O VALOR DA NOSSA FÉ EM CRISTO

   

             

 1 Pedro 1:3-10


Caríssimos irmãos e irmãs, agradeço a bênção de partilhar convosco a Palavra de Deus neste tão especial aniversário da nossa igreja. Que a graça, o amor e a comunhão de Deus Pai, Filho e Espírito Santo sejam com todos vós.

A todos desejo a paz e proteção de Jesus nestes tempos difíceis que vivemos: tempos de uma pandemia que teima em afligir e assombrar a nossa vida; tempos também de uma sequência de ideologias na guerra cultural que se acentua, e tende a destruir os valores fundamentais da nossa fé em Cristo, pondo em causa o cerne da verdade eterna do Evangelho. Portugal há quatro décadas era outro país, e o mundo também o era. Mudaram-se os valores, os costumes e a linguagem. Estão a mudar-se as políticas, as ideologias e a fé dos homens.

É por isso que celebrar hoje o nosso aniversário é um verdadeiro ato de fé; da fé que nos une em Cristo e nos enche de esperança no meio da tribulação.

E é neste contexto de espanto que Deus me move a falar-vos do “valor da nossa fé”, e da segurança que temos no nosso Senhor; não da segurança insegura deste mundo, mas da segurança eterna que Cristo nos dá. Leiamos, por favor, 1 Pedro 1.3-10. Diz assim:

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, pela sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, por meio da ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável e que não pode murchar-se; a herança que Deus reservou nos Céus para vós, 5 que estais guardados pelo poder de Deus mediante a fé, para a salvação que está pronta para ser revelada no último tempo. É nisto que grandemente vos alegrais, embora no presente, se necessário, sejais afligidos por várias provações durante algum tempo. Estas provações servem para pôr à prova o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, para ser considerada digna de louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso, obtendo o fim da vossa fé, a salvação da vossa alma. 10 Foi esta a salvação que os profetas examinaram e procuraram compreender, profetizando sobre a graça que a vós é destinada.

Pedro começa esta carta como Paulo começou a dele aos Efésios: “Bendito seja o Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo; que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”, diz Paulo; “que pela sua grande misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo”, diz Pedro.

1.  Deus regenerou-nos pela sua grande misericórdia (3-4)

De pecadores sem esperança, Deus fez-nos novas criaturas, livrou-nos da tirania do pecado e adotou-nos na sua família. ‘Regenerar’ é ser feito nova criatura em Cristo pelo poder de Deus (2Co 5.17), é nascer de Deus, nascer espiritualmente para integrar a família de Deus (Jo 1.13), conforme o Senhor Jesus explica a Nicodemos: “Em verdade em verdade te digo, que ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo” (3.3). E regeneração é obra exclusiva de Deus, sem mérito algum da nossa parte.

Deus regenerou-nos “pela sua grande misericórdia”, restaurou-nos a esperança perdida “por meio da ressurreição de Jesus Cristo”. Reparem irmãos, Deus regenerou-nos para nos dar três bênçãos: para uma viva esperança, para uma herança incorruptível, para a salvação. E tudo isto mediante a fé. Sigamos o texto:

Primeiro, regenerou-nos ‘para uma viva esperança’, vida que permanece, vida eterna com Deus. A nossa vida aqui é passageira, instável e insegura. Culmina na morte, que não é mais que uma passagem, um trânsito deste mundo para o Além; separação deste corpo perecível para um corpo imperecível na revelação final de Jesus Cristo, na final ressurreição dos mortos.

Segundo, regenerou-nos ‘para uma herança incorruptível’, incontaminável e que não pode murchar-se. “É o próprio Espírito Santo que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E se nós somos seus filhos, também somos seus herdeiros. Somos herdeiros de Deus juntamente com Cristo”, partilhamos da sua glória celestial (Rm 8:16-17). E que herança meus irmãos! A herança que Deus nos reservou no Céu é eterna, incorruptível, sem mácula, sem deterioração nem perda de valor.

Terceiro, regenerou-nos ‘para a salvação’, preparada para se revelar no último tempo’; salvação tríplice: realizou-se no passado, processa-se no presente, vai cumprir-se no futuro, na plenitude da vida eterna.

A nossa salvação é-nos assegurada na regeneração mediante a fé, manifesta-se e confirma-se na santificação, cumpre-se e mostra-se com todo o esplendor na glorificação, com a libertação total e final do pecado e seus efeitos.   

2. Somos salvos mediante a fé em Cristo (5)

A fé não é mérito ou virtude nossa. É graça divina. Reparem no vs. 5: A nossa fé veicula a graça de Deus, que nos salva; na fé somos guardados até ao cumprimento final da nossa salvação em Cristo; e pela fé aprendemos a viver com lealdade e fidelidade a Cristo, regozijando-nos até nas provações que possam vir. Uma fé viva que é mais preciosa do que o ouro que perece.

A fé viva, a esperança certa, a herança prometida, resultam numa alegria tão intensa que supera as provações que possam vir. Por um lado, Deus controla todas as coisas, e só permite provas se elas forem necessárias para nos alimentar a fé e ajudar a crescer espiritualmente. Por outro lado, estas provações são transitórias e fortalecem a nossa fé. Podem doer, magoar, entristecer, mas delas saímos mais fortes, mais felizes, mais perto de Deus.

Assim como o fogo separa o ouro das impurezas para que fique mais puro, também Deus nos prova para confirmar o valor da nossa fé, e a tornar mais pura e preciosa. Mesmo purificado, o ouro continua a ser perecível; mas a fé provada permanece para sempre, é imperecível, dá os seus frutos na eternidade.

Lemos em 1.5 que somos protegidos pelo poder de Deus, mediante e fé, para a salvação. O mesmo poder que ressuscitou Cristo é o poder que alimenta a nossa fé; fé que, mais que simples crença ou confiança, é lealdade e fidelidade, é descanso e paz na nossa preparação para a glória, é entrega total aos desígnios do nosso Senhor. É bom não ignorarmos que somos peregrinos aqui a caminho do Céu, exortados a abster-nos dos desejos carnais que fazem guerra contra a alma (2.11). Fidelidade, no fundo, é fé aperfeiçoada.

3. O valor da nossa fé é provado na Terra, mas celebrado no Céu (1.6-8)

Podemos ser afligidos com várias provações, mas a nossa fidelidade a Cristo será honrada no Céu. O foco de Pedro neste texto não é o louvor, honra e glória que devemos prestar a Deus. É, sim, o louvor, glória e honra que Deus assegura aos seus fiéis na revelação de Jesus Cristo. A fé verdadeira é honrada no Céu, tal como o Senhor Jesus disse aos seus discípulos: “Bem está servo bom e fiel. No pouco foste fiel, no muito te colocarei. Entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25.21-23).

A fé que justifica e salva, a fé que em nós tem o valor da dádiva divina, as boas obras que dela derivam são sempre honradas e celebradas pelo nosso Deus. Ou não diz a Escritura em Romanos 2.28-29: “Não é judeu aquele que o mostra exteriormente, nem é circuncisão a que se recebe no corpo. O verdadeiro judeu é aquele que o é interiormente, como se fosse circuncidado no coração; isto é, a circuncisão que vem do Espírito, e não a da lei escrita. Esse tem o louvor, não tanto dos homens, mas o louvor de Deus”.

Mais claro ainda é o texto de Rm 2.6,7-10, que diz: “Ele”, o nosso Deus, “dará a cada um conforme as suas obras. Dará a vida eterna aos que praticam com perseverança as boas obras e buscam glória, honra e vida imortal [...] Haverá sofrimento e angústia para todos os que fazem o mal, primeiro para os judeus e também para os não-judeus. Mas haverá glória, honra e paz para todos os que fazem o bem [...] pois Deus não faz aceção de pessoas”. Sim, queridos irmãos, vale a pena ser crente fiel, igreja fiel, povo fiel a Cristo e sua palavra.

4. O fim último da nossa fé é a salvação eterna da nossa alma (1.9)

Na regeneração, operada pelo Espírito Santo, nós fomos salvos. Na nossa caminhada cristã, vamos demonstrando que estamos salvos. Na revelação final de Jesus Cristo, nós seremos confirmados filhos de Deus e passaremos a fruir a plenitude da nossa salvação; uma realidade passada, presente e futura, e que só no futuro se afirma ser nossa eternamente.

Como lemos em 1.8-9: amamos Jesus Cristo, apesar de o não termos visto; e cremos nele mesmo sem o ver agora. E isso dá-nos uma alegria tão grande e tão intensa que nem se consegue explicar. Porquê? Porque atingimos a finalidade última da nossa fé, que é a nossa salvação, a plenitude da nossa redenção.

Finalmente, irmãos: amamos Jesus Cristo e cremos nele, mesmo sem o ver (1.8). E são esse amor e fé que nos definem como cristãos na sua essência. A fé dá voz a esse amor agradecido, ao Cristo que por amor se deu por nós. E, do amor, uma só coisa pode resultar: “uma alegria indizível a cheia de glória”. É nele, irmãos, que atingimos a razão última da nossa fé, a nossa salvação eterna; isto é, a nossa herança, a eternidade em paz com Deus. Livres da culpa, do poder do pecado e das penas eternas a que o pecado conduz, nós hoje vivemos em Cristo, e viveremos com Cristo por toda a eternidade, pois somos dele.

Que bênção! Mas será que a salvação é graça divina em todos nós, meus irmãos e amigos? Será que a nossa vida o mostra em cada frente do nosso caminhar cristão na nossa luta espiritual de cada dia? Será que quantos hoje se dizem cristãos o são de facto, e não só de nome? O pastor Lenz, da grande Hillsong de Nova Yorque, foi afastado da sua igreja, por andar a ser infiel à sua esposa, e coabitar com outra mulher ao longo de meses a fio, enquanto se mostrava cada vez mais espiritual e exigente na sua pregação.

Conclusão

Quem se limita a seguir o discurso piedoso do cristianismo contemporâneo, acabará por não ser melhor do que o mundo. Como diz Peter Kreeft, no seu livro Como vencer a guerra cultural: um plano cristão de batalha para uma sociedade em crise[1], neste mundo tão avesso a Cristo e sua palavra, muitos dos que se dizem cristãos hoje adulteram, prostituem-se, abortam, sodomizam, fornicam, divorciam-se, cultivam a pedofilia e destroem a família, quase na mesma proporção que os claramente não crentes, contribuindo assim para o suicídio gradual da sua fé e o escândalo dos demais. Como afirma o profeta de Deus: “dizem paz, paz, paz onde não há paz”, ao mesmo tempo que são capazes de entrar em delírios de louvor num simulacro de adoração. E nessas orgias de sentimentalismo vazio, eles se vão perdendo aos poucos até ao desespero total, e levam consigo para a perdição muitos inocentes em busca da verdade.

A igreja deve ser vista como um organismo vivo em santa comunhão com Deus, e não como uma organização; como um mistério sobrenatural e não como uma empresa. Infelizmente, há hoje tantos que tratam a igreja como um negócio, e não como a noiva de Cristo! Temem o fracasso, mas não temem o pecado. No seu hedonismo vão, muitos líderes dão aos seus seguidores um Cristo sem cruz, adoram-se a si mesmos e não ao Deus que dizem servir. O mundo ocidental, e em especial a Europa, é hoje a sociedade mais politeísta da história. Adoram centenas de milhões de deuses, pois pouco mais fazem do que adorar-se e servir-se a si mesmos.

Espiritualizam praticamente tudo, até mesmo a encarnação e a ressurreição de Cristo, mas nelas não acreditam literalmente. Substituem a santidade por espiritualidade, a igreja da cruz e da ressurreição pela igreja da graça barata, pois nem sequer param para assumir que a vida cristã tem um preço; que “não pode ser para nós barato aquilo que a Deus custou tão caro”.

Estamos, de facto, irmãos, numa guerra cultural que é sobretudo espiritual. E, para a vencermos, temos de usar as mesmas armas que Cristo usou. Quais, meus irmãos, quais? Não as do poder, não as do pragmatismo, não as da persuasão pela diplomacia, não as de cedências ao adversário. Cristo podia ganhar este mundo facilmente sem essas armas, mas deixou-se crucificar às mãos de César. E, com isso, ganhou algo infinitamente melhor do que este mundo de pecado e morte. Ganhou para nós o mundo por vir, um mundo conforme o seu modelo original, e exorta-nos a buscar o seu Reino; não o reino de César, não o deste mundo que aos poucos se destrói, mas os novos Céus e a nova Terra em que habita a justiça. “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”, disse o Senhor Jesus no Sermão do Monte.

Quais são afinal as armas de Cristo? Apenas duas: amor e verdade. Irmãos, a Trindade não é um sistema político, é uma família divina; e a Igreja de Cristo não é uma ideologia, é uma criação de Deus para abençoar o mundo. Deixemos o discurso barato e a fé barata. “Evangelizemos com a vida; e, se for necessário, usemos palavras”.

Tudo o que hoje tem a ver com sexo é justificado, santificado e glorificado, mesmo que seja o homicídio. O divórcio, por exemplo, é uma forma de homicídio; sim, porque é o suicídio de uma união criada por Deus. “E os dois serão uma só carne”, diz o Senhor.

Ser cristão de verdade, é sê-lo como Elliot o definiu: “uma condição de simplicidade completa, custando nada mais que tudo”. Sim, não cuidemos de ser espirituais à maneira do mundo. Vivamos em santidade, sejamos esse tudo.

É tão fácil pecar. Tudo o que somos é feito com os nossos pensamentos. Se não, vejamos: um pensamento gera um ato, um ato gera um hábito, um hábito repetido gera um carácter, e é do carácter que se chega a um destino. Daí as palavras de Paulo: “Somos humanos, é certo, mas não lutamos segundo os padrões do mundo. Pois as armas da nossa guerra não são humanas, mas poderosas em Deus para destruir fortalezas. Deitamos abaixo as ideias erradas e toda a espécie de arrogância que se levanta contra o conhecimento de Deus, e fazemos com que o pensamento humano obedeça a Cristo” (2Co 10.3-5).

Irmão queridos, somos igreja, sejamos igreja de Deus, não por nós nem para nós, mas em Cristo, por Cristo e para a glória de Cristo. Por isso, amamos, por isso cremos, para isso Deus nos regenerou e salvou, por tudo isso Ele nos promete uma tão grande redenção final.

Não sujemos, pois, o valor da nossa fé. Vivamos à sua altura, e honremos o Deus que a fez nascer em nós, que a nós destinou uma tão grande salvação.

Feliz aniversário, igreja do Senhor; feliz aniversário para a glória de Deus; feliz aniversário com Cristo no mais íntimo do nosso coração.


                                                                                                    Pastor Manuel Alexandre Junior

[1]Peter Kreeft, How to Win the Culture War: A Christian Battle Plan for a Society in Crisis, Downers Grove, Il: InterVarsity Press, 2002. Em português: Como vencer a guerra cultural: um plano de batalha cristão para uma sociedade em crise, Campinas: Ecclesiae, 2020.