O FRUTO DO ESPÍRITO

Gálatas 5.16-26

 

Nesta secção da carta aos Gálatas, Paulo explica que em Cristo somos livres para amar e servir uns aos outros, e não para ‘devorar’ e ‘destruir’ uns aos outros, como se fossemos animais selvagens (5.13-15). Fomos salvos e libertos pela obra de Cristo para vivermos em santidade; e não para vivermos na prática deliberada de actos carnais impulsionados pela natureza pecaminosa (5.19-22). 

O principal alvo do Espírito Santo é aplicar os frutos do evangelho de Cristo para cumprirmos o mandato de Deus: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4.3). Quando cremos em Cristo, o Espírito passa a habitar dentro de nós (3.2). Somos “nascidos segundo o Espírito” (4.29). É o Espírito no coração que dá-nos a certeza da salvação (4.6); e é o Espírito que capacita-nos a viver para Cristo e a obedecer à vontade de Deus (3.2; 5.16,18,25; Ez 36.27; Rm 8.4, 13-14). 

Paulo discute o fruto do Espírito em sua Epístola aos Gálatas e começa sua discussão desta maneira: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne” (Gl 5.16). Este é um mandato divino. Como cristãos, somos chamados a andar no Espírito. 

Paulo continua: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei” (Gl 5.16–18). Aqui Paulo oferece um contraste entre carne e espírito. 

A alternativa para a vida “sob a lei” não é uma vida de manifestações carnais sem restrição, mas de uma vida dirigida e capacitada pelo Espírito de Deus. Somente aqueles que são "guiados pelo Espírito" (Gl 5.18) podem exibir o amor que é o supremo objetivo de todos os mandamentos da lei de Deus (Rm 8.4; 13.8–10).

A palavra grega traduzida por “carne” é sarx, e a palavra traduzida por “espírito” é pneuma. Em geral, em qualquer ocasião em que vemos sarx, ou “carne”, discutida em contraste com pneuma, ou “espírito”, o que está sendo discutido não é a diferença entre o corpo físico e o espírito, e sim a diferença entre a natureza corrupta, caída, e o novo homem, regenerado (que inclui não apenas nosso corpo, mas também nossa mente, nossa vontade e nosso coração). Este é evidentemente o caso em Gálatas 5 (cf. tb. Jo 3.6). 

Antes de Paulo explicar o que significa ser guiado pelo Espírito e detalhar o fruto do Espírito, ele mostra-nos o que o fruto do Espírito não é: “Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl 5.19–21). A frase “coisas semelhantes a estas” indica que esta lista de vícios é parcial e não representa uma lista exaustiva de pecados.

Paulo não está a dizer que, se alguém embriaga-se uma vez, não irá para o céu. Ele está a dizer que, “se estas coisas nos definem, se constituem nosso estilo de vida, isso é uma clara indicação de que estamos na carne e não no Espírito. Por outras palavras, indica que ainda não somos regenerados e ainda não estamos incluídos no reino de Deus” (Sproul, 2017). Porquanto “nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus” (Ef. 5.5; cf. tb.: 1 Co 6.9-11 e Rm 8.13).

Não há nada de subjetivo aqui. Se alguém é guiado pela carne ou pelo Espírito é algo que pode ser distinguido objetivamente (cf. 5.19-23). A nossa velha natureza é secreta e invisível; mas as suas obras se manifestam de forma pública e evidente. Portanto, estas listas de vícios e virtudes fornecem um critério objetivo para avaliarmos a vida no Espírito ou na carne. 

Deste modo, Paulo opõe-se ao entusiasmo espiritual que afirma viver pelo Espírito, enquanto a vida de uma pessoa é marcada pelas "obras da carne". Onde há pecado sexual, egocentrismo, idolatria, contendas e brigas e vidas dissolutas sob o controlo de drogas e álcool, a carne está no controlo. Onde há amor, harmonia, alegria, perdão e bondade, vemos o poder do Espírito.

Isto contradiz o evangelho da graça barata, o qual afirma que pessoas podem ser regeneradas e nunca evidenciar qualquer progresso na vida cristã. Os antinomianos precisam ler esta porção de Gálatas, a fim de perceberem a solene advertência de Paulo. Se esses ou pecados semelhantes são sua prática regular, deliberada e impenitente, você não herdará o reino de Deus.

Em contraste com as obras da carne, Paulo apresenta o fruto do Espírito: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros” (vv. 22–26).

Em contraste com os desejos da natureza pecaminosa, o "fruto do Espírito" é um resultado natural da união do crente com Cristo. O “fruto” no singular sugere que essas qualidades são uma unidade, todas presentes em algum grau na vida de cada crente.

Paulo está a admoestar os crentes a não caírem nas obras da carne e a manifestarem o fruto do Espírito. Isto diz-nos que os cristãos têm de batalhar contra a velha natureza. Há um elemento da carne que permanece no cristão e que precisa estar sob escrutínio constante da Palavra de Deus e sob a disciplina do Espírito Santo, para que sejamos convencidos de pecado, fujamos dele e procuremos cultivar o tipo oposto de prática (Mt 7.20).

Não devemos ficar desanimados e pensar que não somos cristãos se estivermos empenhados numa luta contra o pecado. A oposição entre a carne e o Espírito é a vida cristã normal. A guerra contra o mundo, a carne e o diabo continuam até o dia da nossa morte ou da nossa glorificação final por ocasião da Segunda Vinda de Cristo.

Não devemos pensar, no entanto, que a perspetiva bíblica da vida cristã é fundamentalmente pessimista. Esta passagem ensina que os crentes que vivem pelo Espírito não irão realizar os desejos da carne. Os crentes desfrutam de uma vitória substancial, significativa e observável em sua nova vida em Cristo. A presença fortalecedora do Espírito concede aos crentes a habilidade de vencer os desejos pecaminosos.

Pelo facto de vivermos no intervalo entre o já e o ainda não, a perfeição não é nossa porção em nossa peregrinação nesta vida. Mesmo assim, os crentes possuem as primícias do Espírito e são uma nova criação (2 Co 5.17) e, portanto, podemos ser otimistas sobre a nova vida que é possível para os salvos em Cristo.

Paulo acrescenta que os crentes não receberam o Espírito através das obras da lei, mas quando responderam a mensagem do evangelho com fé (3.2, 5). A lei pode prescrever certas formas de conduta e proibir outras, mas amor, alegria, paz e o resto não podem ser cumpridos sem a capacitação do Espírito Santo. 

Portanto, a resposta ao domínio do pecado não é a lei, mas a cruz de Cristo e a dádiva do Espírito Santo. Se seguirmos a direção do Espírito, não viveremos sob a tirania do pecado e da consequente condenação da lei.

Considere agora como deveriam ser alguns aspetos do fruto do Espírito na vida dos crentes.

a. O amor é a marca da nova vida em Cristo (cf. 1 Cor 13). Na verdade, o amor dos crentes pelos outros está enraizado no amor de Deus derramado em seus corações pelo Espírito Santo (Rm 5.5). O amor é o coração e a alma da ética cristã, pois é o amor que cumpre a lei (Rm 13.8-10; Gl 5:14). O amor é a qualidade que deve governar os nossos relacionamentos pessoais. O amor reflete a maneira pela qual Deus escolheu lidar com a humanidade pecadora na pessoa, palavra e obra do Senhor Jesus Cristo. 

b. A alegria também é uma obra do Espírito Santo (cf. Rm 14.17) e não pode ser atribuída à capacidade humana. Como cristãos que andam no Espírito de Deus, não devemos ser rabugentos.  Entretanto, a alegria do Espírito não impede a tristeza ou a experiência de sofrimento e aflição. O facto é, como Paulo ensina noutra epístola, que devemos aprender a alegrar-nos em todas as coisas (Fp 4.4). A razão básica para nossa alegria é nosso relacionamento com Deus.  

c. A paz é o resultado da obra do Espírito (Rm 14.17). O termo "paz" indica integridade nos relacionamentos, sobretudo do relacionamento de uma pessoa com Deus. Os crentes em Cristo recebem esta paz, que protege a mente (Fp 4.7) e os relacionamentos (Cl 3.15) e deve ser a principal dinâmica relacional no lar (1 Co 7.15) e na igreja de Cristo (1 Co 14.33). 

d. A longanimidade ou paciência é uma obra do Espírito de Deus quando alguém enfrenta situações e pessoas difíceis sem perder a serenidade. Todos os frutos que somos chamados a produzir imitam o próprio caráter de Deus. E, se podemos dizer que alguém é longânimo (paciente), este alguém é Deus. Ele é tardio para se irar. Ele é paciente e dá a seu povo tempo para que se volte para ele. Devemos imitar a Deus em sua longanimidade (Ef 5.1). 

e. Benignidade e a bondade são atributos do próprio Deus (cf. Sl 34.8; Lc 6.35; 1 Pe 2.3) e deve ser praticada pelo crente por meio de refletir a bondade de Deus ao relacionar-se com os outros (Ef 4.32). Ser bondoso é ser amoroso e atencioso para outros. Estas virtudes também devem caracterizar todo crente. Os crentes imitam a Deus e a Cristo sempre que são generosos e amorosos com os outros, mas especialmente ao estender a benevolência àqueles que não retribuem com amor (Gl 6.9). 

f. A palavra traduzida como "fidelidade" (πίστις) muitas vezes significa "fé", mas numa lista de virtudes como esta quase certamente significa “fidelidade" ou “lealdade” (como em Tt 2.10). Fidelidade sugeri constância em face da perseguição ou das perdas pessoais. Aqueles que são guiados pelo Espírito são leais e confiáveis, e pode-se contar com eles para cumprir suas responsabilidades. 

g. “Mansidão” ou “gentileza” indica uma brandura que não é facilmente provocada (2Co 10.1) e inclui a noção de mostrar consideração pelos outros (Ef 4.2; Cl 3.12). Aqueles que pecam devem ser reprovados gentilmente (6.1), com a mesma gentileza que caracterizou o Senhor Jesus Cristo (2 Co 10.1). Uma pessoa mansa sabe moderar o uso da sua força menos do que possível em determinada situação. Esta é a maneira como manifestamos o fruto espiritual da mansidão (Mt 5.5; 11.29). 

h. O “domínio próprio” ou o “autocontrolo” é a virtude para exercer domínio sobre seus próprios impulsos e faculdades. Aqueles que têm autocontrole são capazes de conter-se na hora da tentação.

Enfim, estas virtudes são agradáveis a Deus, são benéficas aos outros e boas para nós. Este fruto do Espírito é produzido quando os cristãos vivem em comunhão com o Senhor. O Espírito Santo transforma-nos para sermos semelhantes a Cristo (2Co 3.18). Isto é o que Deus quer de nós. Não é tanto o que fazemos, é o que somos que agrada ou entristece o Espírito Santo.

Por outro lado, há uma diferença entre “ser guiado pelo Espírito” (5.18) e “andar pelo Espírito” (5.16,25), pois a primeira expressão está na voz passiva, e a segunda, na ativa. É o Espírito quem guia, mas quem anda somos nós. 

 

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Referências: Lopes, H.D. 2011. Gálatas: A Carta da Liberdade Cristã. SP: Hagnos. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão. / Moo, D.J. 2018. The Letters and Revelation. (In Carson, D. A, ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 2109–2110). / Rapa, R.K. 2008. Galatians. In T. Longman III & Garland, D. E., ed. The Expositor’s Bible Commentary: Romans–Galatians (Revised Edition). Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 631–632. / Shreiner, T. R. 2010. Galatians, Grand Rapids, MI: Zondervan. / Sproul, R.C. 2017. Somos Todos Teólogos: Uma Introdução à Teologia Sistemática. São José dos Campos, SP: Editora FIEL.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes