Dez dias após sua Ascensão, Jesus, o Filho, junto ao Pai,
enviou o Espírito Santo, no Dia de Pentecostes. Esse foi o dia do cumprimento
da promessa de Jesus aos apóstolos: “Vós sereis batizados com o Espírito Santo
dentro de poucos dias” (At 1.5). O evento cumpre as profecias de Isaías 32.15
(“até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto”) e Jl 2.28-32, o
derramamento do Espírito Santo, indicando a chegada dos últimos dias (cf. tb.
Jr 31.33–34; Ez 36.26–27; 39.29).
A partir de Pentecostes, o Espírito de Deus passou a habitar
nos salvos em caráter permanente: Ele veio para ficar (Jo 14.16-17) e para
capacitar a igreja para o testemunho eficaz (At 1.8). Embora o Espírito
estivesse presente na velha aliança, os crentes da nova aliança possuem permanentemente
o Espírito, que os capacita de maneira única para testemunhar. Agora, o
Espírito estava vindo para as pessoas de uma maneira nova e mais poderosa.
No Velho Testamento a unção do Espírito foi restrita a
certos indivíduos. Joel profetizou que virá o tempo em que Deus derramará seu
Espírito sobre todo o povo de Deus. Pedro interpretou os eventos do Pentecostes
como o cumprimento da profecia de Joel (2.14-18). O Pentecostes marcou uma nova
época no plano divino de redenção.
Nenhum daqueles que viveu antes da Ascensão de Jesus, que
está à mão direita do Pai, foi batizado com o Espírito Santo. Existem,
portanto, duas grandes épocas distintas. É por essa razão que ninguém hoje pode
provar aquela experiência das duas épocas como os apóstolos tiveram. Eles
viveram na época antes do batismo com o Espírito Santo, antes do Pentecostes, e
viveram também na época depois de Pentecostes, e receberam o batismo com o
Espírito Santo (Robertson, 1999).
A descida do Espírito Santo pertence à história da salvação
(At 1.5; Lc 3.16; At 2). Os eventos na história da salvação, diferentemente da
aplicação contínua da obra de Cristo, referem-se a eventos que fazem parte da
realização da obra de Cristo, feita de uma vez por todas (Gafin, 2003). O
Natal, a Sexta-feira Santa, a Páscoa, a Ascensão e o dia de Pentecostes são
celebrações anuais, mas o nascimento, a morte, a ressurreição, a ascensão e a
dádiva do Espírito são actos redentores que aconteceram uma única vez (Stott;
Fee). O dia de Pentecostes foi aquele momento da história da redenção quando
Deus liberou o poder do Espírito Santo e o deu para sua igreja, não somente
para aqueles que estavam reunidos lá, mas para a igreja de todas as épocas e
para cada cristão através dos tempos (Sproul, 2017).
A estrutura histórica de transição, da Velha para a Nova
Aliança, no livro de Atos dos Apóstolos não deve ser ignorada como fazem
aqueles que pensam que Atos 2 estabelece paradigmas permanentes para a
experiência cristã (Gafin 2003; Robertson, 1999). As experiências dos crentes
no Pentecostes (At 2.1-13) e Samaria (At 8.16,17), geralmente citadas como
experiências de duas fases, representam a vinda inaugural do Espírito Santo
sobre diferentes grupos de crentes (judeus e samaritanos), que viveram durante
a transição da Velha para a “Nova época do Espírito” no contexto da Nova
Aliança. Estas experiências não são normativas para os crentes na era presente.
Trata-se de “um pretendente histórico” (Fee, 2011).
A mesma experiência recebida pelos judeus foi dada igualmente
aos samaritanos (At 8.16,17), aos tementes a Deus (At 10.44-45) e aos ‘gregos’
(At 19.6), promovendo a unidade e confirmando a universalidade da povo de Deus
no contexto da Nova Aliança inaugurada pelo Senhor Jesus Cristo. Isto é, que na
igreja não há distinções étnicas, culturais ou sociais que dividam as pessoas:
Deus dá seu Espírito a todas as pessoas que vêm à fé, judeus ou gentios, homens
ou mulheres escravos ou livres (Atos 2.16-21).
A Vinda do Espírito Santo e o nascimento da igreja cristã. A
vinda do Espírito Santo em Pentecostes reuniu os cristãos no Corpo de Cristo, a
Igreja (1Co 12.13). Desse momento em diante, judeus e gentios seriam uma nova
humanidade em Cristo Jesus e membros do mesmo Corpo (Ef 2.11–22). A Bíblia diz:
“em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer
gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só
Espírito” (1 Co 12.13, ARA).
“O Senhor Jesus Cristo é quem realiza esse baptismo. Os
novos cristãos são baptizados. O elemento com o qual Jesus baptiza esses novos
discípulos é o Espírito Santo. E o propósito desse baptismo é uni-los ao corpo
de Cristo, a Igreja” (Alisson, 2021). Portanto, o Baptismo com o Espírito Santo
não foi apenas um evento histórico no Dia de Pentecostes, mas também faz parte
da experiência inicial de salvação de todos os crentes (1 Co 12.13). Trata-se
de uma experiência cristã inicial, universal e permanente.
O Baptismo com o Espírito Santo não ocorre como uma segunda
bênção, subsequente a experiência inicial de salvação. No corpo de Cristo não
há crentes de duas classes. A única pré-condição para receber o Baptismo do
Espírito - ou ser incorporado no corpo de Cristo - é a fé em Cristo, que traz a
salvação inicial (At 11.17; Gl 3.2, 13, 14; Jo 7.38,39). Pedro disse ao público
em Jerusalém: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus
Cristo, para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo”
(2.38 – NVI).
Além disso, Cristo e o Espírito Santo não estão tão
divididos que cada um deva, separadamente e em tempos apropriados, batizar um
no outro. O batismo no corpo de Cristo não é uma coisa sem o Espírito, que mais
tarde é melhorada por um batismo espiritual no Espírito Santo. Pois é um só
Espírito que batiza no corpo de Cristo (1 Co 12.13a). No batismo em Cristo, o
batismo no Espírito Santo ocorre (Bruner, 1986).
Depois do Pentecostes, os únicos dois mandamentos bíblicos
em relação ao Espírito são viver/andar no Espírito (Gl 5,16,25) e deixar-se
encher pelo Espírito (Ef 5.18). Estes mandamentos estão no tempo presente e
sugerem o crescimento contínuo na vida do crente que já tem com o Espírito.
A descrição do evento do Pentecostes (2.1-13). No
dia de Pentecostes, o Espírito de Deus veio sobre seu povo (Jo 7.37-39). Os
crentes ficaram cheios do Espírito e experimentaram o Batismo com o Espírito
Santo (1.5). Lucas emprega a expressão ficaram cheios para
descrever a experiência. É importante observar, que aquilo que aqui se chama
“ficar cheio” (especificamente nesta passagem), também é denominado de
“batismo” (1.5 e 11.16), um “derramamento” (2.17-18; 10.45), e um “recebimento”
(10.47); um ser “revestidos de poder” do alto (Lc 24.49).
Estavam todos reunidos no mesmo lugar. O termo todos
do versículo 1, aparece mais uma vez no versículo 4, e deve ser entendido
no sentido de que não só os doze estão presentes, mas também as mulheres e os
outros discípulos mencionados em 1.13–15. Foi sobre todos esses, e não só sobre
os doze, que o Espírito desceu. Não sabemos se a "casa" do versículo
2 ainda é o cenáculo (At 1.13; 2.46b), ou uma casa em algum lugar nas
proximidades do templo (Lc 24.53, 2.46a). Por conseguinte, o contacto dos
discípulos com a multidão indica que o cenário deve ser o terreno do templo, o
único lugar em Jerusalém que poderia acomodar mais de 3.000 pessoas
(2.41).
Já o tempo da vinda do Espírito é indicado com precisão: foi
no dia de Pentecostes (1.1). Este era o dia de Ação de Graças judaico. O povo
reunia-se para o evento de Ação de Graças do Pentecostes no santuário em
Jerusalém para agradecer a Deus pela colheita. Era chamada Festa da Colheita
(Êx 23.16, 21), pois nela comemorava-se o fim da colheita dos cereais; ou Festa
das Semanas ou Pentecostes, porque acontecia sete semanas ou cinquenta dias
após a Páscoa, dia em que iniciava-se a colheita dos cereais (Lv
23.15,16). Nesta data, os judeus lembravam-se da entrega total da lei no Monte
Sinai, pois isso aconteceu cinquenta dias após o Êxodo (Êx 19.1).
A vinda do Espírito foi acompanhada por três sinais
sobrenaturais (vento, fogo e línguas). O som não era vento, mas soava como
vento; a visão não era fogo, mas lembrava o fogo; e falava-se em outras línguas
como de fogo (2.3).
O vento é um símbolo da presença do Espírito Santo (Ez 37.9;
Jo 3.8), enquanto o fogo é um símbolo de Seu poder de purificação (Mt 3.11,
12). Quando Deus deu a lei ao povo no Monte Sinai, chamas foram vistas nas
montanhas, simbolizando o poder transcendente da majestade de Deus (Êx 19.19).
O derramamento do Espírito Santo produziu o fenómeno das
línguas. Os discípulos receberam o poder sobrenatural de falar línguas
estrangeiras que nunca haviam estudado. Não eram palavras sem sentido
ou declarações extáticas, mas línguas faladas em todas as partes da região
oriental do Mediterrâneo, de Roma à Pérsia. Assim, Judeus e prosélitos de
diversas partes do mundo puderam ouvir os discípulos falando em sua própria
língua materna (At 2.11).
O que eles experimentaram foi mais do que sensorial; foi
significativo. Essa ocorrência foi um sinal para indicar que o plano redentor
de Deus deslocou-se da atividade centrada nos judeus, para uma atividade que
abrange todas as nações (1Co 14.21-23; Is 28.11-12; Dt 28.49; At 2, 8, 10,
19). O falar em outras línguas simbolizou uma nova unidade no Espírito,
transcendendo barreiras raciais, nacionais e linguísticas.
Lucas procura enfatizar que estavam ali,
representativamente, pessoas "de todas as nações debaixo do céu"
(2.5). Atos 2 apresenta-nos uma lista das nações semelhante à de Génesis 10.
Nada poderia ter demonstrado de forma mais clara a natureza multirracial,
multinacional e multilíngue do reino de Cristo. Em Babel (Gn 11.1-9), as
línguas humanas foram confundidas e as nações espalhadas; em Jerusalém, a
barreira linguística foi vencida de forma sobrenatural, como sinal de que as
nações agora seriam reunidas em Cristo, como um só povo de Deus a serviço do
Seu reino.
Atos 2 é a única passagem em que o fenómeno das línguas é
descrito e explicado. A glossalalia (‘o falar em línguas’) no dia de
Pentecostes foi uma habilidade sobrenatural para falar em línguas
reconhecíveis. Não foi, portanto, uma algaravia fervorosa ou uma livre
vocalização emotiva, aprendida ou sugestionada.
Ademais, a ocorrência de línguas no dia de Pentecostes não
deve ser usada como prova de que a dádiva do Espírito deve sempre ser
acompanhada desse fenómeno. A com clareza diz que todos os coríntios haviam
sido batizados com o Espírito Santo (1 Co 12.13), mas nem todos falavam em
línguas (12.30). O Espírito não concede os mesmos dons a todos (12.7, 11;
14.17, 26). Portanto, não é verdade que falar em línguas é resultado inevitável
do Batismo com o Espírito.
Por fim, Lucas descreve três reações ao
milagre das línguas (2.7–13). Em primeiro lugar, o Preconceito
(2.7). Os galileus eram recebidos em Jerusalém como pessoas de segunda classe.
O sotaque arrastado dos galileus incomodava os judeus de Judéia. Por causa da
pronúncia defeituosa do idioma falado, alguns judeus achavam que os galileus
deveriam ser proibidos de ler a Torá publicamente nas sinagogas. Eles tinham
medo de que o sotaque do Galileu ofendesse o criador. Portanto, ao escolher
esses galileus, Jesus de Nazaré ensina-nos que o nosso local de nascimento não
deve ser um empecilho para sermos usados na obra de Deus.
Em segundo lugar, o Ceticismo (2.12). Todos, atônitos e
perplexos, interpelavam uns aos outros: Que quer isto dizer? Mas depois da
pregação de Pedro, se arrependem e creram quase 3000 pessoas, as quais foram
baptizadas e unem-se à igreja (2.41).
Em terceiro lugar, a Zombaria (2.13). Um grupo dentre a
multidão rotulou o fenómeno das línguas como resultado de embriaguez. Mas não
era o excesso de vinho (2.15), pois durante as festas, os judeus jejuavam até o
encerramento dos cultos matinais. Lucas descreve este evento acima de qualquer
dúvida: eles "passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes
concedia" (2.4).
É o Espírito Santo quem capacita o povo de Deus para o
cumprimento da grande comissão (1.8). A obra do Espírito Santo é tão importante
como a obra de Cristo. É por isso que antes de enviar a igreja ao mundo, Jesus
enviou o Espírito Santo à igreja. “Se os ministros não derem crédito à obra do
Espírito Santo, darão pedra em vez de pão ao seu rebanho”, como escreveu
Abraham Kuiper. Sobre isso também advertiu-nos E. M. Bounds, “Homens mortos
pregam sermões mortos e sermões mortos matam”. Por outras palavras, a Palavra é
ineficaz sem o Espírito. Temos uma doutrina maravilhosa, mas sem o Espírito,
não poderá produzir vida.
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Referências: Allisson. G. 2021. 50 verdades essenciais da fé cristã: um
guia para compreender e ensinar doutrina. SP: Vida Nova. / Boor, W. 2002. Comentário Esperança, Atos dos Apóstolos.
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A., ed. Cessaram os Dons Espirituais? São Paulo: Vida, p. 23-90). / Gordon,
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Robertson, P. 1999. Você já foi Batizado com o Espírito Santo? Recife: Os
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São José dos Campos, SP: Editora FIEL, p. 278–282. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP:
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Pr. Leonardo Cosme de Moraes