A entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém marca o começo da narrativa da semana da paixão (Mc 11–15). Cristo
estava prestes a fazer algo que nunca fizera antes: permitiu que seus seguidores
realizassem uma manifestação pública em sua homenagem. O Senhor Jesus, de
propósito, tornou público um dos últimos actos de sua vida. Isto desencadeou a
conspiração oficial que levou a sua prisão, seu julgamento e sua crucificação.
Ele sabia que o mais maravilhoso evento
que jamais ocorrera no mundo estava prestes a acontecer. O eterno Filho de Deus
estava às vésperas de sofrer no lugar de homens pecadores; o grande sacrifício
pelos pecados estava prestes a ser oferecido; o grande Cordeiro pascal estava
prestes a ser imolado; o grande acto redentor estava prestes a ser consumado.
Por conseguinte, o Senhor cuidou para que sua morte sacrificial fosse uma morte
pública, na presença de muitas testemunhas.
Jesus planeou o modo em que entraria na
cidade de Jerusalém (Mc 11.1–6). Ele instruiu seus discípulos, quando
questionados por estarem a levar o jumentinho, a responder: "O Senhor
precisa dele e o devolverá em breve” (v. 3). Os discípulos cumpriram as ordens
de Jesus ao pé da letra (v. 4-6). Eles encontraram o jumentinho amarrado num
cruzamento principal na vila e, quando interpelados, os discípulos responderam
como Jesus havia-lhes ordenado. Ninguém fez oposição aos discípulos levarem o
jumentinho (Mc 11.6). Vemos aqui uma demonstração da omnisciência de Jesus, por
meio da qual ele sabia onde o jumentinho poderia ser encontrado. Nenhuma menção
é feita por Marcos sobre os donos do jumentinho estarem presentes, mas a frase
"algumas pessoas ali" (v. 5) pode ser equivalente aos "seus
donos”, que Lucas menciona (Lc 19.33).
Jesus tinha muitos outros discípulos,
homens e mulheres que estavam prontos para servi-lo de várias maneiras. Um
lugar para pousar, um jumentinho, uma sala para celebrar a Páscoa, ou até
mesmo, por fim, o túmulo. Enfim, tudo o que era necessário esses amigos estavam
prontos a fornecer. Uma única palavra, “o Senhor precisa disso”, era tudo o que
era necessário. O termo ‘Senhor’, no versículo 3, refere-se à identidade divina
de Jesus (Hendriksen, 2014).
Não era costume um peregrino que estivesse
entrando em Jerusalém estar montado num jumento. Apesar disso, Jesus cuidou de
acertar que sua entrada na cidade fosse realizada assim. Os preparativos
lembram a importância da grande profecia messiânica que encontra-se no livro de
Zacarias, no Velho Testamento: “Alegra-te muito, ó filha de Sião;
exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador,
humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta” (Zc
9.9).
Jesus deu instruções para que o animal
fosse um jumentinho novo sobre o qual ninguém tivesse montado. Essas duas
especificações sugerem duas diferentes considerações do Antigo Testamento
(Sproul, 2004).
A primeira é uma referência à bênção
patriarcal que Jacó dera ao seu filho Judá. A promessa do trono fora dada à
tribo de Judá: “O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre
seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos. Ele amarrará o seu
jumentinho à vide e o filho da sua jumenta, à videira mais excelente; lavará as
suas vestes no vinho e a sua capa, em sangue de uvas. Os seus olhos serão
cintilantes de vinho, e os dentes, brancos de leite” (Gn 49.10–12).
Que este jumento nunca tivesse sido montado baseia-se na lei do AT que
determinava que os animais dedicados a tarefas sagradas fossem separados do uso
comum (p. ex.: Nm 19.1,2).
Depois que o jumento foi trazido a
Jesus, foi coberto com roupas dos discípulos, e Ele montou nele (Lucas 19.35
diz que o povo colocou Jesus nele). Embora o jumentinho não tenha sido domado,
não empacou ao carregar seu Criador até Jerusalém. O Senhor cavalgou até a
cidade num tapete de vestes e ramos de palmeiras (Mc 11.7,8).
Cobrir o animal com suas próprias
vestes foi um acto de homenagem que os discípulos prestaram a Jesus. O povo
pelo caminho juntou-se a eles espontaneamente nesta homenagem, estendendo os
mantos no caminho de Jesus (Wessel, 1984).
A multidão que acompanhava Jesus,
quando ele saiu de Betânia, não é a única participante nas actividades da
entrada triunfal. Uma caravana de peregrinos já estava em Jerusalém antes da
chegada de Jesus. Tendo ouvido que Jesus tinha ressuscitado Lázaro dos mortos e
que agora estava dirigindo-se à cidade, essas pessoas vieram em grande número
para encontrar-se com ele. A multidão que veio de Betânia continua a seguir.
Isto explica a menção de Marcos de duas multidões: Os que iam à frente, e os
que o seguiam (v. 9).
No relato que João fez da entrada
triunfal, ele menciona que houve ramos de palmeiras na aclamação que Jesus
recebeu do povo (Jo 12.12,13). Marcos não especifica o uso de
palmeiras, mas diz que as pessoas cortaram ramos nos campos e espalharam os
ramos na estrada (Mc 11.9,10).
Marcos também regista o conteúdo dos
clamores e gritos de louvor do povo na entrada de Jesus em Jerusalém (Mc
11.9,10): Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino
que vem, o reino de Davi, nosso pai! Hosana, nas maiores alturas!
A linguagem desses louvores vem de uma
série de salmos que eram usados na liturgia dos judeus, aplicados
especificamente à Páscoa e à Festa dos Tabernáculos (Sproul, 2004). O Salmo 118
contém as seguintes palavras: “Oh! Salva-nos, Senhor, nós te pedimos; oh!
Senhor, concede-nos prosperidade! Bendito o que vem em nome do Senhor. A vós
outros da Casa do Senhor, nós vos abençoamos” (Sl 118.25,26).
Jesus é aclamado, na linguagem do
salmo, como “Aquele que é Bendito”, que vem em nome do Senhor. “Aquele que há
de vir” é o esperado, prometido no Antigo Testamento. A referência é ao Messias
Soberano que vem restabelecer o trono de Davi. Chegar “no nome do Senhor” não é
apenas vir por autoridade de Deus; é chegar como revelação divina pela qual o
Senhor torna-se conhecido.
A multidão repete a exclamação “Hosana”
e acrescenta “nas alturas”. Aquele que vem é da “Casa do Senhor”. A ele os
louvores deverão ser cantados, não apenas pelas multidões na terra como pelos
exércitos celestiais. “Hosana nas alturas” reflete o júbilo do Salmo
148: Aleluia! Louvai ao Senhor do alto dos céus, louvai-o nas alturas.
Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todas as suas legiões celestes.
Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes. Louvai-o, céus dos
céus e as águas que estão acima do firmamento” (Sl 148.1–4).
Ao lermos o Evangelho de Lucas,
descobrimos que nem todas as pessoas que estavam presentes na celebração da
entrada em Jerusalém juntaram-se aos festejos (Sproul, 2004). Lucas
informa que “Alguns dos fariseus lhe disseram em meio à multidão: Mestre,
repreende os teus discípulos!” (Lc 19.39). Jesus recusou-se a obedecer àquela
ordem: “Mas ele lhes respondeu: Asseguro-vos que, se eles se calarem, as
próprias pedras clamarão” (Lc 19.40). Nem mesmo a criação inanimada pode negar
aquilo que os fariseus estão dispostos a negar: “a messianidade de Jesus”. O
Messias de Israel não é um mero rei terreno. Ele é um rei cósmico. Seu domínio
é toda a ordem de sua criação. Nas palavras Abraham Kuyper, “não há um único
centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais
Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: “É meu!”
Lucas diz-nos que enquanto Jesus
entrava na cidade ao som das boas-vindas do povo, seu próprio espírito não era
de festa. Quando viu a Cidade de Jerusalém, ele chorou sobre ela e pronunciou
um oráculo profético de condenação: Ah! Se conheceras por ti mesma,
ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos.
Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e,
por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos
dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a
oportunidade da tua visitação (Lc 19.41–44).
No momento exato em que as multidões o
aclamavam como aquele que vem de Deus, Jesus estava ciente de que eles não
perceberam na realidade quem Ele era, nem o que sua missão compreendia. O choro
de Jesus foi um presságio daquilo que logo aconteceria. Depressa aproximava-se
a Páscoa e o Cordeiro Pascal estava sendo preparado para ser morto. Assim, o
palco estava montado para os acontecimentos de sua última semana de vida, que o
conduziria ao sofrimento, à crucificação, à morte e à ressurreição.
Ao entrar na cidade, Jesus foi ao
templo (11.11). Ele é o Senhor do templo voltando para sua casa (Carson, 2018),
como escreveu Malaquias 3.1: “e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem
vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem,
diz o SENHOR dos Exércitos”. Marcos informa que “Ele olhou em volta para tudo”,
como o Senhor soberano examinando a instituição para ver se ela estava
cumprindo sua missão divinamente designada. O exame era uma preparação para o
acto profético de purificação do Templo (11.15-18). O facto de Jesus não ficar
e partir sugere que sua cidade e casa não estavam preparadas para Ele.
Lições práticas que podemos extrair
desta passagem, para o bem de nossas almas (Hendriksen,
2014; Sproul, 2017; Wessel, 1984 e Ryle, 2018):
Embora fosse rico, por amor a nós, Ele
tornou-se pobre. Jesus não entrou em Jerusalém
numa carruagem real, cercado de cavalos, soldados e de um cortejo real, à
semelhança dos monarcas deste mundo. Pelo contrário, lemos que ele tomou
emprestado um jumentinho para, naquela ocasião, assentar-se sobre vestes de
seus próprios discípulos, por faltar-lhe uma sela.
Quem, dentre os leitores dos
evangelhos, poderia deixar de notar que aquele que, algumas vezes, experimentou
fome era capaz de alimentar milhares de pessoas com apenas alguns pães? Que
aquele que, algumas vezes, sentiu-se exausto podia curar os doentes e enfermos?
Que aquele que expelia demónios foi ele mesmo tentado algumas vezes? E que
aquele que era poderoso para ressuscitar os mortos haveria de submeter-se, ele
mesmo, à morte?
Não devemos esquecer-nos da união das
naturezas divina e humana na pessoa de nosso Senhor. Se pudéssemos ver apenas
seus actos divinos, talvez nos esquecêssemos do facto de que ele era um homem;
se olharmos somente para os momentos em que ele experimentou a pobreza e a
debilidade, talvez nos esquecêssemos de que ele era Deus. O propósito de Deus é
que vejamos em Jesus o poder divino e a fraqueza humana unidos numa única
pessoa. Não somos capazes de explicar esse mistério, mas podemos consolar-nos
com o seguinte pensamento: Este é o nosso Salvador, este é o nosso Cristo,
alguém capaz de simpatizar connosco, por ser homem, mas também alguém
Todo-poderoso para salvar, pois é Deus (C. Ryle, 2018). O Salvador dos
pecadores sabe muito bem o que significa ser pobre.
Ele veio para morrer a
fim de resgatar o Seu povo dos seus pecados. O reino messiânico de Jesus era
bastante diferente do esperado pela maioria dos judeus. As pessoas que
celebravam sua chegada em Jerusalém tinham uma compreensão equivocada de quem
Ele era. Elas queriam um rei que expulsasse os ocupantes romanos. Elas queriam
um rei que as libertasse de questões políticas, não do pecado. Em suma, não
estavam essencialmente interessadas num Rei que trouxesse salvação.
Ao montar um jumentinho, Jesus estava
dizendo que sua missão era de paz e que seu reino era espiritual. Estava
cumprindo a profecia de Zacarias: “eis aí te vem o teu Rei, justo e
salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta” (Zc
9.9).
Jesus veio tratar da necessidade
fundamental da humanidade, que não era a libertação de Roma, mas a libertação
do pecado, da culpa e do diabo (10,45; 14,24). O Deus Pai enviou Jesus (8.31;
9.31; 10.33-34) para morrer como resgate pelo pecado (10.45; 15.2, 9, 12, 18,
26, 32). Ele era o Rei ungido de Deus e o Salvador, mas sua conquista seria
espiritual, não militar. Ele não seria um guerreiro a vir com a pompa e a
circunstância de um conquistador. Ele viria em humildade, montado num jumento,
trazendo salvação.
No clamor da multidão havia uma
expressão da esperança de restauração nacional, do renascimento do reino de
David concebido num sentido terreno, político e militar. Mas enquanto a multidão
antecipa a derrota de Roma pelo Messias, as pessoas não têm ideia de que Jesus,
ao abraçar o papel de servo sofredor de Isaías, não veio para implementar um
reino político-militar. Ele veio para morrer a fim de resgatar o Seu povo dos
seus pecados.
Visto pelo aspeto de muitos daqueles
que clamavam, o Domingo de Ramos foi uma tragédia. Da perspetiva de Jesus,
entretanto, e de todos aqueles que, pela graça soberana, o adoram por quem
Ele realmente é, o Domingo de Ramos foi um triunfo.
O "triunfo" de Cristo seria a
vitória do amor sobre o ódio, da verdade sobre o erro, da vida sobre a morte.
Talvez seja por isso que as mesmas pessoas que estavam gritando “Hosana” e
acenando com ramos de palmeiras e outros galhos, recusaram identificar-se com
Ele, pouco mais tarde, no Gólgota.
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Referências: Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 1797-1798. / Hendriksen, W.
2014. Marcos: comentário do Novo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã,
p. 463–475. / Lopes, H. D. 2012. Marcos: O Evangelho dos Milagres. Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, p. 514–516. /
MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, p. 135–136. / Ryle, J. C. 2018. Meditações no Evangelho de Marcos. SP: Editora FIEL, p. 192–195. / Sproul, R. C. 2004. A Glória de Cristo: Conheça a Majestade do
Senhor dos Senhores. SP: Editora
Cultura Cristã, p. 115–125. / Sproul, R. C. 2017. Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus. SP: Editora Cultura Cristã, p. 532–536. / Wessel, W. W. 1984. Mark: The
Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke, vl. 8. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, p. 723–725.
Pr. Leonardo Cosme de Moraes