora possamos conhecer Jesus, amá-lo e confiar nele, ainda há um sentido que somente o Pai pode verdadeiramente conhecê-lo (11.27). Conhecer o Filho em sua plenitude é algo possível apenas ao Pai (e ao Espírito Santo, naturalmente - 1 Co 2.10-11). Da mesma forma, somente o Filho (e o Espírito) pode conhecer o Pai em sua totalidade. No entanto, alguns seres humanos podem conhecer o Pai: aqueles “a quem o Filho o quiser revelar”. Esta revelação não só é factual - o Filho revela “estas coisas” -, mas também pessoal - o Filho revela a “ele” — o Pai.
A teimosia da pecaminosa rebelião humana é tal que, sem um discernimento espiritual soberanamente concedido, todos os pecadores recusam-se a reconhecer a profundidade de sua miséria espiritual para virem a Cristo. Como disse Jesus: ”Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer” (João 6.44)
Da mesma forma como o Filho louva o Pai, por revelar e ocultar de acordo com sua vontade (11.26), também o Pai autorizou o Filho a revelá-lo ou não segundo a sua vontade. Todo aquele que vem a conhecer o Filho vem também a conhecer o Pai (Jo 14.7). Jesus é quem revela o Pai. Ele é o filho de Deus. Ele é da mesma essência do Pai. Ele e o Pai são um. Ele é Deus de Deus e luz de luz. Se você quer ver como Deus é, se você quer ver a mente de Deus, a natureza de Deus, precisa olhar para Jesus.
Jesus convida às almas oprimidas (11.28-30). Depois desta declaração de exclusividade, Jesus fez um convite geral (11. 28). Este convite só é registrado por Mateus. O convite de Jesus tem três características:
(1) É um convite universal (11.28). Este convite é dirigido a todos os homens, de todos os lugares, de todos os tempos, de todas as culturas, de todos os estratos sociais. Jesus dirige estas palavras exatamente nas mesmas cidades onde foi rejeitado. Jesus não disse à humanidade pecadora: “Afastem-se de mim”, mas, sim: “Vinde a mim.”
A maneira como Jesus vincula a soberania de Deus (Mt 11.25–27) a um apelo por uma decisão humana é impressionante (11.28-30). A verdade da Eleição divina no versículo 27 não é incompatível com a livre oferta do evangelho a todos homens nos versículos 28 e 29.
Alguns professores enfatizam a soberania de Deus e outros enfatizam a responsabilidade humana. Mas, uma vez que os textos bíblicos frequentemente falam destes assuntos lado a lado, não é correto tentar separá-los (p. ex.: Gn 50.20; At 2.23; 13.48; 2 Tm 2.10). Em última análise, é devido apenas à graça soberana de Deus que os pecadores se arrependem e crêem em Jesus. Esta graça opera apenas por meio da mensagem do evangelho de Jesus.
É um convite para uma relação pessoal com o Senhor Jesus Cristo (11.28). Jesus convida o “cansado” e o “sobrecarregado” a virem a ele; e ele lhes dará descanso. Jesus convida as pessoas a virem a ele (cf. Mt 4.19; 22.4) e a tomar seu jugo sobre elas e aprender com ele.
A palavra de Cristo jamais falhará: “O que vem a mim de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37). Ninguém pode dizer: "Eu vim até Cristo, mas não há redenção sobrando para mim.” (Horton). Há suficiente redenção na cruz de Cristo para todo aquele que nele crê. “E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.” (Ap 22.17).
Este convite é dirigido a você, agora! Venha a Cristo mesmo cansado e sobrecarregado. É ele quem vai aliviar você. Só nele você encontra descanso para sua alma. Só ele pode perdoar seus pecados. Só Jesus pode dar a você a vida eterna.
É um convite para aqueles que têm consciência de sua necessidade (11.28). O convite da salvação não é oferecido àqueles que se julgam bons, justos, merecedores. O convite de Jesus é dirigido aos que se sentem cansados, tristes, sem amparo. “Há pessoas sobrecarregadas que precisam de alívio. Não há fardo mais esmagador para a alma humana do que a culpa” (Sproul).
Se você está sobrecarregado por causa do pecado, da culpa este convite de Jesus é para você. Se você está cansado de lutar sozinho para vencer suas fraquezas, se você está cansado de tentar fazer o melhor para Deus e fracassar, então este convite é para você. Se você está sobrecarregado por sofrimento, doença, opressão e conflitos familiares, este convite de Jesus é para você (Lopes). Jesus oferece a você descanso! O descanso para a alma está em Jesus. Só ele pode dar-nos o alívio (11.28b,29).
Jesus convida aos forem a ele para tomarem o seu julgo (11.29-30) Antigamente, quando alguém transportava uma carga, podia usar um jugo sobre os ombros para sustentar o fardo de forma equilibrada. A água costumava ser transportada assim, com um balde em cada extremidade. “Este é o tipo de jugo que Jesus tinha em mente, o qual foi prometido a todos os que fossem a ele. Este instrumento facilitaria o carregamento dos fardos que, de outra maneira, seria inviável” (Sproul).
Jesus convida abertamente a todos os que estão cansados e sobrecarregados, exatamente como o povo se sentia sob o jugo do legalismo fariseu (Mt 23.4; At 15.10). Jesus disse que os fariseus atam fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los (Mt 23.4). Jesus diz, porém, que o seu jugo é suave e o seu fardo é leve.
Tomar o jugo de Cristo significa submeter-se completamente à sua autoridade. É reconhecer seu senhorio e transferir o controle de sua vida para ele (Rm 12.1-2). Assim o Mestre disse: Vinde à minha escola e aprendei de mim (11.29). Jesus é tanto o Mestre quanto a lição. Aprender dele significa submeter-se à sua autoridade e tornar-se seu servo, como os discípulos fizeram. Aprendei de mim é a instrução que ele dá. Jesus é um mestre gentil, manso e humilde, que nunca perde a paciência com os que são lentos para aprender.
O contraste implícito entre o jugo de Jesus e o de outros não é entre antinomianismo e legalismo, pois num sentido espiritual, as exigências de Jesus são mais radicais que as deles (Mt 5.20, 21-48). O contraste é entre o fardo da Lei em termos da regulamentação farisaica e a libertação de ficar sob a autoridade do mestre manso e humilde. Portanto, Jesus também oferece um jugo (mandamentos que restringem e orientam), mas com a maior exigência vem uma maior capacitação pelo Espírito (Rm 8). O Espírito Santo assiste-nos em nossa fraqueza.
Além disso, o jugo de Jesus é “suave” (confortável/adequado) e seu fardo é leve (11.30). Os jugos eram feitos de madeira. Levava-se o animal para tirar a medida e então sob medida fazia-se o jugo. O jugo de Jesus é perfeitamente adequado. Seu jugo não esfola nosso pescoço. Jesus não oprime seus filhos. O fardo de Jesus é leve porque não se trata de mera obediência a mandamentos externos, mas de lealdade a uma Pessoa. “Jesus não é um tirano. Ele nunca oprime seu povo. É sempre um enorme prazer levar o seu jugo” (Lopes). Na sua exigência está contida promessa e força. O jugo do pecado escraviza; o jugo de Cristo liberta. O jugo do pecado mata; o jugo de Cristo dá vida. O pecado e a culpa oprimem e escraviza, mas Jesus liberta destes fardos.
Você já aceitou, pessoalmente, o convite do Filho de Deus? Acaso você tem pecados a serem perdoados ou tristezas a serem removidas ou feridas de consciência a serem saradas? Se sim, oiça atentamente a voz de Jesus Cristo. Vinde a Cristo! Tomai o seu julgo! Aprendei dele! Eis os imperativos da graça.
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Pastor Leonardo Cosme de Moraes