Embora o Evangelho de Lucas seja sobre
"tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar", o livro de Atos
relata o que Jesus continuou a fazer por meio de sua igreja no poder do
Espírito.
Antes da vinda do Espírito Santo para
habitar na igreja, houve um tempo de espera; quarenta dias entre a ressurreição
e a ascensão de Jesus ao Pai (1.3), e mais dez dias entre a ascensão e o
Pentecostes (At 2.1-11). Lucas indica aquilo que o Senhor ensinou durante os
quarenta dias em que, ressurrecto, "se apresentou" aos apóstolos,
dando "muitas provas incontestáveis" de que estava vivo (1.3).
Em primeiro lugar, Jesus falou-lhes do
"reino de Deus" (v. 3). Em segundo lugar, ele ordenou-lhes que
esperassem pela dádiva do batismo com o Espírito Santo, prometida por ele, por
seu Pai e também por João Baptista, e que iriam receber "não muito depois
destes dias" (1.4-5).
Esta não foi a primeira vez que os
discípulos ouviram Jesus falar da promessa do Pai (Lc 24.49). Jesus reafirmou
essa promessa várias vezes: “Mas, o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai
enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de
tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “Quando, porém, vier o Consolador, que
eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse
dará testemunho de mim” (Jo 15.26). “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que
eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém,
eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).
Os apóstolos sabiam que Ezequiel 36 e
Joel 2 ligavam a vinda do Reino com o derramamento do Espírito prometido por
Jesus. Assim, a pergunta que os apóstolos fizeram a Jesus quando estavam
reunidos (Senhor, será esse o tempo em que restaures o reino a Israel? , v.
6 ) não era totalmente descabida. O erro que cometeram foi confundir a
natureza do reino e a relação entre o reino e o Espírito. O verbo ‘restaures’
mostra que eles estavam a espera da restauração imediata de um reino político,
territorial e nacional (de Israel). Em sua resposta (1.7-8), Jesus corrigiu
essas noções equivocadas da natureza, extensão e chegada do reino (Stott,
2008).
Os apóstolos estava a confundir o reino
de Deus com o reino de Israel. Os apóstolos estavam como àqueles dois
discípulos a caminho de Emaús, que esperavam "que fosse ele (Jesus) quem
havia de redimir a Israel", mas tinham ficado desiludidos devido à cruz
(Lc 24.21). A esperança dos apóstolos, porém, reacendeu com a ressurreição de
Jesus. Eles ainda estavam a sonhar com o domínio político do Israel étnico, o
restabelecimento da monarquia, a libertação de Israel - sua independência
nacional do jugo de Roma.
A resposta de Jesus foi dupla (1.7-8).
Em primeiro lugar, “não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai
reservou para sua exclusiva autoridade” (v. 7). "Tempos" (χρόνους
- duração) ou "épocas" (καιροὺς - “ocasião/data”), juntos, formam
o plano secreto e soberano de Deus. De modo que a transição do reino da graça
para o reino da glória é da exclusiva economia do Pai. Nosso papel não é
especular o futuro, mas agir no presente. Em segundo lugar, eles precisavam
saber que receberiam poder para que, no período entre a vinda do Espírito e a
segunda vinda do Filho, pudessem ser suas testemunhas, em círculos cada vez
maiores (1.8).
Jesus descreveu esta vinda do Espírito
sobre eles como um “revestimento de poder do alto" (Lc 24.49) para o
testemunho eficaz (Atos 3.12; 4.7, 33). Eles deviam ser suas testemunhas
"até aos confins da terra" (1:8) e "até a consumação do século”.
Os discípulos deveriam ser testemunhas
não apenas no território de Israel, mas até aos confins da terra. Não apenas
aos judeus, mas também aos gentios. O reino de Deus domina sobre uma comunidade
internacional em que raça, nação, posição e sexo não são barreiras para a
comunhão. A missão da igreja, portanto, é global. Devemos ir atrás da última
tribo da terra.
Esta foi a essência do ensino de Jesus
durante os quarenta dias entre a ressurreição e a ascensão: quando o Espírito
viesse em poder, o tão prometido reino de Deus, que o próprio Jesus inaugurara
e proclamara, começaria a expandir-se. No entanto, antes que o Espírito pudesse
vir, o Filho precisava partir. Esse é o próximo assunto de Lucas.
Lucas narra a elevação de Jesus no
final do Evangelho (Lucas 24.50–52) e no início de Atos (1.2, 9–11). A
descrição que Lucas faz em Atos é mais completa que a do Evangelho. Todavia,
Stott observa que “(1) ambos os relatos dizem que a ascensão de Jesus seguiu-se
ao comissionamento dos apóstolos para que fossem suas testemunhas. (2) Ambos
dizem que ela se deu fora de Jerusalém, em algum lugar do Monte das Oliveiras.
(3) Ambos dizem que Jesus "foi elevado às alturas", sendo que o uso
da voz passiva indica que a ascensão, assim como a ressurreição, foi um acto do
Pai que, primeiro, o levantou dentre os mortos e, depois, o elevou às alturas.
(4) Ambos relatam que os apóstolos "voltaram a Jerusalém"; o
Evangelho acrescenta: "tomados de grande júbilo". (5) Ambos dizem que
depois disso eles aguardaram a vinda do Espírito, de acordo com a ordem e
promessa expressa do Senhor".
A ascensão visível de Cristo tinha um
propósito definido. Lucas inclui a ascensão de Jesus entre as verdades
históricas que as testemunhas oculares podiam certificar. Quando Judas é
substituído, Pedro faz do batismo de João e da ascensão de Jesus o início e o
fim do ministério público acerca do qual os apóstolos precisam testemunhar
(1.22).
Na transição de seu estado terreno para
o celestial, Jesus poderia voltar para o Pai secretamente. Mas a razão para uma
ascensão visível é que ele desejava que os discípulos soubessem que ele estava
a partir de vez. “Ele passou aqueles quarenta dias, aparecendo, desaparecendo e
reaparecendo. Mas esse período havia terminado. Desta vez, sua partida era
definitiva” (Stott, 2008). Portanto, eles não deviam aguardar uma outra
aparição. Pelo contrário, deveriam esperar outra pessoa, o Espírito Santo
(1.4). O Espírito viria somente após a partida de Jesus, e então os discípulos
estariam aptos a dar início à missão no poder que receberiam dele (Jo 16.7). Os
versículos 12 ao 14 mostram que a ascensão visível de Cristo atingiu o efeito
planeado. Os apóstolos voltaram para Jerusalém e esperaram pelo Espírito.
Se quisermos perceber a ênfase de Lucas
ao contar a história da ascensão, precisamos prestar atenção àqueles dois
varões vestidos de branco (v. 10) - àqueles anjos enviados da corte celestial
(Mc 16.5; Jo 20.12; Ap 4.4) - ; que se puseram ao lado dos apóstolos, e fizeram
uma pergunta: “Varões galileus, por que estais olhando para as alturas?” (v.
11a). Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modo como o
vistes subir (v. 11b). Esse mesmo Jesus, indica que sua segunda vinda será
pessoal, em seu corpo humano ressuscitado e glorificado. E "do mesmo modo
como" indica que a sua vinda também será visível e gloriosa; como diz a
Escritura: "E então verão vir o Filho do homem numa nuvem, com poder e
grande glória.” (Lc 21.27; cf. tb.: Mt 24.30; 26.64; 1 Ts 4.16, 17).
Esse foi o retorno de Jesus ao céu, de
onde ele tinha vindo. Ele veio em humilhação e retornou na nuvem de glória,
sendo elevado ao céu à destra de Deus. A nuvem que ocultou-o dos olhos deles
(1.9), indica a presença gloriosa de Yahweh (Êx 40:34; Lc 9.34–36). Essa foi a
nuvem profetizada no livro de Daniel, onde o Filho do Homem aparece diante do
Ancião de Dias, vindo na nuvem de glória (Dn 7.13).
Haverá, contudo, algumas diferenças
importantes entre a partida de Jesus e o seu retorno. Sua volta será pessoal,
mas ela não será vista por poucos, como na ascensão. Apenas os onze apóstolos o
viram partir, mas quando ele voltar "todo olho o verá” (Ap 1.7). Em vez de
voltar sozinho (como partiu), milhões de santos - humanos e angelicais -
formarão sua comitiva. E em vez de ser uma volta restrita a um local ("Lá
está!" ou " Ei-lo aqui!" ), será "assim como o relâmpago
sai do oriente e se mostra até ao ocidente” (Mt 24.27).
Entre a ida e volta de Cristo,
alonga-se um período de duração indeterminada que deve ser preenchido pelo
testemunho da igreja. Mas enquanto isso, à semelhança dos discípulos, ansiamos
pelo dia quando o reino será manifesto, quando ele trará o novo céu e a nova
terra, o reino consumado em sua plenitude. Aguardamos ansiosamente por isso.
O nosso Senhor voltará em glória.
Enquanto isso, é hora de trabalharmos para cumprir a Grande Comissão. É hora de
testemunharmos da realidade deste reino por todo o mundo. “É tarefa da igreja
visível tornar visível o reino invisível de Cristo” (Calvino), para manifestar
às pessoas como seria viver numa comunidade governada por Jesus.
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Referências: Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1946-1947. / Lopes, H. D.
2012. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja:
Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 32. / Nathan, B. 2020. “Jesus, Ascension of” (Em Barry, J. D., ed. Lexham Bible Dictionary. Bellingham, WA: Lexham Press). /
Stott, J. 2008. A Mensagem de Atos: até os confins da terra. SP: ABU. / Sproul,
R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP:
Cultura Cristã, p. 16.
Pr. Leonardo Cosme de Moraes