A vinda do Reino

 




O tema da vinda do Reino de Deus foi central na missão de Jesus (Mt 4.17; Mc 1.15). Seu ensino visava mostrar aos homens como entrar no Reino de Deus (Mt 5.20; 7.21). Suas obras poderosas pretendiam provar que o Reino de Deus chegara a eles (Mt 12.28). Suas parábolas ilustraram para seus discípulos a verdade a respeito do Reino dos céus (Mt 13.11) - Reino de Deus e reino dos Céus (ou Reino que vem dos céus) são termos intercambiáveis (veja Mt 19.23-25). 

 

Do princípio ao fim, a Bíblia proclama a soberania eterna de Deus sobre todas as coisas (Is 40.12-48). Ele reina supremo como criador e sustentador de tudo o que existe. No entanto, a Bíblia também conta-nos como Adão e Eva rejeitaram a autoridade de Deus como rei do universo com trágicas consequências para a história da humanidade.

 

A partir desse início trágico (Gn 3), a Bíblia revela como Deus restabelece gradual e pacientemente seu reinado sobre toda a terra, redimindo a humanidade e subjugando seus oponentes. O ponto central para este processo é o Senhor Jesus Cristo, cuja morte, ressurreição e ascensão são centrais para estender o reinado de Deus por toda a terra. Aqueles que reconhecem Jesus como Rei tornam-se membros do reino de Deus. 

 

Embora o reino já esteja presente e a crescer na terra, a Bíblia antecipa um tempo em que Jesus retornará em glória como rei universal para recompensar os justos e punir os ímpios. Quando isto acontecer, o reinado de Deus se estenderá sem contestação no novo céu e na nova terra. 

 

O progresso do Reino de Deus (Mt 13.31-33). A vinda do reino de Deus parece insignificante, quase imperceptível, como uma pequena semente ou como o fermento escondido na massa do pão, mas sua influência acabará por espalhar-se por todas as nações.

 

Na parábola da semente de mostarda, Jesus estava a dizer aos ouvintes que o reino o qual viera anunciar e inaugurar era minúsculo naquele momento (v. 32b). A semente de mostarda mal pode ser vista quando colocada na terra; porém, depois, começa a crescer e expandir-se até tornar-se uma “hortaliça” grande o suficiente para servir de ninho às aves. A imagem lembra passagens do AT que retratam um grande reino como uma grande árvore com pássaros em seus galhos (Jz 9.15; Ez 17.22–24; 31.3–14; Dn 4.7–23). Portanto, o tamanho actual do Reino e sua aparente insignificância não são, de modo algum, indicadores de sua consumação, a qual abrangerá todo o universo.

 

Na sequência, Jesus comparou o reino dos céus ao fermento no contexto da culinária (Mt 13.33). Jesus falou sobre uma mulher que estava a realizar esta tarefa. Ele disse que ela “escondeu” o fermento na massa. Com isso, Jesus expressava que o reino dos céus estava escondido à vista da maioria das pessoas naquele momento, mas que, apesar disso, estava em actuação. Quando o fermento é acrescentado à farinha, nada parece acontecer por um momento, mas ao final toda a massa está fermentada. De maneira semelhante, o reino de Deus está escondido agora, até que um dia surgirá a céu aberto para ser visto por todos.

 

Os homens podem rejeitar Jesus, mas nunca poderão detê-lo. O Reino de Deus é como uma semente minúscula que se transforma numa grande árvore; é como o fermento que, um dia, permeará toda a tigela de massa. Portanto, o reino em seu estado presente é objeto de fé, não de uma visão clara. Mas quando a fase final do reino for instaurada pela segunda vinda de Jesus Cristo, “toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.11); o reino do cosmos será dele “e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 11.15b).

 

As fases do reino de Deus. O reino de Deus envolve dois grandes momentos: cumprimento dentro da história e a consumação ao fim da história. O Reino é uma realidade actual (Mt 12.28) e, ao mesmo tempo, é uma bênção futura (I Co 15.50).

 

O Reino de Deus é uma realidade presente. O Reino é um domínio no qual os seguidores de Jesus Cristo já entraram. Paulo escreve que Deus nos “resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado” (Cl 1.13;  Ef 5.5). Em Mateus 21.31, Jesus advertiu os falsos religiosos dizendo: “Os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus”. 

 

O Reino de Deus agora não é físico, nem geográfico, nem político. Jesus disse para Pilatos: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18.36). Quando os fariseus perguntaram a Jesus sobre quando o Reino de Deus viria, ele respondeu: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês” (Lc 17.20,21).

 

O Reino agora é uma bênção espiritual redentora – Rm 14.17: justiça, paz, alegria no Espírito Santo. Neste sentido, o Reino de Deus é a esfera na qual se vivência o reinado de Deus. Esta bênção redentora é experimentada apenas por meio do novo nascimento (Jo 3.3).

 

No Sermão do Monte, as bem-aventuranças descrevem o tipo de pessoa de quem se pode dizer: “deles é o reino dos céus” (Mt 5.3–12). Neste reino, o maior é o menor; e quem governa como quem serve.” (Lc 22.26). Neste reino, quem quiser ser o primeiro, deve ser servo de todos (Mt 20.27).

 

A porta de entrada do Reino inaugurado na primeira vinda de Cristo é o arrependimento dos pecados para com Deus e a fé na pessoa e na obra de Cristo (Mc 1.15).

 

O Reino de Deus é, ao mesmo tempo, um domínio futuro. O reino de Deus culminará nos novos céus e nova terra; quando “a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.19–21; cf. tb. Ef 1.8–10; Cl 1.19–20; 2 Co 5.17); quando, enfim, teremos corpos glorificados numa nova ordem cósmica (I Co 15.50). 

 

Nosso Senhor referiu-se muitas vezes a esse evento futuro. “Muitos virão do oriente e do ocidente, e se sentarão à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus (Mt 8.11). “Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo’” (Mt 25.34). “É melhor entrar no Reino de Deus com um só olho do que, tendo os dois olhos, ser lançado no inferno” (Marcos 9.47). 

 

Nessas passagens, o Reino de Deus equivale aos aspectos da vida eterna a ser experimentado apenas após a segunda vinda de Cristo. O apóstolo Paulo adverte que certas pessoas serão excluídas do reino de Deus: “Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus?” (1Co 6.9); “… eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam [as obras da carne]” (Gl 5.21). Em Efésios 5.5, ele escreve: “Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus”.

 

A relação entre o reino de Deus e a igreja. O reino de Deus refere-se ao facto de Deus governar. O reino deve ser concebido como o domínio e autoridade de Deus em todas as esferas da existência. “O Senhor tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo" (Salmos 103.19). “O teu reino é reino eterno, e o teu domínio permanece de geração em geração." (Salmo 145.13).

 

O reino estava presente no céu mesmo antes da criação dos seres humanos, pois os anjos estavam sujeitos a Deus e lhe obedeciam. Eles estão incluídos em seu reino agora, e assim estarão no futuro. Mas eles nunca foram nem serão parte da igreja. 

 

A igreja de Cristo, entretanto, é uma manifestação do reino. O reino é o governo de Deus, enquanto a igreja é a comunidade humana debaixo desse governo. O reino não deve ser confundido com os seus súbditos. A igreja é a comunidade do reino, mas nunca o reino em si. Os discípulos de Jesus pertencem ao reino assim como o reino pertence a eles; todavia, eles não são o reino. O reino é o domínio de Deus; a igreja é o povo do domínio; uma sociedade de pessoas regeneradas que adentraram o reino, nele vivem. 

 

George Ladd faz cinco afirmações básicas a respeito da relação entre o reino e a igreja:

 

(1) A igreja não é o reino. Jesus e os primeiros cristãos pregaram que o reino de Deus estava próximo e não que a igreja estava próxima; eles pregaram as boas novas do reino e não as boas novas da igreja: At 8.12; 19.8; 20.25; 28.23, 31). 

 

(2) O reino cria a igreja quando as pessoas entram no reino de Deus elas unem-se a comunhão da igreja. Logo, entrar no reino de Deus implica em tornar-se membro da Igreja como corpo místico de Jesus Cristo.

 

(3) A igreja testemunha do reino, pois Jesus disse: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim.” (Mt 24.14). 

 

(4) A igreja é a guardiã do reino, porquanto à igreja foram dadas as chaves do reino dos céus (Mt 16.19).

 

(5) A igreja é o instrumento do reino. Na medida em que a Igreja serve de instrumento para o estabelecimento e a extensão do Reino, naturalmente ela está subordinada a este como um meio para um fim.

 

Pertencer ao reino de Deus não é uma conquista humana. Deus chama-nos para o seu reino (1Ts 2.12); dá-nos o reino (Lc 12.32); traz-nos para o reino do seu Filho (Cl 1.13). No entanto, o reino de Deus exige, de nós, arrependimento e fé (Mc 1.15). 

 

Somente aqueles nascerem de novo podem entrar no reino de Deus (Jo 3.3,5). Toda vez que o Espírito Santo regenera um coração, o Reino vem e o Rei governa. Mas só Deus pode fazer alguém renascer (Jo 1.13; 3.6); logo, o ponto em que a mensagem do evangelho atinge o ouvinte é a intimação para crer em Jesus Cristo (Jo 3.16; 1 Jo 5.1).

 

Jesus disse que devemos “receber o reino de Deus” como uma criança (Mc 10.15). O que é recebido? O governo de Deus. Jesus ensinou que devemos procurar “em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6.33). Devemos buscar a justiça de Deus — o domínio dele em nossa vida. A oração do crente é: “Venha o teu Reino” (Mt 6.10) - que só o Senhor seja Rei sobre todo o mundo. Portanto, o reino de Deus demanda um compromisso radical (Lc 14.26; Mt 13.44-46); como advertiu Jesus: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai …” (Mt 7.21).

 

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Referências: Alexander, T. D. “The Kingdom of God” (in Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2351). / Berkhof, L. 2012. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, p. 523–525. / Carson, D. A. 1984. ‘Matthew’. (Gaebelein, F. E. The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke, vl. 8. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 319–320). / Crossway Bibles, The ESV Study Bible (Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008), p. 1849. / David Seal, “Kingdom of God”, org. John D. Barry, Dicionário Bíblico Lexham (Bellingham, WA: Lexham Press, 2020). / Hoekema, A. A. 2012. A Bíblia e o Futuro. SP: Editora Cultura Cristã, p. 52–66. / Hendriksen, W. 2010. Mateus, vl. 2. Comentário do Novo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã, p. 78–83. / Ladd, G. E. 2008. O evangelho do reino: estudos bíblicos sobre o reino de Deus. SP: Shedd Publicações. / Lopes, H. D. 2019. Mateus: Jesus, o Rei dos Reis: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 434–437. / Seal, D. “Kingdom of God” (Barry, J. D., ed. 2020. Dicionário Bíblico Lexham. Bellingham, WA: Lexham Press). / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã, p. 382–386.

 

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes