ESPERANÇA VITALÍCIA

 

Salmos 71 

A velhice representa uma nova época de conflitos e temores: medo do abandono, medo de tornar-se um peso para os familiares, medo da invalidez ou de perder a sanidade mental e medo de que as pessoas tentem tirar vantagem. Não se trata de temores novos. 

No salmo 71, encontramos a oração de uma pessoa idosa (71. 9, 18), cuja devoção a Deus é vitalícia (vv. 5, 6, 17), ele havia sido sustentado pelo Senhor (v. 6) e, em sua juventude, havia sido instruído por Ele (v. 17). O salmo apresenta-nos um servo de Deus preocupado com as dificuldades da velhice (vv. 9, 18). Ele descreve um idoso piedoso que precisava da proteção e do livramento do Senhor (vv. 4, 10, 13, 24).

Mesmo em sua velhice, o salmista vê-se cercado por homens perversos, de cujas garras ele busca livrar-se (v. 4). Ele anuncia sua confiança no Senhor (v. 1) e ora para que nunca seja [...] confundido, mas liberto pela justiça do Senhor e capacitado a escapar da maldade das pessoas impiedosas (v. 2). Ele pede para que o Senhor seja a sua habitação forte, a rocha e fortaleza à qual possa recorrer continuamente Ele sabe que pode dirigir-se a Deus em qualquer circunstância (v. 3), louvá-lo em qualquer ocasião (v.v. 6, 8, 15, 24) e esperar sempre nele (v. 14). Ele sabe que o Senhor é uma “rocha de habitação”, um lugar de habitação segura para o seu povo (Sl 90.1). Ele aprendeu a confiar em Deus desde o nascimento não ficará desamparado durante a velhice e sempre terá motivos para louvar, ao reconhecer a graça de Deus operando em sua vida desde o nascimento (v. 5, 6).

Temos aqui o belo quadro de alguém, já avançado em idade, que pode olhar para a sua vida passada com a convicção alegre de que viveu na comunhão e na dependência de Deus; e que, apesar das dificuldades, Deus esteve com ele, sustentando-o em todos os momentos (v. 5, 17). O Senhor que o havia acompanhado desde o útero de sua mãe, não iria abandoná-lo agora em sua velhice (vv. 5, 15). Deus não deixará seus servos desamparados quando faltar-lhes o vigor. Como diz a Escritura: “Serei o seu Deus por toda a sua vida, até que seus cabelos fiquem brancos. Eu os criei e cuidarei de vocês, eu os carregarei e os salvarei” (Isaías 46.4).

A confiança que o salmista põe no Senhor não é uma confiança recém-encontrada, mas uma que recua aos próprios primórdios de sua vida (vs. 5, 6). O salmista tornou-se um portento ou um poderoso sinal de Deus para muitos, em virtude da profundidade de seu sofrimento e rejeição e, muito provavelmente, por causa das libertações milagrosas de Deus em sua vida. As pessoas estavam admiradas com a vida deste idoso. Talvez alguns entendiam que sua resiliência nas tribulações demonstrava o cuidado de Deus; outros, por sua vez, desconfiavam que tais tribulações representavam o castigo divino. 

Apesar dos altos e baixos de sua vida, Deus sempre foi um forte refúgio; por isso, o salmista deseja louvar e falar continuamente sobre a glória do Senhor (v. 7-8). A glória de Deus era o que ele queria proclamar constantemente (v. 8).

A velhice, com sua força debilitante (v. 9), havia sido erroneamente entendida pelos seus inimigos (v. 10) como uma indicação de que Deus o havia desamparado (v. 11) e que não haveria ninguém para livrá-lo. No entanto, este não é o caso, e o salmista ora pela proximidade do seu Deus (v. 12) e para que os seus adversários sejam confundidos (v. 13) - envergonhados e humilhados (vv. 13, 24).

Mesmo neste estágio de sua peregrinação terrena, havia pessoas perversas que tramavam contra ele (v. 10). Seus acusadores queriam prejudicá-lo, isso pode incluir qualquer coisa, desde prejudicar sua reputação até confiscar sua propriedade ou o homicídio. 

Apesar das pressões de fora e de dentro, o salmista não desistirá de ter esperança (v. 14) - “quanto a mim, esperarei sempre” - e, sim, louvará o Senhor cada vez mais, relatando as bênçãos da sua justiça e da sua salvação todo o dia (v. 15). A expressão: posto que não conheça o seu número mostra que as misericórdias de Deus são incontáveis - “nunca poderemos contá-las na sua totalidade”. Embora suas forças estejam debilitadas, ele sairá na força do Senhor Deus (v. 16). 

Seu apelo, portanto, baseia-se tão somente em sua confiança no poder de Deus e a prontidão em livrá-lo. Seu apelo é para que Deus o defenda, e ele espera ver o juízo divino sobre seus inimigos. O seu louvor é centrado na justiça divina (“no endireitar das coisas"), que é explicado posteriormente como sua salvação e seus atos poderosos. 

Quando confiamos em Deus, as tribulações da vida trabalham a nosso favor, não contra nós, e nos conduzem à glória - “a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente… (2 Co 4.17-18). “… nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5.2-5).

O versículo 17 ilustra o compromisso pessoal que cada parte tem no relacionamento: Ensinaste-me, ó Deus, desde a minha mocidade, e eu anuncio seus feitos maravilhosos. Ao avistar o fim da vida, ele ainda deseja declarar à geração vindoura as grandes coisas que Deus tem feito. O salmista sabe que é fundamental que a fé seja transmitida de geração em geração (Dt 6.7; Dt 5.2-3; 29.14-15; Js 24.25–27).

A pergunta retórica “quem é semelhante a ti?”, no versículo 19, “ensina-nos a lição de que devemos abrir caminho através de todo impedimento pela fé e considerar o poder de Deus como superior a todos os obstáculos. A maioria das pessoas confessam com a boca que ninguém é como Deus; mas dificilmente há uma entre cem que esteja verdadeira e totalmente convencida de que somente Ele é suficiente para salvar-nos”(Calvino).

O salmista fez uma retrospetiva de sua vida de tribulações; olhou ao redor e viu seus inimigos; viu a velhice e seus problemas (v. 20). Porém, quando olhou para o alto e percebeu que a justiça de Deus "eleva-se até aos céus" (v. 19), encheu-se de confiança e deixou as preocupações com o Senhor. Ele reconhece que seus problemas estavam sob o controlo de Deus.

Somos ensinados que as tribulações em si não sinalizam o abandono de Deus - ao contrário, são um tempo para buscar refúgio Nele (v. 20, v. 1). Deus não conduz o seu povo neste mundo num equilíbrio estável, mas numa vida de provações e restaurações. Deus não nos poupa do sofrimento, mas caminha connosco pelo sofrimento – "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo …” (Sl 23.4). A vida cristã não é indolor. Os cristãos não estão imunes aos sofrimentos desta vida. O Filho de Deus sofreu e aqueles que seguem o Filho de Deus irão sofrer (1Pe 4.12).

A Escritura exorta os servos de Deus a permanecerem firmes “na fé, pois que por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22; v. tb. 2 Tm 3.12). Jesus advertiu-nos: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” (Jo 16.33). A Escritura ensina-nos, entretanto, que Deus transforma as circunstâncias adversas em benefício para nós (Rm 8.28).

Assim, por meio da lira, o salmista celebrará a verdade de Deus e, tocando a harpa, louvará o Santo de Israel (v. 22). A fidelidade e a santidade de Deus formam o tema do louvor (v. 22). A santidade de Deus é vista no modo como ele redime seu povo (v. 23).

Por fim, o salmista falará da justiça de Deus todo o dia (24): justiça no sentido do seu ato salvador de libertação. Do mesmo modo, a igreja deve proclamar a justiça de Deus, e ensinar a toda a sua posteridade não apenas em tempos de paz, mas todos os dias, mesmo nos tempos mais perigosos, quando tiranos exigirem nosso silêncio com ameaças cruéis.  

 

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Referências: Carson, D. A., ed. 2018. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, p. 957–959. / Crossway Bibles. 2008. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, p. 1023–1024. / Fee, G. D. e Robert L. Hubbard, R. L, ed. 2011. The Eerdmans Companion to the Bible. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, p. 336-337. / Gasque, W. W.; Hubbard, R. L. and Johnston, R. K, ed. 2012. Understanding the Bible Commentary Series. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2012, p. 290-294. / Geoffrey W. Grogan, G. W. 2008. Psalms, The Two Horizons Old Testament Commentary. Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, p. 130–131. / Harman, A. 2011. Salmos: comentários do Antigo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã, p. 266–269. / MacDonald, W. 2011. Comentário Bíblico Popular: Antigo Testamento. SP: Mundo Cristão, p. 443–444. / Motyer, J. A. 2009. Os Salmos. (Em Carson, D. A, ed. Comentário Bíblico Vida Nova. SP: Vida Nova).  / Selderhuis, H. J., George, T. F. e Manetsch, S. M. 2018. Salmos 1–72: Comentário Bíblico da Reforma. SP: Cultura Cristã.

 

Pr. Leonardo Cosme de Moraes