Os membros da igreja viviam juntos em harmonia, enquanto
continuavam a proclamar a ressurreição do Senhor Jesus Cristo (4.32-33). Eles
praticavam uma partilha espontânea e voluntário de bens (4.35, 2.45). Não foi
uma divisão uniforme e arbitrária realizada numa determinada ocasião. O direito
à propriedade particular não foi abolido. A venda dos bens era absolutamente
voluntária, não obrigatória (4.34, 5.4). A igreja só controlava os recursos a
partir do momento em que estes haviam sido entregues aos apóstolos. Lucas
simplesmente descreve uma acção amorosa, espontânea e voluntária (veja, por
exemplo, 2 Coríntios 8 e 9).
Lucas entrelaça seu resumo com exemplos concretos. Aqui ele
oferece dois casos, um positivo (4.36, 37) e outro negativo (5.1-11). O primeiro
caso era de um homem cujo verdadeiro nome era José, mas que os apóstolos
chamavam de Barnabé - nome que significa Filho do encorajamento (4.36-37).
Barnabé era um levita natural de Chipre. Ele recebeu esse
nome devido ao seu caráter admirável. Ao longo de Atos, Barnabé é um
conciliador e construtor de pontes entre as pessoas e comunidades (9.27;
11.22–26, 29, 30; 13.2; 14.12, 20, 27-28; 15.2, 37). Ele tinha um ministério de
encorajamento. Ele sempre investiu na vida das pessoas. Ele apresentou o recém-convertido
Paulo ao círculo apostólico quando todos os demais suspeitavam dele (9.27). Ele
trouxe Paulo a Antioquia para participar da divulgação aos gentios (11.25–26).
E ele defendeu o jovem João Marcos quando Paulo não quis levá-lo com eles
(15.36–39). Aqui ele abre mão de uma propriedade para socorrer os necessitados
da igreja. Ele não teria sido citado como um exemplo de generosidade se a
prática não fosse voluntária (4.36-37).
Depois de retratar a conduta exemplar de Barnabé, Lucas
descreve a conduta avarenta de Ananias e Safira (5.1-11). Vemos aqui um
contraste entre a atitude de Barnabé e a conduta de Ananias e Safira. Todos
eram membros da igreja. Todos venderam uma propriedade, levaram os valores e
depositaram aos pés dos apóstolos. A diferença entre eles era a motivação.
Barnabé foi inspirado pelo amor; Ananias e Safira, pelo egoísmo. Barnabé
ofertou para a glória de Deus; Ananias e Safira, para sua própria glória.
A sequência da narrativa sugere que Ananias e Safira foram
movidos pelo ciúme e pelo desejo de ser tão admirados quanto Barnabé. Eles
queriam impressionar a igreja. Eles queriam fazer com que as pessoas
acreditassem que eram mais espirituais do que na realidade eram.
Ananias tentou representar sua ação como divinamente
inspirada pelo Espírito Santo. Ele e sua esposa tentaram envolver o Espírito
Santo numa mentira (5.9). Eles deliberaram agir de forma hipócrita. Houve uma
aliança para o mal.
Pedro atribui as ações de Ananias à influência do maligna
(5.3-4; Gn 3.4; Jo 8.44; Ap 12.9). Satanás foi o instigador por trás da
conspiração do casal, "enchendo" seus corações, assim como o Espírito
havia "enchido" a comunidade para o testemunho (4.31). Satanás tentou
infiltrar dois impostores na igreja para atacá-la com a corrupção a partir de dentro.
Se Pedro não tivesse mostrado discernimento, Ananias e Safira teriam se tornado
pessoas influentes dentro da Igreja!
As palavras de Pedro indicam que o Espírito Santo é Deus e
que Ele é uma pessoa divina cuja paciência pode ser provocada. (At 5.3-4, 9).
No versículo 3, Pedro declara que Ananias mentiu ao Espírito Santo e, no
versículo seguinte, diz que Ananias mentiu a Deus. Num versículo subsequente
(v. 9), ele diz que o casal colocou à prova o Espírito do Senhor. Logo, para
ele, o Espírito Santo é uma pessoa Divina. Ele não uma força impessoal.
A Bíblia ensina que o Espírito é claramente distinto do
poder ou da força de Deus em ação no mundo (Jo 14.26; 15.26; 16.13-14; Mt
28.19; 2Co 13.14). Por exemplo, Lucas 4.14 ("Então, Jesus, no poder do Espírito,
regressou para a Galiléia") significaria então 'Jesus, no poder do poder,
regressou para a Galiléia". E Atos 10.38 ("Deus ungiu a Jesus de
Nazaré com o Espírito Santo e com poder") significaria "Deus ungiu a
Jesus com o poder de Deus e com poder" (v. tb. Rm 15.13; 1Co
2.4).
Pedro deixou claro a natureza voluntária da caridade da
igreja. Ananias não tinha que dar nada (5.4). Ninguém havia pedido a Ananias
que vendesse a propriedade. Ele não teria cometido nenhum pecado se não
vendesse sua propriedade; ou se vendesse e não desse nada ou só a metade. Seu
pecado foi dar uma parte, dizendo que estava dando tudo. Seu pecado foi mentir
ao Espírito e enganar a igreja (5.3-4, 8). Assim que ouviu as palavras de
Pedro, Ananias caiu e expirou, e foi levado e sepultado por alguns moços (5.5).
Safira fica preocupada e começa a procurar pelo marido
(5.7-11). Quando se aproxima de Pedro e aparentemente pergunta-lhe onde está
seu marido, Pedro pede que ela lhe responda a uma pergunta: “Foi esse o valor
que você e seu marido receberam pelo terreno?”. Ela respondeu: “Sim, foi esse o
valor”. Então Pedro disse: “Como vocês puderam conspirar para pôr à prova o
Espírito do Senhor” (Atos 5.8, 9). Pedro complementa sua frase, dizendo: “Veja,
os jovens que sepultaram seu marido estão logo ali, perto da porta, e também
levarão você. No mesmo instante, ela caiu no chão e morreu. Quando os jovens
entraram e viram que ela estava morta, levaram seu corpo para fora e a
sepultaram ao lado do marido.” (5.9, 10). Deus usa Pedro como porta-voz, mas o
próprio Deus é quem julgou Ananias e Safira (5.5, 11; Is 11.4).
O resultado do julgamento de Deus foi uma onda de temor
piedoso que se espalhou por toda a igreja e entre os que ouviram o relato (At
5.5, 11, 9.31; 17.17; 19.17). Portanto, o relatório continha uma advertência a
qualquer um que desejasse infiltrar-se na assembleia dos crentes com o
propósito de enganar.
Geralmente, Cristo mantém a pureza de Sua Igreja por meio do
processo ordeiro de disciplina da igreja, levando, se necessário, à excomunhão
(Mt 18.15-20; 1 Co 5.1-5). Mas este capítulo não descreve um caso de
"disciplina eclesiástica". Antes, é um exemplo do julgamento pessoal
de Deus (Hb 10.30, 31; cf.: 1Co 11.29,30). Felizmente, a maioria de nós não
recebe julgamento imediato por nossos pecados como Ananias e Safira receberam.
Tal julgamento é raro, mesmo nas Escrituras - quase sempre no princípio de uma
nova fase da história da salvação, Lv 10.1-2; Js 7). Deus usou esses
julgamentos como advertência a seu povo, inclusive a nós (1Co 10.11,12; cf. tb.
Nm 16.23-35; 2 Sm. 6.1-7).
O Deus que puniu Ananias e Safira é o mesmo Deus
radicalmente misericordioso que oferece graça até mesmo para aqueles que
planearam a crucificação de seu Filho (At 2.23, 37–39; 3.13–20). Mas podemos
ter certeza de que a consequência do pecado sem a expiação de Cristo é sempre a
morte (Rm 6.23; I Pe 4.17). Por isso, "Retenhamos a graça, pela qual
sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso
Deus é fogo consumidor" (Hb 12.28, 29).
A história de Ananias e Safira mostra que nem tudo era
romântico e justo na igreja primitiva. Nenhuma igreja é perfeita, uma vez que
todas são formadas por pecadores, e a igreja primitiva não foi exceção. Nenhum
cristão é capaz de viver à altura de tudo o que sabe ou possui no Senhor. Suas
falhas e fraquezas não fazem de você um hipócrita. A hipocrisia é a tentativa
de fazer as pessoas acreditar que somos mais espirituais do que, na realidade,
é o caso. A hipocrisia geralmente começa quando nos preocupamos mais com nossa
reputação do que com nosso caráter. É fácil condenar Ananias e Safira por sua
desonestidade, mas devemos examinar a própria vida e ver se estamos praticando
aquilo que professamos. Cantamos os hinos e corinhos de coração ou nosso louvor
não passa de uma prática rotineira? (Mt 15.8). Se Deus retirasse o fôlego de
vida dos "dissimulados religiosos" de hoje, quanta gente restaria nas
igrejas? Finalmente, esta passagem revela como a pureza e a unidade da igreja é
essencial para Deus e como Ele leva a sério o engano que ameaça essa pureza e
unidade.
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Referências:
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Pastor Leonardo Cosme de Moraes