A Suficiência de Cristo



        


Colossenses 2.8-23


A carta de Paulo aos Colossenses é o texto bíblico mais definitivo sobre a suficiência e a plenitude de Cristo. Paulo o escreveu para crentes que eram fortes na fé e no amor (Cl 1.4), mas confundidos por uma heresia que negava a suficiência de Cristo. Não sabemos a exata natureza da heresia em Colossos. Paulo a refutou mostrando que baseava-se num conceito inadequado e erróneo a respeito da pessoa e da obra de Cristo. O máximo que se pode dizer é que era uma heresia que desvaloriza a suficiência de Cristo e que promovia experiências místicas, agentes espirituais adicionais e um regime de rituais ou observâncias ascéticas.


Paulo escreveu à igreja de Colossos uma epístola inteira focalizando a Cristo e sua suficiência para toda necessidade humana. O apóstolo Paulo ensinou aos Colossenses que em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (2.3), porque nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade (2.9). Cristo é a expressão visível de Deus. Na sua encarnação e agora na sua glorificação, Jesus é Deus encarnado (cf. 1.15-20). Ele é o Cabeça de todo principado e potestade (2.10). Não precisamos ter medo do reino demoníaco. Cristo tem autoridade sobre todos os seres angelicais e poderes cósmicos (2.9-15). “Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.16-17). Ele é a própria vida (3.4). 


Contudo, os hereges de Colossos alegavam que Cristo somente não era suficiente para elevar alguém ao nível espiritual mais alto. John MacArhur  (2007) observa que eles defendiam uma variedade de aditivos espirituais, incluindo a filosofia pagã (2.8-10), o legalismo (2.11-17), o misticismo (2.18-19) e o ascetismo (2.20-23). 


1. Cristo mais a filosofia pagã. Filosofia significa "o amor à sabedoria". Em seu sentido mais amplo, é a tentativa da parte do homem para explicar a natureza do universo, incluindo os fenómenos da existência, pensamento, ética, comportamento, estética e assim por diante. A ‘filosofia’ não é uma heresia cristã (2.8, 16-23). Paulo não descarta a importância do pensamento crítico e do aprendizado sólido na moderna disciplina de filosofia (2.8). Paulo não está fazendo uma condenação geral das escolas filosóficas gregas tradicionais (por exemplo, platonismo, estoicismo, aristotelismo, etc.). Seus comentários se concentram no ensino herético que está sendo disseminado em Colossos. Ele faz a afirmação incisiva de que este ensinamento não é apenas um engano vazio, mas que foi inspirado pelos espíritos elementares do mundo (do grego stoicheia). No mundo antigo, o termo stoicheia era amplamente usado para espíritos em textos religiosos persas, papiros mágicos, documentos astrológicos e alguns textos judaicos. É provável que Paulo o esteja usando aqui para referir-se a espíritos demoníacos; é o equivalente a “principados e potestades” (Cl 2.10, 15). Embora o falso ensino seja transmitido como tradição humana, ele pode, em última análise, ser atribuído à influência de forças demoníacas. Portanto, o problema fundamental com esta filosofia é que ela não está de acordo com Jesus Cristo e o evangelho proclamado por ele e o apóstolo Paulo.


Paulo rejeitava qualquer teoria filosófica, a respeito de Deus, que professasse mostrar a causa da existência do mundo e oferecer orientação moral à parte da revelação divina (Cl 2.8-10). O apóstolo retratou a falsa filosofia como uma predadora que procura escravizar cristãos sem discernimento, por meio de "vãs sutilezas" (2.8). "Vãs" significa algo vazio, destituído da verdade, fútil, infrutífero e sem efeito. A "tradição dos homens" refere-se às especulações humanas passadas de geração a geração. Mesmo a mais sofisticada filosofia humana nada pode oferecer para ampliar a verdade de Cristo. Em 1 Coríntios 1.18-21, Paulo diz: “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus. Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” Portanto, a melhor da sabedoria humana não é nada em comparação com a infinita sabedoria de Deus. A sabedoria humana não pode enriquecer a revelação dada por Deus (MacArthur, 2007). A perfeita sabedoria de Cristo revela-se a nós na Palavra de Deus pelo Espírito Santo (Sl 119.97-104). 


A nossa suficiência em Cristo fundamenta-se na completa salvação e no completo perdão, e na completa vitória que Paulo descreve nos versículos 11 a 14. A cruz de Cristo é a verdadeira circuncisão para os crentes (Cl 2.11). Os benefícios da morte de Cristo pertencem aos crentes, porque eles foram enterrados junto com Cristo no batismo. Em virtude da cruz e da ressurreição de Cristo, os crentes foram sepultados e ressuscitados com Cristo. Paulo acrescenta, no versículo 12, que a eficácia da obra de Cristo é acessada por meio da fé. Paulo não estabelece uma conexão entre circuncisão física e batismo, mas entre circuncisão espiritual e batismo. Pelo contrário, ele repudia enfaticamente qualquer eficácia salvífica da circuncisão física. O que é necessário para pertencer ao povo redimido de Deus é uma circuncisão espiritual do coração (Dt 30.6), que é prometida na nova obra da aliança de Deus (Jr 31.31-34). A circuncisão física tornava a pessoa membro de Israel como o povo teocrático de Deus, mas não garantia que seria regenerada. Daí a necessidade da circuncisão espiritual do coração. 


A obra graciosa de Deus é alegremente recebida por aqueles que confiam em Deus para o perdão dos pecados (Cl 2.13-14). Os que são batizados já morreram para si mesmos, estão vivos para Deus em Cristo e depositam sua fé em Jesus para salvação. O batismo retrata o que Deus fez por eles em Cristo. Eles morreram e foram sepultados com Cristo e, agora, se levantam para uma nova vida nele. O batismo funciona como uma representação ilustrativa disto, quando, então, os crentes são submersos nas águas e, em seguida, emergem delas (Schreiner, 2019).


2. Cristo mais o legalismo (2.16-17). Condenar as pessoas por não manterem regras humanas e rituais religiosos é legalismo. Jesus enfrentou isto frequentemente em seus conflitos com os fariseus (Mt 23). Paulo dirigia-se às pessoas legalistas que estavam nas igrejas que acreditavam que somente um relacionamento pessoal com Cristo é insuficiente para agradar a Deus. Eles haviam acrescentado regras e requisitos sobre o comer, o beber, o vestir e a aparência, rituais religiosos e assim por diante. 


Na economia Mosaica, Deus concedeu muitas leis externas com o propósito de proteger Israel da interação social com os povos pagãos corruptos. Tais leis também foram dadas para ilustrar verdades espirituais internas que se cumpririam em Cristo. Paulo contrasta aparência e realidade (2.17). Os escritores do NT viam o VT e suas leis como promessas pertencentes à velha era que culminou com a vinda de Cristo (Hb 10.1). Quando Cristo veio, os elementos cerimoniais da lei foram postos de lado, porque Ele era o cumprimento de tudo que eles prenunciavam. No entanto, os legalistas na igreja primitiva insistiam que todas as cerimónias — incluindo a circuncisão, a observância do sábado e leis dietéticas — deveriam ser mantidas como padrões de espiritualidade (Cl 2.16-17). 


O ensino destes legalistas estava em direto confronto com o ensino do próprio Cristo. Em Marcos 7.15, Jesus deixou claro que leis dietéticas eram simbólicas e não tinham a inerente habilidade de tornar alguém justo, quando Ele disse que nada que entra no homem pode contaminá-lo. É o que sai de uma pessoa (maus pensamentos, palavras e outras expressões de um coração pecaminoso) que causa contaminação. Em Atos 10, Pedro teve uma visão de vários tipos de animais impuros que Deus ordenara que ele matasse e comesse. Quando Pedro fez objeção, porque ele nunca havia comido "coisa alguma comum e imunda" (At 10.14), uma voz do céu disse: "Ao que Deus purificou não consideres comum" (At 10.15). Deus estava revelando a seu povo que as leis dietéticas não estavam mais em vigor no contexto da Nova Aliança. Paulo resume a questão em Romanos 14.17: "Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo".  Em 1 Timóteo 4.1-5, Paulo adverte contra aqueles que “dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demónios" e “pela hipocrisia de homens que falam mentiras” e que com “suas mentes cauterizadas” proibiam o casamento e ordenavam “a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças; porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada.”


O legalismo é tanto uma ameaça à igreja hoje como o foi em Colossos. Há muitas pessoas cuja certeza de salvação está baseada em suas atividades religiosas, ao invés de confiarem somente no Salvador todo-suficiente. Mas a Bíblia ensina que um evangelho de obras efetuadas pelo homem não é nenhum evangelho (Gálatas 1.6-7; 5.2). 


A Bíblia é suficiente para descobrirmos aquilo que Deus quer que pensemos e façamos (2Tm 3.15-16, 2 Tm 1.5). Não devemos acrescentar proibições àquelas já afirmadas nas Escrituras. Deus nada exige de nós que não esteja determinado explícita ou implicitamente nas Escrituras. Deus não exige que creiamos em nada sobre si mesmo ou sobre sua obra redentora que não se encontre na Bíblia. Portanto, “não intimide-se pelas expectativas legalistas e infundadas da parte de outras pessoas. Deixe que seu comportamento seja o resultado do seu amor a Cristo e das santas aspirações produzidas em você pela habitação do Espírito e pelo estudo diligente e continuo da Palavra de Deus” (MacArthur, 2007). 


3. Cristo e o misticismo (2.18-19). Muitas pessoas começam a buscar experiências emocionais profundas, fenómenos sobrenaturalistas e revelações especiais — como se nossos recursos em Cristo não fossem suficientes. Aquilo que eles pensam ser fé em Cristo é, de facto, dúvida em busca de provas. Deste modo, pessoas ingénuas são presas fáceis das falsas promessas do misticismo.


Os crentes em Colossos também estavam sendo pressionados por pessoas supersticiosas que declaravam ter uma mais elevada união com Deus do que aquela que somente Cristo pode conceder. Eles alegavam haver tido comunhão com seres angelicais através de visões e outras experiências místicas. Eles eram obcecados pelo êxtase religioso particular que servia apenas para inflar seus egos. Paulo disse sobre eles: “Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão, e não ligado à cabeça, da qual todo o corpo, provido e organizado pelas juntas e ligaduras, vai crescendo em aumento de Deus" (Cl 2.18-19).


O misticismo é a ideia de que o conhecimento directo acerca de Deus ou da realidade última se consegue através da intuição ou da experiência pessoal e subjectiva, à parte da objetiva revelação divina — a Bíblia Sagrada (MacArthur, 2007). O misticismo pode torna-se num instrumento através do qual líderes inescrupulosos usam para a manipulação do rebanho de Deus, por meio de experiências falsas e fabricadas, tirando vantagem da ingenuidade das pessoas. Mas a ordem bíblica é clara: nós devemos ser apegados "à palavra fiel que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder, assim para exortar pelo reto ensino como para convencer os que contradizem" (Tt 1.9). Não existe plano mais alto - nenhuma experiência superior. Somente em Cristo somos completos!


4. Cristo mais o ascetismo (Cl 2.20-23). Um asceta é alguém que vive uma vida de rigorosa auto-abnegação como meio de adquirir o perdão de Deus. Este foi um dos heréticos aditivos sobre os quais Paulo advertira os cristãos em Colossos a evitarem: “Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne (Colossenses 2.20-23).


Falsos padrões de espiritualidade marcados pela severidade para com o corpo não têm valor para combater os desejos da carne. O ascetismo não pode restringir a carne. A santificação não é realizada pela força humana. Falsos padrões de espiritualidade servem apenas para satisfazer a carne. O ascetismo, que cria um padrão para si mesmo, exalta a carne e faz a pessoa orgulhar-se de seus sacrifícios e realizações espirituais. 


A natureza pecaminosa pode ser transformada somente quando é condenada à morte em Cristo (2.23). Nenhuma regra humana sobre pureza pode transformar a natureza humana caída. Só Cristo! Para ser transformado, o homem só precisa de Jesus Cristo. Temos acesso ao reino divino apenas por estar unido a Cristo, que ascendeu ao céu (Ef 4.8-10) e está assentado à direita de Deus (Cl 3.1; Rm 8.34; Ef 1.20).


5. Cristo somente. A divina “plenitude” está em Cristo (2.9-10), e os crentes são “perfeitos nele”. Portanto, eles têm tudo o que precisam em Cristo. Eles não devem recorrer a nada nem a ninguém para “completar” seu bem-estar espiritual. Os cristãos devem olhar apenas para Jesus, o Cristo. Deus revelou-se definitivamente em Cristo (1.15,19). Cristo é a plenitude de vida e de salvação para os crentes. Cristo é a única maneira pela qual os humanos podem encontrar satisfação. Toda sabedoria espiritual deve ser encontrada somente em Cristo. Nem Deus nem a vontade de Deus pode ser conhecida senão por meio de Cristo, ou quando Cristo é conhecido. Qualquer um que afirma oferecer o segredo para uma vida fora de Cristo apenas engana a si mesmo e aos outros.


“Cristo é o Cabeça de todos os crentes, os quais são o seu corpo e, sem ele, o corpo está morto” (Ulrich Zwingli)Sem Cristo, nada podemos fazer (Jo 15.5); Nele podemos todas as coisas (Fl 4.13). “Cristo, e somente Cristo, está apto a ser o mediador entre Deus e o homem. Ele é o profeta, sacerdote e rei da igreja de Deus” (CFB. 1689, cp. 8.9). Toda a plenitude da essência de Deus está concentrada em Cristo (Cl 2.9). Em Cristo nós possuímos a fonte da qual flui a corrente das bênçãos que podem satisfazer qualquer necessidade que tenhamos.


O Senhor Jesus não é alguém que podemos acrescentar a qualquer outra religião a qual já seguimos. O evangelho de Cristo exige o abandono do erro. O evangelho exige abraçar a Cristo como o único Senhor (1 Ts 1.9). Jesus mesmo disse: "Ninguém pode servir a dois senhores" (Mt 6.24). Você precisa desistir de todos os outros mestres para ganhar a Cristo, que é a pérola de grande valor (13.44-46). 


Devemos agarrar-nos à suficiência de Cristo — não acrescentando nada a ela, nem retirando nada dela. Todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos nele (Cl 2.3). Temos sido aperfeiçoados nele (2.10). Ele é “o nosso Rei eterno que nos governa por sua Palavra e Espírito, e que defende e preserva-nos no gozo da salvação que ele adquiriu para nós” (CH, P&R 31). Podemos crescer na vida cristã apenas se vivermos sob o domínio de Cristo e pelo seu poder. E nada jamais nos pode separar dele (Rm 8.35-39). Do que mais necessitamos? 


Ter Jesus é ter todo recurso espiritual. Tudo que necessitamos acha-se nele. Em vez de tentarmos acrescentar algo a Cristo, devemos simplesmente aprender a usar os recursos que já possuímos nele. Tudo que você necessita na dimensão espiritual, no presente e na eternidade, encontra-se nele. Arrependa-se de seu pecado e submeta a Ele a sua vida!

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Referências: Crossway Bibles, 2008. The ESV Study Bible, Wheaton, IL: Crossway Bibles. / Lopes, H.D., 2008. 1Coríntios: Como Resolver Conflitos na Igreja 1a edição., São Paulo: Hagnos. / Lopes, H.D., 2008. Colossenses: A Suprema Grandeza de Cristo, o Cabeça da Igreja. SP: Hagnos. / MacArthur, J. 2007 Nossa Suficiência em Cristo. São José dos Campos, SP: Fiel (Cl 2). / Moo, D.J. 2018. The Letters and Revelation (In D. A. Carson, org. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2038-2045; 2071). / Tomlin, G. et al. 2015. Filipenses e Colossenses. SP: Editora Cultura Cristã. / Schreiner, T. R. 2019. Credobatismo: sinal da nova aliança em Cristo (p. 83-85). Edição do Kindle.