Caríssimos
irmãos e irmãs, agradeço a bênção de partilhar convosco a Palavra de Deus neste
tão especial aniversário da nossa igreja. Que a graça, o amor e a comunhão de
Deus Pai, Filho e Espírito Santo sejam com todos vós.
A todos desejo
a paz e proteção de Jesus nestes tempos difíceis que vivemos: tempos de uma
pandemia que teima em afligir e assombrar a nossa vida; tempos também de uma
sequência de ideologias na guerra cultural que se acentua, e tende a destruir
os valores fundamentais da nossa fé em Cristo, pondo em causa o cerne da
verdade eterna do Evangelho. Portugal há quatro décadas era outro país, e o
mundo também o era. Mudaram-se os valores, os costumes e a linguagem. Estão a
mudar-se as políticas, as ideologias e a fé dos homens.
É por isso que
celebrar hoje o nosso aniversário é um verdadeiro ato de fé; da fé que nos une em
Cristo e nos enche de esperança no meio da tribulação.
E é neste
contexto de espanto que Deus me move a falar-vos do “valor da nossa fé”, e da
segurança que temos no nosso Senhor; não da segurança insegura deste mundo, mas
da segurança eterna que Cristo nos dá. Leiamos, por favor, 1 Pedro 1.3-10. Diz
assim:
3 Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, pela sua grande
misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, por meio da
ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos, 4 para uma herança incorruptível, incontaminável e que não pode murchar-se; a
herança que Deus reservou nos Céus para vós, 5 que estais guardados pelo poder de Deus mediante a fé, para
a salvação que está pronta para ser revelada no último tempo. 6 É nisto que grandemente vos alegrais, embora no presente, se necessário,
sejais afligidos por várias provações durante algum tempo. 7 Estas provações servem para
pôr à prova o valor da vossa fé, muito mais preciosa do
que o ouro que perece e é provado pelo fogo, para ser considerada digna de
louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; 8 a quem, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora,
mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso, 9 obtendo o fim da vossa fé, a salvação da vossa alma.
10 Foi esta a salvação que os profetas examinaram e procuraram
compreender, profetizando sobre a graça que a vós é destinada.
Pedro começa esta carta como Paulo
começou a dele aos Efésios: “Bendito seja o Deus e Pai do nosso Senhor Jesus
Cristo; que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo”, diz Paulo; “que pela sua grande misericórdia, nos
regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo”,
diz Pedro.
1. Deus regenerou-nos pela
sua grande misericórdia (3-4)
De pecadores sem esperança, Deus
fez-nos novas criaturas, livrou-nos da tirania do pecado e adotou-nos na sua
família. ‘Regenerar’ é ser feito nova criatura em Cristo pelo poder de Deus (2Co
5.17), é nascer de Deus, nascer espiritualmente para integrar a família de Deus
(Jo 1.13), conforme o Senhor Jesus explica a Nicodemos: “Em verdade em verdade
te digo, que ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo” (3.3). E regeneração
é obra exclusiva de Deus, sem mérito algum da nossa parte.
Deus regenerou-nos “pela sua grande
misericórdia”, restaurou-nos a esperança perdida “por meio da ressurreição de
Jesus Cristo”. Reparem irmãos, Deus regenerou-nos para nos dar três bênçãos:
para uma viva esperança, para uma herança incorruptível, para
a salvação. E tudo isto mediante a fé. Sigamos o texto:
Primeiro, regenerou-nos ‘para uma viva
esperança’, vida que permanece, vida eterna com Deus. A nossa vida aqui é
passageira, instável e insegura. Culmina na morte, que não é mais que uma
passagem, um trânsito deste mundo para o Além; separação deste corpo perecível
para um corpo imperecível na revelação final de Jesus Cristo, na final
ressurreição dos mortos.
Segundo, regenerou-nos ‘para uma herança
incorruptível’, incontaminável e que não pode murchar-se. “É o próprio Espírito
Santo que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E se nós
somos seus filhos, também somos seus herdeiros. Somos herdeiros de Deus
juntamente com Cristo”, partilhamos da sua glória celestial (Rm 8:16-17). E que
herança meus irmãos! A herança que Deus nos reservou no Céu é eterna, incorruptível,
sem mácula, sem deterioração nem perda de valor.
Terceiro, regenerou-nos ‘para a
salvação’, preparada para se revelar no último tempo’; salvação tríplice:
realizou-se no passado, processa-se no presente, vai cumprir-se no futuro, na
plenitude da vida eterna.
A nossa salvação é-nos assegurada na
regeneração mediante a fé, manifesta-se e confirma-se na santificação, cumpre-se
e mostra-se com todo o esplendor na glorificação, com a libertação total e
final do pecado e seus efeitos.
2. Somos salvos mediante a fé em Cristo (5)
A fé não é mérito ou virtude nossa.
É graça divina. Reparem no vs. 5: A nossa fé veicula a graça de Deus,
que nos salva; na fé somos guardados até ao cumprimento final da nossa
salvação em Cristo; e pela fé aprendemos a viver com lealdade e
fidelidade a Cristo, regozijando-nos até nas provações que possam vir. Uma fé
viva que é mais preciosa do que o ouro que perece.
A fé viva, a esperança certa, a
herança prometida, resultam numa alegria tão intensa que supera as provações
que possam vir. Por um lado, Deus controla todas as coisas, e só permite
provas se elas forem necessárias para nos alimentar a fé e ajudar a crescer
espiritualmente. Por outro lado, estas provações são transitórias e
fortalecem a nossa fé. Podem doer, magoar, entristecer, mas delas saímos mais
fortes, mais felizes, mais perto de Deus.
Assim como o fogo separa o ouro das
impurezas para que fique mais puro, também Deus nos prova para confirmar o
valor da nossa fé, e a tornar mais pura e preciosa. Mesmo purificado, o ouro continua
a ser perecível; mas a fé provada permanece para sempre, é imperecível, dá os
seus frutos na eternidade.
Lemos em 1.5 que somos protegidos
pelo poder de Deus, mediante e fé, para a salvação. O mesmo poder que
ressuscitou Cristo é o poder que alimenta a nossa fé; fé que, mais que simples
crença ou confiança, é lealdade e fidelidade, é descanso e paz na nossa
preparação para a glória, é entrega total aos desígnios do nosso Senhor. É bom não
ignorarmos que somos peregrinos aqui a caminho do Céu, exortados a abster-nos dos
desejos carnais que fazem guerra contra a alma (2.11). Fidelidade, no fundo, é
fé aperfeiçoada.
3. O valor da nossa fé é provado na Terra, mas celebrado no Céu (1.6-8)
Podemos ser afligidos com várias
provações, mas a nossa fidelidade a Cristo será honrada no Céu. O foco de Pedro
neste texto não é o louvor, honra e glória que devemos prestar a Deus. É, sim, o
louvor, glória e honra que Deus assegura aos seus fiéis na revelação de Jesus
Cristo. A fé verdadeira é honrada no Céu, tal como o Senhor Jesus disse aos
seus discípulos: “Bem está servo bom e fiel. No pouco foste fiel, no muito te
colocarei. Entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25.21-23).
A fé que justifica e salva, a fé
que em nós tem o valor da dádiva divina, as boas obras que dela derivam são
sempre honradas e celebradas pelo nosso Deus. Ou não diz a Escritura em Romanos
2.28-29: “Não é judeu aquele que o mostra exteriormente, nem é circuncisão a
que se recebe no corpo. O verdadeiro judeu é aquele que o é interiormente, como
se fosse circuncidado no coração; isto é, a circuncisão que vem do Espírito, e
não a da lei escrita. Esse tem o louvor, não tanto dos homens, mas o louvor de
Deus”.
Mais claro ainda é o texto de Rm
2.6,7-10, que diz: “Ele”, o nosso Deus, “dará a cada um conforme as suas obras.
Dará a vida eterna aos que praticam com perseverança as boas obras e buscam
glória, honra e vida imortal [...] Haverá sofrimento e angústia para todos os
que fazem o mal, primeiro para os judeus e também para os não-judeus. Mas
haverá glória, honra e paz para todos os que fazem o bem [...] pois Deus não
faz aceção de pessoas”. Sim, queridos irmãos, vale a pena ser crente fiel,
igreja fiel, povo fiel a Cristo e sua palavra.
4. O fim último da nossa fé é a salvação eterna da nossa alma
(1.9)
Na regeneração, operada pelo
Espírito Santo, nós fomos salvos. Na nossa caminhada cristã, vamos demonstrando
que estamos salvos. Na revelação final de Jesus Cristo, nós seremos confirmados
filhos de Deus e passaremos a fruir a plenitude da nossa salvação; uma
realidade passada, presente e futura, e que só no futuro se afirma ser nossa
eternamente.
Como lemos em 1.8-9: amamos
Jesus Cristo, apesar de o não termos visto; e cremos nele mesmo sem o
ver agora. E isso dá-nos uma alegria tão grande e tão intensa que nem se
consegue explicar. Porquê? Porque atingimos a finalidade última da nossa fé, que
é a nossa salvação, a plenitude da nossa redenção.
Finalmente, irmãos: amamos Jesus
Cristo e cremos nele, mesmo sem o ver (1.8). E são esse amor e fé que nos
definem como cristãos na sua essência. A fé dá voz a esse amor agradecido, ao
Cristo que por amor se deu por nós. E, do amor, uma só coisa pode resultar:
“uma alegria indizível a cheia de glória”. É nele, irmãos, que atingimos a
razão última da nossa fé, a nossa salvação eterna; isto é, a nossa herança, a
eternidade em paz com Deus. Livres da culpa, do poder do pecado e das penas
eternas a que o pecado conduz, nós hoje vivemos em Cristo, e viveremos com
Cristo por toda a eternidade, pois somos dele.
Que bênção! Mas será que a salvação
é graça divina em todos nós, meus irmãos e amigos? Será que a nossa vida o
mostra em cada frente do nosso caminhar cristão na nossa luta espiritual de
cada dia? Será que quantos hoje se dizem cristãos o são de facto, e não só de
nome? O pastor Lenz, da grande Hillsong de Nova Yorque, foi afastado da sua
igreja, por andar a ser infiel à sua esposa, e coabitar com outra mulher ao
longo de meses a fio, enquanto se mostrava cada vez mais espiritual e exigente
na sua pregação.
Conclusão
Quem se limita a seguir o discurso
piedoso do cristianismo contemporâneo, acabará por não ser melhor do que o
mundo. Como diz Peter Kreeft, no seu livro Como vencer a guerra cultural: um
plano cristão de batalha para uma sociedade em crise[1], neste mundo tão avesso a Cristo e
sua palavra, muitos dos que se dizem cristãos hoje adulteram, prostituem-se,
abortam, sodomizam, fornicam, divorciam-se, cultivam a pedofilia e destroem a
família, quase na mesma proporção que os claramente não crentes, contribuindo
assim para o suicídio gradual da sua fé e o escândalo dos demais. Como afirma o
profeta de Deus: “dizem paz, paz, paz onde não há paz”, ao mesmo tempo que são
capazes de entrar em delírios de louvor num simulacro de adoração. E nessas
orgias de sentimentalismo vazio, eles se vão perdendo aos poucos até ao
desespero total, e levam consigo para a perdição muitos inocentes em busca da
verdade.
A igreja deve ser vista como um
organismo vivo em santa comunhão com Deus, e não como uma organização; como um
mistério sobrenatural e não como uma empresa. Infelizmente, há hoje tantos que
tratam a igreja como um negócio, e não como a noiva de Cristo! Temem o fracasso,
mas não temem o pecado. No seu hedonismo vão, muitos líderes dão aos seus
seguidores um Cristo sem cruz, adoram-se a si mesmos e não ao Deus que dizem
servir. O mundo ocidental, e em especial a Europa, é hoje a sociedade mais
politeísta da história. Adoram centenas de milhões de deuses, pois pouco mais
fazem do que adorar-se e servir-se a si mesmos.
Espiritualizam praticamente tudo,
até mesmo a encarnação e a ressurreição de Cristo, mas nelas não acreditam
literalmente. Substituem a santidade por espiritualidade, a igreja da cruz e da
ressurreição pela igreja da graça barata, pois nem sequer param para assumir
que a vida cristã tem um preço; que “não pode ser para nós barato aquilo que a
Deus custou tão caro”.
Estamos, de facto, irmãos, numa
guerra cultural que é sobretudo espiritual. E, para a vencermos, temos de usar
as mesmas armas que Cristo usou. Quais, meus irmãos, quais? Não as do poder,
não as do pragmatismo, não as da persuasão pela diplomacia, não as de cedências
ao adversário. Cristo podia ganhar este mundo facilmente sem essas armas, mas
deixou-se crucificar às mãos de César. E, com isso, ganhou algo infinitamente
melhor do que este mundo de pecado e morte. Ganhou para nós o mundo por vir, um
mundo conforme o seu modelo original, e exorta-nos a buscar o seu Reino; não o reino
de César, não o deste mundo que aos poucos se destrói, mas os novos Céus e a
nova Terra em que habita a justiça. “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua
justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”, disse o Senhor Jesus no
Sermão do Monte.
Quais são afinal as armas de
Cristo? Apenas duas: amor e verdade. Irmãos, a Trindade não é um sistema
político, é uma família divina; e a Igreja de Cristo não é uma ideologia, é uma
criação de Deus para abençoar o mundo. Deixemos o discurso barato e a fé
barata. “Evangelizemos com a vida; e, se for necessário, usemos palavras”.
Tudo o que hoje tem a ver com sexo
é justificado, santificado e glorificado, mesmo que seja o homicídio. O
divórcio, por exemplo, é uma forma de homicídio; sim, porque é o suicídio de
uma união criada por Deus. “E os dois serão uma só carne”, diz o Senhor.
Ser cristão de verdade, é sê-lo como
Elliot o definiu: “uma condição de simplicidade completa, custando nada mais
que tudo”. Sim, não cuidemos de ser espirituais à maneira do mundo. Vivamos em
santidade, sejamos esse tudo.
É tão fácil pecar. Tudo o que somos
é feito com os nossos pensamentos. Se não, vejamos: um pensamento gera um ato,
um ato gera um hábito, um hábito repetido gera um carácter, e é do carácter que
se chega a um destino. Daí as palavras de Paulo: “Somos humanos, é certo, mas
não lutamos segundo os padrões do mundo. Pois as armas da nossa guerra não são
humanas, mas poderosas em Deus para destruir fortalezas. Deitamos abaixo as
ideias erradas e toda a espécie de arrogância que se levanta contra o
conhecimento de Deus, e fazemos com que o pensamento humano obedeça a Cristo”
(2Co 10.3-5).
Irmão queridos, somos igreja, sejamos
igreja de Deus, não por nós nem para nós, mas em Cristo, por Cristo e para a
glória de Cristo. Por isso, amamos, por isso cremos, para isso Deus nos
regenerou e salvou, por tudo isso Ele nos promete uma tão grande redenção
final.
Não sujemos, pois, o valor da nossa
fé. Vivamos à sua altura, e honremos o Deus que a fez nascer em nós, que a nós
destinou uma tão grande salvação.
Feliz aniversário, igreja do Senhor;
feliz aniversário para a glória de Deus; feliz aniversário com Cristo no mais
íntimo do nosso coração.